Overdose
_ Tonks! _ esquecido de todo o ódio que sentia até um segundo atrás, Snape ergueu-se da cadeira de um pulo.
Por pouco não conseguiu chegar a tempo: depois de ter aberto a boca e se empertigado, como se fosse fazer um longo discurso, Tonks revirou os olhos e caiu desacordada; e teria desabado com força no chão se ele não a houvesse agarrado pela cintura. O frasco vazio, porém, estilhaçou-se aos pés de um irritadíssimo Snape. Como uma ex-auror podia ser tão inconseqüente e ignorar por completo os efeitos de uma overdose de veritasserum? Tola, impulsiva Tonks! Colocando-a nos braços, resmungando o tempo todo, a testa franzida, carregou-a até o quarto e ajeitou-a com cuidado em sua cama. Ela dormia um sono pesado como pedra; e não havia nada que ele pudesse fazer. Não havia antídoto algum para veritasserum, a não ser o tempo. Dentro de mais ou menos vinte e quatro horas ela despertaria; mas ainda estaria sob o efeito da poção pelos próximos dois ou três dias.
Ele moveu uma poltrona até o lado da cama e sentou-se, contemplando-a pensativo, a testa ainda franzida, um menear ocasional de cabeça. Como, por Slytherin, como alguém podia ser tão inconseqüente? Ao lado da raiva, fervilhava dentro dele um crescente sentimento de afeição, que foi se tornando cada vez mais dominante. Até que as rugas em sua fronte se desfizeram e Severus suspirou. Ah, como ele amava aquela inconseqüente apesar de tudo. Sim, porque, agora, ele acreditava nela. Se Tonks havia chegado ao ponto de utilizar-se do Soro da Verdade, era porque não tinha realmente nada a esconder. E ele estava decidido: não lhe faria pergunta alguma quando ela acordasse. Seus lábios se crisparam de desdém. Que grande hipócrita estava sendo; não havia se mostrado tão cheio de escrúpulos assim quando usara Legilimência nela secretamente, há alguns meses. De fato: aquela lembrança o fazia se sentir desconfortável demais, o suficiente para pretender não repetir a dose jamais. Teria de acreditar na palavra dela. Ele sentia que, com ela, tinha de ser assim, tinha de ser como ela havia dito naquela mesma tarde. Com ela, não parecia certo haver mentiras, disfarces.
Severus suspirou outra vez, ligeiramente contrariado. Era tudo muito bonito na teoria. O problema era que ele não tinha facilidade alguma para confiar nos outros.
*
Exatamente um dia depois Tonks arregalou os olhos de repente e desatou a falar:
_ Na hora, tudo o que importava era te deixar a salvo.
Imediatamente Snape largou o livro que tentara ler, sem sucesso, nas horas de vigília; e ajoelhou-se ao lado dela.
_ Não gostei do jeito das perguntas dela; e meu...
_ Shhh _ ele interrompeu, colocando o indicador sobre os lábios dela _ Proíbo-a de falar.
Mas Tonks segurou o pulso dele e se libertou.
_ Vai ser impossível, você sabe.
_ É o que vamos ver _ ele murmurou, segundos antes de curvar-se para um beijo. Beijou-a com saudade e paixão. Aquela ainda era uma situação surreal demais, se ele tentasse analisá-la friamente. Mesmo com ela sendo tão irresponsável às vezes, mesmo agindo muito mais com o coração do que com a razão (como todo Grifinório), mesmo que ela fosse incompreensível para ele em tantos momentos, ainda assim...
_ Acredito em você _ ele murmurou quando se separaram.
_ Bom _ ela respondeu, ainda de olhos fechados, ainda segurando o pulso dele. Depois de um tempo, acrescentou _ Estou cansada.
_ Cansada? _ ele perguntou suavemente, acariciando o rosto dela com um dedo.
_ Cansada desses desentendimentos idiotas que não levam a nada _ ela respondeu, atirando os lençóis para longe e sentando-se na cama.
_ Tonks _ ele a repreendeu, sentando-se ao lado dela _ Não quero conversas desse tipo agora.
Ela fez um ruído de impaciência com a boca.
_ Com ou sem Veritasserum, essa conversa iria acontecer. Essa historia de poção não vai fazer diferença alguma; nunca escondi nada de você, e você sabe disso muito bem _ ela arqueou uma sobrancelha _ Ou deveria _ então, sua expressão se suavizou e também ela se pôs a desenhar os traços do rosto dele com o dedo _ Isso que a gente tem é tão... especial. É estranho. Inusitado. E compensador. Claro _ então ela sorriu _ está longe de ser perfeito. Você ainda é misterioso e caladão demais, às vezes não te entendo e você consegue ser levemente irritante em alguns momentos. Mas isso não me incomoda tanto assim.
_ Eu apenas substituiria “levemente” por “extremamente”, no seu caso.
Tonks deu uma risadinha e num impulso o beijou.
_ Vê? Nós nos damos bem na maior parte do tempo. É só quando você tem esses, sei lá, ataques de bobeira é que as coisas não ficam assim tão bem _ Severus desviou os olhos para a porta _ E quantas vezes vou ter que dizer que você não tem motivo algum pra isso?
_ Venha _ ele disse, ficando de pé.
_ Pra onde?
_ Você precisa de ar puro para o efeito da Poção passar mais rápido.
_ Não está fugindo de mim, está?
Impaciente, ele suspirou e virou os olhos para o teto.
_ Ficarei com você lá fora o tempo todo. Agora, vamos.
*
_ Sabe qual é o seu problema? Você não acredita em mim _ disse Tonks, acomodando-se no gramado debaixo de uma árvore_ Não acredita quando digo que realmente te amo; não acredita quando digo que não preciso de nenhum outro homem e por aí vai.
_ Não é bem assim _ ele mentiu, fitando o lago.
Tonks suspirou e se calou, pensativa.
_ E eu sei porque. Você passou tanto tempo enganando, mentindo e convivendo com gente do tipo... que acha que todo mundo é assim.
Ele a encarou, estreitando os olhos, parecendo ultrajado.
_ É essa a idéia que você faz de mim? _ perguntou, gelado.
_ Oh, deus _ ela tapou a boca com as mãos _ Me desculpa, Sev! Não foi o que eu quis dizer, essa droga de Veritasserum...
_ Tonks, foi exatamente o que passou por sua cabeça nesse momento _ ele replicou, voltando a olhar para o lago. Como ela conseguia ter aquele dom de ir direto ao ponto? Mas não conseguia se sentir muito furioso, porque ela havia tocado em um local sensível: ele realmente não conseguia confiar facilmente nos outros. E talvez... até pudesse ser por aquele motivo que ela havia sugerido.
_ É, foi, mas... foi mais uma dedução impulsiva, sabe?
_ Pra variar.
_ Não algo que eu realmente pense, me desculpa! E você sabe que eu tô falando a verdade.
E como sabia. E aquilo o deixava incomodado, também. Já bastava ter sido falso uma vez; usando um subterfúgio para descobrir se ela realmente falava a verdade. Uma segunda era dolorosamente errada. Claro, Tonks não estava muito diferente do que habitualmente era, falante e expansiva, mas ele tinha adquirido alguns escrúpulos naqueles meses em que estavam juntos; e ela não era uma mulher qualquer.
_ Melhor pararmos com essa conversa por aqui.
_ E eu gostaria de parar com esse tipo de conversa pra sempre _ ela suspirou, se colocando atrás dele e o envolvendo com seus braços _ Você está tenso, vou dar um jeito nisso _ sem esperar resposta, ela se pôs a massagear os ombros dele. Severus fechou os olhos e suspirou _ Mas então, Sev, me diz, porque não acredita em mim?
_ Já disse que acredito _ ele mentiu outra vez.
_ Pois não me parece isso. Sabe, você não acreditou quando disse que vinha passar as férias com você, e nem mesmo me deixou explicar no caso da foto... Você acha que, se eu realmente quisesse trair você, levaria acompanhantes e usaria o meu rosto real?
Snape não respondeu, e ambos se calaram por longos minutos; perdidos em pensamentos. Porque ele não conseguia aceitar o amor dela? Não conseguia acreditar que ela realmente preferia ele a de qualquer outro; embora, claro, ficaria furioso se descobrisse que as coisas não fossem realmente assim.
_ Por que, Tonks? Por que eu? _ ele perguntou, por fim.
_ Ele me fez essa mesma pergunta uma vez. Você sabe, o Remus.
_ Será que podíamos pular essa parte?
_ Ai, não, desculpa! Droga de poção _ murmurou para si mesma _ Você quer saber mesmo o porquê? Promete que vai parar de duvidar de mim?
_ Já disse que não duvido. É só... curiosidade.
_ Bem, vamos lá _ ela apoiou a cabeça nas costas dele e começou _ Porque você é tão pé-no-chão, realista e sério; e eu preciso de gente assim, você sabe, pra me equilibrar. Por causa do seu jeito misterioso e sarcástico. Você é tão único, tão diferente de qualquer outra pessoa que já conheci... e você sabe o quanto eu gosto do que é original _ ela suspirou, acariciando o peito dele, enquanto Snape se sentia simplesmente... estranho. Oh, sim, ele tinha um desejo secreto por elogios; mas jamais alguém havia dito aquelas coisas sobre ele antes, aceitando-o como ele realmente era. Mas ainda havia mais _ Porque eu amo seus olhos, suas mãos, ah! A forma como você me toca. Sua voz, hmmm. Quer dizer, só faltava... mesmo... você... _ ela começou a gaguejar, tentando lutar contra os efeitos da poção.
_ Vá em frente. Diga.
_ Dar um jeito no seu cabelo.
_ Eu deveria ter esperado algo assim.
_ Ué, você disse pra eu dizer. Ah, Sev, vamos! Deixa eu cuidar dele uma vezinha só, pra comparar, pra ver se não faz mesmo diferença, como você diz.
_ Claro que não faz. _ ele cruzou os braços, rabugento.
_ Pois eu acho que faz. Como é que eu posso saber se nunca vi ele limpo? _ ela se curvou e sussurrou no ouvido dele _ Vamos? Eu cuido de tudo, lavo, seco... tudo o que você tem que fazer é ir comigo lá dentro, entrar na banheira e relaxar.
Aquela proposta de entrar numa banheira com Tonks era tão tentadora... e ele já havia pensado tantas vezes no últimos dias a atender àquele pedido... e também, achava que devia algo a ela depois da cena do dia anterior. Mas não queria dar o braço a torcer. Apesar disso, quanto Tonks ficou de pé e puxou-o pela mão, ele protestou fracamente e deixou-se levar castelo adentro.
*
_ Não podemos deixar isso pra mais tarde? _ ele perguntou, a voz abafada contra os lábios dela, enquanto Tonks desabotoava suas roupas.
_ Não. Podemos deixar tudo o mais pra mais tarde. Mas isso, não.
_ Oh, céus _ ele suspirou; e para se vingar, aprofundou o beijo e começou a despi-la lentamente e a acaricia-la, até que a ouvisse suspirando e gemendo baixinho em seu ouvido.
_ Não _ ela sussurrou, trêmula _ Espertinho. Você topou, agora não dá mais pra voltar atrás. Vamos, entre _ ela apontou a banheira quase transbordando de água quente.
Ele obedeceu.
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Gods. O que foi o Snape nesse capítulo? Salivei! Sim, e eu termino capítulos na melhor parte, mwahahaha! ;D
Agradecimentos: Vinola, Morgana, Hannah, Miguel, Lara, vansnape, Senhorita Granger, nathalia, Samoa, Kissy, garota dashwood, Lourena (bem-vinda, leitora nova! =D).
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