Apenas uma chance

Apenas uma chance



Em meio à bruma, uma mulher surgiu. Os cabelos louros muito claros desciam pelas costas até a cintura. Os olhos azuis límpidos refletiam serenidade, mas também determinação. Ela caminhou quase sem produzir movimentos, como se flutuasse. Vestia uma túnica tão branca que chegava a ofuscar a vista. Harry não entendia o que estava acontecendo. Não sabia onde se encontrava. Não conseguia se mover. A mulher parou diante dele por breves segundos. Era bela e tinha algo familiar. Não abriu a boca, mas o bruxo teve a impressão de ouvi-la chamando seu nome. Harry se surpreendeu. Ela o conhecia! Quis perguntar-lhe como, porém a mulher se afastou lentamente até que tudo ficou escuro.

Harry esfregou os olhos para afastar o sonho. Levantou-se da cama. O sol ainda não saíra e Rony dormia profundamente na cama ao lado. Ele decidiu se levantar e tomar um copo de água. Foi até a cômoda perto da janela onde repousava uma garrafa. Enquanto bebia, viu dois vultos se movendo silenciosamente do lado de fora da casa. Nesse instante, um deles ergueu o rosto em sua direção. Harry não conseguia distinguir os traços, mas agora tinha certeza de quem se tratava, Arlen. O elfo retirou o capuz para se revelar e na escuridão da madrugada fez um aceno discreto para o bruxo. “Como ele me descobriu? Ainda está muito escuro para me enxergar”, pensou. O outro vulto, Snape, não deu sinal de ter percebido Harry à janela. Os dois começaram a caminhar, pegando o rumo da mata que circundava a Toca. O rapaz decidiu voltar para a cama, imaginando o que teria acontecido entre Gina e Arlen naquela tarde que já parecia tão distante. “Preciso de uma resposta”, e com essa idéia adormeceu.

Quando Harry acordou já era bem tarde. Assustado com o horário, vestiu-se correndo e desceu as escadas aos pulos. Queria muito conversar com Gina, embora não soubesse como chegar à parte que o interessava. Ao entrar na cozinha, encontrou Rony e Hermione terminando o café. Gina estava de pé, com os cabelos presos num rabo de cavalo, usando um avental coberto de pó branco.

- Oi, Harry. Dormiu bem?

- Dormi até demais - disse sem graça. - Por que você não me acordou? - perguntou a Rony que engolia o último bocado de panqueca.

- Mmm, tennnnteimmm. A Mmmmione faloummmm...

- Ah, deixa que eu digo. Por mais que eu insista, você ainda não perdeu essa mania de responder com a boca cheia - interrompeu Hermione, exasperada. - Achei que era melhor te chamar logo para a gente poder viajar cedo e aproveitar o dia. A hora que você quiser, podemos ir. Minhas malas e as do Rony estão prontas.

- O Rony já arrumou as dele? - espantou-se Harry.

- Eu arrumei. Conheço a figura.

- Bom, eu não arrumei a minha, mas tudo bem. Decidi que vou ficar aqui hoje também - e deu um sorriso.

Hermione o olhou espantada. Rony pareceu igualmente intrigado e Gina retribuiu o sorriso.

- Que ótimo! Vou ter a companhia de vocês. Tem tantas coisas que eu ainda queria perguntar. E eu não estava conformada com a partida de vocês. Olha, eu tinha acabado de fazer biscoitos para vocês levarem como presentinho. Mas agora podemos reservá-los para um chá à tarde. E então, qual a programação do dia?

Harry não conseguiu responder. Sabia perfeitamente o que queria, só que não ia falar isso de cara. Ainda mais na frente dos amigos. Hermione continuava com o olhar fixo nele, pensativa. Rony resolveu o impasse.

- Já que vamos adiar de novo a viagem... - sublinhou, fazendo uma cara estranha para Harry - ... que tal se a gente desse uma volta pelo bosque que fica aqui perto? Com sorte, dá para ver as ninfas do rio. A Gina costumava conversar com elas quando era criança. Eu nunca tive paciência. Elas têm uma voz super aguda e só falam bobagens.

- É que você era moleque e ninfas são românticas, duas coisas que não combinam - observou Gina, enquanto Rony fazia uma careta de enjôo. - Tenho certeza de que agora elas vão parecer mais legais. Você vai adorar as ninfas, Mione. Elas são tão pequeninas, do tamanho de fadas.

- Uau, quero conhecer as ninfas! Ai, Rony, li que já foi moda entre os bruxos fazer casamentos à beira de rios e lagos para que elas pudessem participar e enfeitar a festa. Já pensou?

- Definitivamente, não quero ninfas no meu casamento - respondeu em voz alta o ruivo, cobrindo o rosto com as mãos, simulando agonia, mas parou de repente - Não! Eu quero sim. Mas só uma ninfa, você - e olhou divertido para Hermione, cujo rosto se iluminou. “Ainda bem que eu acredito que você tem jeito”, murmurou a garota, dando um selinho no namorado.

- Bom, depois dessa demonstração de amor incondicional... Mione, o Rony não te merece... vamos planejar esse passeio. Eu estou pronto - disse Harry.

Gina objetou, num muxoxo, e fez sinal de que esperassem um segundo pela justificativa. Com a varinha, abriu o forno e fez uma forma repleta de cookies de chocolate sobrevoar até a mesa. Os biscoitos, então, ganharam braços e perninhas para correr até pratos de porcelana, onde se jogaram para se refrescar, dando gritinhos de alívio quase inaudíveis. Os três ergueram as sobrancelhas, assombrados com as habilidades da moça na cozinha.

- Desculpe, mas para a receita dar certo preciso de concentração. Voltando ao passeio, o melhor horário para encontrar as ninfas é o final da tarde. Nessa época do ano, elas sofrem com o calor. Sugiro, portanto, que a gente vá até o bosque por volta das 16h. Bom, eu tenho coisas com que me ocupar. Vou preparar o almoço e dar uma folga para mamãe e depois vou montar uma cesta de piquenique para nós.

- Eu vou resolver o problema das nossas reservas no hotel. Outra vez, viu, senhor Potter - disse Hermione, mirando Harry com uma curiosidade aguçada.

- Posso te ajudar na cozinha, Gina - ofereceu-se o rapaz, fugindo dos olhares perscrutadores da amiga. “Quem sabe assim surge uma chance?”, imaginou.

- Hummm, na verdade, gosto de ficar sozinha quando estou cozinhando.

- Ah - respondeu Harry, desapontado.

- Ainda bem que ele não vai te ajudar. O Harry é péssimo na cozinha. - cortou Rony, fazendo o amigo protestar absolutamente envergonhado - É melhor se dedicar a uma coisa em que você é realmente bom. Vamos desentocar as vassouras e praticar um pouco de quadribol antes e depois do almoço. Faz tempo que a gente não joga. Essa vida de auror é muito puxada!

E assim passou a tarde. Harry não encontrou nenhuma oportunidade para conversar a sós com Gina. A moça andava de um lado para o outro alheia a todas as suas tentativas. Quando ele voltou da última partida de quadribol, sujo e suado, pensou em abordá-la. Gina estava consultando o livro “Petiscos Saborosos Para Todos os Seres, de Dragões a Ninfas, por Madame Frigidaire” e não o viu. Continuava com o avental e os cabelos presos, porém com alguns fios escapulindo do rabo de cavalo e caindo sobre o rosto corado. Harry a achou ainda mais bonita naquele jeito caseiro. Trazia à lembrança a menina tímida de Hogwarts. Rony, igualmente sujo e suado, interrompeu o devaneio aos brados.

- Que horrível! Tô muito enferrujado. Preciso parar de ser preguiçoso. Preciso de exercícios. Vou deixar de aparatar por um tempo e andar como fazem os elfos. Que você acha, cara?

- Será que os elfos suam? - perguntou Harry, dando-se conta de seu estado. Impossível falar mais intimamente com Gina naquelas condições.

- Nunca vi um elfo suado. Mas também nunca vi um elfo jogando quadribol. De qualquer forma, um bom banho resolve tudo - brincou a ruiva, metendo-se na conversa. - Por Merlim, tô vendo que vocês vão precisar caprichar no banho. Que é? Regrediram à infância?

A maneira como Gina disse aquilo divertiu Harry. Sentia-se cada vez mais atraído por ela. Não era algo apenas físico. Ia além disso. Na verdade, a atração física era o que menos importava agora. Ele queria ficar ao lado dela, conversando, rindo ou mesmo em silêncio. Sua presença lhe trazia paz de espírito, uma sensação que não conhecia bem, mesmo depois de tantos anos transcorridos da derrota de Voldemort. Com Claire, o sentimento era diferente. E, ao pensar nisso, mais uma vez veio o remorso. A namorada estava trabalhando duro para poder tirar uma semana de folga com ele e até aquele momento ele, Harry, não tinha enviado nem uma coruja para dizer que estava vivo. Para afastar a culpa, meteu-se logo no banho. Desejava que a água aliviasse o peso na consciência.

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