Petrificus Totalus
Tonks sentiu, mais do que viu, sete pares de olhos se voltando para ela, como se fossem pequenos holofotes; e se sentiu colocada de repente bem no centro de um grande círculo iluminado.
_ Tonks, querida, você está bem? _ perguntou a Sra. Weasley, se aproximando com uma mão estendida à frente.
Ela pensou alguns segundos antes de responder, pesando as conseqüências das respostas que poderia dar. Aquela, pelo menos, era inofensiva.
_ Estou bem sim, Molly, ahn... não precisa se preocupar.
Mas apesar da resposta tranqüilizadora, a postura dela ainda era tensa. A mente fervilhava, estudando hipóteses e possibilidades. Tinha de calcular cuidadosamente cada palavra dita... um passo em falso, e ela colocaria tudo a perder. Não podia, também, simplesmente dizer que ia embora: o ato despertaria perguntas às quais ela ainda não poderia responder. Por outro lado... e se simplesmente saísse pela porta e desaparatasse, sem dar maiores explicações?
Mas os Weasley foram mais rápidos.
_ Sente-se _ disse o Sr. Weasley gentilmente, acenando a varinha e fazendo uma cadeira surgir atrás de Tonks, que desabou sobre o assento.
_ O que é que você tem, minha querida? _ Molly curvou-se de modo que seus olhos ficassem no mesmo nível.
_ Eu, ah... só não estou no meu normal _ gaguejou por fim _ Mas não se preocupem, não é nada de mais... nada que já não tenha acontecido antes.
_ Tem certeza?
Tonks fez que sim com a cabeça, ansiosa. Molly a olhou desconfiada durante alguns segundos, mas por fim pareceu acreditar:
_ Muito bem, então. Vamos, sentem-se todos e vamos começar antes a comida que esfrie.
Tonks respirou aliviada, serviu-se em silêncio e pôs-se a mastigar rapidamente, os olhos voltados para o prato a fim de evitar perguntas, pretendendo terminar seu jantar o mais rápido possível e então, sumir dali até que o efeito do Veritasserum tivesse terminado. Com a cabeça abaixada como estava, não notou os olhares significativos que Harry, Ron, Gina e os gêmeos trocaram.
_ Esse Carlinhos... _ começou a Sra. Weasley _ avisei a ele que o jantar era às oito e vejam só... mais de oito e meia e nada dele... disse que Tonks estaria aqui... achei que ele fosse ser pontual, ao menos desta vez.
_ Mamãe ainda tem esperanças de ter a Tonks na família _ disse George com uma piscadela.
Tonks sobressaltou-se ao ver que a conversa havia se desviado para a sua pessoa, mas continuou comendo com os olhos voltados para o prato, como se nada tivesse acontecido. Ninguém havia lhe perguntado nada; e, portanto, não seria forçada a responder.
_ Não foi o que eu quis dizer, Fred _ repreendeu Molly _ Embora... eu não tenha nada contra, se isso acontecesse realmente, minha querida _ completou, voltando-se para Tonks, que engasgou com a sopa; e mais uma vez, todos os olhos se voltaram para ela.
_ Molly _ repreendeu Arthur _ não seja indiscreta.
_ Não estou sendo indiscreta, apenas comentando um fato. Vocês dois são bastante próximos, não é mesmo?
_ Ah sim, claro, somos muito próximos mesmo.
_ Ele não é um ótimo rapaz?
_ Ele é demais _ disse Tonks, os olhos medindo disfarçadamente a distância até a porta mais próxima, caso precisasse fugir nos segundos seguintes _ Uma das melhores pessoas que já conheci.
_ E nunca pensaram...
_ Molly!
Calados, Harry e os Weasley restantes acompanhavam a situação com muito interesse, os olhos pregados em Tonks a fim de não perder uma reação dela sequer.
_ Nunca pensaram em algo mais? _ insistiu a Sra. Weasley.
_ Ele... ele... _ uma coisa era revelar seu caso com Snape. Mas ela não podia, de forma alguma, trair Carlinhos; aquilo seria imperdoável. Ele não tinha culpa alguma dela ter sido imprudente e se embebedado com Veritaserum. Teria de livrar a pele do amigo a qualquer custo _ Nós não podemos _ Tonks respondeu por fim.
Molly enrugou a testa:
_ Por que não? Há alguma coisa errada?
Pense, Tonks, pense.
_ Está com alguém, Tonks? _ perguntou Gina, transpirando inocência; e Tonks não sabia se respirava aliviada ou se azarava a garota e finalmente colocava em prática seu plano de fuga. Por via das dúvidas, ficou de pé e segurou firme a varinha dentro das vestes.
_ Está? _ perguntou Molly, agora visivelmente interessada, os talheres abandonados sobre a mesa, a sopa esfriando.
Segundos pareciam se arrastar. De repente a confortável e acolhedora cozinha da Toca havia se transformado em um cenário de terror; e ela pensava poder ouvir até mesmo seu cérebro rangendo com o esforço para encontrar uma saída.
Pense, Tonks, pense.
Ligeiro, Harry também ficou de pé e, passando um braço pelos ombros dela, disse amigavelmente:
_ Pode confiar na gente, Tonks. Você sabe disso. Somos seus amigos, só queremos o seu bem.
Ela mordeu o lábio, uma expressão de desamparo no rosto. Agora estava mesmo presa. A não ser que... e se petrificasse Harry...?
_ E então? _ ele insistiu, a voz macia em seu ouvido, a língua coçando sob o efeito da poção, o nome “dele” quase escapulindo pelos lábios... a verdade... por que não?
_ Snape _ ela gemeu.
Um silêncio mortal caiu sobre a cozinha: estáticos, os Weasley mais uma vez a encararam e então, de repente, começaram todos a falar ao mesmo tempo.
_ Logo ele, Tonks, logo ele! _ choramingou Molly _ Maligno, invejoso, seguidor de Você-Sabe-Quem durante anos...!
_ Como...? _ era tudo o que Arthur repetia, atônito, perfurando Tonks com os olhos como se fosse capaz de descobrir a resposta usando Legilimência.
_ Por que não eu, Tonks? _ perguntou George, surgindo em frente a ela.
_ Ou eu? _ perguntou Fred, afastando o irmão com uma cotovelada.
_ Eu sabia! Sempre soube! _ exultou Harry, socando o tampo da mesa.
_ Não é nada disso que vocês estão pensando! _ esganiçou-se Tonks, desesperada, tentando se sobrepor à confusão que agora reinava na cozinha.
_ Por que esconder de todos? _ Gina a encarou, ainda se fazendo de inocente.
_ Porque... porque... ninguém entenderia!
_ Realmente, minha querida, é algo que não dá pra entender _ replicou Molly _ Tão diferente de... Remus... Como pôde?
_ Aconteceu. Simplesmente aconteceu _ disse Tonks, tapando a boca com as mãos, temendo se trair ainda mais.
_ Você não esta em seu normal, foi você mesma quem disse, só pode ser isso... _ continuou a outra, balançando a cabeça _ perturbada... esperto demais... se aproveitou de você...
_ O que foi que ele fez com você, Tonks? _ perguntou Ron muito sério.
_ Nada, não fez nada...
_ O que foi que você tomou? _ atacou Harry, por sua vez.
_ Eu... _ Tonks engoliu em seco e forçou ainda mais as mãos contra a boca mas, ainda assim, todos ouviram claramente “veritasserum” escapando abafado por entre os dedos.
O silêncio caiu pesado uma vez mais e então, todos voltaram a falar ainda mais alto do que antes.
_ Ele a forçou a beber veritasserum? Ah, mas é ainda mais covarde do que pensava...
_ Inadmissível...!
_ Covarde! Covarde!
_ Não! _ Tonks gritava desesperada, as mãos se movimentando inúteis no ar _ Não foi o que eu quis dizer, ele não me forçou...
_ Veritasserum... como teve a audácia? _ Molly meneava a cabeça, inconformada, ignorando os protestos de Tonks _ Quem ele pensa que é?
_ Acho que devemos mostrar a ele que não se brinca com a nossa família _ disse Ron, muito decidido.
Todos se calaram mais uma vez. Se entreolharam e então, fizeram que sim com a cabeça, menos Tonks que, cada vez mais desesperada, balbuciava que não era nada daquilo que pensavam. Realmente. Mostrar ao Ranhoso que não se brincava com os Weasley e seus protegidos era uma idéia excelente.
_ Agora _ disse Arthur, tão decidido quanto o filho.
_ Só passando por cima de mim! _ gritou Tonks, agarrando a alça da bolsa pendurada na cadeira e se preparando para sair dali antes que a situação se complicasse ainda mais.
Harry e os Weasley se entreolharam mais uma vez. Então...
_ Tonks, para seu próprio bem... _ disse Gina, erguendo a varinha _ Petrificus Totalus!
E Tonks caiu dura no chão; e pessoas passaram apressadas por cima dela e desapareceram, deixando-a só na casa vazia.
*
Como, em nome de Slytherin, pudera ser tão tolo a ponto de se esquecer daquele detalhe crucial? Snape ia e vinha pelas masmorras, esmagando os restos do frasco vazio de Veritasserum por entre os dedos.
Se deixara arrebatar por um momento de paixão e desejo, tornara-se um irresponsável e agora... seu relacionamento com Tonks corria sérios riscos. O que fazer? Sair impulsivamente pela noite, enfrentando a possibilidade de ir parar em Azkaban ao desrespeitar uma das mais rígidas normas de sua prisão domiciliar? Entrar em contato com o Ministério estava fora de cogitação; era domingo à noite e faltavam pelo menos doze horas para que entrasse em funcionamento. E mesmo que não fosse, teria ainda de esperar horas pela boa-vontade do Ministro em mandar algum auror a Hogwarts, provavelmente aquele intrometido do Shacklebolt. A lareira...? Surgir do nada e enfrentar a má-vontade de uma horda de Weasleys não lhe parecia uma perspectiva muito boa, além do quê, despertaria todo tipo de suspeita. Claro, ele era vice-diretor, mas, por Merlin, era um domingo à noite...! E isso, claro, se Tonks ainda não houvesse dado com a língua nos dentes, caso em que ele, além da má vontade e suspeita da família ruiva, teria de enfrentar também a frigideira certeira de Molly. Quanto tempo uma coruja demoraria para chegar até à Toca?
Snape meneou a cabeça, frustrado. Horas. Provavelmente chegaria lá apenas de madrugada. Podia usar a Poção Polissuco, claro! Sempre tinha um caldeirão pronto para qualquer eventualidade. Poderia roubar disfarçadamente um fio de cabelo de Minerva... e aparecer na Toca para uma visitinha informal... ora, mas que disparate. Estava agindo mesmo como um adolescente louco, embora a idéia fosse bastante tentadora... e então, sua expressão se iluminou: Minerva, era claro! Iria ter com a diretora imediatamente. Pelos olhares e indiretas que ela vinha lhe despejando há meses, provavelmente já sabia de tudo o que ocorria entre ele e Tonks, tanto melhor; e seria capaz de agüentar algumas indiretas a mais. Explicaria a ela, ela teria de entender... e poderia entrar facilmente em contato com Tonks. Era aquilo, estariam a salvo...! Decidido, Severus levou a mão à maçaneta. Mas não chegou a gira-la, a porta se abriu antes. E Snape se viu frente a frente com seis flamejantes Weasleys e o maldito, mil vezes maldito Potter.
*
Resista. Resista. Resista.
Com a mente fixa em um único objetivo, Tonks se forçava a lutar contra a paralisação que a dominava. Não era fácil; Gina nunca fora uma bruxa qualquer. Mas tampouco ela: era mais velha e bem mais experiente, fora auror durante uns bons anos, e em plena Segunda Guerra, ainda por cima.
Resista.
Foi por isso que, depois de um tempo razoável lutando, ela sentiu a paralisação se afrouxando um pouco. Forçando um tantinho mais, descobriu que conseguia movimentar os dedos das mãos; e dobrar os pulsos. Tateou o chão, encontrando o conteúdo de sua bolsa esparramado sobre o tapete; e então, seus dedos se fecharam em torno de um pequeno gargalo. A garrafa que Harry lhe dera! A rolha estava meio solta... conseguiria abri-la facilmente. E a bebida lhe ajudaria a recuperar as forças.
Sem pensar duas vezes, Tonks desarrolhou a garrafa com um movimento do dedão. Sentiu um pouco da bebida escorrendo pelos dedos enquanto levava a garrafa até a boca, mas apenas alguns goles seriam suficientes. Mas algo saiu terrivelmente errado... quando o vinho amargo, em vez de clarear a mente, mergulhou-a na escuridão.
*
_ Tonks _ uma voz conhecida chamou, enquanto sacudiam-na pelos ombros _ Hey, Tonks, acorda!
Com dificuldade, ela abriu os olhos. Não se encontrava mais paralisada. Por outro lado, sentia-se flutuando, leve e pesada ao mesmo tempo; e estranha, muito estranha. Focando a visão, viu o rosto de Carlinhos Weasley logo acima do seu.
_ Que bom que acordou _ disse ele, preocupado _ O que foi que aconteceu aqui? Me atraso uns minutinhos e quando chego, dou de cara com a casa vazia, você desacordada...
_ Snape _ ela engrolou; e mergulhou de novo no delicioso torpor causado pelo Vinho Veela.
_ Snape? Tonks! _ ele a sacudiu de novo, com mais força dessa vez. _ O que tem o Snape? Ele esteve aqui? É obra dele...
_ Contei tudo _ ela resmungou, de olhos fechados. Então, arregalou-os, como se lembrasse de algo muito importante e tentou ficar de pé, sem sucesso _ Tem que ajudá-lo, Carlinhos! Não sabe de nada... sua família foi... em peso... _ e ele não conseguiu ouvir o resto da frase: ela havia, outra vez, mergulhado num sono profundo, duas poções distintas lutando em seu organismo.
Nada parecia ser capaz de mantê-la acordada por muito tempo; e sequer sabia o que ela havia bebido para ficar daquele jeito. Não poderia deixar Tonks sozinha ali. Chamou-a, mas ela não respondeu. Então, carregando-a nos braços, aparatou com ela até a casa de Andrômeda Tonks. Tocou a campainha; e logo o rosto amigável da mulher surgiu à porta, substituído, porém, por uma expressão de espanto ao ver a filha desmaiada nos braços do amigo.
_ Nymphadora! Mas o que foi que aconteceu? _ Andie perguntou arregalando os olhos.
_ Não sei muito bem; cheguei na mamãe e encontrei a casa vazia e Tonks assim, desmaiada...
_ Mas isso é muito sério! _ disse a outra, abrindo a porta para que Carlinhos passasse e fazendo sinal para que a seguisse escada acima _ Não tem nem idéia do que possa ter acontecido?
_ Nenhuma _ mentiu o rapaz; e colocou Tonks com cuidado sobre a cama _ Escute, preciso ir e descobrir o que aconteceu _ continuou encenando; já que planejava ir a Hogwarts dar uma olhada na situação _ Venho amanhã, ver como ela está.
_ Claro, quando quiser _ Andrômeda respondeu muito séria; e acompanhou-o até a porta _ Eu iria com você, mas Ted está viajando... e Nymphadora não pode ficar sozinha.
Carlinhos tranqüilizou-a, dizendo que não era necessário; e então sumiu na noite. Com a testa franzida, meneando a cabeça e pensando consigo mesma sobre o que teria a filha aprontado daquela vez enquanto subia as escadas, Andrômeda estacou quando chegou à porta do quarto e ouviu Nymphadora murmurando, inconfundivelmente, o nome de Severus Snape.
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Capítulo enooooooorme! Uau. Foi meio complicado escrever, principalmente a primeira parte. Mas achei bom. Espero que também gostem. Ahn, e senti falta disso aqui =)
Obrigada pelos comentários, povo!!
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