Satisfação ao Mestre
A cidade de Great Hangleton era um grande centro comercial, portanto estava acostumada a abrigar figuras estranhas, que vinham de lugares longínquos para tratar de negócios importantes e grandiosos. Não era raro encontrar homens de turbantes coloridos andando pelas ruas, mulheres usando véus no rosto, crianças de terno e gravata e até mesmo velhos excêntricos trajando coloridas vestes, que variavam de laranja fluorescente a verde-abacate.
Mas os habitantes da cidade de Great Hangleton nunca haviam visto figuras tão estranhas quanto aquelas duas que apareceram repentinamente certa noite escura e nevoenta. Já passava da meia-noite e, por causa da hora tardia, as luzes (provenientes de fast-foods, outdoors, prédios e casas) já haviam sido apagadas. Os dois vultos, vindos não se sabe de onde, usavam longas capas negras e pareciam vir de muito longe. Eles se encontravam em uma longa rua escura e pouco movimentada, onde várias casas pareciam abandonadas e a maioria dos postes estava quebrada, o que tornava Kevery Street ainda mais sombria e sinistra. Estavam passando pela periferia.
As poucas pessoas que ainda se encontravam na rua estavam separadas em pequenos grupos de amigos, que conversavam aos cochichos e pareciam querer se esconder de olhares curiosos. Muitas cabeças se viraram, assustadas com o farfalhar das capas que cobriam as duas sombras e principalmente com os gritos que se seguiram. Os vultos tinham vindo talvez de uma esquina sombria e sujam, ou talvez de uma rua paralela a Kevery Street. Mas mesmo dias depois, quando o fato já havia sido contado e recontado várias vezes e em várias versões para todos os moradores da periferia de Great Hangleton, parecia ainda uma incógnita o verdadeiro lugar de onde apareceram aqueles dois homens. Só o que se sabe é que, naquela noite, um grito repentino cortou o silêncio sinistro da penumbra da rua:
– SE VOCÊ NÃO ERA CAPAZ DE REALIZAR A ORDEM DO LORD, ENTÃO POR QUE VOCÊ NÃO PEDIU MINHA AJUDA? – o homem cheio de fúria que gritara arrancou a capa da cabeça, revelando cabelos negros e oleosos que chegavam à altura de seus ombros e um enorme nariz empinado.
O segundo vulto também mostrou seu rosto. Era um jovem. Sua imagem cansada, pálida e cheia de olheiras, e seus cabelos louro-acinzentados sujos e despenteados, davam-lhe um ar de alguém muito fragilizado, que havia sido colocado sob um intenso período de estresse.
– VOCÊ QUERIA ERA RECEBER TODOS OS CRÉDITOS DO LORD! É CONSEGUIU, NÃO É MESMO, SNAPE? EU É QUE ME ESFORCEI O ANO INTEIRO PARA CUMPRIR A TAREFA E, NO FINAL DE TUDO, O LORD AGRADECERÁ A VOCÊ!
– CLARO QUE NÃO! EU QUERIA ERA PROTEGER VOCÊ, DRACO! E SE DUVIDA DE MIM, LEMBRE-SE QUE FIZ O VOTO PERPÉTUO COM SUA MÃE! EU JUREI PROTEGÊ-LO, E SE ESTA NÃO FOSSE MINHA INTENÇÃO, EU NÃO ESTARIA AQUI GRITANDO COM VOCÊ AGORA!
– Eu não estaria aqui gritando com você agora! – o jovem repetiu imitando uma voz feminina, zombando do homem de cabelos oleosos. Essa atitude inesperada resultou em alguns risinhos dispersos e abafados, o que pareceu chamar a atenção dos dois para os moradores que ainda se demoravam conversando na rua.
O homem chamado Snape pareceu petrificado ao perceber que havia pessoas observando-os. Aparentemente, estivera tão entretido gritando com o jovem, discutindo coisas sobre um tal Lord e uma tarefa, que nem percebeu a presença dos habitantes. O jovem de rosto pálido olhou assustado para as pessoas e depois para o homem de cabelos negros, sem saber o que fazer. Só o que conseguiu foi gritar:
– VIU O QUE VOCÊ FEZ? E AGORA? OS TROUXAS ESCUTARAM TUDO! – as pessoas na rua quase instantaneamente pararam de rir, e substituíram suas expressões risonhas por rostos cheios de medo.
– Eles não ouviram nada realmente importante. Vamos embora!
As duas figuras recolocaram os capuzes e saíram correndo pela rua, as longas capas esvoaçando de tal forma que eles pareciam estar deslizando sobre o chão. Os trouxas rapidamente recuaram na calçada, afastando-se da rua e encostando-se nos muros das casas e prédios sujos e velhos. Os gritos e a correria dos dois homens acabou acordando várias pessoas que já haviam se recolhido para dormir. Algumas luzes começaram a ser acesas nas casas e apartamentos por onde os dois vultos passavam. Pareciam tão cansados e com tanta pressa que não se importavam que estivessem fazendo tanto barulho.
Três quarteirões depois, Snape começou a diminuir a velocidade, até recomeçar a caminhar. Fez um gesto para Draco, que estivera mais à frente e olhara para trás a fim de entender o motivo da demora, fazer o mesmo.
– Não queremos mais chamar atenção daqui pra frente, não acha, Draco?
– Sim. Com certeza não seria bom que acordássemos todos os vizinhos do mestre – disse o rapaz, com um leve tom irônico na voz.
Os dois continuaram caminhando silenciosamente, procurando sempre ficar longe das luzes dos poucos postes que ainda resistiam à ação do tempo. Quando viraram em uma esquina de uma rua que parecia ainda mais miserável e escura do que a Kevery Street, o jovem louro comentou:
– Por que é que o mestre lançou o feitiço de anti-aparatação em uma área tão grande? Com certeza seria muito mais rápido e seguro se pudéssemos aparatar em frente ao esconderijo, ou até mesmo já lá dentro!
Snape moveu os lábios de uma maneira estranha, como se fosse responder àquela pergunta de má vontade. Então, tirou sua varinha lentamente do bolso e apontou-a para os prédios de cada um dos dois lados da rua, murmurando “Abaffiato” duas vezes.
– Pense, Draco! Não faça como Potter, que julga saber mais do que os outros com seus comentários idiotas e suas conclusões sem fundamento! Que pensariam os trouxas se vissem figuras encapuzadas aparecendo do nada em frente a um mesmo prédio? Claro que poderiam pensar que fosse imaginação alguém aparecer do nada, mas repetidamente, sempre no mesmo lugar? Não, os trouxas não são tão trouxas quanto parecem. Quanto a aparatar dentro do esconderijo, você realmente acha que o Lord revela a seus súditos todos os seus planos e segredos? Você realmente acha que ele iria deixar qualquer um entrar assim, de repente, e visse o que não deveria? Você realmente acha – ele abaixou a voz, que se transformou quase em um sussurro – que ele iria querer ser interrompido quando estivesse conversando com pessoas importantes ou – sua voz alcançou um tom meio sinistro e seus olhos se apertaram um pouco – torturando os que não conseguiram cumprir suas ordens?
Ele deu bastante ênfase à palavra torturando, e Draco Malfoy pareceu perceber sua intenção, porque abaixou os olhos, com um ar apreensivo e nervoso.
– Além disso, – Snape continuou, sua voz voltando ao tom normal – se o inimigo, ou seja, alguém da Ordem da Fênix, descobrir como é o esconderijo, poderia aparecer e pegar o Lord desprevenido. É claro que isso não seria problema para ele, mas traria grandes prejuízos para seus planos. Por isso há tantas defesas, encantamentos e feitiços para entrar no prédio. Entendido, Draco?
– Sim... Ah, não... Não tente me fazer chamá-lo de senhor, porque eu não vou! – o jovem disse, em resposta ao olhar de censura de Snape, e começou a andar mais rápido, para não ter que encarar os olhos do homem de cabelos negros e nariz adunco.
A caminhada restante foi feita em silêncio. Draco ia andando um pouco na frente, e Snape não tentou alcançá-lo. Talvez estivesse muito cansado ou achasse que aquilo não tivesse importância na hora. Chegaram a um prédio de cinco andares particularmente sujo e mal iluminado. A construção parecia que ia desabar a qualquer momento, e no portão de entrada havia mais espaços vazios do que barras de ferro.
Ao chegar em frente ao portão, Draco parou, esperando Snape, contrariado. Não queria de modo algum estar ali, mas sabia que devia satisfação ao mestre. Quando Snape alcançou Malfoy, não o encarou nos olhos. Simplesmente virou-se para a direita, para ficar de frente para o portão. Ergueu sua varinha e ordenou: “Maximo Alorromora”. O portão abriu-se muito rapidamente, sem nenhum barulho, o que era realmente admirável, uma vez que estava quase completamente enferrujado e parecia não ser usado havia muito tempo.
– Vamos logo, Draco! Temos apenas três segundos para passar pelo portão!
As duas figuras encapuzadas atravessaram a passagem a toda velocidade e bem a tempo, porque logo depois que passaram o portão se fechou tão rapidamente quanto na hora em que abriu. O quintal do prédio estava coberto por um mato muito alto, que chegava à altura do jovem Malfoy. Havia umas três árvores, totalmente mal cuidadas, quase secas, e nenhum sinal de animal ou criatura viva, apesar de Draco ter ouvido um barulho de uma cobra rastejando.
Os dois continuaram seguindo pela passagem, que parecia um corredor, por causa do tamanho dos matos ao redor, tão grandes que pareciam paredes. Ao se aproximarem da escada que levava para dentro do prédio, Snape esticou o braço para o lado, fazendo com que Draco parasse. Ele apontou a varinha para o primeiro dos sete degraus, murmurou “Finite Incantatem” e foi avançando com Malfoy um degrau de cada vez, apontando a varinha sempre para o degrau seguinte e dizendo o mesmo encantamento. Depois que haviam subido a escada de entrada, Snape disse:
– Draco, aqui devemos ir um de cada vez. Vá você na frente.
O jovem louro adiantou-se, abriu a porta e atravessou o portal. Houve um som estranhamente grave quando ele passou por certo ponto em que o ar pareceu permitir sua entrada, como se ele tivesse atravessado uma cachoeira. Só que ao invés de água, só havia ar. Snape passou também, logo depois, e a mesma coisa aconteceu.
– Qual é o segredo desta barreira? – perguntou Malfoy a Snape, com um ar sutil, tentando demonstrar displicência, enquanto na verdade estava extremamente curioso.
– Pensei que já soubesse. A barreira só permite que Comensais da Morte passem. Ou melhor, só quem possui a Marca Negra.
– Mas... E o Lord? Ele não possui a Marca Negra, já que utiliza a Marca de um comensal para chamar os outros. Então, como ele é capaz de atravessar a passagem?
– O mestre é que fez o feitiço, é claro que ele pode desativá-lo tempo suficiente para passar, e depois reativá-lo.
Snape fechou a porta suavemente e olhou ao redor. O prédio era – se é que isso era possível – ainda mais imundo e escuro por dentro do que por fora. Havia um forte cheiro de lixo e podridão que parecia vir de dentro das paredes, como se nunca fosse possível livrar aquele lugar do cheiro de imundície. O lugar era tão escuro que não era possível ver absolutamente nada.
– Lumos!
A ponta da varinha de Draco se acendeu. Snape censurou-o:
– Até agora você não aprendeu a utilizar feitiços não-verbais? Será que você não consegue apenas pensar o nome do feitiço ao invés de dizê-lo em voz alta? Eu disse os nomes dos feitiços que usei até agora em voz alta para você poder saber quais utilizar, afinal você nunca havia entrado no esconderijo, veio apenas até o portão de entrada.
Snape fez um leve movimento com a varinha, e ela acendeu-se também, revelando sua expressão quase de desprezo, como se Malfoy tivesse feito algo realmente estúpido. À claridade das duas varinhas iluminadas, os dois conseguiram enxergar quatro portas, duas de cada lado, e uma escada. Fora isso, a sala estava vazia. Draco correu em direção à escada, mas foi lançado de volta no ar no momento em que pisou no primeiro degrau.
– Draco, será que você pode esperar? Você não sabe o que fazer ainda. Observe.
Ele apontou para cada uma das quatro portas e disse feitiços diferentes para cada uma, em voz bem alta, deixando claro que era para Malfoy memorizá-los bem.
– Impedimenta! Expelliarmus! Incendio! Estupefaça!
Snape avançou decidido para a escada. Os feitiços pareciam não ter surtido o menor efeito. Não ricochetearam, não queimaram, derrubaram ou arrombaram nenhuma das portas. Parecia que eles simplesmente haviam sido absorvidos por elas. Mas mesmo assim Snape estava decidido. Subiu a escada sem o menor problema, e Malfoy o seguiu, mas novamente foi lançado no ar.
– Draco, Draco! Você também deve lançar os feitiços, ou a barreira não o reconhecerá como apto a encontrar o mestre.
O rapaz levantou-se, parecendo cansado, e ergueu a varinha, apontando-a para as portas.
– Impedimenta! Expelliarmus! Estupefaça! Incendio!
Snape sorriu ironicamente quando Malfoy avançou para a escada e pela terceira vez foi lançado no ar. Draco caiu com estrondo no chão, e parecia realmente machucado agora. Levantou-se com dificuldade.
– Você errou a ordem! Será que não é capaz de fazer nada direito?
– Ah, cale a boca! É a primeira vez que faço isso! Além do mais, estou muito cansado.
– Pois acho melhor se preparar para enfrentar muita dor ainda. O mestre com certeza vai ficar muito feliz quando souber que seu objetivo foi alcançado, mas não gostará nem um pouco de saber que não foi você que conseguiu cumprir a tarefa. Como você hesitou, ele deve achar que ficou em dúvida sobre de que lado você está. – Draco desviou o olhar, furioso e parecendo meio envergonhado – Você não ficou em dúvida, ficou, Draco?
– É claro que não! Jamais ficaria do lado do velho do Dumbledore! Sirvo o mestre com muito orgulho e prazer!
– Certo. Bem, você errou a ordem dos dois últimos feitiços, o terceiro é o Incêndio e o quarto o Estupefaça, e não o contrário.
Draco pareceu mais contrariado do que nunca, mas mesmo assim ergueu a varinha e apontou-a para cada uma das portas, exclamando:
– Impedimenta! Expelliarmus! Incendio! Estupefaça!
E subiu as escadas, correndo, evitando ao máximo o olhar de Snape. Estava ofegante, cansado e machucado, mas não queria demonstrar sofrimento a Snape. Parecia querer fingir que não cometera nenhum erro até ali, pois forçou um sorriso desdenhoso no rosto.
Assim que chegou ao segundo andar, Draco viu que a sala era enorme e estava completamente vazia, assim como a do primeiro andar. Ergueu sua varinha mais alto, para que a luz emitida pela magia Lumos chegasse mais longe. A única coisa na sala era a escada na parede oposta à de onde eles tinham vindo. Snape, chegando um pouco depois, disse apenas:
– Siga-me. E não ouse dar um único passo diferente do meu.
Ele prosseguiu vagarosa e cautelosamente, olhando para o chão e desviando do que deviam ser paredes invisíveis. Draco andava atrás dele, bem perto, porque o professor parecia bem sério quando disse para ele não dar um único passo diferente do seu. Snape andou em diagonal pela direita até dar de cara com a parede e depois seguiu em linha reta pela esquerda, até encontrar a parede oposta à primeira. Daí, seguiu novamente em diagonal para a direita, chegando até a escada, e começou a subir sem fazer barulho. Draco, concluindo também o caminho e olhando para trás, reparou que havia uma mão presa na parede, acima da escada de onde tinham vindo, segurando uma varinha. A mão fazia lentos movimentos circulares e parecia estranhamente viva.
– Ei, do que estávamos desviando naquela sala? Não havia nada lá! Por acaso eram paredes ou buracos invisíveis? E aquela mão? O que era?
– Se nós pisássemos fora do caminho certo, aquela mão nos atingiria com um feitiço de desarmamento, depois um estuporante e depois um de petrificação.
– Uau! – Malfoy parecia realmente impressionado – o Lord é realmente brilhante!
– Fui eu que dei a idéia a ele – disse Snape, dando um sorrisinho de deboche.
Draco pareceu desconcertado por um momento, mas recuperou-se rapidamente e disse:
– Não estou falando da sala da mão, idiota, e sim do que estou vendo agora! Estamos no terceiro andar! Olhe!
Ele apontou, decidido, para a gigantesca sala à sua frente. A sala era bem iluminada. Draco murmurou “Nox” e Snape simplesmente sacudiu sua varinha, e as duas pequenas fontes de luz que vinham das varinhas desapareceram.
Na sala havia cristais brilhando por toda a parte, girando em uma mesma posição, quase tocando o teto, de todos os formatos e cores, e no final havia uma porta fechada que, ao invés de uma fechadura, possuía três buracos, em posição vertical, com tamanhos e formatos diferentes. Não dava para ver a outra sala, porque os buracos não eram tão profundos para atravessar a porta. Mas o que chamava mais atenção naquela sala não era a porta com os buracos, e sim os cristais de cores diferentes: azul-celeste, marrom, cor-de-rosa, verde limão, roxo berrante, branco neve, cinza escuro, dourado, azul marinho, prateado, laranja fluorescente, transparente, outro que parecia um espelho, outro tão negro que não parecia estar girando, e muitos outros. O tamanho ia desde grãos de feijão até grandes bolas de tênis, com formatos de cilindros, triângulos, retângulos, losangos, poliedros, cônicos, cubos, pirâmides, esferas, entre vários outros formatos. Draco precipitou-se com olhos cheios de cobiça para pegar um dourado particularmente grande.
– Acho que o Lord não vai se importar se eu pegar isso.
Mas foi detido por Snape, que o segurou pelo ombro e disse:
– Não faça isso, Draco! Não está vendo que é um teste? Não são cristais de verdade! Ambiciosos como você teriam feito o mesmo. Com esse teste, o Lord quer descobrir os Comensais que têm muita ambição, e talvez possam atrapalhar seus planos. Assim, apenas os que são fiéis somente a ele, não caem em desgraça por sua cobiça. Esses cristais possuem maldições e azarações. Alguns fazem você perder a memória, outros fazem você desmaiar, e ainda há alguns que podem fazer você mesmo se matar.
– Então, como vamos passar? – disse Draco, com um perceptível tom de deboche na voz.
– Olhe aqueles buracos na porta. São três. O que você pode deduzir?
– Que a porta foi atingida por algum feitiço ou foi atacada de algum modo estranhos – disse Draco, incerto em sua resposta.
– Quantas vezes eu já disse – Snape pareceu novamente muito irritado, e sua voz adquiriu um volume e uma intensidade perigosos – para que você não faça como Potter? Pense! Os cristais são chaves! Mas quais você acha que são as chaves? Dessa vez, pense antes de responder!.
Draco pensou por um instante e hesitou:
– São os menores... – disse Draco, reparando que o buraco do meio era quase do tamanho de um feijãozinho-de-todos-os-sabores.
– Um deles é. Realmente, o que é para ser colocado no meio é bem pequeno, como você percebeu. Mas, no geral, quais deles parecem menos significantes, menos valiosos?
– Os de cores escuras? – respondeu, em dúvida.
– Sim, vamos aos obscuros.
Ele balançou a varinha e cinco cristais quase sem cor vieram ainda girando para perto dele, flutuando de modo muito estranho no ar.
– Aquele marrom pequeno – apontou Draco – vai para o buraco do meio.
Snape fez um movimento com a varinha em direção ao buraco do meio, olhando para o pequeno cristal de cor marrom. O cristal foi lançado velozmente e se encaixou perfeitamente no buraco do meio da fechadura.
– Bem... O de cima parece uma pirâmide... É aquele cinza escuro, do tamanho de uma noz.
Snape fez a mesma coisa. Usando um Feitiço Expurgatório não-verbal, lançou o cristal cinza escuro em formato de pirâmide no buraco de cima da fechadura.
– E o de baixo tem formato de losango. É aquele todo negro, que não reflete nem um pouco de luz.
Snape lançou-o no último buraco. Nada aconteceu por alguns segundos, porém logo depois os cristais começaram a brilhar, embora não ao mesmo tempo. Um de cada vez, de cima para baixo, ia sendo aceso, como se uma luz vindo de dentro deles quisesse ir para fora. Então, todos se soltaram da porta e voltaram a flutuar perto do teto, assim como os outros dois de cor escura que Snape havia trazido com seu Feitiço Convocatório. Uma luz atravessou os cantos da porta, e logo depois de ouvir um rangido, Draco percebeu que a porta estava destrancada. Sentiu-se muito orgulhoso por ter acertado os cristais, mas Snape não lhe deu os parabéns e muito menos demonstrou qualquer sinal de que o fato de Draco ter acertado todos eles merecia algum tipo de congratulação. Severo Snape começou a andar em direção à porta, abrindo-a e revelando uma escada que levava ao quarto andar. Ele subiu-a velozmente, e Draco o seguiu, indignado por não ter recebido elogios.
Eles encontraram uma sala tão grande e escura que não era possível ver as paredes dos lados. O fundo da sala era totalmente coberto por um enorme quadro negro. A sala era repleta de objetos curiosos espalhados pelo chão, desde um espelho com um olho no centro, que dizia repetidamente “Você está bonita! Você está bonita! Você está bonita!” até espadas que flutuavam no ar sozinhas, lançando feitiços de fogo ou gelo.
Snape se aproximou do quadro negro com a varinha em punho, tomando todo o cuidado para não esbarrar nos objetos. Malfoy fez o mesmo. No quadro estava escrito: “Qual é seu nome?”. Snape escreveu com a varinha: “Meu nome é Severo Snape, e estou com Draco Malfoy”. A mensagem se apagou e outra apareceu: “Bem-vindos, Severo Snape e Draco Malfoy! Como vocês conseguiram chegar tão longe no esconderijo do Lord das Trevas e o que desejam aqui?”. Snape voltou a escrever no quadro: “Somos Comensais da Morte, e estamos aqui porque devemos explicações ao Lord sobre o que aconteceu há pouco em Hogwarts”. A mensagem se apagou e alguns segundos depois outra apareceu: “O Lord os aguarda em sua sala. Suba pela escada”.
– Que escada? – Draco perguntou, mas nem precisou ouvir uma resposta.
A parte de baixo do quadro começou a se soltar da parede atrás dele, enquanto a parte de cima permaneceu imóvel. O quadro ficou totalmente na posição horizontal, junto ao teto, revelando uma parede atrás dele e uma escada. Snape caminhou em direção à escada que levava ao quinto andar, dizendo:
– Vamos! Está na hora de você dar satisfação ao mestre.
Draco engoliu em seco. Havia crânios humanos espalhados no chão, jogados um por cima do outro, cobrindo toda a escada. Para subir, só havia uma maneira: pisar nos crânios. Snape foi à frente, enquanto o rapaz subia lentamente a escada, horrorizado com o que via. Parecia que suas pernas eram de chumbo e que ele levava vários minutos para avançar cada degrau da escada. Quando havia subido metade da escada, e estava virando para a direita para subir a outra metade, viu a porta lá em cima, toda prateada e com um desenho estranhamente vivo de cobras se entrelaçando. Não havia maçaneta.
– Draco, você primeiro.
O rapaz de cabelos louro-acinzentados olhou o homem de nariz adunco sem saber o que fazer. Estava zonzo e fraco, e nem ao menos se dera conta de que já estavam em frente à porta que levava à sala do maior bruxo das trevas que já existiu. Estava muito nervoso, e sentiu de repente como se seu estômago estivesse se embrulhando, sendo esmagado contra o intestino. Sentiu como se seu coração descesse até os pés e subisse de novo até a garganta. Não agüentou. Virou para o lado e vomitou.
– Draco! Que demonstração de fraqueza é essa? Vomitar em frente à sala do Lord! – sua expressão era de nojo e de total desprezo.
Malfoy olhou para ele, limpando a boca nas vestes, mais pálido do que nunca.
– Não deu pra agüentar.
Seus olhos estavam cheios de lágrimas. Sua expressão debochada havia desaparecido totalmente, dando lugar ao medo e ao desespero.
Uma ligeira – mas bem reprimida – expressão de pena atravessou o rosto de Snape, porém logo foi substituída por uma expressão imparcial. Ele esticou a varinha e limpou a sujeira que Malfoy fizera.
– Vamos, Draco. E não se preocupe. Eu estou com você.
O rapaz ficou espantado ao ouvir tais palavras, mas Snape não tornou a olhar para ele. Severo encostou a varinha na porta e ordenou bem alto: “Morsmordre!”. As cobras da porta começaram a se posicionar de modo que formaram uma maçaneta. Snape estava sério e mantinha o rosto duro e frio quando colocou a mão na maçaneta e abriu a porta.
– Draco, o Lord quer que você entre primeiro.
Malfoy, tremendo dos pés à cabeça, atravessou o portal. Havia um longo tapete que ia desde a porta prateada até um trono no fim da sala. Mas o tapete não era vermelho. Era verde. Um verde-claro fantasmagórico, que lembrava horrivelmente o jato de luz do Avada Kedavra lançado por Snape horas atrás. Havia velas flutuando por toda parte, projetando sombras horripilantes nas paredes. A sala parecia um calabouço.
– Ah, finalmente! – uma voz seca e fria ecoou pelo salão – Draco, achei que você ia desistir no meio do caminho. Veja só como está! Quase não se agüenta em pé.
Uma longa e penetrante risada, tão fria e seca quanto a voz, gelou o ar, congelando Malfoy, que perdera suas últimas forças. O garoto caiu, ainda no início de sua travessia até o trono, e ficou paralisado, imóvel e largado por cima do tapete verde. Snape apareceu pelo portal, e a porta prateada fechou-se sozinha. Ele andou até ficar ao lado de Draco, e disse com uma voz quase tão fria quanto a de Voldemort:
– Levante-se, Draco.
– Traga-o até mim, Snape. O garoto não vai conseguir chegar até aqui. – disse o Lord, sentado em seu trono de prata, que tinha detalhes serpentinos parecidos com os da porta.
Snape ajudou Malfoy a se levantar e passou o braço direito dele por cima de seus ombros, para que pudesse carregá-lo até o trono. Foi um caminho longo e difícil. Draco não parecia ter qualquer força para se manter em pé, e Snape teve que suportar quase todo o peso do garoto. Quando chegaram bem perto do trono, os dois se ajoelharam apenas com o joelho direito.
Um homem estava sentado no trono. Só era possível perceber que era humano porque tinha o tamanho de um homem adulto, dois braços, duas pernas e falava. Sua pele era branca como a neve e seus olhos eram vermelho-sangue. No lugar das narinas havia duas fendas, e sua boca mais parecia um pequeno rasgo. Ao invés de orelhas, ele só tinha dois buracos de cada lado da cabeça. Era careca e não tinha qualquer vestígio de um dia ter tido cabelo ou pêlos. Vestia uma longa túnica preta com detalhes verdes, e segurava uma varinha longa e muito velha.
Voldemort tornou a falar:
– Obviamente já sei o que aconteceu. Tenho fontes seguras de informação – exibia um sorriso triunfante e macabro – Mas você, Draco, me deve satisfações. POR QUE NÃO FOI VOCÊ QUEM MATOU O VELHO DUMBLEDORE? – Voldemort levantou-se tão repentinamente e gritou tão alto que Draco quase morreu de susto, enquanto Snape permaneceu impassível – POR ACASO TEM DÚVIDAS QUANTO À SUA FIDELIDADE A MIM? SEI MUITO BEM QUE VOCÊ ESTAVA ABAIXANDO A VARINHA QUANDO GREYBACK E OS OUTROS CHEGARAM À TORRE! SEI MUITO BEM, DRACO – sua voz ficou mais baixa de modo tão repentino quanto na hora em que ele começou a gritar – que se os outros não tivessem chegado exatamente naquele momento, você não teria completado a missão que eu te dei. Você teria cedido às palavras daquele velho, não é mesmo?
– N-não, mestre! Jamais faria isso! Jamais iria para o lado do Dumbledore!
– NÃO MINTA PARA MIM! Você sabe muito bem que não há legilimente melhor do que eu!
Draco parecia prestes a cair no choro. Sua expressão era de completo terror e medo. Snape, percebendo que o rapaz não conseguiria fazer outra coisa que não fosse se desesperar, disse:
– Perdoe-me, mestre, por me intrometer, mas o senhor sabe como o velho Dumbledore é... quer dizer, era – apressou-se a corrigir – muito bom com as palavras. Ele confundiu Draco, usou sua lábia para tentar colocá-lo contra o senhor, mestre. Draco realmente ficou em dúvida por um momento, mas não foi culpa dele, ele ficou confuso por causa das palavras de Dumbledore. Mestre, o senhor o conhecia. Muitas vezes ele também tentou confundir o senhor, e...
Mas Voldemort já havia levantado a varinha.
– Crucio!
Draco começou a se contorcer no chão, a dor e o sofrimento estampados em seu rosto, que de branco começou a ficar vermelho. Snape virou a cabeça para o lado. Não queria ver aquela cena.
O rapaz levou as mãos à cabeça, desesperado. Sua cabeça iria explodir. Queria que todo aquele sofrimento acabasse. De que adiantava continuar vivo, sofrendo? Seu pai em Azkaban, ele e sua mãe à mercê de Voldemort... Queria que tudo terminasse. Todo o seu sofrimento. Queria que Voldemort acabasse ali com sua vida. E quando achou que não iria mais suportar, que fosse estourar de tanta dor, ela cessou. Malfoy continuou estatelado no chão, arfando por um tempo que lhe pareceu horas. Quando recuperou a consciência e conseguiu se levantar, Voldemort abaixara a varinha, sentara-se novamente no trono e continuava a conversar com Snape.
– ...não necessariamente teria cedido. Concordo, mestre, mas não deveríamos considerar que esta foi a primeira missão do jovem Malfoy, e que ele não estava preparado para tudo o que deveria enfrentar? Considerando também que Dumbledore era um dos mais poderosos bruxos que já existiram, não é de se admirar que Draco fosse submetido ao seu poder de persuasão.
– Não estou entendendo, Snape – Voldemort disse, com sua voz fria e cruel – o porquê de você estar defendendo tanto o filho de Lúcio Malfoy. Você sabe que confiei a missão a ele e, no entanto, ele não foi capaz de cumpri-la. Se não fosse você, Dumbledore ainda estaria vivo. Mas graças a você – e sua voz adquiriu um tom mais feliz, embora isso não fizesse com que ela parecesse menos maligna – o único bruxo que poderia me impedir de chegar a Harry Potter se foi! Ninguém mais poderá se opor a mim!
– Potter... Está tramando algo... – Draco gaguejou. Snape virou a cabeça rapidamente para ele, aparentemente assustado. Provavelmente não sabia o que Harry andara fazendo no ano letivo anterior, e tivesse esperanças de que Draco soubesse.
– Crucio! – Voldemort erguera a varinha mais uma vez – Você ainda não aprendeu que na minha presença só deve falar quando solicitado? Parece que seu querido pai não lhe ensinou bons modos, e nem como se comportar diante do mestre. Ah, claro! Ele não poderia! Estava em Azkaban!
Voldemort soltou uma gargalhada gélida, cruel, de gelar até a alma. Draco, cansado, ferido e torturado pela segunda vez, nem teve forças para ficar com raiva.
– Agora fale, Draco. O que você estava dizendo mesmo, sobre Potter? – Voldemort falava displicentemente, mas não podia ficar mais claro de que estava muito interessado no assunto.
– Potter... Esteve tramando alguma coisa... – Draco reuniu todas as suas forças para conseguir falar. Desistiu de tentar se levantar. Ficou deitado no chão, ainda arfando – Ia com certa freqüência ao escritório de Dumbledore... E tentou me seguir o ano todo... Tentando descobrir o que eu estava fazendo. Eu sei que era ele. Só que ficava debaixo daquela Capa de Invisibilidade...
Snape pareceu ligeiramente alarmado. Seus olhos moveram-se lentamente de Draco para o Lord das Trevas, que exibia um sorriso desdenhoso, muito mais perverso e malicioso do que o de Malfoy.
– Potter tem uma Capa de Invisibilidade? – Voldemort perguntou, interessado. Virou-se para Snape e perguntou – Você não sabia disso, Snape?
– Não, mestre. Se soubesse, teria imediatamente informado ao senhor. Eu suspeitava que talvez ele tivesse herdado a capa de seu pai, mas como ele vivera com os tios por toda a sua vida, não via como o garoto teria obtido a capa.
Draco reparou que os olhos de Snape estavam estranhamente vidrados, e que ele fazia força para não piscar, franzindo ligeiramente a testa e apertando os olhos astutamente. Voldemort pareceu avaliar Snape por alguns instantes, então virou-se para Malfoy e disse:
– Continue, Draco.
– Bem... Como dizia, Potter passava muito tempo no escritório de Dumbledore. Eu o via quando estava a caminho da Sala Precisa. Cerca de três vezes eu o vi subindo para a sala do diretor, mas não podia fazer nada. Só podia me concentrar em consertar o Armário Sumidouro, para concretizar meu plano. Pensei que fosse só algum assunto idiota entre dois babacas.
– Nunca subestime seu inimigo – disse Voldemort, levantando a varinha pela terceira vez – Você tem algo realmente útil para me contar ou eu devo usar a Maldição Cruciatus novamente?
– Não, mestre! Por favor, não...
– Crucio!
Draco ficou agonizando no chão, se contorcendo. Não ia agüentar muito tempo, se continuasse assim. Precisava lembrar-se de alguma coisa útil...
– Es...pe...re!
Voldemort abaixou a varinha.
– O que foi? Já se lembrou de alguma coisa?
– Sim... – Draco parecia prestes a perder os sentidos. Estava zonzo, e seu rosto estava completamente tomado pelo medo e pelo desespero – Potter tem... Uma namorada.
Voldemort deu um largo sorriso. Seus dentes eram muito amarelos.
– Agora sim, você me contou uma coisa que realmente vale a pena.
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