Bolo de chocolate
Capítulo V
Why do you love me?
Why do you love me?
O que ela sentia por ele? Ah, como ele era tolo... Tão ciente de cada magia, cada feitiço, cada maldição... E no entanto, incapaz de perceber sentimentos alheios, por mais óbvios que eles se mostrassem.
Bem, não era culpa dele. Não mesmo. Nem ao menos ela sabia o que sentia.
Medo? Devoção? Desejo? Respeito?
Sentimentos simples e rudimentares demais.
“O que você sente por mim?” – Ele repetiu, ainda de cabeça baixa. Mas não deixou que ela respondesse – “Eu vi como você ficou quando estava no meu quarto. É... Alguma espécie de atração? Você age como uma adolescente boba, Bellatrix.”
Ele finalmente levantou o rosto. Estava lívido de raiva. Mas não demonstrava isso.
“Apenas cuide para não deixar isso fora de controle.” – Completou, e foi a deixa para que ela saísse.
Bem, o que mais ela poderia fazer? O que ele esperava que ela respondesse?
“Oh caro Lorde das Trevas, devo confessar que sinto arrepios cada vez que ouço sua voz e estremeço só de estar sob o mesmo teto que o senhor?”
Não, definitivamente não.
A culpa era toda de Rabicho, para começo de conversa... O que Snape não estaria pensando dela naquele momento? Talvez tenha sido ele mesmo quem comentara com o Lorde das Trevas sobre sua expressão arrebatada ao sair do quarto.
Desceu as escadas e encontrou Rabicho mexendo em alguma coisa perto da lareira. Furiosa, agarrou o bruxo pelo colarinho e o encostou na parede com força. Sacou a varinha a apertou como uma lâmina contra o pescoço de Rabicho.
“Quem mandou você dizer ao Snape que eu estava no quarto do Lorde das Trevas?” – O sacudia com força, e seus rostos estavam tão perto um do outro que os narizes quase se encostavam.
Era possível ver Rabicho se encolhendo diante do olhar feroz que Bellatrix lhe dirigia.
“Eu... Não fui eu...”
“Mentiroso! Sabe que tipo de idéias você deu ao Snape, agora?”
“E-eu... Eu o vi carregando você com a mão sangrando ontem de manhã... Achei que fosse curar num instante, mas ele a levou para o quarto, e bem...”
“O que foi? O que você achou que ele fosse fazer comigo?” – Gritava, histérica
“Eu... Bem...” – gaguejava Rabicho, desesperado para se livrar do aperto em seu pescoço.
“Achou que ele fosse dormir comigo ou qualquer outra coisa do tipo, foi?” – Agora seria possível ouvir seus gritos a cem quilômetros de distância.
“N-não...”
“Achou, não foi? Pois ENGANOU-SE! Enganou-se...!”
E largou o animago no chão com força, para fugir porta afora. Ouviu os praguejos de Rabicho de longe, mas simplesmente os ignorou, e saiu da casa pela primeira vez em duas semanas.
A neve cobria até o meio de suas pernas, mas sentiu-se grata, porque ao menos o frio cortaria aquela sensação de calor e ardência que preenchia seu peito. Passou pelo jardim, admirando de longe as poucas casinhas que restaram no povoado e as árvores desfolhadas do bosque mais adiante.
Precisava tanto conversar com alguém, desabafar... Depois de anos em Azkaban aprendera a ser confidente de si mesma, a guardar os próprios segredos, mas agora...Agora que sabia o que era ter de conviver com outras pessoas novamente, não seria capaz de guardar mais mágoas do que já guardava.
Entretanto... Aquele não era um mero caso de atração extra-conjugal, porque afinal, ela não era mesmo um exemplo de moralidade, e pouco se importaria se o objeto de seu desejo fosse outro homem qualquer. Mas era o Lorde das Trevas...
Apanhou um dos gravetos no chão e o atirou ao vento; o pedaço de madeira foi bater na superfície congelada do pequeno lago artificial que decorava o jardim.
Depois apanhou um pedregulho e o atirou contra a camada de gelo, que apenas rachou.
Era mesmo difícil quebrar uma camada tão grossa de gelo.
Talvez fosse falar com Narcisa. Ela não ficaria tão chocada: era burra demais para perceber o que significava sentir o que quer que fosse que ela estivesse sentindo pelo Lorde das Trevas. Então sua irmã sentaria e a ouviria sem fazer muitos comentários porque, bem, para ser sincera, nada interessava a Narcisa que não fosse sua própria vidinha ou as fofocas mais sórdidas que pudesse arrancar de suas amiguinhas fúteis.
Talvez... Talvez fosse mais tarde. Pensando bem, não era uma má idéia. Mas por enquanto precisava apenas de tomar a maior distância possível daquela casa, e principalmente dos dois homens que moravam ali.
O mais irônico – ela pensou – é que não se sentira mal com as insinuações de Snape. Envergonhada, sim, mas não mal. Até um pouco orgulhosa, na verdade. Que ele pensasse o que quisesse dela, o porco traidor, mas ela ainda era a preferida do Lorde das Trevas e nada mudaria esse fato.
Mais animada com esse pensamento, decidiu entrar na casa; a noite já corria solta e o frio aumentava a cada minuto.
Quando voltou para dentro, percebeu que Rabicho não estava mais por ali. Devia ter fugido, talvez transformado em rato, para algum lugar onde Bellatrix não pudesse lhe alcançar.
Quem sabe se ela o achasse poderia dá-lo de sobremesa para Nagini depois do jantar.
Então entrou pela cozinha, percebendo que pela primeira vez em muito tempo estava realmente com vontade de comer, desejando alguma coisa gordurosa e suculenta, do tipo que Narcisa teria pavor só de olhar e pensar no estrago que aquilo faria a seu belo corpinho.
Mas antes que passasse pelo portal, ouviu resmungos e uma voz masculina abafada praguejando baixinho, enquanto remexia no fogão. Estava escuro demais para distinguir a pessoa, mas obviamente, ela só poderia ser uma.
“Rabicho?” – Bella perguntou, mas ninguém respondeu. O vulto de repente ficou muito quieto e parou de tentar fazer o fogão funcionar. – “Rabicho, é você, seu verme imundo?”
Bella acendeu a varinha com uma palavra sussurrada, e imediatamente sentiu vontade de chutar o Destino com muita força. Aquilo não era justo, era perseguição...
“Bellatrix!” – Exclamou o Lorde das Trevas, assustado – “Eu... Err... Mande Rabicho limpar essa bagunça e servir o jantar!”
Ele não deu tempo para que ela respondesse, porque saiu apressado como se tivesse sido pego fazendo alguma coisa muito feia e errada.
Bella se debruçou sobre o fogão que estava sendo remexido. Havia um bolo. Um suculento bolo de chocolate assando, e o cheiro impregnava toda a cozinha.
Atônita, Bellatrix finalmente compreendeu.
Ele estava cozinhando?!
[...]
“Qual é o seu problema, Bella? Por que precisa tanto me ver?” – perguntou a cabeça de Narcisa Malfoy surgida das chamas da lareira de seu quarto, enquanto sacudia o bilhete recebido mais cedo naquele dia.
Subitamente, Bellatrix se deu conta de como seria difícil falar de sua situação para quem quer que fosse.
“Ah...” – começou, mas não sabia o que falar após a monossílaba – “Estou... Com problemas...”
“Problemas?”
“É... Preciso falar com você de perto. Posso ir aí?”
A cabeça de Narcisa desapareceu por um instante; Bella sabia que ela estava verificando a presença de Lúcio.
“Não sei...” – Disse hesitante, voltando a aparecer nas chamas verdes da lareira – “Lúcio e Draco estão aqui...”
Bellatrix mordeu o lábio. Precisava falar sobre aquilo com alguém ou explodiria logo.
“Por favor...”
“Tudo bem, pode vir. Mas não demore muito, Lúcio realmente...”
“Tudo bem, eu sei que ele não gosta de mim” – Falou ligeiramente ressentida, e se guinou para dentro das chamas.
Reapareceu segundos depois na sala de estar da Mansão Malfoy, com Narcisa olhando para os lados aflita. A irmã se aproximou a ajudou-a a se levantar, e então perguntou:
“O que houve? É algo com o Lorde das Trevas?”
“Não. O problema é comigo... Mas envolve o Lorde das Trevas...”
E mesmo sem ser convidada, desabou na poltrona em frente à irmã. Escondeu o rosto nas mãos e começou a falar, contendo o choro.
“Não sei o que está acontecendo comigo... Ou melhor, acho que não quero saber.”
Narcisa aproximou mais a poltrona e pousou a própria mão nos cabelos negros da irmã. Pela primeira vez em muitos anos, Bella sentiu um pouco de afeto dirigido à si, e isso a assustou. Narcisa podia ser fútil e um tanto burra às vezes, mas era sua irmã, e não estava endurecida pelos anos passados em Azkaban sob o domínio dos Dementadores sugadores de alma. Ainda assim, Bellatrix guardou o choro para si.
“Eu... Estou traindo Rodolfo. Não de verdade, sabe? Mas em pensamento. É, eu o estou traindo em pensamento...”
“Bella, você nunca foi a esposa mais fiel do mundo...” – Falou Narcisa, risonha. Bellatrix também sorriu.
“No entanto, diante das atuais circunstâncias... Nem eu mesma sei o que estou sentindo, sabe como é isso? É como... Como se você voltasse a ter catorze anos...”
“Bella, você está apaix-...”
“NÃO! Cale-se, Narcisa, e nunca, nunca diga isso!” – Bellatrix ergueu-se num salto como se tivesse sentado em uma agulha, e calou a boca da irmã com a mão. – “Você vê? Olhe em sua volta. As paredes têm ouvidos, elas nos ouvirão; tudo nos ouvirá, até mesmo o ar que passa por aqui poderá sussurrar meus segredos íntimos e faze-los chegar aos ouvidos de quem não deve ouvi-los...”
Narcisa arregalou os olhos assustados para a irmã. A olhava como se uma nova cabeça tivesse acabado de surgir em sua cabeça. Então timidamente, corando um pouco, ela perguntou:
“Bella, quando você menciona o Lorde das Trevas, você não quer dizer que... Você e ele...?”
“Não, Ciça. Só eu. Só eu...”
Narcisa sorriu para a irmã, que não retribuiu. Bellatrix apenas abaixou a cabeça e deixou um par de lágrimas cair em seu colo, sem emitir um único soluço ou lamento.
Mas quando as duas mulheres levantaram a cabeça, deram de cara com três homens que as observavam com vivo interesse.
“Lúcio!” – Exclamou Narcisa, tornando a se levantar da poltrona e ocultando a irmã com o corpo – “Mais cedo em casa, querido?”
“É, tivemos uns problemas depois que algum idiota teve a brilhante idéia de mandar uma planta estrangular o Bode. Nada grave, mas... O que é que essa mulher está fazendo aqui?” - Perguntou Lúcio rispidamente, apontando Bellatrix com a cabeça.
“Essa mulher, caso você tenha se esquecido, é minha irmã!” – Retrucou Narcisa. – “Cumprimente sua tia, Draco”
“Err..” – Draco olhou para o pai, depois para a mãe, tentando se decidir – “Boa noite, tia...”
”Boa noite, Draco” – Respondeu Bellatrix polidamente – “Bem, devo ir agora. Não sou bem-vinda nesta casa.”
“Ora, não se vá agora...” – Começou a voz fria e zombeteira de Severo Snape – “Lúcio certamente não teve a intenção de ofende-la, Bellatrix. Não a seguidora mais fiel e mais leal do Lorde das Trevas...”
Bella pôde ver que Lúcio e Snape trocavam olhares cúmplices cheios de malícia entre si e ambos sorriram maldosamente.
“Não” – Respondeu Lúcio – “É claro que não. Não a seguidora mais fiel e mais leal do Lorde das Trevas...”
Ela pôde ver que Lúcio e Snape mal continham o riso. Draco e Narcisa olhavam-se intrigados, mas evitavam deliberadamente encara-la.
Então Bellatrix explodiu.
“Sou, de fato, a seguidora mais fiel e mais leal do Lorde das Trevas! E ele me cobrirá de glórias e poder, coisas com as quais vocês jamais poderão sonhar! Honra... Contarei com a gratidão e o favor do lorde das Trevas!”
“Certamente, Bellatrix” – Disse Snape, comprimindo os lábios finos no esforço de segurar o riso – “Certamente você conta com muitos favores do Lorde das Trevas. Favores estes que eu dispenso completamente.”
Bellatrix rugiu de ódio e sacou a varinha. Apontou-a para Snape, mas antes que proferisse a maldição, seu braço foi impedido pela mão de Narcisa.
O olhar que a irmã lhe deu dizia claramente que era a hora de ir embora.
Fazendo um gesto obsceno para Snape, desapareceu nas chamas da lareira, ainda sentindo o corpo estremecer de raiva acumulada.
Encontrou a casa com a mesma aparência vazia e desolada de sempre. Rabicho não devia ter voltado ainda, o rato repugnante...
Acendeu a luz elétrica da sala, mas o cômodo permaneceu imerso em escuridão. Claro, claro que não havia energia elétrica, mesmo que fosse uma casa trouxa, se era habitada por bruxos.
Mas havia algo de diferente. Algo muito diferente.
Um bolo. O bolo. Sobre a mesa, com uma faca enfiada dentro, já pela metade.
Por que diabos o Lorde das Trevas tinha feito um bolo?
Ela sabia que ele jamais faria algo assim de graça. Quanto mais inocente uma coisa parecesse, se o Lorde das Trevas a tivesse manipulado, mais perigosa ela era.
Assim mesmo, o desejo por algo doce e gorduroso permanecia em seu corpo, e Bellatrix simplesmente não pôde evitar de achar que o Lorde das Trevas devia cozinhar muito bem, porque o cheiro e a aparência do doce eram simplesmente divinos.
Ela se aproximou, tomou a faca, partiu uma fatia grossa do bolo e comeu.
Assim que a engoliu, desmaiou pela segunda vez em poucas semanas.
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