No vento...



Os rapazes não se conformavam com a presença de Snape. O professor tinha acabado de aparatar e estava sendo recebido pelo senhor e senhora Weasley, que já sabiam de sua visita. Luna também já aparecera. Os dois convidados de Gina não aparentavam desconforto. Pelo contrário. Davam a impressão de não sentir os olhos de Harry e Rony cravados neles. Eles tinham sido apenas educados, limitando-se a cumprimentar a estranha dupla. Não por causa de Luna, mas porque a antipatia por Snape era tão forte que sobrepujava qualquer outro sentimento. Molly Weasley, percebendo a tensão no ar, tratava de puxar conversas amenas.

- Gina está encantada com os Altos Elfos, Snape. Fez um trabalho tão bom que mereceu os elogios do Corpo Diplomático da Confederação.

- Tinha certeza de que ela receberia elogios. Nunca vi ninguém tão interessado em conhecer as tradições antigas como a sua filha. Pena que os jovens de hoje não tenham respeito pela velha magia - disse Snape, olhando para Harry e Rony.

- Eu conheci alguns elfos da linhagem antiga. Papai me levou um dia para um encontro com um grupo deles que esteve aqui de passagem já faz uns anos. Eles são tão bonitos - suspirou Luna.

- Bonitos? Se o Dobby é bonito, como minha varinha - zombou Rony, sem perceber que Gina descia as escadas, já arrumada para o jantar.

- Dobby é um elfo doméstico. Não um Alto Elfo. Eles são diferentes. São altos, esguios, fortes, reservados, amantes da natureza. Têm cabelos longos, usam roupas leves que ao mesmo tempo aquecem ou refrescam, entendem a linguagem de animais e plantas, cantam bonito e parecem os mais belos seres do universo.

Todos se calaram enquanto Gina falava dos elfos. À medida em que movia os lábios, descia os degraus, num ritmo cadenciado que prendia a atenção. Sua voz fluia suavemente, exercendo um efeito encantador. Mas talvez o encanto fosse resultado também do modo como se apresentava. Gina usava um vestido de alças claro e comprido, mas que caía sobre seu corpo como um véu delicado. Um cinto prateado cingia sua cintura delgada. E seus cabelos estavam presos num coque, com alguns fios escapando sobre o rosto. No colo, uma corrente muito fina sustentava uma pedra branca e brilhante.

- Vejo que captou o estilo élfico, Gina Weasley. Já está falando e se movendo como uma Senhora da Floresta. E essa roupa e esse colar... estou certo em supor que são presentes dos elfos? - perguntou Snape, com um curioso ar divertido.

- Sim - riu Gina, voltando ao normal - Ganhei também uma capa cinzenta que me protegeu hoje de uma chuva que apanhei quando fui procurar a Luna. Desculpe, nem cumprimentei vocês direito.

Logo, todos estavam ocupados em se servir do jantar preparado pela senhora Weasley. Rony conversava com Luna e ignorava Snape solenemente. Molly e Artur se dirigiam ao grupo inteiro, sem exceções. Para não deixar Snape isolado, Gina dedicava sua atenção ao professor. E Harry era o único que permanecia quieto. Estava assim desde que vira Gina descendo as escadas. Sentiu-se um pouco como um garoto se deparando pela primeira vez com uma Veela. A diferença é que tinha plena consciência de seus atos. Naqueles seis anos de separação, jamais lhe ocorrera que a irmã de Rony já era uma mulher. Quando pensava nela - e foram poucas essas vezes -, lembrava-se somente do rosto infantil. E agora tinha diante de si uma moça de traços regulares e de corpo incrivelmente perfeito. Não tinha se dado conta também de como ela tinha uma voz melodiosa. E de como os olhos eram feiticeiros. Se os tais Elfos tinham a capacidade de ensinar a encantar, Gina certamente tinha sido uma boa aluna. Harry estava mergulhado nesses pensamentos quando Luna interrompeu a conversa entre Gina e Snape.

- Os Elfos devem estar te mandando outro presente, Gina. Esse vento que entra pela janela tem um perfume maravilhoso. É uma coisa élfica, não é?!

- Nada. É coincidência. Ou então...

- Então o quê? É um sinal de outro povo antigo? Vai ver é algum gigante dando uma bufada de tanto ouvir Elfo daqui, Elfo de lá.

- Rony, seu chato. Eu ia fazer uma brincadeira. Dizer que esse vento foi invocado por uma amiga portuguesa que sente falta do namorado.

- Aquela sua capa deve estar defeituosa! Você tomou muita chuva e taí, delirando de febre. Do que está falando agora?

- Bobo. De uma música que aprendi com uma colega da Confederação. Ela me deu uma caixinha que toca um monte de canções. A que eu mais gosto se chama Haja o que Houver.

- E o que isso tem a ver com o vento? - perguntou a senhora Weasley, bastante curiosa.

- A música fala de alguém que espera pela pessoa amada, que está distante. Ela pede que a pessoa volte logo, com o vento.

- Que lindo! Mostre essa música para a gente.

- Hum, a caixinha só toca a melodia, Luna. Minha amiga cantava acompanhando o som. Eu gostava de ouvir porque assim treinava o português.

- Querida, então, cante para a gente. Adoraria ouvir essa música e você é tão afinada.

Gina enrubesceu. Não esperava por esse pedido da mãe. Estava prestes a se negar a pagar o mico quando viu a cara de deboche de Rony. O irmão claramente se divertira com o comentário sobre sua afinação. Ela sabia que cantava bem e se Rony jamais percebeu isso era porque, de fato, não ligava para ela. “Vou mostrar para esse peste”, pensou. Disse à mãe que cantaria ao final do jantar, quando todos tomariam café nos bancos do jardim. Lá fora estava mais escuro e ninguém a veria ficar vermelha. E ela também mal iria enxergar os outros, o que, sem dúvida, diminuiria o nervoso.

O restante do jantar transcorreu sem novas emoções. Rony e Harry continuavam ignorando Snape, embora de vez em quando o ruivo soltasse frases irônicas destinadas ao professor. Snape não se incomodava. Estava entretido em tentar adivinhar o motivo que levara Potter a permanecer alheio, diferente do que ocorrera quando chegara à Toca. Snape fora recebido com frieza e olhares hostis. Nos últimos minutos, no entanto, Harry parecia estar em outro mundo, só demonstrando interesse pelos comentários divertidos de Gina. Ou pelo riso da garota.

- Potter, pode me passar um guardanapo?

Harry deu um leve salto na cadeira, como se houvesse voltado à realidade. Entregou o guardanapo e emendou uma conversa com o senhor Weasley a respeito do Ministério. Pouco depois o grupo passou para o jardim, onde a senhora Weasley conjurou uma mesa abastecida de café, chá e biscoitos. Luna dava saltinhos, animada com a perspectiva de ouvir a música portuguesa. Gina torcia as mãos. Tudo bem. Durante cinco anos se preparara para lidar com situações de tensão em todos os âmbitos dos relacionamentos bruxos. Aquela era obviamente uma situação de tensão! Ok, era só uma canção que aprendera com a amiga Rosa. Certo, certo. Tinha uma boca muito grande. E, claro, tinha sido muito infantil em se sentir desafiada por Rony. Mas pior seria se expor dessa maneira a Harry. Sentia-se envergonhada. Não entendia por que. Ele estava estranho, tratando-a como se não existisse. “Não falou comigo, nem me olhou na cara. Quando olhei para ele, virou o rosto. Não riu das minhas piadas e ficou com aquela cara de tédio o jantar inteiro. Já que ele está tão indiferente, por que é que tenho de ficar nervosa?”, pensou.

Gina respirou fundo. Com um movimento da varinha, fez aparecer a caixinha dada por Rosa. Com outro, executou um difícil feitiço que faria com as pessoas compreendessem a letra da música. Ao redor delas formou-se uma névoa clara, diáfana. “Isso é um tradutor mágico. Só pode ser conjurado por quem conhece o idioma a ser traduzido. É uma das habilidades de quem pertence à Confederação”, explicou. Rony resmungou. Teria sido ótimo dominar essa magia. Pena que para isso teria de estudar línguas estrangeiras.

Os Weasley, Snape, Harry e Luna, então, se acomodaram melhor nos bancos e se preparam para a audição. Soprava uma brisa suave que varria as flores, espalhando seu perfume pelo ar, o mesmo que Luna sentira. Gina voltou-se para a caixinha que começou a tocar a melodia. Parecia que um quarteto de cordas estava no jardim. Sem tirar os olhos da caixinha, iniciou o canto, o vento soprando os fios soltos da cabeleira ruiva, fazendo o vestido élfico ondular.

- Haja o que houver eu estou aqui. Haja o que houver espero por ti. Volta depressa, ó meu amor. Volta no vento, por favor. Há quanto tempo já esqueci. Por que fiquei longe de ti? Cada momento é pior. Volta no vento, por favor - cantava, repetindo as estrofes. - Eu sei, eu sei quem és para mim. Haja o que houver espero por ti.

Ao final, todos aplaudiram, principalmente Rony, entusiasmado com a descoberta de mais um talento da irmã. Luna suspirava, dizendo que era uma das músicas mais românticas que ouvira e que estava doida por conhecer Portugal. Os pais de Gina sorriam orgulhosamente para Snape. O professor ergueu a xícara para a garota, como se brindasse seu sucesso. E Harry aplaudiu por breves segundos, dando tímidos parabéns à cantora. Gina se congratulava por ter escolhido um local mais escuro para se exibir. Estava roxa. E um pouquinho decepcionada pela falta de entusiasmo de Harry. “Será que ele se impressiona com alguma coisa?” Não desconfiava do real estado dele. Harry se sentia como se estivesse sendo carregado no vento, atendendo a um doce chamado. A brisa continuava brincando com os cabelos de Gina.

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