Indiferença
Capítulo VI
Why do you love me?
It’s driving me crazy!
Uma voz grave e arrastada entrava por seus ouvidos, conforme Bella recobrava a consciência.
“Como você está se sentindo, Bellatrix?”
Recusou-se a abrir os olhos. Seria vergonha demais encara-lo novamente.
“Você sente alguma coisa?” – Ele tornou a perguntar
A verdade é que Bella não sentia nada. Absolutamente nada. Até mesmo os arrepios que sempre se seguiam aos seus encontros com o Lorde das Trevas haviam sumido.
Era como... Se estivesse anestesiada por dentro.
“Não.” – Respondeu, finalmente abrindo os olhos e reconhecendo seu próprio quarto. Curiosamente, não se sentiu frustrada. – “O que tinha no bolo?”
“Poção da Indiferença”
Bellatrix piscou confusa.
Mas o que aquilo tinha a ver com um bolo de chocolate, por Merlin?
“Certo sentimentos...” – Ele parecia ligeiramente constrangido – “Atuam como uma droga no cérebro... Estimulam certas sensações... Se eu lhe ministrasse a poção pura, seria como arrancar todo e qualquer sentimento que houvesse dentro de você; seria algo como um beijo do dementador. Então é preciso buscar um substituto que estimule a mesma sensação, compatível com o sentimento que se deseja expurgar. Você nunca se perguntou por que a maioria dos... ah, desiludidos amorosos... buscam consolo no chocolate?”
Bella achou ter ouvido a voz dele ligeiramente trêmula. Abaixou a cabeça e escondeu o rosto no travesseiro, sem responder nada.
A poção poderia impedi-la de amá-lo, mas não podia impedi-la de se sentir ferida por dentro, como se algo muito importante tivesse sido arrancado dela, e agora sangrasse, e continuaria sangrando até morrer...
Bem, a sensação não era muito pior do que a de antes, como se nadasse para tocar o horizonte...
Talvez devesse simplesmente acabar com aquela tormenta...
Ela o observou sair do quarto bufando e resmungando coisas ininteligíveis.
Então seus olhos se voltaram para a janela aberta do quarto. Será que uma queda do terceiro andar seria suficiente?
Não – Ela disse para si mesma – Seria necessário algo mais certeiro, mais letal...
O Lorde das Trevas certamente não permitira seu acesso ao seu estoque pessoal de venenos, nem a mataria de bom grado.
Deslizou para fora da cama, vestida apenas com o fino camisola de seda e totalmente descalça.
Lá fora, a neve caia com força e castigava o vidro das janelas, fazendo as árvores desfolhadas vergarem em direção ao solo; cada mínima fresta de porta fazia o vento passar por ela, assoviando fantasmagoricamente.
Os habitantes da Mansão Riddle já haviam se recolhido às suas respectivas alcovas e ninguém a viu passar silenciosamente, pé-ante-pé, até a porta de trás que saía para o jardim coberto por um tapete de neve branca e fofa que subia até quase seus joelhos.
Uma brisa feroz e gelada trouxe um punhado de neve contra o seu rosto, mas Bella não fez nada além de abraçar os próprios ombros, num esforço inútil de se aquecer.
Caminhou até a massa de água congelada que era o lago artificial quase seco do jardim, e sentindo os pés dormente do frio, andou até o meio dele, surpresa que o gelo não rachasse sob o seu peso. Então deitou-se na superfície gelada do lago e olhou para o céu.
Tentou contar as estrelas – mas eram muitas. Tentou observar o brilho lácteo da lua cheia – mas ela era brilhante demais, e a fazia lembrar de coisas que não devia...
“Bellatrix Black – é esse o seu nome?”
Ela fez que sim com a cabeça.
Agora entendia porque aquele homem era chamado de Lorde das Trevas.
Seu poder era quase palpável, e ela podia sentir pequenas agulhas perfurando sua própria aura; agulhas de puro poder mágico.
“Então você quer se tornar uma Comensal da Morte?”
“Quer sim, senhor. Para expurgar o mundo da ralé de Sangue-ruim”
Ele sorriu e apanhou seu braço esquerdo.
“Você me jura lealdade eterna, Bellatrix?”
“Juro.”
“Você jura que fará de tudo para satisfazer seu Mestre, e acatará cada ordem minha?”
“Juro”
“E jamais trairá minha confiança, de maneira alguma, ainda que tenha que sacrificar sua própria vida para que meus desígnios sejam cumpridos?”
“Juro”
“Morsmordre!”
E um desenho como uma tatuagem vermelha começou a tomar forma em seu antebraço esquerdo; os contornos de um crânio macabro foram sendo desenhados.
Ela surpreendeu um sorriso de cruel satisfação no rosto pálido de seu Mestre.
E um olhar indecifrável, mas que para ela poderia ser uma mistura de orgulho e felicidade genuína.
A neve se acumulava sobre seu corpo, envolvendo-a numa espécie de mortalha branca e gelada.
Sua respiração leve e falha, que formava uma densa névoa de vapor condensado, era a única coisa que denunciava sua presença. No todo mais, estava perfeitamente camuflada sob a neve.
Já sentia seu corpo amolecendo e a letargia voltando, enquanto era envolvida numa deliciosa sensação de tranqüilidade.
Ouvia de longe os murmúrios surdos de pessoas gritando e implorando, murmúrios sussurrados de dois jovens amantes no leito nupcial, murmúrios de brigas familiares que se resumiam a simples sussurros quase inaudíveis que ecoavam dentro de sua mente sonolenta.
E então um leve cheiro de uísque de fogo e pimenta invadiu suas narinas, trazido pelo vento forte do inverno. Abriu os olhos, atenta, mas não ousou revelar sua posição.
O Lorde das Trevas acabara de sair pela mesma porta que ela, reclamando baixinho de alguém tê-la deixado aberta. Ele andou a passos rápidos até o outro lado do jardim, longe do lago congelado que Bellatrix fazia de futuro leito fúnebre, mas de modo que ela ainda podia lhe ouvir. Ele não parecia ter notado a sua presença.
Voldemort carregava no rosto uma expressão totalmente nova para ela. Bellatrix sentiu como se estivesse invadindo totalmente sua privacidade. Era como se o estivesse vendo nu – sem a máscara que ostentava perante seus servos.
No entanto, continuava sendo quem era, e andava a passos firmes e decididos, realmente raivosos, e praguejava baixinho.
Ele se abrigou da nevasca embaixo de uma árvore, mais próxima do lago, e apoiou os braços no tronco, com a cabeça entre eles. Fosse no que fosse que estivesse pensando, não era agradável.
De repente, socou com força o tronco da árvore e gritou um palavrão alto.
“Mulher maldita, o que ela pensa que eu sou?” – Ele falou em voz alta, mais para si mesmo.
Voldemort deslizou com as costas contra o tronco, sentando, e massageou lentamente as têmporas.
“Como se eu não tivesse coisas mais preocupantes para pensar... Apaixonada... Por que as pessoas simplesmente não vêem a loucura que existe nisso?”
Ele apertou as mãos contra os olhos com força e os fechou. Depois tirou as mãos do rosto e tornou a falar consigo mesmo:
“Ela sabe que não pode ser correspondida. Ela sabe...” – Ele falou, inconformado. – “Preciso pensar...”
Ele seguiu massageando as têmporas, pensando furiosamente e resmungando raivosamente
Depois de alguns minutos finalmente decidiu que era hora de voltar para dentro de casa; a neve já se acumulara em sua longa capa preta, e ele começava a tremer de frio.
Então, de repente, seus olhos bateram no par de pegadas frescas que seguiam até o lago, onde Bellatrix ainda estava parada, deitada de costas no gelo, rezando para que ele não a visse...
“BELLATRIX LESTRANGE, SUA MALUCA!” – Ele gritou alto, ao se deparar com o corpo trêmulo e arroxeado pelo frio intenso.
Seus olhos percorreram o camisola fino e os pés descalços, e ele sacudiu a cabeça negativamente.
“Pare de tentar se matar!” - Ele exclamou, levantando o corpo enregelado nos braços.
Ele percorreu o curto caminho de volta à casa segurando-a firmemente, até alcançar a porta do quarto.
“Qual é o seu problema?!” – Urrou raivosamente enquanto a jogava na própria cama.
Abriu o armário do vasto banheiro e derrubou um monte de frascos de poções variadas na pia, numa busca frenética. Os vidros se quebraram e os líquidos coloridos se misturaram, soltando uma leve fumaça, borbulhando, e então escorreram pelo ralo.
“Desculpe, Mestre, desculpe...” – Ela soluçava, ainda tremendo; as lágrimas escorrendo e manchando a fronha – “Eu queria acabar com isso, acabar com essa tormenta, eu sou um estorvo, um estorvo...!”
“Pare, Bella!” – ordenou rispidamente. Ela se calou imediatamente – “Você não é um estorvo. Azkaban fez mal você, está desequilibrada, e eu não permitirei que uma de minhas melhores servas se vá dessa maneira. Seja forte!”
Ele estendeu o frasco de Poção Restauradora vermelha e quente, que ela apanhou e bebeu sofregamente. Após um momento, o corpo foi recobrando o tom pálido-rosado natural, e ela finalmente parou de tremer, embora continuasse chorando descontrolada.
“Você deve voltar para sua casa. Não deveria estar aqui, de qualquer maneira.” – disse, tentando controlar a voz.
“Não!” – Bella exclamou – “Não quero voltar para aquela casa. Não quero ficar longe do senhor; eu sou... Sua serva.”
“ENTÃO SE CONTROLE! Será que não consegue manter sua luxúria sob controle?”
E sem que ela respondesse qualquer coisa, bateu a porta com força.
Bellatrix apenas teve tempo de enterrar o rosto no travesseiro para abafar o grito de ódio, revolta e frustração que soltou; enquanto sentia um novo fluxo de lágrimas grossas e quentes lavando-lhe o rosto.
[...]
Quando Voldemort voltou para o seu quarto, pouco antes do fim da noite, Bellatrix já não estava lá. A Comensal havia ido para seu próprio quarto quando do nascer dos primeiros raios de sol, antes que Rabicho acordasse – o animago costumava ser o primeiro da casa a acordar.
Quando retornou para sua própria cama, não sentia-se muito abalada pelo ocorrido. Talvez a poção ainda estivesse, afinal, fazendo efeito.
No entanto, como previa, não conseguiu dormir imediatamente. Pensava apenas que aquela era a terceira vez que o Lorde das Trevas salvava sua vida, e que apesar de tudo, ela não era um estorvo inútil.
A nevasca da noite anterior havia deixado seqüelas no jardim da Mansão, e mais de uma árvore havia sido arrancada do solo pelo vento. O lago estava, afinal, com uma grande rachadura dividindo-o, e já não seria possível caminhar por sua superfície.
Algumas semanas depois, o inverno finalmente começava a dar mostras de fraqueza e a Primavera chegava, transformando o que antes era neve em lama escorregadia.
As crianças do povoado, agora não mais entrincheiradas em casa e com medo de se perderem na neve alta, costumavam passar pela estrada em frente à casa, correndo, rindo e gritando, mas evitavam deliberadamente de se aproximar da casa, como se fosse mal assombrada. Várias vezes Bella se pegara perguntando o que o Lorde das Trevas fazia num vilarejo trouxa como aquele. Mas não ousaria perguntar.
Aliás, sua relação com seu Mestre havia esfriado visivelmente e até Rabicho reparava nisso, pois o quarto de Voldemort deixara de ser o primeiro lugar em que ele a procurava, sendo substituído pelo jardim dos fundos, onde Bella costumava passar horas e horas divagando a respeito de qualquer coisa. Tampouco recebera notícias de Narcisa, ou qualquer Malfoy. Mais de uma vez pensara em escrever uma carta para a irmã, ou até mesmo para o sobrinho, mas então se lembrava de sua incômoda situação de foragida e desistia logo.
Foi alguns meses após o ocorrido durante a gélida nevasca do último dia do ano, que Bellatrix decidiu que era hora de quebrar a monotonia de sua vida e ir além da Mansão Riddle.
Talvez fosse dar uma volta no Beco Diagonal – havia tantos anos que não aparecia por lá. Obviamente, não se arriscaria a ser presa novamente, e usaria um pouco de poção polissuco para se disfarçar. Um fio de cabelo de qualquer um dos trouxas que passavam ali por perto deveria servir.
Então levantou-se, e trilhou o caminho até o sótão. O Lorde das Trevas haveria de compreender sua necessidade de distrações.
Mas quando bateu na porta do escritório, ninguém respondeu. Ele não estava lá, nem tampouco no jardim, no quarto, na cozinha, nem em qualquer outro lugar da casa.
Dando de ombros, ela entrou no escritório. Certamente ele não daria por falta de um único frasco de poção, dentre centenas de que dispunha.
Verificando se realmente se encontrava sozinha, Bellatrix abriu a porta do armário e passou o dedo pelas inúmeras etiquetas que rotulavam os frasquinhos.
Haviam centenas deles, a maioria contendo poções letais, venenos, Veritasserum e antídotos mais poderosos. Mas não havia nenhum frasco com poção polissuco no armário.
Bella virou-se para ir embora, frustrada e já resignada com a idéia de ter de dar uma volta por Little Hangleton.
Quando então seu braço esbarrou num dos últimos frasquinhos, que caiu da prateleira, e ia quebrar contra o chão se ela não tivesse agido rápido e apanhado num reflexo.
Neutralizante – para qualquer poção não-letal – Dizia a etiqueta.
E então uma idéia louca se instalou em sua mente.
Abriu a tampa e bebeu todo o conteúdo transparente do vidro num só gole. Aguardou...
E subitamente ondas de calor, arrepios e um intenso frio na barriga se instalaram novamente nela. E a consciência de que estava no escritório dele sozinha martelava insistentemente em sua cabeça.
Bella não sabia se sorria ou se chorava.
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