Um Herói Desconhecido



Cap. 2 – Um Herói Desconhecido

Era isso. Sua primeira missão com ela. E viera tão rápido! Apenas duas semanas depois dela chegar.

- Ninfadora pode ser nova, mas é extremamente competente – dissera Dumbledore – Talvez não silenciosa e de forma alguma discreta, mas ainda assim, é perfeita para o que queremos no momento.

Era uma missão simples, talvez até insignificante. Teriam que falar com alguns bruxos que podiam vir a entrar na Ordem, mas antes precisavam se certificar de suas opiniões, e ter certeza de que iriam aceitar o convite antes de perguntarem. Essa era a parte complicada. Mesmo que muitos concordassem com o Dumbledore, pouquíssimos queriam se arriscar a entrar, temendo os riscos.

- Fala sério! – exclamou Tonks, enquanto andavam a caminho do metrô (teriam que ir da maneira trouxa, para não chamar a atenção) – Qual o problema dessa gente? Quer dizer, se sabem que Dumbledore está certo deveriam ajudá-lo, não correrem para se esconder!

Era incrível como ela parecia estar à vontade com ele. Falava, ria, conversava sobre tudo o que lhe vinha à cabeça, enquanto ele era o nervosismo em pessoa. Andava quieto ao seu lado, tentando falar o mínimo possível, temendo deixar qualquer sentimento transparecer suas palavras.

Mas às vezes, o silêncio vale mais do que as palavras.

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Ela podia ver pelo modo como ele se mantinha invariavelmente calado, que ele estava desconfortável na presença dela. Mas sua única alternativa era continuar tagarelando sobre bobagens, senão ambos mergulhariam de cabeça em lembranças, em constrangimento, nunca conseguiriam passar por aquele dia juntos. E, ela admitia, queria ficar ao lado dele, ao menos naquela tarde, ao menos como colega de trabalho.

Finalmente, quando caminhavam em direção ao Caldeirão Furado, rumo ao Beco Diagonal, onde haviam marcado o encontro, ela se viu sem nada para dizer. Esgotara sua cota de assuntos superficiais e não comprometedores. Agora a única coisa em que conseguia pensar era em como o conhecera anos atrás, em como ele despertara sua atenção, em como se esforçara tanto para ser notada, mesmo sabendo que ele era tão mais velho que ela...

Ela sentiu-o segurar forte o seu braço e olhou para os lados, confusa. Estivera prestes a cair no chão duro da calçada, quando ele a segurou. Não era grande novidade ela cair, mas sim ser apanhada antes de se estatelar. Levantou o rosto e olhou-o nos olhos sorrindo.

- Obrigada – disse antes de se afastar. Não queria que ele pensasse que ela estava se atirando em cima dele. Ela estava tentando ficar amiga dele, mostrar a ele que podia se sentir seguro com ela, e que ela não pretendia sair agarrando-o pelos cantos.

Mas aquele momento fora tão maravilhosamente familiar...

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Ninfadora Tonks corria desabalada pelas ruas da Londres trouxa, os cabelos vermelho-vivo cascateando atrás de si, a bolsa quase caindo do ombro, enquanto tinha os olhos no relógio de pulso. A mala que puxava batia nas pessoas a sua volta, que reclamavam, berrando, mas ela não podia parar para se desculpar. Estava terrivelmente atrasada! Ia perder o trem!

Chegou à estação – atraindo alguns olhares enviesados por conta do cabelo e dos jeans rasgados – e foi até a plataforma indicada em seu bilhete. O trem estava partindo. Droga.

Ela encostou-se na barreira entre as plataformas e suspirou. Era típico dela. Ainda com dezesseis anos ela simplesmente não conseguia ser séria, pontual, e principalmente, era extremamente desastrada. Fora isso que a fizera perder tempo.

Era o único trem que iria para o povoado de Budleigh Babberton, o próximo só sairia daqui a duas semanas. Lá se fora a chance de visitar sua amiga Hanna...

Então, repentinamente, ela começou a rir. Aquilo era bem Tonks, não era? Perder o trem porque acabou tropeçando à hora de pegar seu casaco, bateu em uma estante da sala e derrubou todo o seu conteúdo no tapete... era praticamente rotina ela destruir aquela estante! Mas é claro que teve que arrumar tudo depois. Sem magia! Bem, obviamente sem magia, já que ela ainda não podia usar magia fora da escola.

Levantou-se com o bom-humor renovado e pegou a mala. Já estava saindo quando esbarrou em alguém e caiu com força no chão, e a mala desabou em cima dela, esmagando-a. Ela sentiu o ar se esvair de seus pulmões. Ouviu o som de um galho se partindo e percebeu que provavelmente quebrara sua varinha, que trouxera na bolsa que por sua vez, no momento, estava sendo amassada por seu estômago. Ah, a dor de um pedaço de madeira enfiado na barriga também fora uma boa indicação...

Era difícil se levantar quando as pessoas estavam praticamente passando por cima dela, todas ocupadas e absortas demais em seus compromisso e horários para notar uma garota sendo sufocada embaixo de seus pés.

Mas aparentemente alguém a percebera por que minutos depois o peso foi retirado de suas costas e um homem lhe ofereceu a mão para que ela levantasse. Um homem jovem.

- Você está bem? – perguntou parecendo preocupado.

- Claro – disse enquanto aceitava sua mão e ele a ajudava a se pôr de pé – Claro, essas coisas acontecem o tempo todo.

- Tem certeza de que não está machucada?

Ela parou de recolher suas coisas que haviam caído da bolsa – incluindo uma varinha partida em duas – e o encarou. Ela estava sempre caindo e derrubando coisas, que chegava a ser estranho alguém se preocupar tanto. Ainda mais um desconhecido.

Ele tinha cabelos e olhos castanhos, e um rosto bonito. Não devia ter mais de trinta anos. Parecia um pouco cansado, preocupado e trazia uma mala também o que a desanimou. Se ele ia viajar, não poderiam nem conversar, e ela realmente ficara interessada nele.

- Tenho certeza – disse sorrindo e se levantando agora com a bolsa – E aí? Vai para onde?

- Qu...? Ah. Não, na verdade estou chegando. Estou procurando um emprego. E você?

- Eu vou... eu ia visitar uma amiga, mas acabo de perder o trem. Mas não se preocupe, isso é bem comum vindo de mim – riu ela – Normalmente são coisas piores. E então, será que o meu herói não quer tomar alguma coisa? Tem uma lanchonete logo virando a esquina.

Ele parecera constrangido ao ouvi-la chama-lo de herói, mas aceitou. Passaram a andar lado a lado, ambos carregando malas, pelas ruas movimentadas.

- Qual o seu nome?

- Ah, desculpe não ter me apresentado. Remus Lupin.

- Eu sou... Ninf... Tonks.

- Tonks? Filha de Andrômeda Tonks? – espantou-se ele. Ela virou o pescoço tão rápido para encará-lo que o cabelo bateu no rosto.

- Conhece minha mãe?

- Era prima de um... amigo – falou ele sem encara-la – Sirius Black. Fui a seu casamento, e... creio que já vi você antes. No enterro de um tio de Sirius, acho que você estava lá... nossa, você tinha apenas cinco anos! Estava com cabelos cor-de-rosa.

Ela riu.

- Eu ainda estava aprendendo, não me transformava muito bem, mas... De qualquer forma, é surpreendente! Quer dizer, nós já termos nos encontrado antes e justamente você ir me socorrer!

- Realmente. Mas gostaria que me dissesse qual é o problema em, se eu não estiver enganado, Ninfadora?

Ela fez uma careta e olhou para ele fingindo estar enjoada, ao que ele sorriu. Então disse meio irritada:

- Odeio meu nome. Não tem nada a ver comigo. É muito... floreado. – disse com cara de que essa seria a pior qualidade existente para se ter em um nome – Me chame de Tonks, certo? Teremos sérios problemas caso contrário...

- Certo... Ninfadora – falou observando-a pelo canto do olho, sorrindo. Ela bufou, irritada e gritou “Tonks!” em seu ouvido.

Eles caíram na gargalhada.

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- Tonks! TONKS!

- Ah, o quê? – exclamou mal-humorada – Não precisa gritar, não sou surda!

Ele sorriu. Sorriu para ela! Como sentira falta daquele sorriso. Então ela olhou ao redor e viu que já estavam em frente a um pequeno bar no Beco Diagonal. A sua frente, dois homens e uma mulher os observavam desconfiados. Sentiu um leve tremor percorrer seu corpo. Voltou a encarar Remus. Ele a observava.

- Está pronta para sua primeira missão?

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- Ah, meu Deus, mil perdões! Veja, eu posso limpar para você!

Certo, não era um começo muito bom, mas que culpa ela tinha? Só fora apanhar seu copo de hidromel e, sem querer, o derrubara nas vestes do bruxo mais velho, de cabelos e barbas grisalhas, sentado a sua frente. Por que aquele tipo de coisa vivia acontecendo? Ela se esforçava para não ser tão desajeitada.

O homem bufou, enquanto Remus, com um feitiço eficiente, fazia desaparecer a mancha escura em sua camisa. O outro senhor, um homem ruivo, com algumas poucas rugas aparecendo, abafou um risinho e olhou para Tonks, divertido. O primeiro lhe lançou um olhar fulminante, ao que ele retomou a compostura. Tonks sentiu uma súbita simpatia por ele.

Do outro lado do senhor rabugento havia uma mulher de cabelos crespos, que parecia achar tudo terrivelmente entediante. Tinha o olhar em um ponto fixo da parede oposta, e Tonks não tinha muita certeza de que ela sequer tinha alguma idéia do que estava acontecendo embaixo do seu nariz. Remus lhe olhou de forma reprovadora.

- Mil desculpas – disse se dirigindo ao velho mal-humorado que murmurou um seco “Certo” a seu pedido.

- Então, será que podemos saber o motivo desse encontro? – perguntou o homem ruivo animado – Dumbledore me escreveu e disse que mandaria alguns colegas para conversar. Foi bastante sigiloso e disse para manter-mos segredo. Imagino que tenha a ver com os boatos não?

- O que você soube? – perguntou Remus tentando soar desinteressado.

- Ah, tanta coisa! Acredita no que estão dizendo por aí? Que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado retornou! Voltou! Simplesmente, depois de quatorze anos...

- Com licença – interrompeu Tonks. Todos voltaram seus rostos para ela – Er... desculpe, mas... Não deveríamos nos apresentar? É difícil falar com alguém que não conhecemos.

Remus e o velho abriram, ao mesmo tempo, a boca para retrucar, com expressão irritada, mas o ruivo exclamou:

- Absolutamente certa! Eu sou Carl Gibbon. Meu amigo aqui se chama Bill Thompson e essa é Marly McKinnon.

- Hã? Hã, o quê? – a mulher pareceu despertar – Ah, que coisa, devo ter cochilado, me perdoem. Mas trabalhei a noite toda, o ministério está fervilhando... – ela bocejou – e estou mesmo muito cansada. Pois bem, continuem.

- Este é Remus Lupin e eu sou Tonks – Remus lhe lançou um olhar severo – Bem, Ninfadora Tonks – completou com desgosto aparente – E então, Gibbon, o que têm achado dos boatos?

- Bem, ouvi dizer que foi o próprio Dumbledore quem afirmou seu retorno, e, por mais que apóie o ministério, não posso duvidar da palavra de Dumbledore. Ótimo bruxo, ótimo diretor.

- É um grande homem, o Dumbledore – afirmou Marly veementemente – Também acho que não diria esse tipo de coisa por brincadeira, afinal, porque o faria? Ele deve ter uma boa razão, e acredito no que está dizendo. Fudge diz que está ficando louco, mas...

- Bobagem – exclamou Carl – Dumbledore está tão bem como sempre esteve, pode estar mais velho, mas com certeza ainda não perdeu suas faculdades mentais.

- Portanto, acham que Voldemort realmente retornou? – perguntou Remus.

Houve um tremor pela mesa, e o copo de Tonks tremeu em sua mão, enquanto Carl abafava um gemido. Uma expressão de pânico passou pelo rosto de todos por alguns instantes antes de voltarem ao normal.

- Não – ofegou Tonks – diga o nome Dele.

- Se ele realmente voltou, teremos que nos acostumar com seu nome – falou displicentemente.

- Bem, bem – gaguejou Carl torcendo as mãos nervosamente – Não é recomendável sair falando seu nome aos quatro ventos, não é? Mas em resposta a sua pergunta, sim, acredito que... que Você-Sabe-Quem tenha voltado.

- Eu também – declarou Marly solenemente quando os olhares se voltaram para ela – estou ao lado de Dumbledore, com toda a certeza. Mesmo não querendo acreditar em tal coisa, é preciso admitir o que está a um palmo do nariz...

- Bem, uma coisa é concordar, outra bem diferente é estar disposto a participar da luta, vocês sabem... mais ativamente – disse Tonks – Eu, por exemplo, trabalho no Ministério, como auror, e fico pensando nos perigos quando Você-Sabe-Quem sair das sombras.

- Então acho que não deveria ter escolhido este emprego – rugiu Bill, entrando pela primeira vez na conversa – Se não tem coragem para...

- Nunca disse que não tinha coragem – retrucou ela – Disse apenas que pode haver sérios perigos...

- Quem se importa com os perigos? – disse ele, aparentemente prestes a começar um discurso – Se todos se esconderem ele matará os bruxos decentes um a um, e você escolheu a profissão que mais se colocará a sua frente quando ele finalmente aparecer. Vão morrer aos montes, mas, bem, deveria ter pensado nisso antes, não mocinha?

- Com licença, senhor... – começou Remus, mas com um gesto da mão, o outro pediu que ele se calasse.

- Eu lutaria! – exclamou teatralmente, levantando-se – Lutaria até minha morte! E é o que farei em pouco tempo se, como acredito que seja, Dumbledore estiver dizendo a verdade.

Todos agora o observavam com um misto de espanto e admiração. Nada mal para um homem que se manterá em silêncio durante toda a conversa. Ele parou para respirar e tornou a se sentar. Pegou seu copo de uísque de fogo e deu um longo gole. Lentamente pareceu se dar conta do que fizera, pois uma expressão de leve embaraço tomou conta de seu rosto.

- Muito bem – disse ele – Acho que isto encerra nossa pequena reunião, não?

- Sim senhor – falou Remus – Então, Dumbledore gostaria de vê-los amanhã, para um almoço. Exige que todos estejam presentes.

- Pois diga que estaremos lá – falou Marly tomando um pequeno gole de chá – E diga que nos será uma honra vê-lo. Não o vejo há muito tempo!

- Bem, senhores, nós... Nós já vamos indo então – falou Tonks levantando-se após um sinal de concordância de Remus – Esperamos encontra-los em breve.

Eles saíram do bar e passaram a caminhar em direção ao Caldeirão Furado, lado a lado. Tonks tentou ficar séria e silenciosa, mas não se conteve.

- O que vai acontecer agora? Dumbledore irá convocá-los para a Ordem, não?

- Creio que sim – falou com um breve sorriso.

Ela tentou ficar quieta novamente, mas a experiência fora tão empolgante e a perspectiva de ter finalmente feito algo útil pela Ordem a animava tanto que ela não conseguiu por mais de um minuto.

- Foi tão legal! – disse feliz – Quero dizer, eu não agüentava mais ficar em casa, estava ficando louca! E ler relatórios é uma chatice!

- Os relatórios são muito importantes, Ninfadora.

Ela fitou seu rosto com expressão zangada, mas curiosa. Ele a chamara assim por acaso? Não se lembrava do quanto ela odiava o nome? Mas ele devia saber, todos na Ordem sabiam... E se fosse proposital? Ele sempre a chamava pelo primeiro nome, quando estavam juntos, naquele verão... E com toda certeza ele sabia que ela não gostava. Aliás, ele fazia exatamente para irritá-la, pensava ela.

- Por que você me chama assim? – perguntou.

Ele continuou andando, mas olhou para ela e disse, com um leve sorriso:

- É o seu nome, não é?

- Não por minha escolha, é claro. Então, será que pode fazer o favor de me chamar apenas de Tonks?

Ele não disse nada, apenas sorriu e voltou a olhar para frente. Ela caminhou em silêncio ao seu lado, entre a excitação do trabalho – um trabalhinho ridículo, mas ainda assim sua primeira ajuda à Ordem – a zanga por ser chamada pelo primeiro nome, e a confusão pelo seu sorriso. Sentia as idéias voarem a mil por hora em sua cabeça, sem saber em qual confiar.

Mas não podia deixar de conter um sorriso: vencera a primeira batalha.


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