Pandora Lestrange
Capítulo XXII
I get back up and I do it again
I get back up and I do it again
Um leve ruído de origem desconhecida alcançou seus ouvidos, e, de repente, ela acordou. Não quis abrir os olhos; mas distinguiu, além do barulho cujo volume se tornava mais e mais alto, o toque macio dos lençóis contra sua pele. Inspirou profundamente, reconhecendo o cheiro de seu quarto, e decidiu de uma vez por todas que jamais tornaria a se levantar dali. Estava tão confortável...
Não se lembrava de como havia chegado ali. Apenas ajeitou o grosso cobertor sobre si e virou-se para o lado a fim de fugir do barulho incômodo que a perturbava enormemente. Que seria aquilo? Lembrava-se de já tê-lo escutado alguma vez...
Um choro.
E então a verdade a atingiu com uma força brutal, e ela abriu os olhos, já arregalados de espanto. Assustada, Bellatrix voltou os olhos para o local de onde o choro provinha, e encontrou o ocupante do berço berrando a altos brados.
Oh, Merlin, que diabos faria agora?
“Ela deve estar com fome” – disse uma voz feminina conhecida.
Não respondeu. Aproximou-se do berço; podia ver uma cabeleira negra emergindo de um amontoado de cobertores, tremendo no berço.
Então ergueu a trouxinha morna nos braços, sentindo o peso leve do bebê contra o peito. Afastou o pedaço de pano que cobria o rosto da criança, permitindo-se observa-la pela primeira vez, e sorriu irresistivelmente. Os olhinhos eram fendas enrugadas, mas era possível distinguir sua cor: um olho verde, outro azul. Os cabelos, fartos cachos negros, caíam graciosamente sobre a cabeça, e o rostinho estava contraído numa expressão de desgosto. Os braços moviam-se, rebeldes, tentando escapar de sua prisão de lã e cetim negros.
“É tão pequena...” – disse, suspirando.
“Ela nasceu bem antes do tempo” – respondeu Narcisa. Ela observava a sobrinha, mas não sorriu.
Levou-a ao seio, que a pequena sugou furiosamente, faminta como estava. A irmã a observava sorrir enlevada, mas não fazia o mesmo. Seu olhar estava vago, perdido, o que levou Bella a perguntar; desviando o olhar da criaturinha que mamava com vontade:
“O que houve?”
Narcisa desviou o olhar e pôs-se a brincar com o móbile encantado do berço. Alguns minutos de um constrangedor silêncio depois, ela respondeu:
“Ela não está nada bem. O bebê, você sabe...”
“Como assim?” – Bella retrucou com hostilidade.
Narcisa se demorou mais um pouco, antes de tornar a falar.
“Bem, para ser sincera, não estou certa de que ela vá viver muito”.
“É... O quê?”
Narcisa suspirou desconfortável. Surpreendeu o olhar de Bella; um esgar de choque, e desatou a falar nervosa e descontroladamente.
“Ah, Bella, eu sinto muito; o Lorde das Trevas a encontrou quase morta, o bebê nasceu muito antes do tempo, vocês estiveram muito perto da morte, e... Francamente, as chances de ela sobreviver são mínimas... Eu sinto, sinto muito...”
[...]
“Pandora, foi esse o nome que você escolheu para ela?”
Bella confirmou com a cabeça. O Lorde das Trevas observava atentamente a criança que dormia anormalmente quieta, coberta no berço.
“Pandora Lestrange, é um bom nome” – disse, e virou-se para ela – “Ninguém deve saber da verdadeira paternidade dessa criança, está entendido?”
E ele a encarava com aqueles olhos castanhos e frios que a faziam se arrepiar toda. Ainda agora sentia aquele inexplicável magnetismo que fluía dele e a atraía para perto. Mas a memória da tortura permanecia fresca em sua mente.
As mãos de dedos longos e finos se precipitaram para o berço, e apanharam a criança; segurando-a descuidadamente. Pandora abriu os olhos, encarando os do pai profundamente. Seu rostinho se contorceu em caretas incomodadas, mas ela não chorou. Era, de fato, uma criança muito quieta, estranhamente quieta.
“É um tanto irônico que ela tenha nascido neste dia” – disse Voldemort despreocupadamente, mas sua voz denotava um vago traço de irritação – “Trinta e um de julho, você sabe... É o dia em que Harry Potter nasceu, também.”
“Milorde...” – falou Bellatrix de súbito – “Me disseram que a criança provavelmente não sobreviveria muito... Há alguma coisa que se possa fazer?” – ela parecia decididamente desesperada.
“Sinto muito, Bella.” – ele disse friamente, não parecendo sentir coisa alguma – “Você foi achada em condições... lastimáveis.
“Milorde, por favor...” – ela implorou, chorosa
“Lamento, não há nada que se possa fazer.” – ele disse, desviando os olhos e devolvendo Pandora a seu berço.
A menina remexeu-se em sua trouxinha de tecido negro, e tornou a adormecer.
“O senhor não se importa...? Digo, com o fato de ser, sabe...Uma menina...?”
“Preciso de um bruxo, não um soldado. Que diferença faz o sexo, contanto que seja capaz de empunhar uma varinha?” – ele disse secamente – “Não, não faz nenhuma diferença; eu já lhe disse que quero um servo, não um herdeiro”.
“Então ela não receberá seu nome, senhor?” – perguntou Bella cautelosamente
“Não, claro que não. Você não gostaria mesmo de manchar o nome da família tendo um filho de sobrenome trouxa, não é?” – disse rudemente, e Bella corou levemente.
“Tenho certeza de que ela será uma bruxa à altura do sangue que carrega, senhor” – ela respondeu.
Se ela sobreviver... – pensou Bella com um arrepio.
Pandora dormia, quieta como sempre. Respirava com alguma dificuldade, e parecia tão frágil e pequena... Se ao menos pudesse manda-la para um hospital ou coisa assim... e em três tempos estaria de volta a Azkaban.
Pandora... Lembrava de ter visto o nome em um livro de mitologia trouxa. Aquela que abrira a caixa contendo todos os males do mundo, deixando a esperança no fundo... Bem apropriado.
O Lorde das Trevas se fora, junto com Narcisa. Bella supunha que a irmã se sentia um tanto culpada, talvez julgasse que poderia ter feito alguma coisa... Mas não. Pandora sairia viva, tinha certeza...
Estendeu a mão para tocar o rosto delicado do bebê, que soluçou sem abrir os olhos. A respiração era curta e falhada, e ela era mesmo tão pequena que tinha medo de machuca-la só de pegar...
“Pandora Riddle…” – sussurrou, como se temesse que o Lorde das Trevas a ouvisse…
Absurdo pensar que a filha do Lorde das Trevas morreria! Não, sua Pandora estava a salvo... Protegida como Ele sempre a mantivera. Protegida do julgamento cruel daqueles que eram incapazes de compreender o significado da missão em cuja obra trabalhava tão ardorosamente...
[...]
A chegada de Pandora trouxera drásticas mudanças à rotina da Mansão. Voldemort percebera isso quando, no meio da noite, ao levantar-se para ir ao banheiro, dera de cara com uma Bellatrix voltando da cozinha com uma mamadeira na mão. Desconcertados, ambos preferiram ignorar aquele encontro inusitado.
Bem, Bella esforçava-se. Mas a verdade é que alguém como ela simplesmente não nascera para ser mãe. E Bellatrix se desesperava ao ver o estado da filha. Sinceramente, ele não dava mais de uma semana de vida para a criança. Não que realmente se importasse, mas era lastimável ver sua Bella naquele estado de desespero. Se sanidade não era exatamente sua melhor qualidade, ele temia o que aconteceria quando Pandora morresse.
Todas as circunstâncias que envolviam o nascimento da criança eram desfavoráveis... Ele lembrava-se de tê-la encontrado desacordada, em trabalho de parto adiantado, abrigada da chuva no meio do jardim. A criança nascera envolta pelo cordão umbilical, e quase a dera por morta. Supunha ter parte da culpa no processo; talvez a sessão de Cruciatus não tivesse lhe feito muito bem, mas... Bella precisava arcar com as conseqüências de seus atos.
Ele se perguntava quando é que passara a ter pena dela. Não, aquilo definitivamente não era bom... Sentir vontade de consola-la ao vê-la chorar. Vontade de abraçar, reconfortar. Essa incapacidade de mata-la. Por que não conseguia mata-la? Quando é que ela tinha deixado de ser Bellatrix Lestrange para se tornar sua Bella? Tudo isso era muito confuso, e o que ele mais queria era poder esquece-la... Mas então um choro alto invadia seus ouvidos e o despertava para a realidade. Bellatrix apressava-se para acudir a filha, mas a criança simplesmente não parava de chorar quando começava. Três dias com Pandora no quarto ao lado, e ele já exercitava a paciência controlando-se para não mata-la de vez.
“Você não pode mantê-la calada por alguns segundos?” – ele rosnou, tarde naquele dia.
“Desculpe, senhor” – Bella respondeu, aflita – “Ela está ardendo em febre...” – e tentou silenciar o bebê com uma mamadeira, mas Pandora também não queria comer.
“Pobrezinha...!” – era o que Narcisa exclamava sempre que via a sobrinha.
As visitas à Mansão Malfoy haviam tornado-se cada vez mais freqüente, agora que Draco também se fora, lançado ao mundo e seguindo os passos de Harry Potter juntamente com Snape, seu protetor. Lúcio prosseguia preso sob o claustro de Azkaban, e a comunicação com a família totalmente cortada. Narcisa enfim conseguira pôr as mãos no dinheiro que era de seu dinheiro, com a maioridade de Draco. Mas a solidão continuava assolando a última integrante livre do clã Malfoy. A falta de amigas para fofocar estava enfim se refletindo no exterior normalmente orgulhoso e altivo de Narcisa Malfoy.
“O Lorde das Trevas se pronunciou? Digo, a respeito de Pan?” – Narcisa perguntou.
“Ele só reforçou o que tinha dito antes” – ela respondeu – “Pan será uma Lestrange, e uma serva leal, e assim espero” – seu tom não deixava margem para dúvidas acerca de sua certeza absoluta sobre o futuro de Pandora.
Bella buscou uma mãozinha perdida entre as dobras do pano, que agarrou-se em seu dedo. Os olhos bicolores piscaram para ela. Os cachos negros se confundiam com os seus próprios. Era um bebê muito bonito, apesar de tudo. Acariciou de leve as bochechas pálidas com a ponta do longo dedo, e sorriu. Pan tornou a fechar os olhos, bocejou, e adormeceu.
“Há dias que ela tem febre, e não come nada”. – disse, por fim.
Narcisa não respondeu, mas suspirou cansada. Bella não parecia querer aceitar a realidade, e não tornaria a discutir aquilo com ela. Era bom demais ter feito as pazes com a irmã.
“Tenho certeza de que ela vai melhorar em breve” – disse
Mas Bella podia ver em seus olhos, por dentro de sua mente, que não era exatamente aquilo que Narcisa achava. Para a irmã, Pandora tinha os dias contados.
“Curioso; o Lorde das Trevas diz que ela nasceu no dia do aniversário de Potter” – disse Bella despreocupadamente.
“Eu me pergunto o que aconteceria se essa notícia chegasse aos ouvidos da Ordem”
“Prefiro sequer pensar nisso” – respondeu; um arrepio percorrendo sua espinha – “Provavelmente daria um jeito de a raptar ou coisa assim”
Como se ele fosse se importar... – pensou Bella com amargor
“A Ordem se acha muito superior para se utilizar desse tipo de... artifício” – disse Bella
“Ah, não, Bella. Você não sabe... Com Dumbledore morto e tudo que aconteceu envolvendo Snape... Eles estão bem mais... cruéis. Não sei se você sabe, mas eles pegaram Rabastan anteontem... Bem, ele está morto. O corpo foi encontrado em condições lastimáveis”.
[...]
Por que não conseguia mata-la?
Essa pergunta martelava em sua cabeça havia dias. Não que Bella tivesse, necessariamente, feito alguma coisa para merecer ser morta. Mas... Por Merlin, era angustiante aquela sensação. Ela parecia ter penetrado a redoma que cercava seu mundo interior. Não aquela do suposto círculo interno dos Comensais supostamente “favoritos”; não, ela estava bem além daquilo... Não havia sequer mais competição entre eles. Bellatrix era vista como uma espécie de rainha, uma vice, até – e isso o perturbava profundamente. Perder as rédeas de sua própria vida. Não, isso não podia acontecer. Não deveria ser incapaz de matar alguém. Nenhum Comensal poderia passar de um simples servo. Lixo. Uma rês no meio do gado marcado a fogo com a sua marca.
Bella estava interferindo demais em sua vida. Ocupando seus pensamentos com paradoxos inúteis. Ia mata-la, e a maldita criança também. Naquela noite. E não iria falhar.
A noite caía gelada, e uma fina névoa encobria o ar. Mais tarde, gotículas de orvalho se depositariam nas folhagens fartas do jardim mal-cuidado da Mansão. Não havia lua no céu; a escuridão era total. Os corredores estavam vazios e silenciosos como sempre. O único ruído vinha do lado de fora; o suave murmurar do vento que sacudia os arbustos...
Calmo. Ele se mantinha calmo. A luz da varinha abriu caminho em meio à escuridão veludosa que o cercava. Seria rápido. Se lhe perguntassem, ele não responderia. Ninguém devia saber daquilo... Seus sentimentos... Ele não os tinha.
Bellatrix dormia a sono alto, e tinha Pandora presa nos braços. A criança parecia ainda menor do que da última vez que a tinha visto... Os cachos negros de Bella derramados na fronha alva do travesseiro lembravam brilhantes cobras cor de obsidiana. O peito que subia e descia tranqüilamente e a pele alva lhe emprestavam um certo ar angelical.
Ajoelhou-se ao lado da cama, e a varinha escorregou involuntariamente por entre seus dedos, indo cair com um leve estrépito no chão. A mão direita que a segurava ergueu-se na direção do corpo pousado na cama. Afastou uma mecha de cabelo que cobria o rosto de Bella, e pôde observar os traços finos que pareciam esculpidos por anjos, mesmo após tanto sofrimento. A pele parecia deslizar sob o toque delicado de seus dedos na bochecha macia. Desenhou uma reta até encontrar os lábios vermelhos e mornos e seguiu traçando o contorno destes. Percebeu que ofegava um pouco, e estava ligeiramente nervoso; a mão suava. Buscou a varinha com a outra, então.
Levantou-se. Apontou a varinha para a cama. Fechou os olhos...
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