Confissão e Suspeitas



31 de Julho de 2000.


Estava tudo pronto. Todos os ingredientes em mãos, até mesmo os que haviam parecido dificílimos de conseguir. Todo o procedimento devidamente repassado incontáveis vezes; inclusive contando com alguns valiosos acréscimos e dicas do livro de poções que outrora pertencera a Severus Snape. Agora, bastava esperar a lua negra, no dia seguinte; cozinhar, esperar maturar e então teriam...

_... a poção infalível! _ concluiu Harry, tentando disfarçar o entusiasmo para não chamar a atenção da sala lotada às suas costas _ A que acaba com todo o amor, paixão e sentimento de quem beber.

_ Estava pensando, Harry _ sussurrou Gina, debruçada ao lado dele _ e se você pedisse ao Fred e ao George pra fazer a poção pra gente? Porque eles sempre fazem qualquer coisa que você pede. E as poções do amor daqueles dois deixam qualquer um no chinelo...

_ Ron que o diga _ Harry sorriu, fitando o céu lá fora.

_ ... e não deve ser muito difícil pra eles fazer uma contra-poção. Por mais que eu seja melhor nessa matéria que você e o Ron, não vamos poder errar, não é?

_ Nisso você tem razão _ Harry sussurrou de volta _ Mas será que vale a pena envolver tanta gente assim nessa história? Estava querendo ser o mais discreto possível... imagina se o Ranhoso fica sabendo de alguma coisa... _ e ele passou o dedo pelo pescoço, num gesto bastante significativo.

_ Bom, por mais aparecidos que aqueles dois sejam, eles sabem ser discretos quando querem. E odeiam o Ranhoso tanto quanto a gente... e tenho certeza de que fariam tudo, também, pra libertar a Tonks.

Harry pensou um pouco antes de responder; pesando os prós e contras. Por fim, se decidiu:

_ Certo. Vamos falar com eles mais tarde, então, quando...

_ Hey, Harry! E aí? _ Tonks surgiu acenando por trás deles.

Imediatamente Harry e Gina congelaram em seus lugares. Então, muito lentamente, viraram os pescoços até que seus olhos arregalados se encontrassem. Quais, exatamente, haviam sido suas últimas palavras? Teria ela ouvido algo, mesmo que ambos estivessem trocando não mais do que sussurros em uma sala apinhada de gente? Disfarçando, Harry se virou. Tonks parecia animada e sociável; e trazia um enorme pacote nos braços.

_ Feliz aniversário, Harry! _ e ela deu-lhe um abraço sincero demais para ter ouvido qualquer coisa suspeita _ Pra você _ ela disse, estendendo o pacotão _ Vamos lá, abra!

Harry obedeceu.

_ Sei que ele ia gostar de saber que isso foi bem aproveitado _ Tonks suspirou. Harry tinha agora em mãos uma porção de livros raros de Defesa Contra as Artes das Trevas; e mais rolos e rolos de pergaminhos que, à primeira vista, pareciam conter anotações valiosas de Remus Lupin _ Faça bom uso deles, ok? _ ela pediu, mordendo o lábio.

_ Mas... claro! Tonks, isso é... sensacional! _ e Harry dizia a verdade.

_ Mas, e aí? _ disse ela, recuperando a vivacidade costumeira _ O que é que vocês dois estavam cochichando quando eu cheguei?

_ Huh _ responderam Harry e Gina ao mesmo tempo.

A garota passou os olhos pela sala da Toca, magicamente ampliada para receber os convidados da festa do vigésimo aniversário do namorado. Então, numa súbita inspiração, ela se aproximou e cochichou no ouvido de Tonks:

_ Já deu uma olhada no vestido da Fleuma?

Sem um pingo de descrição, Tonks girou o corpo para dar a olhada no vestido.

_ Hm, é. Será que ela vai pra algum baile de gala, depois? _ e então, acenou _ E aí, Carlinhos?

Carlinhos Weasley se aproximou do grupo e foi logo puxando Tonks pela mão.

_ Estou raptando a Tonks, se vocês dois não se importam.

_ Vai em frente _ respondeu Harry, rindo; e logo Tonks se viu no desorganizado jardim da Toca, com uma cerveja amanteigada na mão e sob um céu salpicado de estrelas.

_ Nossa, acho que nunca vi essa casa tão cheia, nem no casamento do Gui... até a minha mãe está aqui! _ ela fez uma careta _ Claro. Depois de Harry ter salvo ela do maníaco do Lucius no final da guerra, era de se esperar. Mas... aconteceu alguma coisa? _ ela perguntou, curiosa, notando o olhar inquisidor dele.

Carlinhos bebeu um longo gole de sua cerveja, pensativo.

_ Você me parece muito bem de um tempo pra cá _ ele disse por fim.

O silêncio pairou no ar durante alguns segundos, quebrado apenas pelos ruídos de conversa animada atrás deles, antes que Tonks dissesse alguma coisa.

_ É, é. Estou mesmo _ ela fitou o céu, parecendo desinteressada, mas o sorriso que ela deu era impossível de disfarçar.

_ Praticamente tão bem quanto... quanto antes.

Ela abriu a boca como se fosse dizer alguma coisa, mas pareceu pensar melhor; então, sem dizer uma única palavra, o puxou pela mão até um banco de jardim, situado nos limites do quintal; e a salvo de olhares e ouvidos curiosos. Tonks se calou ainda por longos segundos, pensando se valia a pena ou não; se não estaria, mais uma vez, sendo impulsiva (e era claro que estava). Mas uma vez que já tivera a idéia, era meio difícil voltar atrás, mesmo pensando duas ou sete vezes. E Carlinhos, ao contrário dela, era bastante racional, também, e poderia descobrir um jeito de finalmente dar a notícia a Andrômeda e Ted.

_ Tem que prometer: não vai contar pra ninguém _ ela encostou o indicador no peito dele.

_ Claro... você sabe que pode contar comigo pra guardar um segredo.

E era verdade. Tonks era uma das únicas pessoas que sabiam do segredo de Carlinhos; mas, mesmo que não fosse, ele era um rapaz em quem se podia confiar. Olhando outra vez para o céu, ela tomou fôlego.

_ Lembra do quanto eu odiava o Snape por... achar que ele tinha me traído e feito aquelas coisas horríveis?

_ Claro.

_ Bem... era um engano.

_ Um engano?

_ Ele ficou se torturando durante meses, achando que era culpa dele... coitado. Mas não era. Ele não teve nada a ver com... aquilo que eu te contei, afinal.

Ele franziu a testa.

_ Como assim?

Ela tornou a abrir e fechar a boca sem dizer nada.

_ Você sabe como ele é... fechadão. E o quanto é difícil arrancar algum segredo dele... não acho que eu deva contar, Carlinhos, é uma coisa dele, entende? Mas... pode ter certeza: Snape é inocente _ e vendo o olhar levemente incrédulo do amigo, ela acrescentou _ Estou dizendo!

_ Está bem, então. E onde essa sua animação toda se encaixa nisso?

_ Bem... nós... estamos juntos.

Levou alguns segundos até que ele compreendesse e assimilasse o que ela havia dito.

_ Juntos? _ Carlinhos repetiu.

_ É, oras. Você sabe _ Tonks sacudiu os ombros _ Namorando.

Ele riu.

_ Isso é uma piada.

_ Não, não é _ ela ficou séria _ Sei que parece loucura, sei que somos as pessoas mais... diferentes, mais opostas, e que jamais qualquer pessoa em sã consciência pensaria em juntar, mas... é verdade. A mais pura verdade.

Ele meneava a cabeça, ainda sem acreditar.

_ Mas... como?

_ Ah. É uma história longa demais pra contar agora, mas... é real.

O silêncio voltou a cair sobre eles, dessa vez, quebrado pelo cricrilar dos grilos.

_ E é por causa do... Snape, que você anda assim tão feliz?

Ela acenou entusiasticamente com a cabeça.

_ Bom... _ e Carlinhos ainda não tinha se convencido completamente _ ele está fazendo muito bem pra você, não dá pra negar.

_ Sim, está _ e ainda agora ela não conseguia parar de sorrir.

_ Bom, então... por mais estranha e inacreditável que seja essa história... estou feliz por você, Tonks _ ele concluiu, envolvendo-a num abraço.


*

Harry Potter


A pena traçou o nome com tanta raiva que sua ponta se partiu, deixando um rastro comprido de tinta no pergaminho depois do último r. Contrariado, Snape deixou-a de lado e apoiou a testa em uma das mãos; e tentou já não se sentir enfurecido demais pelo que aconteceria apenas dali a duas semanas. Ele respirou profundamente por vários minutos, até a raiva se dissipar um mínimo; então, continuou endereçando os pergaminhos, um convite à primeira reunião dos professores, antes do início do próximo ano letivo. A primeira ocasião em que estaria face a face com o maldito Potter. Só de pensar nisso sua respiração se acelerava, mas forçou-se a ficar calmo.

Ele só foi realmente relaxar alguns pergaminhos adiante, quando a pena traçou Nymphadora Tonks. Severus chegou mesmo a quase sorrir, como sempre fazia quando pronunciava ou escrevia o nome dela, antevendo a reação ao primeiro nome. Tonks. Depois daquela noite em que passaram os problemas a limpo, ele se sentia menos pessimista com a distância. Primeiro, porque estavam já na metade das férias... e dali a três semanas Tonks estaria de volta a seus braços (e seriam três semanas bastante suportáveis, já que estavam se encontrando cerca de duas vezes por semana). Segundo, porque ele estava começando a se convencer de que ela o amava sinceramente e não tinha intenção alguma de trocá-lo por outro (e, nesse caso, a vida lá fora seria uma espécie de teste final para o relacionamento deles). Claro, sempre havia momentos de dúvida, momentos em que ele se lembrava do auror bonitão que vira no bar logo no começo das férias... mas ele logo cortava tal linha de pensamento.

Por fim, Snape terminou o trabalho daquela noite. Espreguiçou-se lentamente, sentindo-se bastante entediado. Jamais admitiria para ela, mas... eram em momentos como esse em que Tonks mais fazia falta. O que faria agora? Provavelmente, as mesmas coisas que sempre fizera durante solitários anos: ir pro quarto, beber um vinho ou uísque e ler alguma coisa... mas, dessa vez, contando as horas, sem admitir pra si mesmo, que faltavam para a volta definitiva dela.


*

_ Vocês já desistiram daquela idéia sem noção, espero.

_ Ainda estamos procurando a tal prova que você pediu _ mentiu Harry.

_ É? Pois acho que vão morrer procurando _ Hermione respondeu, ficando na ponta dos pés e espiando além dos amigos. Então, ela deu um sorrisinho, como se tivesse visto um rosto conhecido do outro lado da sala.

Mas era difícil conversar com muita privacidade ali. A festa se desenrolava, pessoas iam e vinham: logo Luna Lovegood veio flutuando até eles, e o assunto se desviou para uma possível conspiração dos elfos domésticos para tomarem o poder; depois, Hermione mais uma vez insistiu com Ron sobre carreira e futuro, e ele desconversou. E a conversa se encerrou definitivamente quando Harry sentiu uma mão, de unhas compridas e vermelhas, se cravando em seu ombro. Uma nuvem de perfume oriental o envolveu e ele se viu frente a frente com os olhos cinzentos e intensos de Andrômeda Tonks.

_ Harry, tem um minuto pra mim?

_ Claro, sra. Tonks.

_ Andrômeda _ ela o corrigiu, enquanto o levava até um canto escuro da cozinha _ Se importa se eu acender um? _ ela tirou um maço de cigarros de dentro da bolsa; Harry fez que não, e ela continuou _ É sobre Nymphadora. Mal a tenho visto nas últimas semanas, mas... no tempo em que estamos juntas, ela anda agindo de uma forma muito estranha... e como vocês conviveram durante praticamente todo o último ano... creio que pode saber de algo.

_ Claro. O que é?

_ Bem, ela deve ter contado a você sobre... a traição do... Professor Snape.

Os olhos de Harry se estreitaram enquanto seu coração desandava a bater loucamente.

_ Claro. O maldito Snape. Simplesmente imperdoável o que ele fez com Tonks...

_ Nymphadora _ ela o corrigiu, de dentro de nuvem de fumaça _ A questão é... ultimamente, ela anda insistindo que tudo não passou de um engano... sem nos dar, absolutamente, motivo algum.

_ Um engano? _ ele perguntou, para ganhar tempo.

_ Um engano. Você sabe de algo, Harry? Acha que ela pode estar escondendo alguma coisa?

Harry sentiu a garganta se contraindo enquanto seu cérebro trabalhava furiosamente, sob os olhos atentos de Andrômeda Tonks. Contava? Não contava? Andrômeda poderia ser uma aliada forte, mas, por outro lado, poderia querer resolver tudo sozinha... e imediatamente! E agora?


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MUITO obrigada a quem tá comentando: Hannah, Morgana, Vinola, Nie, Lara, Senhorita Granger, vansnape, Miss Robsons, Samoa e Kissy Slytherin. Vocês são uns amores, nem imaginam o quanto ;D

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