Ciúmes
O quinto ano chegou tão rápido quanto um piscar de olhos. Eu e Tom não voltamos a falar um com o outro nem ficar sozinhos por mais tempo que o necessário desde o incidente do quase beijo. Mas as coisas agora estavam piores. Ele fora nomeado monitor. Eu também. Então havia uma competição mútua entre nós dois, mesmo que nenhum de nós tivesse colocado-a em palavras. Simplesmente sabíamos que existia. Eu estava disposta a manter aquela escola em completa paz, sem precisar da ajuda de mais ninguém. E ele fazia a parte dele na disputa, tirando pontos de alunos pela menor falta.
Eu estava no Salão Comunal da Grifinória, conversando com Willow e Hagrid – que estava tentando fazer um dever de transfiguração, sem muito sucesso –, quando Sam me chamou. Ele era monitor junto comigo.
- Clear, é a sua vez de fazer a ronda hoje.
- Ah, Sam... você não pode fazer no meu lugar? – perguntei fazendo cara da cansada. Na verdade eu estava mesmo.
- Não dá, ainda tenho que terminar meu trabalho para História da Magia – disse sorrindo. Ele se afastou e eu suspirei.
- Willow você vai comigo? – perguntei na esperança de que ela aceitasse. Mas ela nunca ia por que tinha medo de ser apanhada por algum professor. É claro que eu poderia dizer que estava acompanhando ela para a sala comunal por que ela estava na enfermaria ou algo assim, mas ela preferia ficar a correr o risco. Eu estava certa.
- Não dá, imagine se eu for pega! – eu abria a boca para contestar, mas ela foi mais rápida – Vai lá, faz a ronda, que eu te espero aqui! Vou ajudar Rúbeo a terminar o trabalho.
Sem dizer mais nada eu saí e comecei a patrulhar os corredores. Já eram quase onze horas e eu ainda precisava dar uma passada na torre de Astronomia, mas eu sequer havia pisado no primeiro degrau, ouvi um estrondo lá em cima. Resolvi subir em silêncio e pegar quem quer que fosse de surpresa. Ao chegar lá, entrei de repente fazendo barulho, para chamar a atenção, mas acabei me arrependendo ao ver quem causara o barulho.
Cíntia estava lá, com ninguém menos que Tom Riddle. Era óbvio que estavam se beijando um segundo antes de eu aparecer, e ela o afastou no exato instante em que eu entrei. Os dois olhavam surpresos para mim.
- Clear... – começou Cíntia parecendo preocupada.
- Opa – forcei uma risadinha – Desculpe interromper.
Eu saí de lá o mais rápido possível. Havia alguma coisa me incomodando agora, eu me sentia estranhamente triste e... não, não podia ser, simplesmente não podia ser ciúmes! Eu não podia estar realmente querendo estar no lugar de Cíntia beijando Tom Riddle, é claro que não. Isso era um absurdo. Havia algum tempo eu chegara ao ponto crítico de tremer em sua presença sempre que ele olhava nos meus olhos. Mas disfarçava, cobrindo a insegurança com sarcasmo e desdém. E devo admitir que vinha funcionando, pois era como nos tratávamos desde sempre, mesmo. Mas sentir ciúmes? Ah, não.
Ainda na escada eu ouvi a voz de Cíntia:
- E agora, Tom? – perguntou ela com a voz trêmula.
- E agora o quê?
- A Clear...
- Não sei de quem você está falando.
Quando eu o ouvi respondendo aquilo com tanta indiferença eu senti lágrimas brotando dos meus olhos. Droga, eu estava chorando, chorando por Tom Riddle! Como eles podiam descer a qualquer momento e a última coisa que eu queria era que ele ficasse ainda mais convencido, eu resolvi sair dali o mais depressa possível. As lágrimas agora escorriam rápidas pelo meu rosto, eu corri para o dormitório, e nem sequer vi se Willow ou Hagrid estavam lá me esperando como prometeram. Subi direto para o meu quarto e fiquei lá, abraçada ao travesseiro, tentando, pelo amor de Deus, não chorar. Ouvi as outras garotas subindo, se deitarem e adormecendo, mas não consegui dormir.
Não sei bem a que horas adormeci, mas Willow me acordou de manhã, e eu ainda me sentia exausta. Não queria levantar, estava sem fome e sem disposição para fazer qualquer coisa, mas ela me obrigou. O máximo que consegui tomar foi um suco de abóbora, e não comi mais nada o dia todo. De noite, depois do jantar – onde eu só fiquei mexendo com a comida no meu prato e não comi coisa alguma – um garoto da Corvinal veio e pediu para falar com a Willow, “a sós”. Sendo assim, e como Hagrid tinha uma detenção por ter tentado entrar na floresta para fazer sei lá o que, eu me dirigi sozinha ao Salão Comunal.
Sentei em uma mesa afastada e inexplicavelmente senti uma enorme vontade de chorar. Cruzei os braços sobre a mesa e deitei a cabeça sobre estes, me concentrando em não derramar nem uma lágrima. Mas assim que ergui a cabeça, pensando ter tudo sob controle, vi um casal se beijando a um canto, e a imagem de Tom e Cíntia voltou a relampejar na minha cabeça. Pronto. Já estava chorando outra vez. Senti uma mão no meu ombro.
- Clear?
- Ah, oi, Sam – me apressei em secar o rosto. Eu tinha uma reputação, e não era de ser uma menina chorona ou fraca, pode ter certeza.
- O que aconteceu?
- Nada, por quê?
- Você entrou correndo ontem à noite, e estava chorando, não é? E não comeu nada hoje o dia todo!
- Não se preocupe, eu estou be-em... – minha voz tremeu quando eu vi outro casal sentado de mãos dadas e desabei outra vez, chorando muito, sem a menor chance de controle.
Por que com tantas garotas em Hogwarts, ele tinha que ter beijado justamente a Cíntia? E por que eu estava me importando com quem ele beijava? Era Tom Riddle, afinal. Eu não devia estar nem aí para ele.
Aos poucos eu me acalmei outra vez, e Sam – que ficara o tempo todo afagando meus cabelos enquanto eu derramava lágrimas e mais lágrimas ininterruptamente – disse:
- Ei, Clear... Eu sei que não sou a Willow nem nada, mas se quiser conversar...
- É bobeira minha, Sam, nada grave – disse forçando um sorriso.
- Bom, eu tenho que fazer a ronda agora, mas depois a gente se fala, então...
- Posso ir com você? – perguntei me levantando. Fazer a ronda era muito chato, mas eu não queria ficar ali sozinha. Ele pareceu surpreso.
- Ahn, claro, quer dizer, se você quiser mesmo ir...
- Quero sim, obrigada.
Nós saímos e andamos lentamente pelos corredores, Sam falando de vez em quando. Estávamos passando pelo primeiro andar, quando reparei que já estávamos de mãos dadas. E pior, alguém vinha vindo. Eu não queria parecer mal educada puxando minha mão, ele fora tão legal comigo, e tudo, mas meio que entrei em pânico. Andar de mãos dadas era algo exclusivo dos namorados! Então eu vi quem era: ninguém mais ninguém menos que Tom Riddle. Ótimo, pensei. Deixe-o pensar que eu estou absolutamente feliz sem ele, que estou namorando e nem lembro que ele existe.
Eu sabia que era algo cruel de se fazer com Sam, por que ele estava sendo gentil comigo, me fazendo companhia, e eu o estava usando, mas... Tom havia me machucado muito, eu tinha direito àquilo, para me fazer sentir melhor.
Eu vi que ele estava com outro livro enorme embaixo do braço. Ele lia muito, o Tom. Passava a maior parte do seu tempo livre na biblioteca – isso é claro, quando não estava beijando garotas na torre de Astronomia, pensei amargurada.
Ocorreu-me subitamente, que se o Sam realmente gostasse de mim – como eu suspeitava que gostasse – eu poderia namorá-lo. Talvez ele me fizesse sentir bem melhor. Principalmente em relação àquele beijo.
Tom ainda estava um pouco longe demais para ouvirmos, e eu tinha pouquíssimo tempo para executar meu plano. Eu estava me sentindo um pouco má por fazer isso, mas a vingança não foi feita para os fracos.
- Sam! – disse, parando-o.
- O que foi? – ele pareceu preocupado comigo.
- Sam, você gosta de mim?
- Quê? – perguntou ele estupefato – Clear, eu...
- Gosta ou não? – sussurrei, sem deixar transparecer a urgência em minha voz. Ele me encarou por um segundo e então sorriu.
- Eu estava sendo tão óbvio?
Forcei um sorriso sedutor – Tom a quinze passos – e sussurrei – Tom a dez passos... – aproximando meu rosto do dele:
- Bastante – Tom a cinco passos – Bastante óbvio, Sam.
Ele me beijou. Eu retribuí. Ouvi um estrondo no corredor, que indicava que Tom havia derrubado o livro, às minhas costas, e então nos separamos. Mas eu não ia olhar para trás, senão ele ia ver que eu só queria provocá-lo. Ao invés disso beijei Sam outra vez. E logo os passos de Tom se afastaram ligeiros.
Não foi ruim beijar Sam. Na verdade foi bem agradável. Mas não foi assim, fantástico, mágico, ou coisa desse tipo, como a gente espera que seja um beijo de quem está verdadeiramente apaixonado. Mas eu precisava de carinho e Sam estava disposto a me dar. Eu iria aproveitar a situação. É incrível o quão desalmada pode ser uma pessoa de coração partido.
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