Fora dos Planos
Cap. 1 – Fora dos Planos
- Então – disse ele com um sorriso – Ninfadora Tonks. Há quanto tempo, hein?
Ela sorriu. Era um sorriso bonito, brilhante, alegre. Um sorriso de saudades e carinho. Então soltou a mala que carregava no chão e abraçou-o, passando os braços ao redor de seu pescoço e beijando seu rosto.
- Sirius! Ah, Merlim, nem posso acreditar!
- Senti sua falta, priminha. A última vez que te vi você tinha sete anos de idade, lembra? E agora... com quantos anos está?
- Vinte e dois – disse enquanto o observava apanhar sua bagagem e levar para dentro da mansão.
- É, uma garota, ainda.
- E auror – acrescentou tentando não deixar transparecer orgulho na voz – Me formei há um ano, não sei se soube.
- Dumbledore me contou – disse ele, quando começaram a entrar – Não precisa se exibir.
- Cert... Aaaaaai!
Com um estrondo, ela caiu pesadamente no chão do patamar de entrada. O barulho obviamente despertara a atenção de mais alguém na casa, por que pôde ouvir passos se aproximando.
- Ah, mil desculpas – apressou-se a dizer enquanto se levantava, se apoiado em Sirius, que tentava não rir – Sério. Eu tropecei, foi mal. Foi nessa perna de trasgo idiota, mas, olha, se eu estraguei alguma coisa...
- Não se preocupe, nada nessa casa me interessa – disse amargamente – Mas vejo que crescer não alterou a sua falta de coordenação, não é? Continua desastrada como sempre.
- Hahaha, muito engraçado, você...
Ela parou de falar abruptamente. Por que ao pé da escada havia alguém estranhamente familiar. Os cabelos castanhos tinham alguns fios precocemente grisalhos, e o rosto parecia mais cansado do que da última vez que o vira. Mas com certeza era ele. Tinha que ser.
E, inescapavelmente, uma fração de segundo depois de lembrar-se de quem ele era, ela recordou sua breve história com ele, anos atrás. Talvez não exatamente uma história. Apenas um verão. O verão que ela vinha a seis anos tentando esquecer.
- Ah, veja só quem está aqui! – exclamou Sirius, não percebendo o repentino silêncio na sala – Você se lembra de meu amigo, Remus?
- R.... Remus? – murmurou ela, ainda sem tirar os olhos dele, que parecia ter sido petrificado no momento em que a vira.
Mas o primo não tomou a sua hesitação por coisa alguma a não ser que ela não fazia idéia de sobre quem ele estava falando. Como estava enganado.
- É achei que não se lembraria... só deve tê-lo visto uma vez, quando tinha três ou quatro anos. Aluado – ele se virou para o homem – Esta é minha prima, Ninfadora Tonks. Talvez não a reconheça.
- É claro que me lembro – disse ele recuperando o controle, mas falando anormalmente sério, fixando o rosto espantado dela – Está diferente, Ninfadora.
Ela sentiu um arrepio ao ouvi-lo dizer seu nome. Porque, em todos aqueles anos, ele era o único que o fazia parecer agradável a seus ouvidos. Ela gostava quando ele a chamava assim.
- Meu nome é Tonks – disse finalmente, voltando ao normal – Com licença, vou guardar minhas coisas.
Ela subiu as escadas e deixou Sirius lhe mostrar seu quarto. Despediu-se dele, dizendo que desceria para o jantar, e trancou a porta. Andou até a cama sentindo-se estranhamente tonta e se deitou, suspirando.
Ele.
Ele!
Não podia acreditar. Devia ter imaginado que ele estaria ali, mas a idéia sequer passou por sua cabeça. E agora estava lá, há alguns passos de distância de Remus Lupin. Há tanto tempo não o via! Ela tinha apenas dezesseis anos quando...
Fechou os olhos, tentando não pensar. Tinha prometido a si mesma esquecê-lo depois do que havia acontecido entre eles. É claro que não cumprira a promessa. Nunca mais sentiu por alguém o que sentiu por ele, mas mentia dizendo a si mesma que era pura imaginação, que nunca fora assim tão bom quanto se lembrava. E realmente não fora. Fora melhor.
Mas ainda assim estava tudo bem quando estavam longe, e ela nem sabia o que acontecera com ele. Era diferente agora que ele estava tão perto... perigosamente perto. Ela tinha medo de deixar antigos sentimentos virem à tona. Mas, percebeu, eles já estavam à flor da pele.
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Remus andava em círculos na sala de estar dos Black já havia vários minutos. O coração disparara quando vira ali, a sua frente, depois de tanto tempo. Ela, talvez sua única fonte de lembranças onde deixara de ser absolutamente racional...
Com um pesado suspiro ele atirou-se na poltrona atrás de si, levando as mãos ao rosto, de modo frustrado. Reencontra-la não estava nos seus planos. Como a encararia depois daquilo?
Havia sido a tanto tempo, que ele já esquecera. Mentira. Ele apenas empurrara a lembrança para os fundos de sua mente, tentando fingir que ela não existia. Mas ela estava sempre ali, pronta para invadir seus pensamentos quando ele se pegava sozinho, em noites mal dormidas, ou momentos em que ele se desligava do mundo a sua volta. Ela estava lá.
Mas para ele ela continuava sendo a mesma garota de seis verões atrás, e agora... agora ela aparecia como uma mulher, uma mulher linda, cheia de vida, exatamente a mesma que o encantara uma vez antes, como menina, para quem tudo parecia tão fácil, tão simples, como se a vida fosse apenas um passatempo de horas vagas, nada realmente importante a ponto de se preocupar.
Será que ela ainda se lembrava dele? Será que ainda sentia alguma coisa por ele? Ele sentia algo por ela? Era tão difícil colocar as idéias em ordem, quando a cada momento, cada vez mais, perguntas novas rodopiavam por sua cabeça.
Respirou profundamente várias vezes, tentando, em vão, se acalmar. Devia ter pensado, quando entrara na Ordem, que haveria mais chances de aquilo acontecer. Agora era tarde, ela chegara, e provavelmente era a moça que Dumbledore avisara que chegaria para ser sua “colega” de trabalho na Ordem da Fênix. Era só o que lhe faltava.
- Caraminholas na cabeça meu caro Remus?
Ele ergueu o rosto. Ali parado estava o diretor de Hogwarts, Dumbledore, um homem alto e magro, os olhos azuis cintilando por trás dos óculos de meia-lua, como se pudesse ler seus pensamentos.
- Ah, olá, Dumbledore – murmurou ele, mas como não disse mais nada, o professor pareceu ver-se obrigado a insistir.
- Vejo que não vai querer me dizer, por conta própria, o que está acontecendo, não é? Você parece um tanto abatido, Remus, e creio que não tenha nada a ver com a lua cheia.
- Na verdade não – admitiu – Mas estou bem, é sério, só um pouco cansado.
Dumbledore sorriu.
- Você nunca foi um mentiroso Remus... Não tente ser agora. É óbvio que está com problemas, e se eu puder ajudar...
- Acho que não pode – disse com um suspiro.
Houve um longo silêncio, quebrado apenas pelo cantarolar baixinho do diretor e o som de passos no andar de cima.
- Você já conhecia a senhorita Ninfadora Tonks, não é mesmo?
Ele quase caiu da poltrona ao ouvir essas palavras. Estivera tão imerso em pensamentos que quase se esquecera de que o outro estava ali. Além disso, era uma pergunta muito objetiva, e ele não teria como mentir. Depois de intermináveis segundos sem dizer absolutamente nada, ele gaguejou:
- É, na verdade sim, conheci-a quando jovem... faz muito tempo.
- Jovem... ah, Remus, você ainda é jovem. Quando tiver a minha idade você talvez perceba... mas me diga: o que aconteceu entre vocês?
- Eu não... Eu não gostaria de falar sobre isso, Dumbledore.
- Mas ainda assim, sente que poderia morrer se não falasse, não? Precisa conversar com alguém, e eu sugeriria a própria Ninfadora, se não soubesse que você negaria veementemente fazer tal coisa.
Essa era, de fato, a primeira coisa que Lupin faria se ele tivesse sugerido isso. Falar com Tonks! Ele mal podia organizar as próprias idéias, quanto mais expressá-las. E, além disso, o que diria a ela? Que a amava? Mas nem ele sabia se realmente isso era verdade. Que sentira sua falta? Que pensara nela todos os dias de sua vida desde então, por mais que tentasse esquecê-la?
- Ainda assim – disse sorrindo tristemente – prefiro não dizer nada. Ao menos por enquanto.
- Como quiser – falou o diretor se pondo em pé outra vez – Ah, teremos uma reunião esta noite, as nove, na cozinha. Quero explicar algumas teorias para a Ordem, e preciso que esteja presente. Até mais.
Remus o viu dar meia volta e se retirar, não realmente prestando atenção. O pior de tudo era saber que o diretor estava correto. Cedo ou tarde, ele teria que falar com ela.
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- Ei, temos uma reunião! – gritou Sirius do outro lado da porta.
Tonks levantou-se em um pulo e abriu a porta.
- Gostei do cabelo – disse ele quando ela saiu.
- Obrigada – falou rindo e balançando os cabelos que estavam azul-marinho – Por que não me avisou que teríamos uma reunião? Não precisaria vir me chamar, e eu tenho absoluta convicção de que posso encontrar a cozinha sozinha.
- Sei que pode. Mas tenho medo que possa “se distrair” no caminho – seus olhos brilharam maliciosamente.
- O que quer dizer?
- Tem alguém que anda muito estranho desde que você chegou – falou misteriosamente.
A partir daí, até chegarem à cozinha, ela se esforçou para extrair qualquer outra informação do primo, mas este se recusou a falar. Por fim ela se conformou e esqueceu o assunto, enquanto prestava atenção nas palavras de Dumbledore, nos relatórios que outros membros da Ordem haviam enviado, e nas instruções que lhe haviam sido resignadas.
Ela viu Remus sentado do outro lado da mesa, olhando, sem realmente ver, os pergaminhos a sua frente. Duas vezes seus olhares se cruzaram e eles desviaram o rosto em direções opostas, corando. Como ela ia sobreviver com ele ali, tão perto dela?
Depois do jantar – e de dois copos quebrados acidentalmente – ela e os outros oram até a sala conversar. Por fim, restaram apenas ela, Sirius, e Remus. Que sorte a dela!
Ela pensou. Podia simplesmente se levantar, dizer que estava com sono e ir para o seu quarto. Mas eram apenas onze horas e ela estava totalmente desperta. O que ficaria fazendo trancada no seu quarto?
A segunda opção, era, é claro, fingir que nada acontecera.
E, ela percebeu, era assim que sua vida seria de agora em diante.
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