Capítulo 1



Capítulo 1


 


— Levanta, Mione.


Hermione Granger ouviu a voz da mãe dela, mas não se mexeu. A arrumação das coisas, ou melhor, ob­servando sua mãe arrumá-las, e a volta para casa até Melchester, desmoronada no banco de passageiros, drenaram toda a energia que possuía. Levantar da cama estava fora de cogitação por várias semanas. Até o esforço de abrir os olhos era muito intenso.


O som das cortinas se abrindo anunciava uma implosão de luzes dentro do quarto. Ela se virou enfiando a cabeça no travesseiro, tentando ignorar o falatório de sua mãe enquanto pegava algumas roupas para ela e as colocava sobre a cama.


— Fiz uma lista de compras. Não tive tempo para fazer compras este fim de semana. Não tem nada em casa. Você não deve se importar se come ou não, mas eu me importo. Anda logo que eu vou deixá-la na cidade enquanto vou para o trabalho. Pode se inscrever naquela agência de empregos perto da rodoviária após pegar meu livro na livraria. Diga a Maggie Crawford que a verei no bingo esta noite. Você deveria vir também.


— Ao bingo?


— Aleluia, ela fala...


A mãe dela não estava realmente interessada no bingo. Ela apenas blefou para obter uma resposta.


— Mãe, não precisa fazer isso.


— Convença-me. Levante-se, tome um banho en­quanto faço café.


— Você vai se atrasar para o trabalho.


— Só se você ficar enrolando.


— Não...


Mas sua mãe, que nunca se atrasara para o traba­lho, não hesitou em argumentar. Ela nunca teve tem­po para aquilo. Nunca permitiu que qualquer pa­trão comentasse o fato de que ela era mãe solteira. Nem nunca sentiu pena de si mesma, pelo menos não quando tinha alguém por perto. Quantas lágri­mas derramou na solidão e no escuro da noite?


Desgostosa consigo mesma, Hermione se virou e dei­xou que a gravidade apoiasse seus pés no chão. A mesma técnica que a botara para fora da cama nos dias em que a escola parecia mais um dia no purgatório.


O sol brilhando pela janela era uma afronta ao seu sofrimento, o cheiro de café a deixava enjoada, mas sua mãe se entregou por toda a vida, dando tudo de si para ter certeza de que sua filha tivesse a chance de algo melhor. Até agora era ela quem catava os cacos. Tirou vários dias de folga para ir a Londres, pôs o apartamento de Hermione para alugar, para pagar a hipoteca e para que ela tivesse para onde voltar. Foi ela quem arrumou as malas, trou­xe-a para casa e acomodou-a em sua antiga cama.


Mesmo na adolescência, teve força para superar o sofrimento, contando cada dia que sobreviveu sem despertar a atenção dos valentões da escola como uma vitória.


Não era força agora, mas culpa, que a levou ao chuveiro, que a colocou em suas roupas e logo a levou até o carro. O sol brilhava, ainda era março, e o vento manso no rosto revelava mais um belo e agradável dia.


Sua mãe a deixou na calçada.


— Não esqueça meu livro e compre alguns pro­dutos de limpeza no mercado.


Ela ligou para a agência de empregos primeiro, preencheu o formulário e esperou que avaliassem suas qualificações.


— Você não respondeu por que deixou seu últi­mo emprego.


— Não. — Essa é capciosa. — Desculpe.


Ela puxou o formulário e escreveu "Síndrome de Bridget Jones", e o empurrou de novo.


— Você desrespeitou seu chefe?


— Não, eu era a chefe, mas você sabe como são os homens. Sempre querem estar por cima.


Não era tudo verdade, mas servia para encurtar as perguntas difíceis. E ela tinha certeza de que Draco se sacrificaria se ela fosse menos escrupulosa, me­nos cuidadosa com sua carreira ou reputação, menos ingênua...


— Certo. Você está um pouco acima do que pre­cisamos, para ser honesta. — Sorriu com simpatia. — O máximo que temos são executivos juniores. Você realmente precisa de uma agência de empregos em Londres.


— Eu quero algo temporário, enquanto avalio minhas opções — disse ela. Algo que seu último agente de empregos havia sugerido. Não foram tão longe a ponto de perguntar a ela se era verdade que tivera um colapso; trocaram olhares e tiraram suas próprias conclusões.


 


— O que, diabos, lhe convenceu a comprar esse armazém, Harry?


Harry Potter olhou sua última aquisição com satisfação. Lugares pequenos como este não podi­am competir com as superlojas de departamento que dominam o mercado, mas possuí-la estava em sua lista há muito tempo.


— É apenas sentimentalismo, Neil. Já trabalhei aqui em um passado distante. Não por muito tem­po, mas jamais esqueci da experiência.


— Não sabia disso.


— Bem, você estava na faculdade enquanto eu me matava de trabalhar para Marty Duke.


— Não são lembranças boas então.


— Não foi tão mal. Tinha uma secretária linda. Cabelos lindos e brilhantes, pernas bem torneadas e uma voz suave como chocolate suíço. Tinha um sorriso que fazia do trabalho uma experiência inte­ressante.


Neil balançou a cabeça.


— Você e suas passarinhas de luxo...


Ela não era uma sumidade no trabalho, mas Duke a pagava muito bem, pois os empreiteiros costuma­vam babar enquanto ela anotava os serviços.


— Por que antecipo um final triste para essa história?


— Você me conhece — disse Harry. — Quando vi Duke com as mãos onde nenhum patrão deveria estar, não me importei em deixar cla­ro que aquilo não era comportamento para o local de serviço. Acertei-o em cheio. Ele me despediu dali mesmo, caído no chão.


— Espero que sua deusa tenha ficado muito agra­decida.


— Ela estava muito ocupada interpretando Florence Nightingale para o chefe. Deve ter feito um ótimo trabalho, pois ele lhe ofereceu uma promoção.


— Como secretária?


— Não, como esposa. Evidentemente, interpretei mal os sinais. Ela tinha outras ambições.


Neil retrucou:


— Erro dela.


— Você acha? Não tinha nada para oferecer a ela. Ela, por outro lado, me fez um verdadeiro favor: ensinou que, entre dinheiro e músculos, as mulheres sempre ficam com o dinheiro. Mostrou que eu não tinha capacidade para trabalhar para os outros.


— Então, você comprou um armazém que não precisava, salvou Duke de afundar, tudo isso por pura gratidão a sua esposa? A mulher à qual você deve sua fortuna?


— Devo minha fortuna ao trabalho duro, olho aguçado para bons negócios e um pouco de sorte. Comprei o armazém por vários motivos, o mais prazeroso de todos, tenho que admitir, foi Duke ter que me encarar e me chamar de sr. Potter.


— E quanto à esposa dele? Estava lá?


— Ainda é sua secretária, dá para acreditar?


— Eu lhe disse que foi uma manobra insensata. O que ela disse?


— Não muito até me conduzir à porta. E então me disse: "Liga para mim."


 


Hermione deixou a agência com a promessa que se algo mais importante aparecesse alguém ligaria. Ela fez o melhor. Ou o melhor que era capaz. Pensou que quanto mais cedo terminasse as compras mais cedo iria para casa.


Pegou a sacola sem perceber que o caderno estava dentro. A maioria das mulheres usaria envelopes reci­clados para fazer a lista, mas não sua mãe. Ela sempre usava o caderno não apenas para listas de compras, mas para tudo. Ela dizia que assim liberava a memó­ria para coisas mais importantes. E também se sentia bem quando marcava alguns itens, especialmente aqueles que começavam com a palavra pagar...


Foi um hábito que passou para a filha, encorajando-a a escrever as coisas do dia-a-dia, até mes­mo seus projetos de longo prazo.


E disse também que não devia apenas escrever os grandes projetos, mas os pequenos também, pois, como os grandes levavam tempo para acontecer, era deprimente não marcar nada no caderno. E com os pequenos, do dia-a-dia, ela tinha sempre a noção de estar realizando as coisas, mesmo que fosse com­prar pão.


Pegando o caderno viu que era um dos antigos, da época que tinha 12 ou 13 anos. Lembrou-se do Natal e das prazerosas lembranças daquela época. Até então, ela tinha cadernos com gatos, hamsters ou personagens de desenhos animados, mas esse parecia mais maduro; havia uma etiqueta.


A etiqueta estava um pouco ilegível, pois anos entrando e saindo da mochila havia borrado as le­tras da capa.


Ela imaginou a garotinha que era e, então, al­guém passou por ela, irritado com pessoas que "não têm nada melhor a fazer do que bloquear o cami­nho na calçada", ela se refugiou em um pub e pediu um café que não queria só para desfrutar de um lu­gar tranqüilo, um lugar onde pudesse pensar.


O que aquela criança desejava?


Lembrou dos grandes planos, aqueles que não se alteraram. Uma vaga em uma boa universidade, o diploma com mérito, para um dia ser uma mulher de sucesso que sempre ambicionara.


Algumas coisas nunca mudaram.


Folheando as páginas enquanto tomava o café, viu que começou suas metas tirando A em matemáti­ca, entregando seus projetos no prazo e mantendo seu quarto arrumado. Mas, depois disso, vieram as metas do coração — o desejo doloroso de cortar o cabelo curtinho para deixá-lo espetado com gel, como as meninas "da moda" na escola. A lembrança do impossível e caríssimo tênis que tanto queria. E, de­pois, tinha o feriado na Disney em Paris. Ela queria realmente ir ou estava na lista por que as outras crian­ças de sua idade tinham ido? Até mesmo as crianças de pais solteiros como ela. Se ela não fosse, seria estigmatizada como uma perdedora aos olhos das ou­tras crianças.


Enfim, como muitos sonhos, alguns não se rea­lizaram.


Não havia nada que a impedisse de arrumar as malas e partir. Mas, francamente, era patético ir a Disney sem crianças para dividir a experiência.


Viu que planejara quatro filhos — um reflexo de seu desejo por irmãos e irmãs. Não especificou quem seria o pai na época.


Esse era o último item na lista. Logo depois do livro ser abandonado. Esse era o problema de se ter um plano mestre. Era um crescente contínuo. A vida por outro lado, era um jogo.


Virou a página. A lista de compras não tinha sido escrita no caderno. Mas sim num papelzinho amarelo. Certamente, o caderno era a maneira de sua mãe se lembrar que sua vida não acaba quando suas metas passam das plausíveis para as impossíveis de serem realizadas.


As vezes, temos que começar uma lista nova. Escrever uma nova meta para cinco anos. E sobre esses sonhos impossíveis...


— Um passo de cada vez, mãe — murmurou con­sigo jogando o caderno na sacola.


Não tinha nada tão especial na lista. Nada que não pudesse pegar na lojinha da esquina. Exceto o livro — que poderia facilmente esperar mais um dia. E as flores amarelas.


Em vez disso, comprou narcisos brancos em um pequeno mercado no final da Prior's Lane e então seguiu até a livraria.


Quanto mais cedo terminasse, mais cedo iria para casa.


E, então, o quê? Enterrar-se entre quatro pare­des e sentir pena de si mesma? Sua mãe já teve tanta pena dela? Por que estava sendo tão gentil? Por que ela não lhe dizia para se recompor e superar tudo aquilo?


Ela vislumbrou o caderno no fundo da sacola. Tudo bem. Sua mãe tinha razão. Ou, pelo menos, ao sugerir que era hora de escrever outra lista. O primeiro item era fácil: parar de sentir pena de si mesma.


Exceto por não ser assim que funcionava. Tinha que ser coisas mais práticas. Muito bem. Item 1: arranjar emprego.


Assim, estaria ocupada demais para sentir pena de si mesma.


Infelizmente, ninguém em sã consciência contra­taria uma gerente sênior que arruinara o dia do presi­dente cobrindo-o e a seu protegido com champanhe.


Estresse! Não era estresse. Era mais simples que isso...


Depois disso ficou meio bobo. Enquanto com­pilar mentalmente a lista de tudo que queria fazer com o lorde Markham e seu miserável afilhado ti­nha certo efeito catártico, tudo era hipoteticamente impossível de se fazer. O ponto era riscar algo para ter a sensação de ter conquistado alguma coisa.


Hermione terminou a lista, mas estava longe de sen­tir-se melhor.


Parou, olhou ao redor para checar onde estava. Prior's Lane seguia até a colina e virava no rio até a catedral. Não era apenas uma rua, mas um emaranhado de ruas e becos que uma vez fora o coração medieval da cidade, um mundo à parte da estéril área de compras no centro da cidade.


O lugar proporcionou um grande volume de com­pras com lojas e boutiques pequenas mas excitan­tes, onde o ar cheirava a café torrado. Agora o pre­domínio de lojas de caridade indicava a decadência do local.


Ela sentiu raiva por tanto desperdício de recur­sos. O que o Conselho Municipal estava pensan­do? Ela já estivera em cidades com áreas como aque­la, onde milhares de turistas impulsionavam a eco­nomia, ajudando assim a cidade a prosperar.


Não eram só más notícias. Talvez, por conta do exercício da caminhada, o cheiro de pão quentinho tenha lhe deixado com uma fome repentina, e en­tão comprou uma bisnaga recém-saída do forno. Pa­receu-lhe perfeitamente natural acrescentar uma porção de queijo e algumas azeitonas — sua mãe adorava e merecia um agrado de uma conceituada e antiga panificadora italiana.


Na parte de Londres onde vivia — até atirar sua carreira fora com sua taça de champanhe —, lojas como essa eram lotadas de fanáticos por comida que brigavam sobre as massas recém-fabricadas e azeite virgem. Aqui, não havia ninguém por perto.


Um sino soou assim que abriu a porta da livraria. Era exatamente como ela se lembrava. Sem conces­sões para o novo estilo de se vender livros, sem café, guloseimas, cadeiras, sem incentivo a demoras.


Pelo menos, achou os livros que queria — sua mãe preferia novelas policiais com mulheres fortes como heroínas. Quando não apareceu ninguém para pegar seu dinheiro ela gritou:


— Olá.


Não houve resposta, então ela deu a volta nas pra­teleiras que dividiam a frente da loja e reparou na dis­posição dos sofás e das cadeiras. O fato de as prateleiras estarem cheias de livros antigos chamou sua atenção.


Então, aproximando-se do pequeno escritório nos fundos:


— Olá? Sra. Crawford? Tem alguém aí?


Foi quando viu Maggie Crawford estirada no chão. Uma cadeira virada próxima a ela revelava a história.


Estava tão pálida que por um terrível instante Hermione pensou que ela estivesse morta, e sua primei­ra reação foi de medo.


Pânico. O impulso vergonhoso de sair e deixar que outra pessoa a encontrasse passou por sua cabeça.


— Não posso. Por que eu? — Hermione pensou. Então, jogando tudo no chão, correu para ajudar.


— Sra. Crawford? Pode me ouvir?


Ela abriu os olhos, vagamente surpresa, e disse:


— Olá querida. É você, Hermione? Sua mãe disse que viria.


Sua voz estava fraca, mas pelo menos estava lú­cida. Então disse:


— O que estou fazendo aqui embaixo?


— Não! — Hermione pôs sua mão nos ombros da mu­lher enquanto ela se sentava.


— Fique onde está. Você sofreu uma queda. — Hermione pegou seu telefone no bolso e ligou para a emergência. Em seguida, tirou o casaco e desocu­pou as mãos para aquecer a senhora. E explicou o que havia acontecido.


— É a sra. Crawford. Sra. Margaret Crawford. Li­vraria, Prior's Lane...


— Oh, Deus, que incômodo estou causando.


— Deixa disso, Maggie — Hermione retrucou enquan­to sentava ao seu lado e segurava as mãos dela fir­memente.


— Agüenta firme, a ajuda já está a caminho. Há quanto tempo você está deitada aí?


— Não sei. Só queria conserta a janela. Lembro-me de ter começado e então me senti tonta e...


— Shh.


— Você não entende. Não posso deixar isso as­sim...


Ela estava começando a ficar irritada e Hermione, olhando para cima, viu que uma das vidraças esta­va quebrada. Tinha as marcas de uma tentativa de arrombamento.


Parecia ter sido apenas uma tentativa.


Ela viu um pequeno aquecedor elétrico e o ligou para combater o frio que entrava pela janela. Então, numa tentativa de confortá-la e mantê-la quie­ta, disse:


— Não se preocupe. Vou dar um jeito de consertá-la...


Ela ouviu a porta da loja se abrindo.


— Olá! Alguém chamou socorro?


— Aqui.


Foi com alívio que ela entregou a paciente para os paramédicos. Primeiros socorros nunca foram o seu forte.


A janela, por outro lado, era algo que ela pode­ria consertar. Ou pelo menos poderia achar alguém que consertasse. Havia uma loja de serviços gerais do outro lado da rua. O aviso do lado de fora dizia que se tratava de uma loja à moda antiga com servi­ços antigos e, na verdade, parecia mais com um museu do qualquer outra coisa. Pareceu um bom motivo para testar esse serviço à moda antiga.


Vai demorar alguns minutos até vocês a leva­rem não é? — ela perguntou aos paramédicos. — Vou chamar alguém para consertar a janela.


— Seria melhor se esperasse até que nós saísse­mos senhorita, precisamos de algumas respostas se não se importa.


— Mas... — Não. Obviamente, alguém tinha que ficar até que a janela fosse consertada, e não havia mais ninguém.


— Claro. — Ela deu a eles seu nome, respondeu às perguntas que pôde, enquanto um deles ajeitava Maggie.


O sino da porta soou novamente. Quando ela não podia se mover, o que fazia as perguntas sorriu e disse:


— Muito bem, acho que é tudo que precisamos da senhorita. Pode atender o freguês se desejar.


Hermione quase disse Não... eu sou a freguesa, mas deixou passar.


Alguém tinha de avisar às pessoas que a loja estava fechada.


— Desculpe — ela disse assim que se aproximou da mulher próxima à caixa registradora.


— Creio que não há ninguém para atendê-la no momento.


— Não preciso de ninguém. Só vim pegar um li­vro que encomendei. Já está pago. Maggie deixa as encomendas atrás da mesa.


— É mesmo? Tudo bem. É esse? — Ela pegou um livro de bolso grosso, um romance épico. Havia vá­rias outras cópias. — Deve ser um livro muito popu­lar.


— É a indicação do grupo de leitura desse mês. Maggie sempre os compra para nós.


— Ah, sim.


Ela colocou o livro em uma sacola e entregou à moça, fazendo uma nota do que havia feito.


— Há algo errado? — perguntou a mulher sem nenhuma pretensão de sair.


— É Maggie.


Não tendo como negar a ambulância parada na porta da loja, disse:


— Ela sofreu uma queda.


— Que terrível. — Balançou a cabeça. — Ela não é mais jovem, e uma coisa assim mexe com você. Você perde a confiança. Se ela quebrou alguma coi­sa, imagino que será o fim de outra loja nessa área.


— Acha mesmo?


— Quem vai tomar conta da loja? Essas pequenas lojas não têm como competir, não é mesmo? E mais barato comprar no supermercado, lá os best sellers são mais em conta. — Ela tocou na bolsa com os li­vros de bolso. — Não se encontra algo assim nas pra­teleiras das lojas pequenas, três pelo preço de dois.


— Acho que não.


— Muito bem, sra. Granger, estamos levando-a. Se ligar para o hospital daqui a algumas horas, teremos notícias para a senhora.


— Oh, mas... — Ela deixou passar. Suas preocu­pações não eram tão importantes. — Maggie tem al­guém que você quer que eu avise?


— Você vai consertar a janela? Eles vão continuar a quebrá-las...


Era claro o esforço que fazia para falar, e Hermione não a pressionou. Não seria problema algum conseguir alguém para consertar a janela.


— Vou cuidar disso, e então fecho a loja e vou vê-la no hospital.


— Pobrezinha.


— Só tem seu filho, mas trabalha em algum lugar no Oriente Médio. — Que ótimo! E depois de lançar essa bomba, disse: — Bem preciso ir logo. Boa sorte.


— Mas...


Ocorreu a ela que dissera mas mais vezes nessa última meia hora do que nos últimos sete anos. Sua resposta de praxe frente a um problema era Sem problema.


Brava consigo por ter sido tão patética, virou o aviso para Fechado e saiu.


Não havia problema algum. Tudo que precisava era achar uma vidraçaria, alguém para tomar conta da loja e então ir ao hospital assegurar a Maggie que tudo estava bem.


Isso era tudo. Moleza para alguém com sua ex­periência e habilidade. Ela se sentou atrás do bal­cão. Janela... Vidraceiro...


Ela se recompôs. A loja de materiais de construção.


Mas ela não podia sair e deixar a loja destranca­da, e se trancasse, o vidraceiro não poderia entrar.


Finalmente achou as chaves da loja, mas, a meio caminho da porta, mudou de idéia e decidiu telefonar.


Pegando o telefone, percebeu que precisava fa­zer algo a respeito da gaveta. Guardar o dinheiro. Com certo tom de ironia, pegou seu caderno e co­meçou a fazer uma lista.


 


— Então, o que vai fazer com o armazém?


Harry olhou para as janelas imundas do escritó­rio até o pátio deserto, imaginando o que acontece­ra com os homens que trabalhavam lá.


— Não é só este lugar. O acordo inclui uma pro­priedade na parte antiga da cidade.


— Ótimo. Aluguel barato, manutenção cara. O telefone começou a tocar e Neil disse:


— Pode deixar, a Duke's Yard não funciona mais.


— Duke's Yard —Harry respondeu.


— E, além disso — Neil continuou, sabendo que estava falando sozinho —, é hora do almoço.


— Graças a Deus. Consegui seu número na loja de materiais de construção na Prior's Lane, mas não sabia se vocês estavam...


Harry, atento à voz em seu ouvido, ignorava Neil.


— Estavam o quê?


— Funcionando.


Quando ele não confirmou nem negou, ela disse:


— Obviamente, eles estavam enganados. Olha, isso é uma emergência, pode me ajudar?


— Diga lá.


— Certo. Tenho uma pequena vidraça que preci­so repor com urgência. Tem como mandar alguém aqui para consertar?


— A que horas?


— O mais cedo possível. É em Prior's Lane, na livraria.


— Sei onde é. E seu nome é?


—Granger.


— Sério? Você não soa como Granger. Parece mais com Emma ou Sophie ou...


— Hermione Granger.


— Ou como Hermione.


— Desculpe, você disse algo? Não, olha, você pode fazer, porque, se não pu­der...


— Qual o seu telefone, Hermione?


— Por que precisa do meu telefone?


— Porque às vezes nos passam trotes.


Ela viu que não tinha escapatória, e depois de uma breve hesitação deu a ele o telefone.


— Estarei aí em dez minutos.


— Sério?


Neil balançou a cabeça, apontando para seu re­lógio, dizendo:


— Almoço.


Harry retrucou:


— Chocolate suíço.


— Tem algum problema? — perguntou.


— Não, estarei aqui — ela disse.


— Então, ela tem a voz de um chocolate caro.


— Se você estiver certo, terei feito minha boa ação do dia, se estiver errado...


— Se eu estiver errado?


A voz aveludada lembrava o mais fino chocolate.


— Você me conhece, Neil. Acredito na minha sorte.


— Sorte! Primeiro você nos leva a um desperdí­cio de espaço e então decide abandonar o almoço para ver quem é a dona dessa voz.


— Seu molengão — retrucou. — E é o meu desper­dício de espaço, não o seu.


Neil fez um gesto curto e obsceno.


— Tudo bem, meu caro desperdício de espaço vai fazer parte da nova área de construção.


— Você... — Então: — Duke não sabia disso, sabia?


— Certamente, não disse a ele. E como não vai demorar no almoço às minhas custas, pode ver se descobre o que aconteceu com sua força de traba­lho. Se estão desempregados, vamos ver o que po­demos fazer por eles.


 


— Pelo amor de Deus! — Hermione desligou seu ce­lular e o atirou em cima da mesa. A última coisa que ela precisava era de um biscateiro se achando um presente de Deus para as mulheres.


A Duke's Yard era o último número em sua lista e o biscateiro era o único que poderia fazer o servi­ço a tempo. A despeito de sua promessa, ele não ligou de novo.


E torcendo para que ele tivesse uma brecha na programação e pudesse resolver o problema para ela, cruzou os dedos esperançosa. Quão difícil se­ria trocar uma vidraça?


Ela poderia fazer provavelmente sozinha, se sou­besse onde comprar o vidro e se tivesse as ferra­mentas certas.


Percebeu que as mãos estavam trêmulas. Havia uma pequena cozinha ao lado do escritório e ela achou uma chaleira; encheu-a e a colocou sobre o fogo, enquanto procurava uma garrafa de café. Ela ouviu alguém bater na porta, mais uma vez. Igno­rando a placa de Fechado algumas pessoas do lado de fora ainda tentavam entrar na loja.


Se estavam desesperadas para comprar algum li­vro ou se era apenas curiosidade pelo fato de a am­bulância ter estado lá, ela não estava interessada em descobrir.


Então, assim que derramou a água fervendo so­bre o café, ocorreu-lhe que poderia ser o caipira para consertar a janela.


Ela foi checar a porta.


Quando chegou para abrir, quem quer que fosse, já não estava mais lá. Antes de destrancar a porta para ver se havia alguém do lado de fora, ouviu outra batida. Dessa vez, na porta de trás. Ao contrá­rio da porta da frente, essa porta era de madeira sólida. Antes de abrir, ela gritou:


— Quem está aí?


— Cavaleiro Errante Associados. Donzela em perigo é nossa especialidade


— Oh, que maravilha. — Não apenas um biscatei­ro que se achava irresistível, mas que também se achava engraçado. Quando abriu a porta, deparou com um sujeito trajando jeans, uma jaqueta de couro e uma camisa bem colada ao corpo, que parecia ter sido feita sob medida.


Seus cabelos estavam mais compridos e espetados do que ela se lembrava e seus olhos tinham um tom  de verde profundo. O efeito era agressivo e masculino. Convencido. Arrogante. E atrás dele, uma motocicleta para completar.


Harry Potter, ela percebeu, não mudara nada.

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