Heart of Glass
19 de Julho de 2000.
Snape já conhecia aquela seqüência muito bem; mas nem por isso ela deixava de ser menos dolorosa. Deixando o pandemônio para trás, ele subia, correndo como nunca, as escadas mergulhadas na quase-escuridão, iluminadas apenas pela luz verde que vinha lá de cima, lançada pela maligna marca negra que pairava no céu.
Quando finalmente galgava o último degrau, o barulho já havia se tornado distante, abafado. Então, ele atravessava o umbral da porta, recebendo no rosto o ar frio da noite. Frio como a morte. Em seus sonhos, porém, não havia Draco, Greyback, Aleto ou Amico na Torre, não... eram apenas ele e Dumbledore. Então, como que em câmera lenta, ele erguia impiedosamente a varinha. O vento acariciava cruelmente seu rosto, como que transformando aquelas linhas duras em mármore... e de mármore era igualmente feito seu coração naquele instante. Seus lábios se descolaram. A varinha já se encontrava na altura do coração de Dumbledore. Então, sentindo pelos seus atos e por si mesmo uma repugnância tal que jamais sentira antes, seus lábios formavam um “A”. Então...
THUD. O som de um corpo caindo no chão. Aquilo nunca acontecia no sonho; Dumbledore não caía no chão da Torre com aquele som desgracioso, ele flutuava suavemente até lá embaixo... e ele nem mesmo havia completado a maldição; Dumbledore não podia estar morto ainda. No mesmo segundo Snape estava desperto, de pé, com uma ela acesa em uma das mãos e a varinha, em posição de ataque, em outra. Mas ele já devia saber... quem mais invadiria um quarto no meio da noite e tropeçaria em suas próprias pernas? Num impulso, ele se ajoelhou ao lado de Tonks, que, morta de vergonha, tentava se sentar no chão.
_ Ah, droga, droga _ ela repetia, afastando longos cabelos do rosto _ *Me* desculpa, Sev... não queria te acordar, eu juro!
Tentando não sorrir, ele estendeu a mão e ajudou-a a ficar de pé. Mas então, o inusitado e a surpresa em vê-la ali foram dando lugar aos sentimentos nem um pouco nobres que tivera no último dia em que estiveram juntos.
_ O que é que está fazendo aqui? _ ele perguntou, seco, cruzando os braços, quando já estavam ambos de pé.
_ Se prefere, posso ir embora – ela respondeu sem pensar, ainda mais seca que ele.
Por que tinha de ser sempre assim? Depois de quatro dias sem ouvir uma palavra dele; e depois de tê-lo deixado em Hogwarts abandonado e aparentemente fervilhando de raiva, ela resolvera que já tinha esperado demais; aguardar uma resposta dele àquela altura seria esperar pelo impossível. Então, em mais uma das noites insones, Tonks aparatou até Hogsmeade, passou pelas complicadas senhas dos portões, da masmorra... para ser recepcionada daquela forma. Droga. Snape precisava seriamente repensar aquelas atitudes... não gostava de ser tratada daquela forma e já estava começando a ficar incomodada. Tonks já havia se afastado bem uns três passos em direção à porta quando os dedos compridos pousaram quase imperceptivelmente em seu pulso.
_ Fique _ ele murmurou, encarando a parede.
Ela relaxou; e então, foi postar-se bem em frente a ele. Snape desviou os olhos e Tonks suspirou. Às vezes, toda aquela reserva e mistério não eram assim tão adoráveis, afinal.... mas, ah! Ela o amava mesmo assim; e num impulso o abraçou; sentindo a tensão se desfazendo nos ombros à medida em que o acariciava; e, aos poucos, Snape passou a retribuir o abraço. Mais algum tempo depois, os lábios ávidos se encontraram. Mas a sensação de desconforto do pesadelo ainda pairava no ar; e logo o beijo foi se tornando distraído, frio; e Snape se desvencilhou dos braços dela, indo sentar-se na cama desfeita.
_ Pesadelo? _ ela perguntou, se sentando ao lado dele.
Ele assentiu.
_ Ouvi você resmungando enquanto dormia. Quer alguma coisa? Água? Um chá? _ Tonks perguntou, passando um braço em volta dele e acariciando seus cabelos. Ele relaxou mais um pouco e fechou os olhos, aspirando o perfume que se desprendia da pele e dos longos cabelos castanho-claros _ Bebe isso _ sem esperar resposta ela havia conjurado uma xícara de chá, que agora aproximava dos lábios dele.
Snape tomou um ou dois goles, experimentando, a testa franzida. Então, bebeu todo o resto em um só gole, colocando a xícara vazia sobre o criado-mudo, ao lado da vela acesa.
_ Venha,vamos dormir _ ela disse, estendendo as pernas sobre a cama e tirando os tênis com os pés; e dando tapinhas no monte fofo de cobertas a seu lado.
_ Vai ser impossível dormir agora _ ele disse. Então, pensou um pouco e acrescentou _ Então, por favor, vá em frente e faça bom uso da sua tagarelice _ e seus lábios se curvaram para cima.
Tonks revirou os olhos, mas antes mesmo que pudesse dizer algo, Snape não resistiu:
_ E então? Como estava o... show? Divertiu-se muito?_ ele perguntou, fingindo indiferença e se sentando ao lado dela sobre as cobertas.
Os olhos verde-água sorriram e dardejaram na direção dele.
_ Ah. Foi legal. Só a Gina que... _ ela se interrompeu; não podia trazer mais dúvidas e problemas para o relacionamento deles. O que fora fazer ali era exatamente o contrário: resolver as coisas. Porém, uma vez atraída a atenção de Snape, não se podia fazê-lo esquecer ou ignorar.
_ O que tem a Weasley? _ ele perguntou incisivo.
_ Huh. Ela e Harry, sabe... estão fazendo perguntas demais sobre a minha vida amorosa.
_ Era só o que faltava... _ ele resmungou baixinho, deitando a cabeça no travesseiro e deixando um dedo percorrer o colo nu de Tonks, que deitara a seu lado.
_ Mas não se preocupa, eu... hm, consegui desviar a atenção deles.
_ Sério? E o que foi que você fez?
_ Ah. É uma longa história, deixa pra lá _ e antes que Snape perguntasse demais e sequer desconfiasse da grande saída estratégica dela, Tonks mais uma vez desviou um assunto _ E você, se divertindo muito com os morcegos? _ ela ergueu uma sobrancelha e covinhas despontaram em seu rosto.
_ Ah, sim; muito _ ele respondeu, sarcástico.
E como Severus havia pedido, Tonks fez o melhor uso de sua tagarelice de que foi capaz; e sem que se desse conta, ele foi caindo em um delicioso torpor até mergulhar em um sono profundo, que não foi perturbado por mínimo resquício sequer do pesadelo.
*
20 de julho de 2000.
_ Sete punhados de amor-perfeito seco e triturado.
_ Confere.
_ Treze dentes de fada mordente.
_ Pegar com Fred e Jorge _ Gina respondeu; e Ron riscou mais um item da listinha.
_ Penas de dedo-duro.
_ Dá pra encontrar fácil na botica, em Hogsmeade _ disse Harry.
_ Lágrimas de crocodilo.
_ Ainda temos que bolar um plano pra conseguir esse _ disse Harry _ mas provavelmente teremos de ir até um zoológico.
_ Bafo de alho.
_ É fácil, basta mastigar cinco dentes de alho e soprar sobre a poção.
_ Confere, então _ disse Ron, e fez uma careta ao enunciar o item final:
_ .... e um pedaço da pessoa que fez a poção do amor.
_ Esse vai ser o ingrediente mais difícil, mas podem deixar comigo. É uma questão pessoal _ disse Harry, bastante decidido.
_ Agora, só temos que arrumar os ingredientes que faltam em dez dias. Aí, cozinhar em fogo brando durante os três dias de lua negra, deixar descansar por uma semana e então teremos... a mais potente contra-poção do amor! _ anunciou Gina, arrancando vivas dos dois amigos empolgados.
Eles *iam* salvar Tonks. Snape que se cuidasse...
*
Snape acordou de súbito mais uma vez; mas não por conta de um pesadelo. Foram a surpresa e a satisfação que o despertaram aquela manhã. O calor e a maciez do corpo dela, tão diferentes do que ele tinha quando estava só; e o perfume doce e picante o envolvendo. Ele afundou o rosto no colo dela, aspirando aquele cheiro e se cobrindo com os longos cabelos castanho-claros. Então, suspirou; e a abraçou muito forte, externando o desejo de jamais deixá-la ir. A queria para sempre a seu lado... Snape se afastou e apoiou-se sobre um cotovelo, estudando-a. Cabelos ondulados refletindo a luz da vela, cílios negros e compridos, lábios rubros e entreabertos... e mesmo adormecida, ela jamais perdia aquele atrevimento, aquela vida que ardia intensamente dentro dela; e que tanto o atraíam.
Então, se lembrou do quanto havia sido estúpido e mesquinho na noite anterior e em sua última despedida. E, sim. Ele era capaz de se arrepender, embora a maior parte das pessoas pensasse o contrário. Fora por isso, até, que passara para o lado de Dumbledore, não fora? Mas ninguém sabia. Ele não gostava de contar seus segredos mais profundos e sentimentos para qualquer um. Da mesma forma, para que ele se arrependesse, era preciso que houvesse, por essa pessoa, os tais sentimentos mais profundos. E isso, por acaso, era exatamente o que ele sentia por Tonks. Não dava para esquecer a forma como ela reagira na noite anterior, quase indo embora por causa da grosseria dele.
De repente, não se sentia mais tão em paz naquela manhã.
Devia desculpas a ela. Então, curvando-se para a frente, ele a beijou. Um beijo intenso, para despertá-la. Os lábios se colaram aos dela; e muito lentamente, a língua se insinuou pela boca entreaberta, e acariciou seu interior e sorveu seu gosto. Severus insistiu, até que ela suspirasse e o beijasse de volta, primeiro por reflexo, depois de forma consciente. Então, se afastou.
_ Hmmm... que horas são? _ ela perguntou, sonolenta, esticando os braços e deixando um deles cair com força sobre o criado-mudo (e por pouco não esmigalhando a xícara).
_ Hora de acordar.
_ Ah, por favor, to de férias... _ ela resmungou, virando-se para o outro lado.
_ Não discuta.
Ainda resmungando, ela virou-se para ele, e sorriu com os olhos ainda cheios de sono. Snape sentiu alguma coisa quente se espalhando dentro dele; como pudera ser tão egoísta e cabeça-dura, chegando a trata-la daquela forma...! Então, aproximou-se e beijou-a mais uma vez, docemente.
_ Amo você _ ele sussurrou, num jato (era sempre assim: ele sempre tinha que dizer rápido, antes que ficasse travado mais uma vez).
Era tão raro ouvir aquelas palavras da boca dele, que Tonks podia até mesmo desculpar ter sido acordada tão cedo. E ele tinha mais uma surpresa para ela:
_ Me desculpa por ontem... e pelo outro dia também. Você sabe... por ter me irritado.
Tonks piscou, incrédula.
_ O que acontece?
_ Não foi justo.
_ É, não foi mesmo_ ela se aconchegou junto a ele _ Não fiz pra te irritar, você sabe muito bem. É só que... não quero e não vou abrir mão de algumas coisas importante pra mim, entende? _ ela ergueu uns olhos suplicantes para ele _ Olha só: não fico tentando te mudar, não quero que você deixe de fazer o que gosta... bem, claro que você poderia dar um jeito nesse cabelo _ ela acrescentou com um sorriso malicioso _ mas não vou ficar irritada com você por isso. Faz parte de você, e ponto _ e aquilo era a mais pura verdade, Snape se deu conta. Tonks jamais pedia que ele fosse mais romântico, que lhe desse flores e presentes toda semana ou se tornasse mais sociável _ Então... não é justo que você seja tão grosso por tão pouca coisa. Relaxa. Ainda não tenho a menor intenção de te abandonar, você vai ter que me agüentar por muito tempo. _ ela concluiu com um beijo estalado na face dele.
Snape suspirou.
_ Certo. Desculpas aceitas?
_ Desculpas aceitas _ ela respondeu.
E ele a beijou mais uma vez, sem pressa, enquanto uma mão entrava por baixo da camiseta e começava a despi-la lentamente.
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Argh! Mais de dez dias sem atualização, que coisa feia. Mas estive escrevendo umas one-shots, devem ser publicadas logo ;D Só que... o próximo capítulo dessa demora um pouco, cheguei numa encruzilhada na fic e preciso trabalhar melhor o roteiro (???).
Alguns comentários sobre o capítulo: de acordo com o livro “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, o dedo-duro é uma ave cujas penas são usadas para fazer o soro da verdade. E eu acho que de certa forma os princípios da contra-poção e do soro não são tão distantes assim; afinal, a função dos dois é mostrar/descobrir/fazer alguém ver a verdade.
Heart of Glass é uma música do Blondie, uma banda new wave do final dos anos 70 (e que eu acho que tem muito a ver com a Tonks); acho que quase ninguém, ou ninguém, vai pegar a citação. A letra fala basicamente sobre o fim de um romance; e no esboço original da fic seria o nome da tal poção, mas... desisti, não é um bom nome pra uma poção (embora na minha cabeça continue sendo ;D). Ainda sobre a poção, esses não são exatamente todos os ingredientes, pegamos só o final da conversa (sério, eu precisava mesmo ter dito isso? =P)
Agradecimentos: Senhorita Granger, Hannah, Morgana, vansnape (ai, sim, já li e preciso comentar, aliás ;D), Vinola-que-não-aparece-no-MSN, Nie (ahahah ri tanto com o “entrelaçando as perninhas”, vc nem imagina! ;D e cadêêêêê as fics? Hein?), Samoa, Miguel (hehehe “cabelo rosa pode irritar a vista”, ai merlin, eu OUVI o snape dizendo isso na minha mente), Renata T e Nathalia (bem-vinda, nova leitora! Nem imagina quanto fiquei feliz com seu comentário, é sempre ótimo converter alguém ;D).
Por último: porque eu achei minha capa tosca? Simples: porque eu acho muito fácil e óbvio simplesmente recortar duas imagens e colocar num fundo preto, heheh. Só por isso ;D
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