Sapos de creme de menta
Capítulo XIX
Why do you love me?
It’s driving me crazy!
“Onde você estava, Bella? Rabicho disse que a viu saindo.”
Bellatrix permanecia de cabeça baixa, olhando fixamente para a superfície encardida sob seus pés. Talvez achasse que, se se concentrasse bastante, poderia esquecer... Sentia raiva, sentia raiva e humilhação, e elas queimavam seu rosto. Mantinha os punhos cerrados, e a queimação da vergonha atingia também sua barriga e o útero onde seu bebê crescia. Um mestiço... Estava para parir um mestiçozinho... Ainda que ele fosse o Lorde das Trevas, não passava de um mestiço, e o sangue sujo que corria nas veias dele agora corriam pelas veias de seu filho também.
“Eu estava... no jardim.” – ela respondeu baixinho.
“Bella, não minta para mim.” – disse ele rispidamente – “Por que não levanta a cabeça e me encara?”
Porque eu poderia bater em você, desgraçado hipócrita...
“Você está escondendo alguma coisa.” – Voldemort disse irritado – “Não pnse que só porque está grávida eu não...”
“Eu estava passeando pela vila, milorde!” – ela disse, carregando no desprezo com que proferiu a última palavra.
“Na vila?!” – exclamou Voldemort indignado – “Eu mandei que você ficasse em casa, não pode ser vista por ninguém! E ainda por cima se misturar com esses trouxas...!”
“Meu filho já está bastante misturado com trouxas, mais um pouco não faria muita diferença, não é?” – gritou de repente
“O que...?”
“MESTIÇO! O senhor mentiu, é mestiço! Todos esses anos... Pregando a pureza do sangue...! E eu me recusando a acreditar em Potter, quando até mesmo ele tem o sangue mais puro que o senhor...!”
Bella o encarava; o olhar tomado de um ardor violento e hostil. Ofegava, levemente trêmula. O Lorde das Trevas o encarava com crescente horror, e então, quando abriu a boca para falar, sua voz saiu grave e cheia de raiva contida:
“Como foi que você descobriu?” – ele perguntou
“Que interessa como eu descobri? Isso o faz menos sangue-ruim?” – ela atacou.
Mal se importava com o fato de estar sendo extremamente insolente. Em outros tempos e outras ocasiões provavelmente já estaria morta, e seu corpo seria exibido como aviso para todos os outros comensais.
“Isso explica a casa” – ela disse.
“Bella, não fale do que não entende. Se eu prego a pureza do sangue é porque sei do perigo que os trouxas, a escória, representam para nós bruxos.”
“Você mentiu, você... você...”
“Eu continuo sendo o Herdeiro de Slytherin, e você acha que isso faz qualquer diferença? Eu sou o Lorde das Trevas... Bella, você é minha serva e carrega minha marca” – ele respondeu, abrindo um sorriso amargo.
Mas Bella não ligava. Não; sua cabeça girava, confusa, e todos os seus conceitos, que ela julgava tão firmes e bem estabelecidos, pareciam se inverter e trocar de posição dentro de seu cérebro.
“Mentiroso... Hipócrita...”
“POR MERLIN, MULHER, NÃO FALE DO QUE NÃO SABE!” – ele gritou. Parecia decididamente enfurecido, e por um momento Bella sentiu medo. Muito medo. – “VOCÊ É MINHA SERVA, SUA ALMA E CORPO PERTENCEM A MIM!”
“MINHA ALMA E CORPO PERTENCEM AO LORDE DAS TREVAS, E NÃO A UM MESTIÇO!”
“BOM, ENTÃO EU TENHO UMA MÁ NOTÍCIA PARA TE DAR: EU SOU O LORDE DAS TREVAS!” – ele berrou com fúria e seus olhos vermelhos se estreitaram, e da varinha segura em sua mão saíram ameaçadoras fagulhas verdes.
Bellatrix ofegou, nervosa. Sentia-se furiosa, e seria capaz de continuar gritando e gritando até sentir toda a raiva ser bombeada para fora, nem que no final do processo acabasse por ser morta ou torturada. Mas à menção dessa última possibilidade, sentiu um movimento rápido dentro de si, e Tom arremessou o pequeno pé contra seu ventre, provocando uma pontada levemente dolorosa.
“Ai...!” – ela exclamou, levando as mãos à barriga.
“O quê?” – Voldemort perguntou nervoso – “O que foi que houve?”
“Ele... Me chutou.”
“Você consegue senti-lo?” – ele perguntou hesitante
Bella confirmou com a cabeça, e tirou as mãos da barriga, oferecendo-a ao toque dele. Sorrindo, ela disse:
“Ele está chutando de novo.”
Voldemort estendeu a mão, aproximando-a da barriga de Bella, de onde era possível ver a pequena movimentação do bebê. A centímetros de tocá-la, porém, deteve-se. Parecendo confuso, ele virou-se de costas, e, apontando um dedo para a porta de saída, disse:
“Ponha-se para fora daqui e não ouse tocar nesse assunto novamente.”
Bellatrix sentiu a onda de fúria tomando-a novamente, e sem dizer mais nada, saiu a passos duros da sala.
[...]
Um mestiço?! Como, em nome de Slytherin, ela poderia sequer imaginar que ele era mestiço? Aquilo abalava totalmente as estruturas de seus conceitos não somente sobre ele, mas sobre si mesma e sobre todo o resto do mundo. Se ela seguia um mestiço... Se ela carregava o filho de um mestiço, então não estava se igualando a eles?
Tom parara de chutar. Gostaria de poder saber o sexo do bebê, mas não o feitiço devia ser lançado por outra pessoa que não ela, e ali, isolada de tudo e de todos como estava, tendo por companhia apenas o escuso Rabicho, que a olhava como se ela fosse portadora de uma doença mortal e insistia (e nisso ela se sentia grata) em se afastar sempre que a via. E, claro, o Lorde das Trevas, que a tratava com uma frieza maior do que nunca, e Bellatrix estava começando a se arrepender de ter feito aquele escândalo. Mas... Sua surpresa tinha sido tão grande! E no fundo, ainda sentia-se revoltada. Quando Potter dissera aquelas palavras, você sabia que ele também é mestiço?, ela não dera a mínima, claro. Como podia o Lorde das Trevas ser mestiço, logo ele?
Mas as frases do diário não deixavam margem para dúvidas.
Eu amo Tom – dizia a jovem que escrevera o diário – “Eu o amo e um dia casarei com ele. A poção cozinha no fogo, lenta, quente, perfumada... E eu já não sou mais um aborto. Meu pai talvez tivesse orgulho de minhas habilidades agora – ou não, porque eu estou prestes a me casar com o trouxa. Rico, bonito Tom Riddle, mas um trouxa. Mas Morfino e meu pai estão em Azkaban, agora... E Tom irá se apaixonar por mim, e nós casaremos, e um dia terei um filhinho igual a ele, bonito como ele, que se chamará Tom Riddle, também...”
Então aquilo explicava os brasões nas portas, os quadros imóveis e a localização trouxa da casa.
Cansada, Bellatrix resolveu descer para comer alguma coisa. Mal andava se alimentando direito, sentia-se um tanto fraca embora a fase mais desagradável da gravidez já tivesse acabado. Contabilizava quase sete meses agora, e não faltava muito para que o bebê nascesse. Odiava o corpo inchado, a barriga grande, as dores nas costas, e no entanto, ainda se sentia feliz, e não se arrependia de ter escolhido ficar com o bebê. Mas haviam momentos, os mais solitários, particularmente à noite, em que desejava ter alguém para conversar. Era positivamente deprimente ter toda a cama de casal livre para si, e às vezes ela chegava a lamentar a morte de Rodolfo.
Desceu as escadas em direção à cozinha, pensando em como desejava... alguma coisa. Mais exatamente... Bem, ela não sabia o que queria exatamente. Mas haveria de descobrir.
Sapos de creme de menta – ela pensou - Merlin, eu preciso de sapos de creme de menta!
“Rabicho...” – Bella disse hesitante, para o bruxo miúdo que acabara de entrar na cozinha ao ouvir o movimento – “Você sabe se têm sapos de creme de menta por aqui??”
“Er... Sapos de creme de menta?” – ele indagou surpreso – “E para que você quer sapos de creme de menta?”
“Para envenenar e dá-los a você!” - Bella retrucou irritada – “Para comer, é claro!”
“Bem... Isso é difícil.” – disse Rabicho assustado. Parecia ter levado a ameaça a sério – “A última vez que vi um desses foi em Hogsmeade...” – ele coçou a cabeça.
“Merlin, eu realmente preciso comer um sapo de creme de menta...” – ela falou baixinho, e, alteando a voz, encostou Rabicho na parede, ameaçando-o com a varinha – “Você vai conseguir os sapos para mim!”
“Mas Bellatrix...!”
“Não interessa! Você não pode ser completamente inútil...”
Rabicho pôs no rosto uma expressão de quem acabara de receber uma ameaça de morte. Nervoso e gaguejando, ele tentou novamente:
“Não há maneira de eu conseguir um desses sem ser indo a Hogsmeade, e é tão longe daqui...”
“Então se vire!” – ela exclamou furiosa. Estava com desejos, e os veria satisfeito, nem que tivesse de cortar a cabeça de Rabicho para isso.
[...]
Voldemort mal conseguia se concentrar em seu pergaminho. Era um pergaminho muito antigo que achara no meio de suas coisas, e aparentemente um escrito remanescente de uma de suas viagens aos lugares mais obscuros do mundo. Aquele, um tratado sobre a proliferação de dementadores (eles estavam realmente saindo do controle), era particularmente interessante, principalmente considerando que tivera de lutar contra uma dúzia de vampiros sanguinários e enfurecidos para obtê-lo, há uns vinte anos atrás.
No entanto, quando começava a entrar no tópico sobre o que havia debaixo da capa dos dementadores (aquilo era bizarro demais até para ele), ouviu batidas fracas e hesitantes na porta. Bufando irritado e já prevendo que teria de encarar Rabicho e aquela expressão de constante aflição, abriu a porta, e sua intuição provou-se correta. Era Rabicho, de fato, mas além do ar de aflição, ele carregava uma expressão de extremo constrangimento.
“O que foi dessa vez, Rabicho?” – Voldemort perguntou com enfado
“Bem, senhor... É Bellatrix...”
“O que tem ela?”
“É que... Bem... Ela está com uns... desejos estranhos.”
“Desejos?” – perguntou ele, erguendo uma sobrancelha – “Que desejos?”
“Deve ser o bebê, senhor. Ela insiste que quer comer sapos de creme de menta...”
Voldemort encarou o servo trêmulo à sua frente. Ele devia estar falando sério, e Voldemort ponderou que o medo que Rabicho sentia era tamanho que ele jamais se arriscaria a fazer uma brincadeira de tamanho mau gosto.
“Sapos de creme de menta?” – perguntou. Rabicho corou levemente, e concordou com um sussurro:
“É isso mesmo, senhor.”
“Bem... Isso pode ser um problema. Bella não vai sossegar enquanto não conseguir os malditos sapos, e até lá terei bastante de minha paz atormentada.”
“Eh... Milorde? O senhor podia conjurar os sapos, não podia?”
Voldemort sequer se deu ao trabalho de responder. Rabicho parecia ter faltado a muitas aulas em seu primeiro ano, e ele não estava disposto a repô-las. Agora...
Onde diabos arrumaria sapos de creme de menta?
Ah, sim. Em Hogsmeade. Claro. Mas como fazer isso?
“Você vai, Rabicho. Em forma de rato. Vá, e não volte até ter todo o estoque de sapos de creme de menta.”
“Mas mestre...” – disse Rabicho desesperado, mas a porta já se fechara.
[...]
O verão chegara com força total, e mesmo com a névoa dos dementadores flutuando no ar, o calor era sufocante e abafado. Era noite, e as janelas da casa estavam todas abertas em busca de uma brisa qualquer. Ele podia ver o vulto escuro de Bellatrix passeando pelo jardim, buscando refrescar-se.
Era estranho o fato de ser pai. Quando era jovem... Estava preocupado demais em tentar saber de tudo, conhecer toda a magia do mundo, para se importar com assuntos mais mundanos... As vezes se esquecia do quão deliciosamente bonito tinha sido, e era até espantoso que tivesse se tornado o que era, ainda que o rosto que usasse na maior parte do tempo não fosse feio. Apesar disso, o que mais lhe intrigava na maneira como Bella tinha se apaixonado tão loucamente por ele era que sempre procurara deixar muito claro que suas intenções não iam além da cama... E ainda assim ela se envolvera a fundo.
O céu estrelado estendia-se acima de sua cabeça, e lá longe as luzinhas das casas eram acesas, como novas estrelas. A lua estava cheia, e ele calculava que ela estaria minguante dali a alguns meses quando o bebê nascesse, o que não era um bom sinal. Mais uma vez prometeu a si mesmo dar um jeito de diminuir aquela névoa; era boa variar de clima de vez em quando, e a ilha já tinha suficiente neblina sem mais ajuda sua.
Pensou em manda-la entrar, mas repreendeu-se; andava se preocupando demais com ela. Ainda que ela carregasse seu filho, não passava de uma serva relativamente competente... Ou talvez um pouco mais que isso.
Ele fechou a janela, abandonando a observação da bela paisagem e prometendo a si mesmo que não satisfará mais nenhum desejo maluco dela, fossem sapos de creme de menta, diabinhos de pimenta ou... amor. Sacudiu a cabeça e decidiu que o melhor que tinha a fazer era dormir. E quem sabe pensar num nome para o bebê, porque não haveria mais uma geração de Tom Riddle se dependesse dele.
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