Coelho Branco
Estava demorando demais. Mais do que ela sequer conseguia imaginar que poderia demorar. Fazia poucos dias que ela havia tido a mesma experiência, mas as emoções da queda de um primeiro momento poderiam distorcer as coisas. Dessa vez, Hermione estava preparada. Sabia que a qualquer segundo, seus pés tocariam o chão com uma força descomunal e que ela cairia ao chão, correndo o risco de chocar-se com alguma coisa. As mãos continuavam protegendo o tronco e os olhos estavam fechados, visto que não havia nada para ver naquele breu total.
Ela estava voltando ao ponto zero. Fora naquele buraco que tudo começou. Porém, este ponto zero era um ponto zero diferente do que o anterior, isso se fosse possível existirem dois pontos zeros. Ela riu por dentro, soltando um sorrisinho dificultoso por conta do vento que levava seus cabelos. Era quase uma zona neutra. Uma zona neutra nas quais os problemas não existiam. Isso poderia ser um reflexo de suas decisões, das atuais e muito frescas decisões. Era quase impossível, para ela, não sentir-se aliviada. Mesmo deixando uma vida para trás, ela estava voltando ao seu lugar. Estava voltando para os seus.
Ela tentava não recriminar a si mesma, pensando que nunca deveria ter sido tão curiosa a ponto de cair em um buraco e ter a certeza de que nunca deveria ter saído de Hogwarts. Ela fazia exatamente o contrário, agora, enquanto sentia o vento dificultar sua respiração. Se não tivesse vivido o que vivera no País das Maravilhas, como ela saberia qual era o seu lugar e quem, realmente, precisava dela? Era inútil tentar se recriminar. É inútil tentar pensar alguma coisa, ela refletiu, esvaziando sua mente aos poucos, enquanto abria os olhos para encarar o preto fosco ao seu redor. Nenhum ponto de luz, nenhum brilho ou presença de vida. Aquele era o “entre”. Um limbo.
Sem ser avisada pelo nada em que se encontrava, seus pés tocaram o chão com uma violência absurda. Seu corpo caiu para trás, sendo amparado por uma montanha de neve quase derretida, que forrava um chão irregular de terra molhada. Suas costas bateram na neve, enquanto o alto da cabeça foi de encontro à parede do túnel escuro. Algo quente escorreu dela, encontrando a pele nua de seu pescoço. Sangue, ela pensou consigo mesma, jogando o corpo para frente e juntando as pernas ao corpo, colocando-se sentada com pernas de índio, como uma de suas professoras trouxas costumava chamar.
Levou a mão desajeitada e um tanto trêmula até os cabelos, sentindo que havia um corte em sua cabeça. Não era profundo e não parecia perigoso, mas continuar sentada na neve gelada não parecia uma boa ideia. Ela ergueu-se nos pés e gemeu. Não conseguia se firmar totalmente no chão, sentia uma pontada irregular no pé direito. Impossível, reclamou para si mesma. Seu tornozelo parecia torcido, começando a inchar dentro dos tênis escuros. Ela abaixou-se e retirou o tênis do pé direito, curvando-se o pouco que conseguia para tentar apalpar o tornozelo. Estava inchado e começando a latejar.
- Merlin! – ela reclamou alto, mancando até um buraco irregular acima de si, de onde vinha uma luz prateada convidativa. Era, sem dúvida, o túnel do Salgueiro Lutador, com suas passagens tortuosas e com a neve derretendo e poças d’água mais ao fundo. Ao pensar novamente na neve que cobria o túnel, Hermione gemeu, lembrando-se que não havia trazido seus casacos e que estava vestindo uma camiseta fina, apesar de possuir mangas longas. Definitivamente, o calor agradável do País das Maravilhas havia se esvaído e agora lhe restava tentar correr mancando até o castelo.
Parou quando chegou à saída do túnel. Sua saída pelo túnel era o que mais lhe preocupava, já que tinha costelas fraturadas e um pé torcido. É muita sorte, ela ironizou, esforçando-se para erguer os braços sem lhe custar as costelas. Lutou, também, para empurrar o corpo para cima sem ter maiores problemas com o pé direito. Mantendo-se firmemente apoiada no pé esquerdo e tendo as mãos muito bem colocadas ao redor do buraco, ela empurrou o corpo com o pé e puxou a si mesma com as mãos. Fora um exercício e tanto, mas depois de alguns segundos, ela pode ver o pátio de Hogwarts novamente, sentada na beirada do buraco do túnel.
A luz prateada que iluminava o buraco na árvore vinha de uma enorme lua cheia que brilhava intensamente no céu. Por suas contas, devido aos dias que passara no País das Maravilhas, a luz já devia ter mudado de fase. O tênis já não cabia em seu pé, devido ao inchaço. Mas as costelas não eram um problema tão grande, além da respiração curta, com a qual Hermione já estava acostumada, e o latejar breve constante. Olhou ao redor, rapidamente, enquanto forçava-se a levantar.
A neve cobria todo o gramado e boa parte do castelo. O telhado estava coberto pelo branco leitoso e os corredores a céu aberto haviam sido recentemente privados do gelo, provavelmente por Hagrid e seu habilidoso limpa neve. Ao redor do buraco não havia neve, o que ela achou estranho, já que há quase uma semana, ela mesma havia retirado a neve ao buscar pela coisa branca. Rabbit, ela pensou com ternura, lembrando a imagem transfigurada dele ao se levantar e mancar descontroladamente até atingir uma das marquises.
Tudo estava silencioso. Ela não conseguiria saber que horas eram, já que seu relógio estava ajustado pelo horário do País das Maravilhas. Mesmo assim, baixou os olhos para o mesmo, erguendo o pulso ao estagnar o passo e apoiar o corpo nas sustentações de uma marquise. Estava escuro ali, ela não conseguia enxergar o relógio.
- Eu só preciso da ala hospitalar – ela disse a si mesma, com a voz baixa, e virou-se, colocando-se a caminhar por um dos corredores abertos. Porém, um gemido estranho a fez parar de andar. Suas sobrancelhas se juntaram e ela voltou dois passos para trás, a fim de procurar a origem do gemido.
Seus olhos encontraram tal origem em um amontoado de tecido preto que se espremia contra si próprio, segurando muito apertado nas mãos um cachecol de lã colorido. O mais estranho de tudo era que a criatura estava sentada debaixo da marquise, onde Hermione parara, há segundos. O amontoado visivelmente usava uma capa de inverno de Hogwarts por sobre suas roupas. O cachecol que segurava estava envolvido por entre seus dedos e ele mexia-se devagar. Apenas mexia-se por conta do tremular assustador de seu corpo. Aquele aluno podia estar com hipotermia.
- hey – ela chamou, abaixando-se com dificuldade. Seu corpo também tremia por conta do frio, mas ela estava em melhor situação do que aquele aluno. Ela não pode ver o símbolo em sua capa, mas sabia, talvez pelos sapatos formais demais para as férias ou pela postura rija demais, mesmo para quem estava sofrendo com o frio, que ele só podia ser um aluno da Sonserina. A criatura ergueu a cabeça de repente e mesmo coberta pelo capuz grosso, que deixava apenas parte de seu cabelo extremamente louro aparecer, Hermione sabia quem era. – Merlin! – ela sussurrou, levando as mãos até o corpo trêmulo de Draco, lhe sacudindo devagar. – Draco?
Ela chamou sem ter uma resposta. Ele tinha os olhos fechados e olheiras imensas debaixo dos olhos. Seu corpo era rígido e os lábios assumiram um tom azulado. Hermione nunca pensou vê-lo daquela maneira. Parecia tão frágil, tão carente. Não conseguiu não abraçá-lo e sussurrar a primeira coisa que veio em sua cabeça, tendo os lábios colados ao rosto dele. A voz que saiu de sua boca não parecia sua.
- Eu amo você – as palavras não pareciam suas, mas refletiam perfeitamente o que ela pensava e o que ela queria expressar naquele momento. Ele precisava dela. E ela havia percebido, com maior veemência, que ela precisava dele. Não podia deixá-lo ali. Sacou a varinha e pronunciou o primeiro feitiço que conseguiu lembrar para fazê-lo flutuar como uma pluma. – levicorpus!
O corpo de Draco flutuava em frente ao seu, ainda amontoado contra si mesmo e agarrando o cachecol quando ela chegou à enfermaria. Madame Pomfrey ainda estava acordada, revisando alguns remédios nos fundos da enfermaria, mas usava vestes de dormir. Hermione fazia pouco barulho ao andar, principalmente por estar mancando, mas os poucos ruídos que seu tênis com solado de borracha molhado pela neve fazia no chão de pedra, fora suficiente para que a mulher os visse.
- Oh Merlin – ela disse aturdida, deixando cair um frasquinho de remédio no chão, que quebrou-se num estalo frouxo. Ela correu até eles, auxiliando o corpo de Draco a encontrar uma das camas ao fundo, enquanto Hermione acabava com o efeito do levicorpus. A garota só conseguiu notar exatamente o cachecol quando a Madame o retirou das mãos duras de Draco. Era o seu cachecol. O cachecol em que enrolara Bichento pela manhã. O cachecol que esquecera debaixo da Marquise, juntamente com seu livro, enquanto corria atrás do animal.
A enfermeira afastou a capa de inverno, retirando dois blusões suados do garoto até que ele ficasse apenas usando a camiseta escura que usava mais cedo. A Madame ergueu os olhos para Hermione, que estava estagnada aos pés da cama dele, segurando o cachecol que a enfermeira havia lhe passado. Ela tinha as mãos nos botões das calças de Draco e parecia pedir com os olhos que Hermione se virasse. Era loucura, mas, dando de ombros, a menina virou-se, ficando de costas para os cuidados da Madame, encarando sem ver a janela em frente. Não havia passado mais do que algumas horas no mundo humano.
- O que aconteceu com vocês dois, minha criança? – Madame Pomfrey perguntou, cobrindo Draco com um cobertor grosso. Ela conjurou um dos frascos que arrumava, enquanto esperava que Hermione respondesse. Hermione virou-se, mas a expressão de seu rosto dizia claramente que ela não falaria muita coisa naquela noite.
- Madame, hoje é o primeiro dia das férias? – ela perguntou, de repente, largando-se em uma das camas paralelas a de Draco, sentindo o travesseiro atritar grosseiramente com o corte raso em sua cabeça. Ela ergueu o pé direito, enrolando o cachecol colorido nas mãos.
- É o último dia de aulas, Srta. Granger. Hoje mesmo os alunos deixaram a escola. – Madame respondeu, fazendo um Draco desmaiado engolir uma porção abundante de um remédio que deveria estabilizar sua temperatura. – Onde vocês dois estavam? Porque o Sr. Malfoy está nesse ponto de hipotermia e a Srta. está tão machucada?
Hermione cerrou os olhos, deixando sua mente viajar a mil. Como explicaria o que havia acontecido? Não poderia simplesmente erguer-se nos quadris e começar a contar suas aventuras em mundo que apenas deveria existir na literatura. Seria tachada como louca! Ela sorriu com o canto dos lábios, sentindo o leve toque de Madame Pomfrey em seu braço.
Eu posso inventar alguma coisa, ela pensou demoradamente, sentindo os pensamentos andarem em ritmo lento. A voz de sua consciência se tornava mais grave a cada palavra pensada. Eu poderia criar uma mentira inocente, uma mentirinha sobre isso e... Tal pensamento não fazia sentido e ela não conseguiu terminá-lo, porque caiu em uma inconsciência provocada. Madame Pomfrey já estava cuidando dela.
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A luz era fraca na sala e a inconsciência havia sido merecida. Seu corpo ainda ardia, mas não como na última vez em que estivera acordada. Hermione decidiu não se referir mais a sua última vez acordada como a noite anterior, pois depois de ter dormido três dias na cama de Rabbit, já não tinha certeza do tempo que passara. Ela abriu os olhos devagar, percebendo, primeiramente, que as cortinas da enfermaria estavam todas fechadas. Era estranho, mas os pedaços de pano cinzento cobriam todas as janelas, deixando que a luz amarela do sol humano transformasse aquela luz em algo leitoso.
Aparentemente estava sozinha. Estava muito quieto no lugar além de escuro. Hermione podia ouvir sua respiração, se deixasse sua atenção se virar para a respiração. Ela estava mais preocupada em terminar de abrir os olhos e erguer-se nos quadris. O cobertor rolou até sua cintura, enquanto ela afastava os cabelos do rosto e esfregava os olhos. O ato de colocar-se sentada na cama não fez seu tronco reclamar e ela acionou os dedos ligeiramente a erguer a camiseta larga de mangas longas que usava por sobre uma blusa de alças muito apertada, que deixava seus seios saltando para fora. Não parecia sua.
Não havia mais uma faixa envolvendo seu tórax, a única coisa que havia em sua barriga era um único hematoma grande que cobria uma boa parte na lateral direita de seu corpo, provavelmente onde a vermelha a atingira. Seus dedos deslizaram o tronco, tocando de leve a barriga e logo em seguida circulando cada uma das costelas que ela conseguiu localizar. Estavam inteiras. Madame Pomfrey havia feito um ótimo trabalho.
- Por sorte fomos nós que entramos – ela ouviu a voz ganhar a enfermaria ao mesmo tempo em que a porta escancarou-se, trazendo dois rostos mais do que conhecidos. Agora, aqueles rostos estavam em seus lugares certos. – Se fosse um dos meninos a ver você com a blusa para cima, mostrando seus peitos... – Era Gina, com seu cabelo muito vermelho rolando por suas costas, que soltava tal brincadeira. Lilá vinha ao seu lado, em todo o seu caminhar lento e silencioso. – Se fosse Draco, nem respeitaria a sua convalescença e pularia nessa cama para agarrar você.
- Gina – Lilá ralhou, sentando-se aos pés da cama de Hermione.
- Draco – Hermione repetiu, de repente, baixando as duas blusas e ajeitando os cabelos no habitual coque alto. A franja estava presa para trás, deixando seu rosto marcado a mostra. As marcas e cicatrizes do rosto chamavam a atenção das duas meninas, mas nenhuma deles começou o assunto. – Como ele está?
- Ele está bem – Lilá informou, desviando os olhos rapidamente das marcas. – Ele voltou ao dormitório na noite passada mesmo. – ela deu um tapinha no ar, mas no segundo seguinte, os dedos correram de encontro aos dentes, como sempre ela fazia quando se preocupava profundamente com alguma coisa. - Você é que está aqui há dois dias dormindo.
- Por total teimosia da Madame Pomfrey – Gina sentou-se ao lado de Lilá, também desviando os olhos das marcas na amiga. – Acredita que inclusive Dumbledore veio ver você? – Hermione abriu a boca em descrença. Tanto pela presença de Dumbledore quanto pelos dois dias de sono em que esteve se recuperando. Ela tinha total certeza de que só dormira durante aquele período porque a Madame a manteve sedada. – Todos querem saber o que aconteceu com vocês. Draco teve um início de hipotermia por ter ficado tanto tempo na neve usando roupas de menos, mas você continua sendo um mistério. – Gina hesitou, mas soltou a pergunta. Hermione sabia o que viria. Conseguiria ela, mentir? – O que aconteceu com você?
Hermione encostou as costas na cabeceira da cama, aliviada por poder fazer aquilo sem sentir as costelas arderem como em chamas. As duas garotas esperavam, deixando transbordar a curiosidade mesmo que seus rostos apenas se mantivessem indiferentes. Elas estavam preocupas e aquele sentimento podia ser facilmente entendido. Quem não se preocuparia? A garota respirou fundo e fez apenas uma pergunta:
- Vocês acreditariam se eu dissesse que estava no País das Maravilhas?
Lilá mordeu o lábio inferior, enquanto Gina torceu as sobrancelhas, abrindo um sorrisinho de canto nos lábios crispados. Ela parecia prestes a soltar uma gargalhada, apenas não o fez porque a mão de Lilá correu até seu braço e segurou forte um de seus dedos, alertando-a. Hermione rolou os olhos.
- Você guardou mais dessa droga que usou? – Gina brincou, mantendo a mesma expressão de descrença misturada com uma profunda preocupação.
- Gina! – Lilá ralhou e virou-se para Hermione, ainda apertando o dedo da ruiva. – Porque você diz isso?
- Porque é onde eu estive. – Hermione foi sucinta.
- No País das Maravilhas? – Gina estava incrédula agora.
- Exatamente – Hermione concordou, usando as mãos para explicar o inexplicável. – Mas não era o País das maravilhas como o de Alice. Era algo mais bizarro e diferente ao máximo. Ah, sim, vocês duas estavam lá, mas não eram mais vocês duas, eram duas rainhas inimigas. Elas tinham os rostos de vocês e...
Um ranger na porta a fez parar de falar e erguer a cabeça. Harry e Rony entraram preocupados, conversando entre si mesmos, em voz baixa. Atrás deles se projetava a imagem que ela havia sonhado em rever. Draco se movia delicadamente, quase sem fazer barulho, deixando-se totalmente alheio à conversa dos dois garotos a sua frente. Por questão de respeito e talvez até por medo, já que se encontrava em ‘terras inimigas’.
- Lembre-se – dizia Rony em voz muito baixa, mas sem se dar conta de que suas palavras ecoavam pela ala hospitalar, agora em silêncio total por parte dos outros. – ela bateu a cabeça quando caiu naquele buraco.
- E o que explicaria as fraturas nas costelas e todos aqueles hematomas? – Harry rebatia, mexendo as mãos discretamente. – aquilo não é fruto de uma queda no túnel do Salgueiro Lutador, Rony. E ela, muito menos, faria aquilo a si mesma.
Harry tinha a voz rápida e baixa, quase num sussurro, porém as palavras eram distinguíveis no silêncio monasterial da ala hospitalar como um ruído baixo. Hermione tinha as sobrancelhas muito juntas quando eles pararam de falar e viraram-se para a cama da amiga. Draco tinha os lábios pressionados um contra o outro e os olhos fixos na garota ainda marcada pelos hematomas.
- Você está bem? – Rony perguntou, depois de alguns segundos constrangedores de silêncio. Seria uma cena cômica se não fosse tensa, pois ele tinha um sorriso amarelo no rosto e não olhava diretamente para a amiga.
- Eu não bati a cabeça com muita força, Ronald. – O tom mandão fez com que Harry afogasse uma risadinha em sua garganta, fazendo com que ele se engasgasse.
Gina pulou da cama enquanto outra pessoa dava leves tapas nas costas de Harry, fazendo-o desengasgar. As mãos duras de Draco deram três tapinhas rápidos antes que ele mesmo percebesse o que estava fazendo. Aquilo poderia soar como uma ofensa. Ele recolheu a mão quando percebeu que Gina estava mais perto.
- Desculpe – ele sussurrou, afastando dos dois.
- Tudo bem – Harry foi rápido em sua resposta, virando-se para Hermione, ainda sorrindo. – Eu disse que você não estava louca.
- Ela poderia muito bem estar – Gina debateu
- O que a faz pensar que ela está louca? – Harry voltou-se para a ruiva, mantendo as sobrancelhas muito unidas. – Ela caiu e se machucou.
- É, mas ela caiu em um mundo imaginário e conheceu pessoas com os nossos rostos e etecéra... – Gina não percebeu que estava usando um tom de desdém que muita usava quando Draco ou alguma garota da Sonserina estava por perto. Ela engoliu em seco e desviou o olhar dos olhos castanhos de Hermione fixos nela.
- Eu não estou inventando, Gina. – O tom de voz mandão estava de volta presente na voz de Hermione, provocando outro acesso de risadinhas em Harry, mas dessa vez ele não se engasgou. Apenas provocou uma irritação por parte da amiga enferma. – Harry, quer parar com as risadinhas? Você está parecendo a Lilá!
Risadas romperam o silêncio da ala hospitalar. Era claro que Hermione estava brincando ao citar Lilá e seu terrível vício de dar risadinhas a todo instante. A loira riu, tocando de leve o tornozelo bom de Hermione quando as risadas cessaram. Ela tinha um tom preocupado no rosto.
- Quando você estiver pronta, você nos conta exatamente o que aconteceu – ela esclareceu. – Não se preocupe, porque ninguém vai julgá-la durante esse período. Você quer descansar?
- Não – Hermione respondeu rápida. Já havia descansado o bastante e, além disso, ela não queria ficar sozinha.
Lilá sorriu, amigável, parecendo entender exatamente o que a outra havia pensado. Lilá era muito sensível aos sentimentos dos outros. Isso quando queria ser amável. Gina, do outro lado da cama, ainda exibia a expressão preocupada, mas não havia desconfiança além daquela necessária. Os olhos de Hermione pararam em Draco, que estava dando um passinho confiante a frente, cruzando os braços em frente ao peito.
- Eu vi o que aconteceu – ele disse depois de um pigarro que limparia sua garganta.
- Viu? – todos responderam com a pergunta, em coro. As vozes eram altas e algumas desconfiadas. Os olhos eram mantidos firmes no sonserino, que mantinha os seus intactos em algo muito interessante no piso de pedra.
- Ela não está mentindo – ele confirmou. – e nem ficando louca. Eu vi quando ela caiu no buraco e corri para ajudá-la, mas ela não estava mais lá. Eu fui até o final daquele túnel, chegando à Casa dos Gritos contra a vontade, mas Hermione também não estava lá. Eu a procurei por toda a Hogwarts e não encontrei nada. – ele sacudiu a cabeça, como que se culpando por algo. – Então, decidi voltar para aquela marquise e esperar que ela voltasse.
- Isso é loucura! – Rony sussurrou, com uma sobrancelha erguida.
- Não. – Draco corrigiu, sorrindo de canto. – Loucura foi esperar o dia todo que ela voltasse e ver que ela havia me trazido para cá. Loucura foi ver que ela desapareceu o dia inteiro e que voltou cheia de hematomas e cortes, cicatrizes espalhadas pelo corpo além das costelas quebradas e do tornozelo torcido. – ele enumerou, sacolejando a cabeça em desordem. – Parece que você esteve em uma guerra!
Hermione não pode deixar de sorrir ao ouvir a observação do loiro. Ela queria dizer que realmente estivera em uma e que aquilo tudo não era loucura, havia sido realidade. Ela queria poder contar tudo o que acontecera, mas precisaria confiar que nenhum deles sairia correndo buscar Madame Pomfrey e uma camisa de força. Ela pigarreou.
- Vocês acreditariam se eu dissesse que estive no País das Maravilhas?
Aquela pergunta reverberou pela sala novamente, atraindo mais do que a atenção de seus ouvintes, mas mexendo com suas imaginações e crenças. Todos sacudiram a cabeça em confirmação, e ver seus olhos brilhando ou vendo suas bocas soltarem gritinhos e exclamações enquanto a história era contada, não tinha preço. Hermione fora paciente em sua narrativa, fiel a todos os fatos, sem deter sua atenção aos rostos dos outros ou no que eles poderiam pensar. Ela apenas conseguia falar e desabafar. Inclusive, soltar duas lágrimas fujonas quando mencionou que escolhera por seu mundo. Por seus amigos. Por Draco.
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A primavera já animava Hogwarts. As folhas ainda não estava totalmente descobertas pela neve e as roupas pesadas ainda eram necessárias, mas tudo ganhava uma cor extrema e um ar mais leve. Hermione já estava totalmente recuperada de seus ferimentos. As costelas não doíam, o tornozelo funcionava normalmente, os hematomas estavam curados e apenas as cicatrizes restavam para lembrá-la de que sua curta estada em um lugar encantado não fora um sonho. A cada dia mais que passava, ficava mais difícil lembrar-se de que fora real.
- Você já leu essa página duas vezes – a voz de Draco a alertou. Ela pareceu voltar à realidade, virando a página de seu livro ganhado no natal anterior. Ela finalmente conseguira achar a concentração necessária para começar a lê-lo.
A primavera trouxera de volta a grama verde em que a garota gostava de sentar-se para ler. Draco a acompanhava, tendo seu braço ao redor do corpo da menina, enquanto tentava absorver o sol por suas roupas escuras, usando óculos escuros e tendo fones nos ouvidos. Hermione estava escorada em seu corpo, tendo o livro em seu colo, enquanto o, agora, namorado tinha suas costas na parede que segurava uma marquise.
- Você percebeu que marquise é essa? – ela perguntou de repente, erguendo do corpo e fechando o livro no colo. Seu olhar correu para frente, buscando uma árvore imensa. Draco retirou os óculos, encontrando o Salgueiro Lutador segundos depois.
- Você está bem? – ele perguntou, sentindo que todas as lembranças deixariam a garota acordada durante aquela noite. Ele segurou firme a mão dela.
- Estou – ela foi sincera, sentindo que pensar no País das Maravilhas e em seus habitantes não era mais doloroso. Aquilo era até necessário, era como uma terapia. – Quanto tempo será que já se passou lá?
- Chutando? – Draco pensou, levando a mão ao queixo.
- Uns bons anos – ela disse primeiro, enquanto ele ainda tentava fazer a conta exata.
- Eles não esqueceram você – Draco assegurou.
- É exatamente isso que me perturba.
- Por quê? – O sonserino perguntou, agarrando ainda mais forte a mão dela, sem esperar resposta para sua pergunta. – Pense no agora. Pense que você os ajudou e apesar de ser doloroso, eles vão superar. Eles podem até lembrar de você mais do que deviam, mas a vida tem que seguir em frente, assim como a sua seguiu, Hermione. Pense naquilo que você sacrificou para poder voltar e veja se não vale a pena.
- Vale a pena – ela respondeu rápido, sem dar tempo de ele ter alguma dúvida quanto à escolha dela. O sol batia forte nos galhos do Salgueiro Lutador, projetando uma grande sombra das coisas que estavam perto dela. Hermione soltou um gritinho, erguendo-se nos joelhos, em um pulo. – Você viu aquilo? – ela perguntou, pasma.
- O que? – Draco também ergueu-se nos joelhos, buscando o que ela vira. – Aquele coelho na entrada do túnel da Casa dos Gritos, que, pelo seu entusiasmo, é seu amigo que parece comigo, Rabbit? – ele sorriu frouxo.
Ela confirmou com a cabeça, erguendo a mão de leve para abanar ao coelho branco. Coelho Branco. Aquele que ela sabia que não a esqueceria nunca. Daquele que ela nunca esqueceria. Aquele que estava tomando conta dela, mesmo que a distância. Ela sorriu quando o animal se ergueu nas patas traseiras e mexeu uma das patas dianteiras. Hermione virou-se para Draco, que olhava boquiaberto para a situação.
- E se eu dissesse que estive no País das Maravilhas? – ela brincou, abaixando nos quadris quando o coelho voltou-se para o buraco, deixando que ela aproveitasse o sorriso e o carinho que recebia de seu Draco. Entre dragões e coelhos, ela preferiu cicatrizes e batalhas na busca por sua felicidade.
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