Páris



Capítulo III

And I am not as pretty as those girls in magazines
I am rotten to my core, if they’re to be believed


“O que você quer agora, Rabicho?” – perguntou Bellatrix, virando-se para a porta e guardando a foto rapidamente no bolso interno do casaco.
“Err... O Mestre pede que não se demore mais.”
“Tudo bem, estou indo.”

Passou pela porta rente a Rabicho, empurrando seu ombro e fazendo o bruxo cair no chão violentamente.

Muita insolência ele continuar ali!

“Mestre...” – Bella sussurrou, pousando a penseira na mesa.
“Sim, sim, Bella, deixe-a aí. Nós precisamos conversar mais um pouco antes disso.”

O tom de voz sombrio e autoritário a assustou mais do que tudo.

“Vejo que há algo lhe perturbando profundamente, minha cara.” – Voldemort sibilou, encarando Bella de um jeito que a fez se encolher.
“M-me perturbando? Nada, s-senhor...”
“Por que mente para mim, Bella?” – Ele perguntou quase gentilmente, pousando a mão de longos dedos na dela.
Bellatrix sentiu como se um choque elétrico atravessasse seu corpo ao toque suave em sua mão.
Voldemort lhe perfurava os olhos, vasculhando sua mente...
Mas não havia nada realmente comprometedor em suas lembranças, havia?

“Não sei o que você está escondendo, Bellatrix Lestrange. Mas um dia irei descobrir” – Ele intensificou o aperto em seu pulso e finalmente largou-o. Bella ofegou ligeiramente.

Uma massa vaporosa se ergueu da penseira, girando velozmente, nem líquida nem gasosa, refletindo seu brilho perolado.

Juntos, eles mergulharam na lembrança de dezessete anos atrás.

Bella reconheceu a antiga casa de seu Mestre, que costumava ser o quartel general dos Comensais da Morte antes da queda do Lorde das Trevas. Era começo de verão.

Voldemort achava-se sentado em uma confortável poltrona de frente a uma lareira apagada; Nagini enroscada a seus pés. Ele lia alguma coisa, mas parecia profundamente entediado.

Quando, de repente, uma pessoa aparatou exatamente diante da mesma poltrona onde Voldemort descansava tranqüilamente. Com um susto enorme, Bella reconheceu o Severo Snape jovem; seus mesmíssimos cabelos pretos engordurados na altura do ombro, os olhos negros e perfurantes, as vestes que pareciam ondular aos seus passos mesmo naquela época sem vento algum. Apenas seu rosto parecia menos cansado, e não haviam rugas aparentes em sua pele.

Mestre... Mestre...” – Ele ofegou, nervosíssimo. Estava mortalmente pálido. “Uma profecia, Mestre...”
“O que...? Que diabos, Snape, o que é que aconteceu? Que idéia é essa de aparatar...?”
“Uma Profecia, Mestre! Sibila Trelawney fez uma profecia que diz respeito ao senhor! Ela prevê sua derrota pelas mãos de um bebê... Nascido no final de julho, de pais que o enfrentaram três vezes...”
Um bebê?”
“Sim, senhor. Achei que deveria saber, senhor.” – Ele continuava ofegante.

Voldemort se levantou bruscamente; o livro sem eu colo escorregando para o chão. Deu algumas voltas pela sala, massageou as têmporas preocupadamente.

Três vezes? Três vezes?” – repetiu para si mesmo – “Bem, temos Moody... Dumbledore, obviamente... Os Bones... Mas creio que eles têm apenas uma filha nascida em janeiro. Os Longbotton...”
“Se me permite, senhor...” – Disse uma voz excitada a um canto da sala, que Bella não havia notado antes. – “Há também os Potter. E eles esperam um menino, que deve nascer no fim do mês.”
“Bom, muito bom, Pettigrew. Isso resume nossa busca a duas opções...” – Ele deu mais uma volta na sala – “Longbotton e Potter, não é? A Profecia é só isso, Severo?”
Snape corou ligeiramente e abaixou a cabeça ao responder:
“Não, senhor. Eu, ah... Fui expulso do bar antes que a Profecia se completasse.”

Nesse momento, Bella sentiu-se ser puxada pela gola das vestes, e com uma cambalhota vertiginosa, aterrissou no chão ao lado de um Voldemort lívido de raiva.

“Bem, temos que recuperar a Profecia. É aí que entra Lúcio... Se ele dominar algum dos funcionários que a guardam, ou mesmo um membro da Ordem da Fênix...”
“Mas, senhor... Se me permite...” – Interrompeu Bella – “Talvez o escolhido seja na verdade o menino Longbotton.”
“Não. Tenho quase certeza de que se refere a Potter. Há certas... Semelhanças... Em nosso passado. Creio que essas coincidências sejam o que o torne tão poderoso. E a mãe do garoto... Lílian o nome da Sangue-ruim, se não me engano... Veja bem, Lílian Potter era uma inominável; a garota sabia tudo sobre profecias.”
Semelhanças?” – repetiu Bella, incrédula – “Não vejo como um mestiçozinho imundo possa ser semelhante ao Mestre...”
“Você esquece, Bellatrix” – Voldemort rebateu, ignorando o último comentário – “Potter agora se sente o escolhido, aquele predestinado a acabar comigo. As circunstâncias acabaram tramando para que Potter fosse, de fato, aquele com mais propensões a me enfrentar. Entende o que eu quero dizer? É por isso que eu acho que deve haver algo a mais na Profecia. Eu mesmo a tomaria, mas o Ministério está sendo tão gentil em ignorar meu retorno; eu não seria tão indelicado a ponto de me mostrar, não agora, pelo menos.” – Sorriu enviesado. – “Agora vá, Bellatrix, vá avisar Lúcio de sua missão. Se não der certo... Bem, veremos um outro modo.”

Bellatrix se retirou, as lembranças de seu encontro recente ainda martelando em sua cabeça.
Ela pensou por um momento na Profecia; sabia que era tudo em que deveria pensar por enquanto.
Mas não pôde conter um tremor involuntário. O Lorde das Trevas era um legilimente excepcionalmente talentoso; saberia se Bella estivesse mentindo.

No entanto, nem mesmo ela sabia o que, afinal, estava fazendo de errado que merecesse castigo.

Mas sabia que estava.

Um novo arrepio percorreu seu corpo. Bella não apenas queria, mas ansiava por ser castigada... O castigo que fosse. Sorriu.

Encostou a porta do quarto. Abriu o cortinado de sua cama e deitou-se nela.

A foto meio amassada ainda se encontrava em seu bolso. Sorriu novamente ao bater os olhos no rosto angelical retratado. Quem diria que o Lorde das trevas um dia tivesse sido tão bonito?

A verdade é que, se você olhasse bem, ainda seria capaz de enxergar os traços delicados que a luta desesperada por poder e imortalidade que seu Mestre travava contra a própria Natureza roubara. O jovem Riddle a fazia lembrar de Páris, o belo rebelde que causara toda uma guerra por conta de sua ambição e luxúria desmedidas. Contudo, ele sempre conseguia o que queria...

Como gostaria de ser bela como Helena, agora...

Adormeceu embalada pelo cheiro de pimenta e uísque de fogo que ainda podia sentir impregnado em sua pele. Se ao menos pudesse senti-lo mais de perto...

“Bella, minha doce Bella” – Ela o ouviu sussurrar, e sobressaltou-se.

Olhou à sua volta, viu apenas uma floresta. Estivera o tempo todo dormindo numa bela cama cercada de grinaldas floridas. O cenário todo era insuportavelmente piegas. Contudo...

Ele veio se aproximando e, com um susto ainda maior, Bella viu que era o Lorde das Trevas quem falava com ela.
“Onde estamos?” – Ela perguntou
“Você não reconhece? Estamos em Hogwarts.”
E quando Bella olhou ao redor, percebeu que estava em uma clareira no coração da Floresta Proibida. Não vestia mais seu fino camisola, mas as vestes negras e pesadas do uniforme de Hogwarts. E ao virar-se, esperando dar de cara com Lord Voldemort, só o que viu foi o belo jovem da foto, também vestido em vestes pretas; o brasão da Sonserina no peito. E Bella também não era mais Bellatrix Lestrange, mas Bella Black, e percebeu com um sorriso satisfeito, que havia retornado à flor de seus dezessete anos. O jovem Páris aproximou-se dela; o rosto colou-se no seu. O beijo mais doce e apaixonado que Bella já tinha experimentado...


“ARRRR... NNNÃÃOO!” – Bellatrix gritou, despertando abruptamente de seu sono.
Seu corpo estava enroscado de tal maneira nos lençóis que eles pareciam ter ganhado vida e resolvido prende-la na cama.
Pulou para fora; caiu de joelhos com um baque surdo no chão. Mirou o espelho do armário: seu rosto estava vermelho e afogueado, e seus cabelos, totalmente desalinhados.

Ofegava rapidamente, e desorientada, tateou à procura do apoio da parede. Sua cabeça girava como se tivesse recebido uma pancada muito forte.

Não, não, não... Não, Milorde, não! Rodolfo... Era Rodolfo quem amava... Rodolfo era seu marido, estava muito bem casada... Apenas sentia falta dele, apenas isso...

Desesperada, tomou a foto de seu Páris e a rasgou em mil pedacinhos. Não teria mais de olhar para aquele rosto infernalmente bonito, nunca mais tentaria enxerga-lo atrás da verdadeira face de seu Mestre...

Acendeu a lareira do quarto e atirou mais um punhado de pó de flu no fogo. Ordenou decidida:

“Mansão Lestrange!”
E rodopiou vertiginosamente dentro das chamas verdes e mornas até cair na lareira em ruínas da velha casa.

Não havia ninguém à vista, e Bellatrix agradeceu por isso; ainda estava horrivelmente descomposta e agora cheia de fuligem na roupa. Recompôs-se rapidamente e saiu caminhando em direção à luz acesa no antigo quarto do casal.

A Mansão Lestrange estava arruinada. Cheia de poeira, móveis roídos pelo tempo e mais alguns espécimes que só se encontram em casas como aquelas.
Até o pó abafava seus passos, e Bella teve de acender a varinha para enxergar seu caminho até o quarto.

Espreitou por um tempo atrás da porta, observando atentamente o marido. Não sabia porque estava fazendo aquilo. Talvez estivesse ficando mesmo paranóica. Porque maluca, Bella já tinha certeza que estava...

“Bella?” – Indagou o homem que estivera sentado diante da lareira lendo um livro qualquer. – “É você, querida?”
“Sou eu.” – Disse, finalmente revelando sua presença.

Azkaban também transformara Rodolfo. Ele nunca havia sido excepcionalmente atraente, mas agora seus cabelos escuros estavam entremeados de fios grisalhos e ele levava uma expressão cansada nos olhos claros. Ele, que sempre fizera o tipo pesadão e corpulento agora estava quase tão magro quanto a esposa.

“Rodolfo...” – Ela sussurrou, aproximando-se mais do marido.

Subitamente se viu cheia de luxúria descontrolada e sentiu que poderia enlouquecer ainda mais se não atendesse aos apelos indecentes de seu corpo.

Seus dedos desceram pelos fios cinzentos, procurando aproximar o corpo mais de si. Amaldiçoou-os, pois não eram nem negros nem sedosos como os de Tom... Aquele pensamento incutiu nela mais do desejo desesperado, e buscou o fecho das vestes do marido, que ela pôde ver, estava apavorado.

Não importava, nada mais importava...

Os beijos em seu pescoço eram agressivos, e Rodolfo não tomava seus lábios docemente como Tom fizera na Floresta Proibida.

Bellatriz rugiu de ódio, afundando ainda mais o corpo no outro. Queria olhar para cima e ver seu protótipo de deus grego, emanando toda aquela força sobrenatural que ela sempre sentia... Porque Bella sempre o sentia. Sempre, e sempre...

Mas tudo o que distinguiu foi o corpo magro e pálido de Rodolfo sobre o seu, resfolegando e movendo-se com brutalidade, e novamente rugiu de raiva; suas unhas vieram riscar a face do homem.

“Diabos, mulher! O que foi que deu em você?!” – Rodolfo gritou, apalpando o corte profundo que pingava sangue.
Bellatrix chorava, nua sobre a cama, exposta à própria insanidade.
“Milorde não, não ele!” - gemeu
“Você já era maluca, Bellatrix, mas parece que Azkaban piorou muito as coisas aí dentro” – Ele apontou para a cabeça dela, agora oculta pelos fios negros.
Mas ele a tomou de novo, e dessa vez Bella não gritou ou o arranhou, apenas apertou os lábios, tentando enxergar o rosto venerado no de seu próprio marido.

Naquela noite, ela o teria de qualquer maneira...

Fechou os olhos e retornou à Floresta Proibida, e sua cama com grinaldas floridas, e pássaros cantando e todas as pieguices que pôde imaginar.

[...]

“Me castigue, Milorde!” – Bellatrix implorou, caindo de joelhos diante de seu Mestre. Chorava e tremia descontrolada.
“Castigar? O que você fez?” – ele perguntou assustado, olhando-a ligeiramente enojado.
“Apenas me castigue... Eu mereço, Milorde, eu mereço... Perdão, Milorde, perdão...”

Voldemort fitou seus olhos encharcados e inchados de choro. Ela parecia realmente desesperada.
Sua experiente legilimência entrou em ação, e ele vasculhou todos os pensamentos mais recentes da mulher... E não havia nada de errado com eles. Nada. Nada, além de um encontro particularmente selvagem com Rodolfo, e uma foto estranhamente familiar sendo rasgada e jogada pela janela.
No entanto, ela continuava a chorar compulsivamente, como nunca ninguém havia a visto fazer.

Bem, se isso realmente servir de consolo para ela... - Pensou, e apontou a varinha diretamente para a bruxa.

Crucio!

E os gritos de Bellatrix encheram a sala, agoniados, dolorosos...
Quando achou que ela já tivera o suficiente, suspendeu o feitiço, mas continuou a encara-la curiosamente. Mas Bella havia parado de chorar.

Trêmula, e ciente de sua dignidade recém-recomposta, ela levantou-se, e num derradeiro gesto de submissão, curvou a cabeça ligeiramente para baixo, e sem dizer mais nenhuma palavra, se retirou.

Bella voltou ao seu quarto, sem saber o que pensar realmente. Sua cabeça doía terrivelmente, e tudo o que precisava era dormir... E de uma poção Sono Sem Sonho convenientemente guardada no armário de seu banheiro.
Pouco antes de adormecer, tomada pelo torpor que antecede o sono, resolveu esquecer tudo. Rodolfo tinha razão; Azkaban tinha tomado o pouco juízo que lhe restara.

Reconfortada pela firmeza de sua decisão, adormeceu, e Graças a Merlin, a poção funcionou. Não suportaria outro sonho daqueles...

Despertou cedo no dia seguinte, tão cedo que o sol não passava de uma esfera brilhante colorindo o céu de tons de rosa e laranja-pastel. Nem mesmo os pássaros cantavam ainda.

Desceu as escadas em direção à cozinha, tomando o cuidado de não fazer barulho. Não queria despertar ninguém, precisava ficar sozinha, pensar racionalmente...
Sentia vontade de se bater. De ser mais castigada, até ter todos os seus pecados expurgados. Não adiantaria ser castigada se o Lorde das Trevas não sabia porque a estava castigando... E não ousaria contar. Não, nunca. Contar seria tornar tudo real, tudo palpável...

Abriu a gaveta de facas e escolheu uma particularmente afiada. Observou o brilho da vela se refletir na lâmina; a própria imagem no espelho de metal polido. Achou ter visto seu Páris também...

Ergueu a faca acima de sua cabeça e a desceu com vontade contra a própria carne, cravando-a na palma da mão esquerda.

Deixou-a lá o suficiente para que o sangue escorresse e formasse uma poça no chão sujo, sentindo a dor penetrando a carne, estendendo-se para o osso, os músculos, a pele; toda sua alma regojizava-se de alívio pelos pecados agora perdoados.

Ela sorriu brevemente, e sem um único gemido ou exclamação de dor, puxou a faca da mão e a jogou na pia, deixando a água lavar-lhe o sangue... Era boa novamente, boa o suficiente para ele. Aquele pensamento a fez gargalhar, e sem sequer notar o rastro de sangue que deixava para trás, tornou a subir as escadas, em direção ao quarto dele.
Pouco lhe importava se eram seis da manhã, se ele ainda estava dormindo – Bella sabia que não, seu Mestre não dormia, não comia... E sobretudo, não amava, porque aquelas ram fraquezas humanas estúpidas.

No caminho, deparou-se com um espelho no corredor. Parou para observar o fantasma pálido de cabelos negros que era e ergueu a mão gravemente ferida à altura de seu olhos de modo que seu rosto e o ferimento ficassem lado-a-lado, numa bizarra comparação. Voltou o rosto, enojada pela própria imagem e sussurrou para si mesma:

“Você não passa de uma fraca que ama.”

Bateu na porta da suíte de seu Mestre. Ninguém atendeu. Bellatrix se surpreendeu; ele não poderia estar dormindo! Mas assim que ele abriu a porta, furioso, apenas sorriu e disse:

“Estou perdoada, Mestre”. – E desmaiou.




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