I´ve done ugly things...



Capítulo II

I’ve done ugly things
And I have made mistakes



Bella encarou o prato de panquecas à sua frente. Sentiu o cheiro doce e tentador do mel que pingava da massa, mas não se animou a comer. Meramente cutucou o doce com o garfo.
Estava certa. Acostumara-se com a fome. Ter Rabicho devorando ovos com bacon ao seu lado, rosnando feito um porco, também não ajudava.

Ela perguntou-se o que o Lorde das Trevas estaria fazendo àquela hora. Para ser sincera, ele nunca aparecia por ali. Bellatrix nunca o havia visto comendo coisa alguma. Aliás, aquela não era a primeira vez que ela se perguntava se ele de fato comia. Talvez de alimentasse de poder, de glória. Ou talvez já tivesse ultrapassado esse estágio inferior da existência.

Novamente, se deu um beliscão forte. Não podia ter tais pensamentos acerca Dele.

No lugar disso, sua mente voltou-se para Rodolfo. Ele estaria bem? De certo, sim, o Lorde das Trevas lhe garantira isso. Mas com certeza precisava de cuidados.

O eco de uma lembrança muito antiga soou dentro de sua mente.

O dever de uma mulher é cuidar e prezar por seu marido... Não seja teimosa, ou obstinada, ou rebelde, ou sequer se importe com qualquer outra coisa que não for a manutenção do bem-estar do homem, ou de sua família. Você deve gerar um herdeiro e cuidar dele com igual zelo, para que a antiga linhagem dos Black permaneça sempre pura e nobre.

Bem, Druella Black nunca fora exatamente uma feminista.

Rodolfo saberia se cuidar, ou algum elfo doméstico faria isso por ele. Por hora, Bella tinha coisas mais importantes a fazer.

Ela não precisou procurar muito para achar – havia um pote cheio de pó de flu acima da lareira acesa. Pelo menos não havia fogo elétrico na casa.

Bella suspendeu a mão cheia do pó brilhante e jogou um punhado generoso nas chamas, que crepitaram alegremente e se tornaram de um verde esmeralda vivo. Enfiou a cabeça no fogo e falou claramente:
“Mansão Malfoy!”
Sentiu a cabeça girar e engoliu um monte de fuligem antes que caísse na lareira certa.

Narcisa Malfoy estava sentada tranqüilamente em sua sala de estar, lendo a última edição do Profeta Diário.

“BELLA!” – Narcisa gritou assustada, atirando o jornal para o alto – “Que susto você me deu, garota!”
“Ah, boa tarde para você também, Ciça.” – Falou, ligeiramente ressentida.

Narcisa se levantou e veio andando até a lareira. Abaixou-se , ficando de frente para a irmã e espanou um bocado de fuligem do rosto e dos ombros de Bellatrix.

“Não, espere.” – Disse Narcisa – “Deixe-me tira-la daí...”
“Não; o Ministério está vigiando as lareiras. Nem queira saber o que aconteceria se soubessem que há uma lareira trouxa conectada à Rede Flu...”
“Lareira trouxa...? Bella, onde você está?”
“Não sei bem exatamente. Suponho, pelas casas, o cemitério e a igreja, que seja uma cidadezinha trouxa, mas... É difícil imaginar porque o Lorde das Trevas escolheria um lugar como esse para ficar. À propósito, obrigada pelas vestes. Você acertou em cheio.”
“Vestes? Bella, eu só soube de sua fuga hoje pelo Profeta Diário. Quer passar para cá e me contar direito o que está acontecendo?”

Bellatrix hesitou por um momento. Lúcio não gostaria de vê-la por ali. Já não gostava muito dela antes de Azkaban, e certamente não gostaria mais agora que a cabeça de Bella valia cem mil galeões.

Bella tampouco gostava de Lúcio. Muito exibido e sem sal. Não gostava de loiros, de qualquer jeito. Abria uma exceção para sua irmã, mas de maneira geral os achava pouco confiáveis.

“E então, irmã? Que é que está acontecendo?” – Questionou Narcisa, repondo a revista na mesinha ao lado do sofá de couro preto.
“O Lorde das Trevas voltou, Narcisa. Está no auge de seu poder agora. E os idiotas do Ministério nos ignoram. Não é maravilhoso?”
“Sim. Muito” – Concordou Narcisa timidamente – “Mas eu quero saber de você. Você não me parece muito saudável... Bem, não há jeito de se ficar bem em um lugar como Azkaban. Aqueles Dementadores...”
“Terríveis” – Completou Bella.
“Pobrezinha... Como você sofreu!”

Narcisa jogou-se nos braços da irmã, fazendo uma cena realmente melodramática, derramando lágrimas desnecessárias. Quando finalmente se cansou do drama, encarou a irmã profundamente, pousando as mãos em ambas as faces de Bella. Se Narcisa fosse apta em Legilimência – o que Bella tinha certeza que ela não era – poderia ter visto cada mínimo devaneio de sua mente.

Mas Narcisa se mantinha bonita. Mantinha-se jovem. Novamente a incômoda sensação de feiúra a invadiu e Bella afastou o rosto bruscamente. Não podia suportar a visão de Narcisa bela como um anjo e ela ali, velha e feia. Narcisa cercada de riquezas, mimos e luxos.

Quase pediu abrigo na Mansão Malfoy. Infelizmente – ou felizmente, como viria a descobrir mais tarde – seu o orgulho a impediu de tal coisa.

“E o Draco?” – Desviou de assunto rapidamente.

Seus olhos bateram na foto animada de um garoto loiro e pálido voando alto em uma vassoura de último tipo, usando vestes verdes de quadribol.

“Ah, ele está em Hogwarts. Um homenzinho, você precisava ver... Está cursando o quinto ano agora. É apanhador da Sonserina”
“A última vez que o vi, ainda era um bebê chorão. Se tiver puxado ao pai, não deve ter mudado muito.” – Sorriu maliciosamente.
“Ora, vamos. Lúcio não é assim tão ruim. Você só não gosta dele porque ele escapou de Azkaban, não é?”
“Bem, é. Isso é traição, Narcisa.” – Respondeu, muito séria.
Narcisa deu um muxoxo desconfortável e tratou de mudar de assunto.
“Você e Rodolfo nunca quiseram filhos?”

Bellatrix considerou a questão por alguns momentos. Não, ela e Rodolfo nunca haviam pensado em filhos. Não é que não os quisessem – eles simplesmente não tinham vindo. Mas tinha de admitir para si mesmo que não se via como mãe. Simplesmente não enxergava essa figura em si mesma. Narcisa era muito mais maternal que ela, e se alguém tivesse de continuar a linhagem, esse alguém seria Draco. Gostava muito do sobrinho, no entanto.

“Francamente, Narcisa, você consegue ver alguém menos adequado à paternidade do que o Rodolfo? Ele seria capaz de sentar no próprio filho e nem notaria...” - Narcisa soltou uma risada rouca.

Mas um barulho voltou a soar na parede frontal ao sofá. As chamas, que já voltaram ao amarelo avermelhado do fogo normal, tornaram a esverdear, e uma nova cabeça surgiu de lá. Era Rabicho.

“O Lorde das Trevas a está chamando, Bellatrix. E Narcisa, Ele está atrás de Lúcio também.”

As duas irmãs trocaram olhares apreensivos, e então Bellatrix tornou a sumir nas chamas verdes da lareira.

Voldemort a esperava no cômodo estreito no sótão da casa que era seu escritório – mobiliado sombriamente com móveis escuros e instrumentos de uso e origem desconhecidos, mas que se assemelhavam muito com antigos instrumentos de tortura medievais. A única janela da sala permanecia sempre fechada, e as cortinas tapavam a entrada de qualquer luminosidade natural. Haviam, no entanto, dezenas de velas flutuando rente à parede, derramando sobre o aposento uma iluminação ligeiramente ofuscante.

“Milorde... O Senhor queria falar comigo?” – Ela disse, fechando a porta atrás de si. – “Creio que Lúcio esteja a caminho.”

Voldemort levantou a cabeça, que estivera até então abaixada e concentrada em algo que estava em cima da mesa, que Bella não pôde distinguir o que era. Ele levantou, deu a volta na escrivaninha e ficou de frente para a Comensal.

“Queria lhe falar, Bella. Temos planos a cumprir. Você certamente sabe...” – Bella podia jurar que o vira baixar a cabeça um pouquinho de nada – “O porquê de toda a confusão envolvendo Harry Potter.”
Bella assentiu timidamente.
“A Profecia...”
“Sim. Acredito que Snape não a tenha ouvido toda, que tenha deixado algo escapar quando me contou. Quero... Preciso escutar toda a Profecia. Só assim saberei como eliminar o garoto.”
“Sim, mestre.”
“Mas a Ordem da Fênix já sabe. Não faço idéia de como... Mas já sabe. Estão pondo guardas na entrada do Departamento de Mistérios. Seu trabalho é...”
Mas sua fala foi interrompida por uma série de batidas na porta.
Voldemort apontou a varinha para a porta, que se abriu, permitindo a entrada de Lúcio Malfoy.
“Lúcio! Que bom que chegou. Tenho uma tarefa para você.”
Malfoy se dirigiu até seu Mestre, prostrando-se aos seus pés e beijando-lhe a bainha das vestes. O sorriso do Lorde das Trevas foi um esgar maligno de satisfação.
“Você sabe onde as Profecias são guardadas?”
“Sim, senhor, no Departamento de Mistérios, senhor, mas...”
“Eu preciso daquela profecia. Preciso ouvi-la inteira.”
“Sim senhor, mas...”
“Você vai pega-la para mim”
“Mas isso é impossível, senhor. O Ministério está cheio de aurores, e a Ordem da Fênix a está guardando...”
“Eu sei disso. É a sua missão, Lúcio. Não me desaponte.” – Fez um gesto em direção à porta expulsando Malfoy.

Voldemort esperou o loiro sair da sala, e então tornou a sentar-se na confortável bergère em frente à lareira. Fez sinal para que Bella sentasse à sua frente.

“Gostaria de saber a sua opinião a respeito, Bella.”
“Minha... opinião?” – Sussurrou, incrédula.
“Sim. O que você acha da Profecia”

Bella olhou para baixo, encarando os próprios joelhos. Por que ele estava pedindo sua opinião? Por que estava pedindo a opinião de alguém?

“Bem... Eu não sei muito sobre essa profecia, senhor. Sinto muito.”
Voldemort encarou as chamas da lareira por alguns momentos. Parecia estar tomando uma decisão.
“Mas se me permite...” – Bella continuou, cautelosamente – “Não sei quanto ao Snape. Ele não é confiável, Milorde. Talvez devêssemos confiar essa missão a ele, como uma prova de lealdade. Ele está bastante próximo de Dumbledore...”
“Basta.” – Voldemort ergueu uma mão, fazendo Bella calar-se imediatamente – “Eu confio em Snape. E seu papel de espião é vital; importante demais para ser desperdiçado nessa missão. Eu perguntei a você o que acha da profecia: como você a interpreta.”
“Eu... Não sei, senhor.” – Abaixou a cabeça. Sentia-se envergonhada como uma criança.
“Talvez se você ouvisse as palavras exatas... Traga minha penseira.” – Voldemort fez um gesto vago em direção à saída. E então completou despreocupadamente:
“Deve estar no meu quarto.”

Bellatrix congelou por um momento. O Lorde das Trevas não parecia ter notado nada demais em sua declaração.Então, lentamente, como se saindo de um torpor, levantou-se e tomou a direção da saída.

Desceu pelas escadas até o segundo andar da casa, de onde era possível ver uma sucessão de portas iguais, todas de carvalho, dando entrada aos quatorze quartos da casa. Bem, quinze. Porque na outra extremidade, a extremidade oposta à escada por onde Bellatrix tinha acabado de descer, havia uma porta maior e ligeiramente intimidadora, toda em ébano e gravada com um enorme brasão representando uma cruz sobre um grande “R” floreado.

Bella empurrou a porta cautelosamente, e entrou no quarto tentando fazer o mínimo barulho possível, sem saber porque o fazia – afinal, tinha permissão para estar ali, não tinha?

Bella ofegou como se estivesse diante de uma caverna repleta de tesouros. Então, ainda mais lenta e silenciosamente, fechou a porta atrás de si.

Ela se surpreendeu com o quarto – era completamente normal. E talvez exatamente por isso lhe parecesse tão fascinante. Sempre soubera que o quarto de uma pessoa podia revelar muito acerca da personalidade do dono, mas naquele caso, só pôde se deixar levar por um arroubo de curiosidade.

Havia uma grande cama de casal oculta por um cortinado de veludo vermelho-escuro dominando todo o cômodo. E a esquerda da cama, um imponente guarda-roupa cuja porta entreaberta fez surgir um emocionante frio na barriga. Havia ainda uma estante cheia de livros e uma porta que abria para um banheiro ainda mais luxuoso que o seu.
Bella passou o dedo pela lombada dos livros na estante. Surpreendeu-se com os títulos: Havia desde Shakespeare até Dostoievski, mas nem sinal de literatura bruxa.

Seus olhos se voltaram para o cortinado da cama. A curiosidade apertou ainda mais em seu peito, e Bella não resistiu à tentação de afastar a cortina.

A cama estava totalmente desarrumada. O Lorde das Trevas não costumava ter noites tranqüilas.

Ainda dominada pelo ímpeto curioso que a levara a afastar o cortinado, ela apanhou uma ponta do lençol e levou ao nariz. Inspirou profundamente, sentindo o cheiro doce e ácido que lembrava algo como pimenta ou uísque de fogo, impregnado no tecido. Sorriu para si, aproximando ainda mais o tecido do rosto e riu baixinho como uma adolescente boba.

Subitamente, percebeu horrorizada o que estava fazendo e largou o lençol de volta à cama, corando profundamente até a raiz dos cabelos.

Onde estava com a cabeça?

Sentiu vontade de correr dali, para evitar que caísse na tentação de cheirar também as vestes largadas na cadeira ao lado da estante. Mas ainda tinha uma missão a cumprir ali...

Aproximou-se do armário entreaberto e espiou lá dentro. Contou vários conjuntos de vestes, a maioria pretas – embora, lá no fundo, ele ainda guardasse um belo conjunto de vestes de gala verde-escuro.

Embaixo das vestes, no estrado acima das gavetas de meias e roupas íntimas (Bellatrix Lestrange, não ouse abrir essa gaveta! - ela gritou para si mesma), havia, de fato, uma penseira velha e que não parecia guardar nenhuma lembrança no momento.
Bellatrix a afastou, e quando o fez, viu cair da gaveta uma caixa de papelão cuja tampa saltou para fora com o impacto da queda.

O conteúdo da caixa fez Bella assoviar baixinho, e logo seus olhos cinzentos brilharam de excitação – eram fotos, muitas fotos.

A primeira retratava um garotinho pálido e de cabelos escuros, voando alto numa vassoura, cercado por um estádio de quadribol. O menino, no entanto, não parecia muito confortável no ar.
A segunda era de um pré-adolescente de uns treze anos, vestindo roupas da Sonserina e cercado de colegas. Atrás deles, Bella reconheceu a fachada do Três Vassouras. O jovem Voldemort acenava tranqüilamente na foto e sorria; um copo de cerveja amanteigada numa mão e a varinha apontando frouxamente para o chão na outra.
A próxima foto, um recorte de jornal, retratava um o mesmo adolescente alto, pálido e bonito. Parecia estar no Salão Principal de Hogwarts, cercado de centenas de colegas que o olhavam admirados. O jovem Tom Riddle – conforme explicava a legenda embaixo – estava recebendo um prêmio especial por serviços prestados à escola.
Viu ainda uma grande foto intitulada “Formandos 1944”, na qual toda uma turma fazia uma tremenda algazarra; agitavam-se, colocavam chifres nas cabeças uns dos outros e se a foto tivesse som, certamente estariam gritando. O único que parecia ciente de sua dignidade era o terceiro garoto à esquerda, um brasão da Sonserina especialmente polido preso no lado esquerdo do peito, muito altivo; os braços cruzados às costas e sorria timidamente.

A última foto, no entanto, foi a que mais lhe chamou a atenção. Mostrava um jovem rapaz de vestes formais; atrás dele um cenário que lembrava vagamente uma festa em comemoração a qualquer coisa.Ele era o foco principal da foto, no entanto.

Bellatrix observou admirada cada detalhe da foto. O jovem Voldemort era absurdamente bonito; seus traços delicados lembravam o de uma escultura grega, finamente moldados com perfeição. Continuava pálido; no entanto, sob a luz forte do sol ele refletia um tom bronzeado que beirava à morenice, combinando perfeitamente com os olhos – Bella não deixou de reparar no olhar frio que notara desde a primeira foto – e os cabelos escuros. Ele sorria, mas o sorriso não era sincero como o das outras fotos de seu período em Hogwarts; era mais parecido com os esgares malignos que ele lhe dirigia atualmente. Ainda assim, não deixava de ser incrivelmente atraente.

Mas um movimento no lado de fora a acordou de seus devaneios, e Bellatrix se recompôs rapidamente: guardou a caixa em seu devido lugar, fechou o armário e arrumou o cortinado ao redor da cama.

Contudo, guardou a última foto para si.

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