O bosque
Harry, Rony, Hermione e Gina já tinham caminhado uns bons minutos quando encontraram os limites do bosque. O calor na estrada estava forte, mas ali, no frescor da mata, os jovens não se sentiram mais atormentados pelo sol. Todos carregavam mochilas, onde foram distribuídos as bebidas e os quitutes preparados por Gina. O tema da conversa era o sucesso das Gemialidades Weasley.
- Fred e Jorge me ajudaram muito durante os anos em que morei na Suíça. Tive de me virar para me sustentar, mas de vez em quando eles me enviavam um extra. Com esse dinheiro, fiz cursos de extensão e, por causa disso, consegui uma boa colocação no concurso da Confederação.
- Quem diria? Eles, que sempre foram tão desinteressados pelos estudos, te transformaram numa CDF - zombou Rony.
- Nunca fui CDF. Mas é que chegou um momento na minha vida que eu não tinha opções. Ou parava com o que Hogwarts me ofereceu, virava dona de casa como a mamãe e esperava aparecer um marido para me sustentar - o que nunca ia me fazer feliz - ou partia para uma carreira diferente da de vocês. Papai, Percy e você já estavam no Ministério. Não queria isso para mim. Fred e Jorge, no comércio. E eu não tenho o menor tino para os negócios. As áreas de Carlinhos e Gui também não me agradavam. Aí, a Luna me contou do trabalho da Confederação e de como era difícil entrar lá. Achei que era o desafio que eu procurava.
Gina ficou quieta por um instante, pensativa.
- Foi a decisão da minha vida. Tudo mudou e eu, que carregava alguns fantasmas, consegui acabar com quase todos eles.
- Que fantasmas? - interrompeu Harry, que caminhava ao lado da ruiva.
- Ah, fantasmas. Coisas que eu superei. Ou que eu já posso encarar sem muitos medos - desconversou.
- Por que mulheres adoram fazer enigmas? - resmungou Rony, obrigando Hermione a lhe dar uma cotovelada.
Aos poucos, Hermione percebeu o que estava acontecendo. Olhava atentamente para Harry e via as tentativas do amigo em deter a atenção de Gina. Notava como conduzia as conversas para fazer com que a moça abrisse o coração. Ele a escutava, fazia observações, sorria para ela. Hermione pensou no comportamento do bruxo nos últimos dias. Sem dúvida, estava diferente do habitual. Em Londres, Harry não costumava ficar muito tempo quieto. Como era normalmente o centro das atenções, demonstrava também certa impaciência com as pessoas que não fossem seus amigos íntimos. E chegava a ser bastante sarcástico nos dias em que não acordava com o pé-direito. Mas ali demonstrava emoções bem diversas do cotidiano. Estava dócil, tranquilo, interessado, animado e com um brilho estranho nos olhos. “Só pode ser por causa da Gina.” Hermione, então, sorriu pois um plano começou a se desenhar na sua cabeça.
- Olha, que tal se a gente se separasse em duplas quando já estivesse perto do rio? Quem encontrar primeiro as ninfas, avisa com um toque de varinha. Vai que elas se assustam vendo um grupo grande e não aparecem?!
- Grupo grande? Somos só quatro pessoas. Não vejo necessidade disso - começou Rony.
- Para mim, é uma grande idéia - disse Harry.
- Ótimo. Então, eu vou com o Rony. E você, Gina, leva o Harry.
Os casais andaram por uma picada até que ouviram um leve murmúrio de corredeira. Diante de uma das margens, eles pararam. Hermione e Rony subiram o rio, indo em direção a uma prainha na qual os Weasley disseram que as ninfas gostavam de brincar. Gina e Harry fizeram o caminho contrário, com destino a um trecho onde as águas faziam uma curva e havia um pequeno jardim de flores silvestres. Sentaram-se num canto para esperar pelas criaturinhas, ele apoiado num tronco caído e ela encostada numa árvore.
- Vai ficar frustrado se elas não aparecerem?
- Não. Chegar até aqui já foi muito bom. O lugar é lindo.
- É mesmo. Sabe, freqüentei muito este lugar até sair de Hogwarts. No sexto e no sétimo anos, vinha sozinha porque já não tinha mais a companhia do Fred e do Jorge. E nem do Rony que andava muuuuito ocupado para me dar bola - ironizou.
- Você ficava conversando com as ninfas?
- Nem sempre. Tinha dias que elas percebiam que eu queria sossego. Eu chegava, me ajeitava aqui, neste mesmo tronco, fechava os olhos e ficava pensando nos meus problemas.
- Problemas?
- É. Coisas de menina. Nada espetacular. Mas, continuando, eu ficava neste canto só sentindo o vento, ouvindo o barulho da água, escutando as ninfas cochichando. Isso me dava uma paz que você não tem idéia.
- Bom, vamos fazer isso agora. Por uns minutinhos. Encosta um pouco para lá e a gente fica bem confortável.
Gina se espantou com a proposta, porém preferiu se calar. Afastou-se para a direita, abrindo espaço para Harry. Os ombros dos dois ficaram encostados, as pernas muito próximas. Ela se sentiu um pouco nervosa. Ele teve a sensação de que a temperatura do corpo subia.
- E aí? O que eu faço?
- Apoia bem a cabeça, solta o corpo, respira fundo, fecha os olhos e deixa sua mente vagar por onde quiser. Mas pensa em coisas legais, um sonho, algo que acabou de acontecer e foi maravilhoso. E esquece da vida. É gostoso.
- Tá certo. Então, vamos lá. Você fecha os olhos primeiro. Eu sou tímido - disse, um pouco vermelho.
Ela não se fez de rogada. Ajeitou-se e cerrou os olhos. Harry não fechou os deles. Estava admirando-a, recebendo no rosto a brisa agradável do final de tarde. O contato dos corpos era delicioso. O rapaz acompanhava o ritmo da respiração da jovem, o sobe e desce do peito. De repente, Gina moveu a mão em sua direção, tocando-o na perna. Foi um gesto sutil que surpreendeu e excitou Harry. A moça abriu os olhos e virou lentamente o rosto em sua direção, murmurando:
- Ouviu? Elas estão por aqui.
- Elas? - perguntou com a voz rouca, sem entender e com vontade de reter a mão dela.
- Se você se virar com cuidado para o meu lado, vai conseguir vê-las. Vem, pode encostar e olha. Mas não se mexe muito. Elas ainda não perceberam a gente.
Harry finalmente compreendeu. Na verdade, ele não estava muito interessado nas ninfas, porém não ia perder a oportunidade de ficar perto de Gina. Ela tinha girado o corpo, quase ficando de costas para o rapaz. Harry se aproximou. Metade de seu peito ficou apoiado no ombro da moça. Gina indicou com a mão onde estavam as ninfas. Eram dez criaturas esguias, pequenas, de cabelos esverdeados. Só diferiam das fadas porque não tinham asas. Estavam molhadas pois tinham acabado de sair da água e corriam para as flores, como se brincassem. Harry não entendia o que falavam, mas sem dúvida elas conversavam umas com as outras. De vez em quando, algo parecido com um guincho se ouvia.
- Eu estou um pouco desconfortável. Eu vou encostar no tronco e você se apoia em mim. É melhor. Pára com essa cara. Eu sou maior que você - disse Harry, que, sem esperar pela decisão dela, a puxou com os braços, estreitando-a no peito e mantendo uma das mãos em sua cintura.
A única reação de Gina foi ficar vermelha. Não arriscou nem mesmo olhar para Harry, que estava achando divertido mexer com ela daquele jeito. Com um sorrisinho leve nos lábios, fingiu se interessar pelas ninfas, enquanto aproveitava o momento. A ruiva engoliu em seco e concentrou sua atenção numa das ninfas que brincava com um dente-de-leão. A mão livre de Harry buscou seu braço e o puxou levemente. Gina virou-se assustada, o coração aos pulos.
- Aquelas ali já nos viram - disse o rapaz, apontando duas ninfas sobre uma pedra e aparentando estar tranqüilo como se nada demais estivesse acontecendo.
Gina conteve a respiração, um tantinho alterada àquela altura. Olhou para as ninfas e as reconheceu. Foi um alívio. Já sabia o que fazer, o que falar, como disfarçar a inquietação que sentira um segundo antes. Era como se estivesse de volta à terra depois de passar por um vôo vertiginoso.
As ninfas também a reconheceram, mas mantiveram distância. De onde estavam, abaixaram-se para rir enquanto apontavam para ela. Logo, as outras perceberam o casal na árvore e se juntaram ao redor da pedra. Uma delas que parecia ser mais velha se ergueu para falar à ruiva.
- Olá, menina Weasley - cumprimentou-a numa voz muito fina. - Que bom que veio nos visitar. Sentimos sua falta.
- Oi, Gota de Orvalho. Estive fora por um tempo e voltei agora. Também senti falta de vocês.
- Quem é esse rapaz bonito com você? - perguntou, fazendo as outras ninfas rirem abertamente e Harry arregalar os olhos.
- É um amigo, Harry Potter - respondeu Gina.
- É o Potter que venceu o malvado? - guinchou a menor das ninfas, a que brincava com um dente-de-leão.
Gina assentiu com a cabeça e a ninfa veio correndo até eles. Pulou sobre o colo da moça e se esticou toda para examinar Harry de perto. Ao reconhecer a cicatriz em forma de raio, os olhinhos redondos e muito pretos dela brilharam e a pequena deu um grande salto, fazendo uma pirueta que desmanchou o dente-de-leão no ar.
- Muito bonito o Potter. Pode casar com ele - disse alegremente a ninfa, agora carregando apenas o caule da flor.
- Não! Vocês não entenderam. Ele é um amigo - corrigiu Gina, escandalizada e com vontade de sumir enquanto algumas pétalas do dente-de-leão caiam sobre seus cabelos.
Por essa Harry não esperava. Mas estava achando engraçado. Seus corpos estavam tão próximos que sentia claramente o quanto Gina esquentava com a confusão. Atrapalhada, a moça tentava retirar as pétalas da cabeleira.
- Calma, Gina. Elas se confundiram. Só isso. Ei, pequenina, qual seu nome?
- Vapor D’Água, menino bonito - respondeu com um jeito romântico.
- Ah, começo a entender o Rony.
- Rony Weasley! Gosto dele - interrompeu outra ninfa, batendo palmas.
- Ele está aqui perto. Vou chamá-lo - cortou também Gina, retirando sua varinha das vestes e fazendo surgir faíscas vermelhas que levaram as ninfas a girar em roda de pura alegria, repetindo o nome de Rony.
- Um minuto. Vocês estão me atrapalhando. Quero falar com a Vapor D’Água.
- Estou ouvindo, menino bonito da menina Weasley - chilreou a ninfa, saindo da roda e se sentando em frente a Harry.
Ele queria dar risada, mas notou que Gina ficava cada vez mais embaraçada. Precisava tranquilizá-la. Excitadíssimas, as ninfas depressa se juntaram à pequenina.
- A Gina e eu somos amigos. Amigos, entenderam? Nada mais do que isso.
- Você não quer casar com a menina Weasley? - perguntou Gota de Orvalho, visivelmente triste e acompanhada no sentimento pelas outras.
- Eu não posso casar com ele! - disse Gina, antecipando-se a Harry, já roxa de vergonha - Ele tem uma namorada e eu...
Gina aprumou o corpo. E essa? Não pretendia falar naquele assunto tão cedo. Mas agora não tinha mais jeito. Sentia todos os olhos vidrados nela, o das ninfas e os de Harry também. Curiosas, as criaturinhas se levantaram, à espera do restante da frase.
- E você... - continuou o rapaz, apoiado pelos murmúrios das ninfas, que se alternavam entre “Isso, faça ela falar, menino bonito”, “Diga, diga” e “Psiu”.
- E eu... vou me casar com outra pessoa - respondeu Gina, finalmente.
- O QUÊ? - berrou uma voz que vinha do meio de arbustos.
As ninfas saltaram de susto, mas em seguida deram gritinhos de alegria. Uma delas enxugou uma lágrima. “Como está bonito o Rony Weasley”. Em meio à algazarra das ninfas, o irmão de Gina surgiu, com o rosto enrijecido pelo assombro. Atrás dele vinha Hermione, boquiaberta. Ao mesmo tempo, Harry se ergueu tão rápido que a ruiva teve de colocar uma mão para trás para se apoiar. Gina se levantou, constrangida.
- Será que o SEU irmão pode saber que história é essa? - perguntou o rapaz, um pouco mais calmo, embora o cenho franzido revelasse o quanto estava aborrecido.
- Rony, deixe para falarmos na Toca - gemeu Mione.
Ele se virou para a namorada, pensativo. As ninfas se dividiam entre entregar flores aos pé de Gina - felizes com a novidade -, olhar curiosas para Hermione e gritar o nome de Rony. O rapaz percebeu que era melhor mesmo conversarem em casa. Gota de Orvalho estava no alto da pedra e, das ninfas, era a única que estava séria. Estava captando algo que guardou para si.
- Menino Weasley, sentimos sua falta. Quem é esta que te acompanha?
Rony apresentou Hermione como sua namorada e futura esposa. Foi o bastante para as ninfas se esmerarem em cumprimentos à moça, dizendo que ela era muito linda. Uma delas chegou a dizer-lhe que Rony era o mais bonito dos meninos Weasley. Outra reclamou que não esquecessem de Gui. As ninfas suspiraram ao ouvir o nome. Aos poucos, o ambiente serenou e todos voltaram a se sentar. Gina entregou às criaturinhas pequenos doces que tinha feito em casa. Hermione achou engraçado o jeito delas, que a olhavam como se vissem um ser fantástico. “Você será uma noiva encantadora.” Rony ainda não parecia muito satisfeito, mas pelo menos era educado. De fato, Mione não se preocupava com o comportamento do namorado. Estava apreensiva com Harry, que mal falara desde que eles tinham aparecido ali. O rapaz, que decidira ficar ao lado da pedra de Gota de Orvalho, respondia com docilidade às perguntas das ninfas. Porém mal se dirigia aos amigos e recusara o lanche que as garotas retiraram das mochilas. “O que será que ele está sentindo”, perguntava-se. Gina, por outro lado, se esforçava para recuperar a naturalidade, só que não tinha coragem de encarar o irmão. Rony, então, falou que era hora de ir embora. O grupo se despediu das ninfas (“Que pena! Voltem mais vezes, meninos bonitos”) e tomou o caminho de volta para a Toca. Quando já estavam longe do rio, ele desabafou:
- Arre, não era uma coisa de moleque. Eu não aguento muito tempo com as ninfas.
- Coitadas. Elas estavam agitadas demais porque fazia tempo que não viam ninguém.
- Gina, por favor, não quero conversar com você agora. Ainda tô engasgado com aquela história - disse Rony secamente.
A moça, que estava mais a frente, parou. Com o rosto afogueado, olhou firmemente para o irmão.
- Eu tinha planejado contar para vocês de outra forma. Mas não deu certo. Então, paciência. Como pensei que você iria ficar feliz, calculei que a hora do jantar seria um bom momento. Tô vendo que me enganei.
Mal concluiu, Gina retomou a dianteira e não olhou para trás nenhuma vez. Rony e Hermione seguiram logo atrás, comentando o encontro com as ninfas. Harry era o último da fila e só falava quando era solicitado.
- Você está bem? - perguntou Mione.
- Estou muito cansado. As ninfas encheram um pouco a minha paciência.
- Elas te acharam bonito, né?! - brincou a moça.
- É, mas aposto que elas falam isso para qualquer um - disse, forçando uma risada.
Rony gargalhou, acompanhado da namorada. Gina manteve-se quieta, atenta ao ritmo da caminhada. O sol se punha no horizonte, tingindo o céu de um tom alaranjado. Era um belo fim de tarde. E pela primeira vez desde que chegara à Toca, Harry sentiu falta de Claire.
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