A pergunta de Narcisa



Capítulo 7 – A pergunta de Narcisa



Narcisa Black estava sentada sozinha à beira do lago, pouco antes de escurecer. Ele não sabia porque ela estava ali, quando desceu com Lúcio Malfoy a colina em sua direção. Estavam em seu último ano em Hogwarts, a poucos meses da formatura. Os NIEMs estavam próximos e presumia-se que qualquer aluno do sétimo ano esquivo estava na verdade nervoso por causa dos estudos. O próprio Snape, ainda no quinto ano, estava se preparando para os NOMs. E, mesmo conhecendo Narcisa como ele conhecia, sabia que não deveria ser este o motivo. Sabia que algo havia acontecido.

Conheceu-a durante a viagem até Hogwarts, antes mesmo de ser selecionado para sua casa, a Sonserina. Podia lembrar-se exatamente do momento em que a viu pela primeira vez. Aparentava clara fragilidade e a mesma tristeza que possuía hoje no olhar, mesmo sendo mais velha que ele. Estava sentado no trem, folheando o Livro Padrão de Feitiços, 5ª série, que pegou entre as coisas de sua mãe. Já havia lido quase todos os livros antes mesmo de entrar na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, mas sempre existia o que aprender. Sendo assim, escolheu um vagão no fundo do trem, onde certamente não seria incomodado. Ou, pelo menos, assim pensou.

Em poucos minutos, ouviu uma briga entre duas garotas, cujas vozes esganiçadas fizeram-lhe ficar irritado e com dor de cabeça. Não se levantaria para saber o que estava acontecendo – só desejava que acabasse. E, alguns segundos depois do silêncio, uma garota magra e com os cabelos loiros e escorridos sobre os ombros parou em frente à porta, encarando-o.

- Posso entrar? – ela perguntou receosa – Não tem mais nenhum vagão e...

- Entre – Snape respondeu, voltando seus olhos às palavras no livro.

A garotinha entrou e, muito delicadamente, colocou sua mala na parte de cima do banco e sentou-se, arrumando a saia. Snape fingia não observá-la, mas estava atento a todos os seus movimentos. Notou, então, que ela tinha dedos excepcionalmente finos e pálidos, que contrastavam absurdamente com a cor da saia do uniforme de Hogwarts. Um dos dedos, no entanto, estava tingido por um intenso arroxeado que poderia ser qualquer coisa, mas ele não conseguia identificar.

Percebendo que ele havia reparado, Narcissa chamou sua atenção.

- Foi um feitiço idiota feito pela minha irmã.

- Ãhn? – ele respondeu, voltando a si com o flagrante.

- Meu dedo – ela disse, levantando a mão e mostrando ao garoto – Foi minha irmã mais velha, sabe. Ela me odeia.

- Sei – respondeu, levantando as sobrancelhas e voltando sua atenção ao livro, dando a entender que não estava nem um pouco interessado no assunto.

Mas ela insistiu, obviamente.

- Qual seu nome?

- Snape – ele respondeu rispidamente – Severo Snape.

- Que nome diferente! – ela disse, sorrindo – Eu sou Narcisa Black. Primeiro ano?

- Sim.

- Eu estou no terceiro.

Snape arregalou os olhos, chocado com a informação. A garota à sua frente parecia ter a sua idade. Era tão pequena e frágil, aparentando ter pouco mais de onze anos.

- Ah, está surpreso – ela disse, virando os olhos e olhando pela janela – Já estou acostumada.

- Por que você não está com as pessoas da sua série? – ele perguntou – Presuma-se que tenha amigos depois de dois anos, não?

A acidez de sua pergunta fez efeito em Narcisa, que relaxou as feições, ao desviar o olhar e simplesmente dizer:

- Não tenho amigos.

Ele deu de ombros e, passado o susto inicial, voltou a ler. Não trocaram uma só palavra até o final da viagem.



A figura pálida da mulher surgiu em sua porta, depois de ser avisada de que a esperava nas masmorras. Ela trajava um longo e sinuoso vestido azul marinho, cujo tecido desconhecia, mas caía-lhe bem. Mantinha no olhar a mesma tristeza que vira há anos, quando a conheceu.

Fez um sinal para que se sentasse e então começaram a conversar sobre a prisão dos Lestrange, a queda de Voldemort e outros assuntos vindouros. Na verdade, tratava-se de um monólogo, pois apenas Narcisa falava. Snape escutava atentamente, sempre esquivo, sempre misterioso, apenas batendo o dedo sobre a taça que levou poucas vezes aos lábios. Em um determinado momento, porém, Narcisa parou. Já estavam ali há mais de duas horas.

Ela olhou nervosamente para os dedos entrelaçados em seu próprio colo e, um pouco nervosa, confessou:

- Severo, eu preciso perguntar isso para você. Me desculpe, mas eu simplesmente preciso.

Snape não se mexeu. Levantou os olhos em sua direção e, esperando atentamente, respondeu:

- Então simplesmente fale de uma vez – ele disse, já cansado daquela conversa.


Era apenas mais um dia comum em Hogwarts, exceto pelo fato de que havia um jogo de quadribol entre Corvinal e Sonserina. Jamais ligara para quadribol e preferia passar a tarde livre estudando na biblioteca, onde saberia não ser perturbado por ninguém.

Entrou com seus livros nas mãos, fazendo seus passos ecoarem pelo aposento, mas não chamou a atenção de Madame Pince, que roncava suavemente encostada em sua escrivaninha. No entanto, notou uma presença diferente ali, no mesmo instante em que também fora notado.

- Ah, é você – disse a garota, limpando as lágrimas que desciam dos seus olhos – Também não gosta de quadribol?

- Não – Snape respondeu, tirando o casaco e colocando-o sobre a mesa. Não sabia se deveria perguntar o que estava acontecendo, mas sentias uma certa angústia e vontade de saber. Como se adivinhasse seus pensamentos, ela disse:

- Não se preocupe, não vou te atazanar. Só estou um pouco chateada. Vou para as masmorras, assim não incomodo seus estudos – disse, se levantando.

Mas Severo se sentiu culpado pela situação e parou em sua frente, barrando sua saída.

- Você não me incomoda. Quer conversar?

E, sabendo que não havia nada de mal em conversar com um garoto de 12 anos enquanto todos os outros estavam preocupados com um jogo, resolveu sentar e lhe contar o que tinha acontecido. Estava chateada porque sua irmã mais velha estava fazendo certas coisas erradas – que não poderia lhe contar no momento – e que tentou impedir, mas não conseguiu. Também disse que era tratada muito mal em casa, que a chamavam de fraca e tola demais para ter nascido na família Black, que a única solução para orgulho da família seria se arranjasse um bom casamento, entre outras atrocidades do tipo. Snape ouviu atentamente, depois falando um pouco sobre sua mãe e uma briga que tivera com um garoto da Grifinória há três dias, quando foi parar na sala de Dumbledore por ter feito uma azaração ilegal.

Encerraram a conversa somente quando os urros de comemoração vieram do salão principal, indicando que o jogo havia terminado. Por via das dúvidas, ambos resolveram dispersar e voltar às masmorras, quando descobriram que a Corvinal ganhara o jogo por 250 a 30, deixando todos os sonserinos arrasados e estressados. A partir daquele dia, no entanto, aquelas conversas seriam cada vez mais freqüentes, apesar de tomarem cuidado para nunca serem vistos. Ambos eram solitários e considerados esquisitos na Escola. Serem vistos juntos não ajudaria muito.

Foi por isso que, ao descer com Lúcio aquela colina, sentia como se tivesse uma pedra entalada na garganta. Eles andavam juntos, porém nunca foram realmente amigos. E sabia que algo muito ruim estava prestes a acontecer.

- Não seja idiota, Severo, ela não poderá nos ver – disse Lúcio ofegante – Vamos, faça aquele feitiço da invisibilidade que Dumbledore lhe ensinou.

- Eu já lhe disse como se faz – Snape respondeu de modo grosseiro, fazendo Lúcio parar e lhe interceptar.

- Escute aqui – disse, apontando o dedo para o seu rosto – Eu sei fazer um milhão de coisas que você jamais sonharia ser capaz. É uma troca de favores então. Faça logo esse feitiço e acabamos logo com isso.

E então Snape, com os olhos voltados para o chão, esperou Lúcio se afastar e, apontando-lhe a varinha, disse com veemência:

- Occulta incantatem!




Narcisa levantou-se e caminhou até a janela. Estava ansiosa, como se o que estava prestes a dizer fosse a única razão pela qual ela tinha ido até ali. E, quase de maneira inaudível, virou-se e perguntou:

- Onde você estava... naquele dia?

Snape levantou o rosto e encarou os olhos azuis da mulher. Não precisava refletir – tinha absoluta certeza do que ela estava falando, mas gostaria que fosse esquecido para sempre. Narcisa continuava olhando-o aflita – era uma mulher tão jovem e bonita, porém mantinha aquela aparência de semi-vida, como se jamais tivesse realmente vivido.

Dando tempo a si mesmo, ele fitou o chão.


Severo continuava acompanhando Lúcio, andando ofegante e pensando em qual seria a melhor maneira de evitar o que o colega faria. Não sabia exatamente qual era a “surpresinha” que ele tinha prometido.

Ela estava sentada com os pés na água e o sol já tinha se recolhido. O céu sobre o lago mantinha um intenso degradê de roxo e laranja, com a suave brisa que o verão se aproximava.

Ao chegarem perto da garota, as suspeitas de Snape se confirmaram: ela estava chorando. Não conversavam há dias, desde que ela tinha voltado de um passeio em Hogsmeade. Porém, sempre a via pelos cantos da Escola da mesma maneira: triste, esquiva, pálida. Mas chorando era a primeira vez, e mal teve tempo de fazer alguma coisa quando a viu sendo jogada repentinamente no chão, seu grito abafado pela mão invisível de Lúcio, que também não podia ser visto por causa do feitiço. Olhou ao redor e não havia ninguém – sequer a casa de Hagrid poderia ser vista de onde estavam. Narcisa estava deitada de maneira grotesca, as lágrimas agora encharcando o seu rosto, e somente alguns ruídos de Lúcio poderiam ser ouvidos. Ele não podia correr, não podia denunciar o rapaz, pois seria delatado como cúmplice e teria culpa igual. Se tentasse acertá-lo com um feitiço, da maneira como estava... envolvido... com Narcisa, poderia causar algum dano muito pior a ela.

Virou o rosto, como se a cena não estivesse acontecendo em sua frente, e mordia os lábios cada vez que ouvia, entre o choro abafado da garota, o nome “Lúcio” ser evocado como se ela tivesse certeza de que era ele ali, fazendo aquilo com ela. Mesmo assim Lúcio ignorava, apertando a mão contra sua boca com mais força, para forçá-la a se calar. E então, depois de alguns minutos que pareciam ser eternos, aquilo terminou.

Snape percebeu quando Lúcio passara por ele, deixando Narcisa deitada chorando desesperada, sem a menor intenção de se levantar. Provavelmente sentia uma forte dor nas pernas, pois seus finos dedos faziam marcas vermelhas quando as apertavam, tentando simular uma massagem. Severo percebeu alguém caminhando em sua direção e começou a correr o mais rápido que pôde, ainda estupefato com o que acabara de presenciar, e antes de entrar no castelo percebeu que Narcisa conseguira sair dali antes que Filch a encontrasse. Apertou as mãos contra o rosto, em total situação de impotência, sentindo seu coração palpitar cada vez mais forte. Ainda estava invisível quando a viu passar mancando, as vestes cheias de terra em direção ao banheiro feminino, e a seguiu.

Lentamente, ela molhou o rosto, ainda rubro em decorrência das lágrimas. Com a mão direita tremendo, apontou a varinha para as próprias vestes e sussurrou, sem forças: “Limpar!”, fazendo com que as roupas ficassem limpas novamente. Amarrou os cabelos em um coque no alto da cabeça e, olhando uma última vez no espelho, disse baixinho:

- Severo, onde você estava?

Snape sentiu um frio subir-lhe a espinha quando percebeu que já tinha passado o efeito de seu feitiço da invisibilidade. Narcisa virou-se e encarou o rapaz à sua frente, simplesmente jogando-se em seus braços. Ela o agarrou com tanta força que quase o sufocou. Com a cabeça em seu peito, desatou a chorar novamente, enquanto Snape mantinha os braços imóveis, sem saber o que fazer com eles. Sentia nojo de si mesmo pelo que fora cúmplice há pouco, mas não sabia o que deveria ter feito. No momento, sua vontade era a de acabar com Lúcio, que a essa altura deveria estar contando seu verdadeiro feito para os amigos, rindo. E sua sensação de impotência crescia à medida que olhava mais para o reflexo no espelho, com Narcisa agarrada ao seu corpo, contando-lhe o que tinha acontecido.

- Eu sei que foi ele, Severo, eu sei – dizia soluçando, enquanto molhava a camisa do amigo com as lágrimas – Mas não tenho como provar a ninguém! Como fui burra, meu Deus, como pude achar que ele queria alguma coisa comigo? Me tratou tão mal em Hogsmeade, me humilhando na frente de todos, ah, Severo...

Mas Snape apenas ouviu, sem saber o que pensar ou dizer. Algum tempo depois, ele a escorou até as masmorras, pois ela não quis ir até a ala hospitalar. Preparou-lhe uma simples poção para curar a dor e poucos minutos depois ela adormeceu ali mesmo, na sala comunal da Sonserina. Snape ficou ao seu lado o tempo todo, mas quando acordou, ela não estava mais ali. Deveria ter ido para o dormitório das garotas enquanto ele estava dormindo, e não quis acordá-lo. Sentiu-se ainda mais enojado por si mesmo quando recebeu um tapinha nas costas de Lúcio, na mesa durante o café-da-manhã.

- É isso aí, Snape, te devo uma – disse, colocando um salgadinho na boca e piscando para o colega. Snape o encarou com raiva no olhar e se levantou, deixando cinco alunos da Sonserina rindo às suas costas.



- Severo? – Narcisa perguntou novamente, observando sua expressão vaga.

Snape voltou sua atenção à mulher que estava diante de si, esperando que dissesse alguma palavra. Não saberia dizer a ela a resposta que queria ouvir. E então levantou-se, caminhando em sua direção, cruzando o cômodo agora iluminado pela luz do luar que entrava pela estreita janela. Sem saber exatamente como fazer, um tanto quanto desajeitado, com o cabelo tampando parte da face, ele aproximou seu rosto, fazendo-a engolir em seco.

E, como se de repente tivessem uma intimidade jamais imaginada em anos, ele tocou seus lábios com o dedo polegar, como se o examinasse. Sentia uma profunda pena daquela mulher.

Narcisa fechou os olhos, suspirando profundamente. Snape sentiu seu nervosismo e, com um leve tom de desprezo em sua voz, suavemente sussurrou:

- Esqueça esse assunto de uma vez por todas.

Ela abriu os olhos, apertando-os como se o que tivesse ouvido fosse indecente, e indignada deixou os aposentos do novo professor de Poções, deixando escorrer uma lágrima pelo rosto alvo e quase sem vida. Snape apenas lamentava a situação, jogando-se em sua nova companheira de lamúrias, a poltrona de veludo vermelho que o aturava nessas ocasiões. Com um aceno leve e espiralado de sua varinha, conjurou uma nova taça cujo conteúdo possuía um aroma extremamente agradável e reconfortante, eficiente com poucas gotas ingeridas. Os passos de Narcisa indo embora ainda podiam ser ouvidos do corredor, seguidos por uma forte batida da porta das masmorras.

O silêncio.

Snape pousou a taça sobre a mesa de apoio ao seu lado e encostou a cabeça para trás, fechando os olhos. As cenas do dia citado por Narcisa vieram à sua mente, como há muito não se lembrava. Tentara esquecer e havia conseguido com êxito, até que ela resolvesse ressuscitar o assunto – um assunto que ele há tanto considerara absolutamente morto, perdido nas entranhas de um mundo que jamais voltaria a existir. Um mundo do qual ele jamais gostaria de ter feito parte.

E, sem perceber quanto tempo havia se passado desde que ela saiu, ele adormeceu. Um sono povoado por monstros e andarilhos perdidos em um espaço negro e longínquo, cobertos por capuzes que ele mesmo já vestira tantas vezes. Poderia lidar dali em diante com aquilo que tinha sido até então? O que esperava do pouco que restara de sua vida?

O que Dumbledore lhe contaria alguns dias depois resolveria essas questões.




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Espero que tenham gostado desse capítulo! Desculpem pela demora em atualizar, mas é que eu gosto de estar inspirada quando eu vou escrever, e com a falta de tempo ultimamente isso está bem difícil.

Minha fic do livro 7 está abandonada propositalmente. Escrevi o roteiro há tempos e simplesmente perdi a vontade de atualizá-la. Não quero mais Dumbledore vivo e isso acabou com a história. Enfim, além desse motivo, também tem o fato de que eu quero ficar afastada do mundo das fics por um tempo. Estava lendo fics muito muito boas e acabei percebendo que estava me distanciando do canon com essa situação. Deve ser só uma fase; depois eu volto, mas por enquanto estou meio ausente mesmo. Esta fic do Snape me faz ter vontade de escrever, e por isso a mantenho.

Obrigada por ter lido e espero que comente. Qualquer crítica, sugestão ou elogio será absolutamente bem-vindo.


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