Passado, Presente e Futuro




- CAPÍTULO II -
Passado, presente e futuro


O sol estava se pondo quando a diretora estava sentada sozinha em seu escritório, lendo um longo pergaminho, endereçado a ela pelo Conselho Diretor da escola. Conforme lia, e seus olhos se movimentavam astutamente da esquerda para a direita, sua expressão ia se modificando de ansiosa para temerosa. O que estava escrito tinha um único significado: Hogwarts poderia fechar. Só uma coisa atormentava a cabeça dela: o que fazer? Fechar a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts e deixar que os alunos procurassem proteção junto à família ou lutar para abri-la para quem quisesse aprender e desfrutar de sua proteção? Ela sabia o que queria, mas como faria para que os alunos voltassem e confiassem na proteção oferecida por Hogwarts, agora que – a diretora engoliu em seco – Dumbledore não era mais o diretor? Se pelo menos Harry Potter voltasse para cursar seu último ano, as famílias ficariam um pouco mais seguras. Mas mesmo assim, isso não seria o suficiente. Havia muito o que se considerar. Os acontecimentos passados tornavam o presente cada vez pior e mais obscuro, e fazia com que o futuro fosse cada vez mais incerto.
A diretora levantou-se, deixou o pergaminho na escrivaninha e foi em direção à janela. Os jardins estavam lindos, dourados, e a lula gigante nadava alegremente no lago próximo. Mas essa aparência de paz e tranqüilidade de modo algum refletia o que ela estava sentindo e muito menos o que estava acontecendo pelo mundo. A diretora começou a repassar mentalmente todos os fatos que haviam ocorrido desde o enterro do ex-diretor, havia uma semana. Tantas torturas, tantos ataques, tantas – a diretora abaixou a cabeça – mortes: Demery Creevey, pai dos irmãos Colin e Denis Creevey. Mary Jordan, tia do ex-locutor de quadribol de Hogwarts Lino Jordan. Emily Goldstein, mãe do aluno da Corvinal Antônio Goldstein. Patrick Expurgius, autor do livro Guia de defesa avançada contra dementadores. Ártemis Silverbow, grande bruxa que pesquisava havia anos uma maneira de bloquear o feitiço Avada Kedavra.
Além de todas essas mortes, muitas pessoas foram torturadas, mas conseguiram se salvar: Arabella Figg, uma senhora que foi salva pela equipe de aurores do Ministério da Magia e morava na Rua dos Alfeneiros; não era bruxa, mas sim um aborto, ou seja, tinha pais bruxos, mas não nasceu com nenhum talento para a magia. Mafalda Hopkirk, da Seção de Controle do Uso Indevido de Magia, que foi atacada quando chegava em casa, e foi salva graças ao marido, que aparatou com ela antes que fossem atingidos por um dos feitiços dos Comensais da Morte. Harvery Pinnebottle, que escapou por pouco de um ataque à sua loja de kits de poções, em Hogsmeade. Dupley Kethmery, bruxo muito poderoso que colaborou muito para a sistematização dos feitiços combinatórios, e ficou desaparecido por dois dias, reaparecendo logo depois, com saúde ótima, exceto pelo braço direito, que parecia estar um pouco atrofiado. Segundo ele, a atrofia era porque ele usara o braço como escudo ao tentar se defender da Maldição Cruciatus. O impacto no braço fizera com que este se atrofiasse e ficasse estranhamente torto, e seus dedos ficassem imobilizados em uma posição estranha.
Havia também pessoas desaparecidas, e ninguém sabia o que havia acontecido com elas. Não sabiam se estavam sendo mantidas prisioneiras, se haviam sido mortas ou se perderam a memória. A diretora sabia que Olivaras, o melhor fabricante de varinhas já conhecido, estava bem escondido. Ele havia preferido se ausentar enquanto os bruxos estivessem em guerra, pois não queria ser capturado e obrigado a trabalhar para o lado das trevas. Entrara em contato com Dumbledore perto do Natal anterior, através de uma coruja. A carta enviada por ele foi deixada no escritório, em uma gaveta. Dizia o seguinte:

Caro amigo Dumbledore,
Primeiramente, desejo a você um Feliz Natal! Sei que atualmente a situação não está muito boa, mas talvez você consiga viver um dia de paz e felicidade sem se preocupar tanto com a guerra no mundo bruxo.
Estou lhe escrevendo para tranqüilizar aqueles que estiverem preocupados comigo. Afinal, minha loja no Beco Diagonal está fechada há vários meses, e eu saí sem dar notícias a ninguém. Acontece que preferi me ausentar durante essa guerra. Estou velho, meu amigo. Muito velho. Talvez você já esteja começando a sentir o que eu estou sentindo agora: músculos doloridos, reflexos nada rápidos, vista cansada. O terror e o nervosismo das pessoas estavam me deixando ainda pior.
Outro motivo que me levou a me esconder nesse período é que os seguidores d’Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado estavam querendo me capturar, e eu não queria ser forçado a trabalhar para eles.
Estou torcendo por você. Afinal, sua varinha foi uma das mais poderosas que já vendi: pinheiro, trinta e dois centímetros, pena de fênix. O sr. Potter ainda está sob seus cuidados, não é mesmo? Vocês dois juntos devem formar uma dupla e tanto!
Não posso dizer onde estou, porque a coruja pode ser interceptada. Mas lhe asseguro que não há como os Comensais me encontrarem. Estou muito bem escondido. Não adianta tentar me responder, porque nem a coruja que enviei saberá voltar para meu esconderijo.
Desejo a todos em Hogwarts um excelente Natal!
Olivaras

Florean Fortescue, que trabalhava em uma sorveteria no Beco Diagonal, fora encontrado havia uns três dias, andando pelo centro de Londres distraidamente e saboreando um picolé de chocolate. Sua expressão fora de total incredulidade quando lhe disseram que o estavam procurando havia meses, e que muitos bruxos se perguntavam onde estaria Florean. Achava que seu nome era Tyflerin Whatmurk, e disse que trabalhou a vida inteira na companhia de coleta de lixo de Londres e estava aposentado havia dois anos. Foi muito difícil para os bruxos do Ministério recuperar a memória de Florean. Mesmo depois de conseguirem, ele não foi capaz de lembrar quem o havia atacado, o porquê e nem que informações haviam conseguido retirar dele.
A lula gigante foi recolhendo seus longos tentáculos para dentro da água, e aos poucos submergiu, ao mesmo tempo em que o sol sumia por trás da Floresta Proibida e as primeiras estrelas começavam a brilhar no céu. A diretora suspirou. Havia tanto para pensar, para se preocupar, para decidir... Afinal, qual era a melhor opção? Abrir Hogwarts para o próximo ano letivo ou fechá-la por tempo indeterminado, mostrando a toda a comunidade bruxa que até mesmo a escola sucumbira ao poder de Lord Voldemort? Uma frase veio em sua cabeça quase instantaneamente: “Chega uma hora em que devemos escolher entre o que é certo e o que é fácil”. Era uma das frases preferidas de Dumbledore. Não era apenas uma frase, era uma transmissão da filosofia e da sabedoria do grande homem que fora o melhor diretor que Hogwarts tivera até aquele momento. Um fardo muito pesado, o que ela tinha que carregar. Pesado demais. Algumas lágrimas escaparam de seus olhos, mas ela rapidamente passou a mão embaixo dos olhos, secando-as. Era severa demais, até com ela mesma.
A diretora ajeitou seu chapéu, desconcertada. Resolveu caminhar um pouco pelo escritório. Ao virar-se, seu olhar encontrou automaticamente sobre o recente quadro de Dumbledore. Ele ainda dormia profundamente. Ainda não abrira os olhos, e parecia estar tendo constantemente um sonho tranqüilo e prazeroso. Novas lágrimas foram reprimidas a muito custo dos olhos da diretora. Tentando desviar seus pensamentos para algo que não lembrasse o ex-diretor, ela olhou para os objetos de prata, em cima da escrivaninha. Não podia ter escolhido algo pior para fazer. Inúmeras vezes vira Dumbledore usar cada um deles, e isso apenas aumentou sua angústia.
Lembrar do ex-diretor lhe fez lembrar da Ordem da Fênix. Todos estavam desiludidos, pois foram traídos por um membro da própria ordem. Estavam meio perdidos, sem saber o que fazer, agora que Dumbledore se fora, assim como seus planos e suas idéias. Não sabiam como deviam prosseguir, onde espiar, o que procurar. O único que conhecia os planos de Dumbledore era Harry, mas ele jamais ia contar a alguém que não fosse Rony ou Hermione o que Dumbledore o confidenciara, porque o ex-diretor o pedira isso. A sede da ordem, no Largo Grimmauld, doze, era do jovem Potter, desde que seu tio Sirius morrera, e a fiel do segredo da casa agora era ela mesma, a diretora, pois Dumbledore não podia mais ser o fiel do segredo, já que se fora para sempre. Dumbledore... Quantas saudades ele deixara. Quantos planos, quantos desejos, quantos sonhos, quantos – o coração da diretora deu um salto – pensamentos.
Como não pensara nisso antes? Talvez porque estivera muito ocupada com outras coisas. Devia ter feito isso há muito tempo. Afinal, – ela hesitou um pouco, não muito segura de que o que iria fazer era certo – precisava saber o que Dumbledore e Harry tanto conversavam e o que o diretor fazia em suas constantes ausências ao longo do ano letivo anterior.
A diretora avançou em direção a um armário no canto da sala e abriu-o. Dentro, havia uma grande bacia de pedra. Mas, ao contrário do que ela esperava, a bacia não estava cheia de pensamentos, que assumiam cor prateada. Ainda continha aquela substância estranha, meio líquida, meio gasosa, mas estava quase completamente vazia, com a exceção de uma meia dúzia de fiapos prateados, que faziam movimentos circulares, deslizando em meio à substância que não era nem gasosa nem líquida.
A diretora inclinou sua cabeça para mais perto da Penseira, um tanto quanto apreensiva, afinal, só havia visto a bacia lotada de pensamentos de Dumbledore. Agora, havia apenas alguns. O que será que havia acontecido? Ela nunca havia ouvido falar que os pensamentos da pessoa somem de uma Penseira quando ela morre, e mesmo assim, ainda restavam alguns. Talvez Dumbledore tivesse esvaziado a bacia antes de sair com Harry. Mas com que propósito? Será que ele já sabia que poderia não voltar nunca mais? Seu coração começou a bater acelerado – aqueles pensamentos deviam ser ou muito importantes ou inúteis.
Ao tocar a superfície da Penseira, a diretora sentiu seu corpo cair em direção a um gramado bem verde. Quando tocou o solo, se endireitou e olhou à sua volta, percebendo que estava em um campo aberto, onde havia muitas plantações e árvores, algumas flores bem coloridas e muitos animais pequenos, como esquilos e pássaros. Havia também uma pequena casinha de campo, com uma chaminé que soltava uma fumaça branca. Alguém estava cozinhando em um fogão a lenha. Ao lado da casa, uma pequena cerca separava um espaço onde havia muitas cabras. Pelo jeito, era uma criação da família que morava ali. De repente, escutou vozes, e chegou mais perto da casa, reparando que havia dois meninos brincando no jardim. Eram bem altos, mas a diretora logo percebeu que não tinham mais de dez anos, e que um deles era uns dois anos mais novo do que o outro.
– É sua vez, venha me pegar! – o garoto mais velho gritou para o outro, e começou a correr rapidamente pela grama cheia de orvalho, pois ainda era cedo, e o sol havia nascido há pouco tempo.
O outro menino foi atrás do primeiro, e a diretora também, ligeiramente desconcertada, pois não tinha costume de se exercitar muito. Quando o menino mais novo alcançou o que tinha gritado, e estendeu a mão para segurá-lo, este bateu com a cabeça em uma árvore, caiu de cara no chão com estrondo e ficou lá, imóvel como uma pedra.
– Irmão! Irmão! O que aconteceu? Ei, irmão! Levanta!
O menino começou a ficar nervoso. Não sabia o que fazer. Será que o irmão havia desmaiado? Parecia estar completamente inconsciente. Ele começou a sacudi-lo pelos ombros, ficando mais nervoso a cada instante que passava. Ajoelhado ao lado do irmão, começou a gritar:
– Acorde, irmão! SOCORRO! MÃE!
O menino caído abriu os olhos e levantou-se rapidamente, com um ligeiro sorriso no rosto, dando um tremendo susto no irmão.
– Ai! Ãh? O quê? Como... O que houve? Como você conseguiu ficar parado naquela posição sem se mexer por tanto tempo, mesmo enquanto eu te sacudia? Parecia que nem estava respirando!
O outro, às gargalhadas, apenas disse:
– Eu sempre quis me fingir de morto!
– Aberforth! Que gritaria é essa? Venha logo tomar café! Chame o Alvo também! – uma voz veio de dentro da pequena casa.
– Já estamos indo, mamãe! – respondeu o menino mais novo, ainda meio atordoado – Vamos, Alvo, mamãe está chamando. E nunca mais me dê um susto assim!
O menino mais velho continuou sorrindo, ajudou o irmão a se levantar, pois ele ainda estava pregado no chão, meio assustado, e foi junto com ele em direção à pequena casa. O coração da diretora parecia ter subido pela garganta. Então, o menino que batera a cabeça na árvore era Alvo. Alvo Dumbledore na sua infância! Os meninos chegaram na porta da casa, e estavam limpando os pés para entrar, quando a diretora sentiu que seus pés estavam deixando o chão, e aos poucos viu a paisagem do pequeno sítio sumir, e de repente estava novamente em seu escritório. Chegou bem a tempo de ouvir alguém batendo à porta. Tentando fechar o armário, recuperar o fôlego, ajeitar o chapéu e a roupa ao mesmo tempo, ela respondeu desajeitada:
– Entre.
A professora Sprout, diretora da Lufa-Lufa e professora de Herbologia, entrou na sala com um ar preocupado e ansioso. Um pouco pálida, ela apenas disse:
– Minerva, está na hora do Conselho Diretor. Estão todos no Salão Principal esperando por você.
A diretora pareceu levar um choque. As preocupações sobre a escola e o que fazer a seguir haviam sido varridas de sua cabeça quando ela entrou na Penseira. Ainda nem tivera tempo para refletir sobre a lembrança, e já havia sido trazida de volta à realidade: precisava comparecer à reunião do Conselho Diretor. O destino de Hogwarts seria decidido nas próximas horas.
Manteve no rosto por alguns instantes uma expressão assustada e conturbada, mas quando falou estava com a voz bem firme:
– Obrigada, Sprout. Já estou descendo.

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