Me siga até embaixo



Um ruído metálico se propagava pelo castelo, se tornando cada vez mais alto a cada passo silencioso que Hermione, puxando Rabbit pelo braço longo, dava em direção as partes não exploradas do castelo. Ela podia não saber exatamente onde ficavam os aposentos da Rainha de Copas, mas todos os seus sentidos lhe diziam para explorar o salão do trono. Como eles fariam isso sem que ninguém os visse ainda lhe preocupava. Eles chegaram à base da escada ainda sem fazer barulho, apenas sendo entregues pela respiração curta, pesada e barulhenta da bruxa.


- Tudo bem? - Cochichou Rabbit, encostando-a com as costas na parede. A preocupação era visível em seu rosto e ele mantinha contato visual, o que não deixou que ele visse a mão astuciosa de Hermione rolar em direção à barriga, apertando qualquer coisa que estivesse lhe machucando dentro do tronco. O efeito pesado na respiração foi pouco amenizado, assim como a dor que ela sentia nas costelas.


- Claro! - Ela mentiu, ainda sentindo um tremor dentro do tronco. O que quer que fosse que ela estivesse sentindo devia ter alguma coisa a ver com os hematomas e sensação de ossos quebrados que ela sentia desde a luta com a vermelha. Porém não devia ser alguma coisa tão grave que merecesse sua atenção distraída do roubo da coroa. - Vamos, o salão não está longe!


- Você tem certeza? – O rapaz insistiu, ainda a segurando contra a parede.


- Eu não teria respondido que sim, se não tivesse a certeza de que estou bem. – Ela rolou os olhos, lançando uma pequena mentira no ar. – Além disso, esse corpo é meu e eu saberia se eu não estivesse bem.


- Você ao menos consertou seu nariz? – Ele perguntou, esticando o pescoço para o curto corredor gelado que se estendia à saída da escadaria, certificando-se de que eles ainda estavam escondidos e seguros.


- Dez o colocou no lugar. – Hermione bufou a resposta, passando por baixo dos braços esticados dele, que se se encostavam à parede, impossibilitando que ela escapasse de ser pressionada com as perguntas.


Hermione pulou até o corredor com a varinha em punho, rolando o olhar ao redor, preocupada. Por mais que tivesse prestado atenção ao caminho que os soldados fizeram quando a levaram até o calabouço, aquela parte do castelo parecia diferente. Como se as depressões nas paredes de pedra e as dobras de esquina não fossem as mesmas. Ela confiava em sua memória, que, como pré-requisito para a primeira aluna de Hogwarts, era impecável, mas tudo parecia tão diferente.


- Só existe uma escada como saída do calabouço? – Perguntou, desconfiada.


- Imagino que sim. – Rabbit respondeu, estancando os passos logo atrás dela.


- Eu não me lembro dessa parte do castelo.


- Você pode não ter prestado atenção.


Ela olhou para cima, em direção ao olhar dele. Sua expressão era de descrença, uma expressão muito parecida com a de Draco naquela noite... Ela sacudiu a cabeça, afastando aquele pensamento. Não queria mais ser torturada com as lembranças daquela noite, que vinham como um filme em sua cabeça. Rabbit parecia não notar seus ataques de nostalgia. Ele apenas cuidava os cantos e, gentilmente, a empurrava em frente. Ele conhecia os caminhos do castelo.


- Você já me explicou como não sabe onde ficam os aposentos da rainha? – Ela brincou, ironizando o fato de ele não ser muito útil naquele quesito.


- Eu não frequento os aposentos da Rainha de Copas. – Ele fechou a cara, mas exibiu um sorriso arteiro que Hermione apenas havia visto no rosto de Draco. Ela o encarou, ainda andando cuidadosa pelos corredores intermináveis e mal iluminados, apesar de eles já estarem um piso acima do calabouço. – Eu não frequento os aposentos dela. Eu não sou o Valete.


Hermione parou de andar, mordendo o lábio ao tentar realizar aquela situação em sua cabeça. Não era novidade que a Rainha de Copas deveria matar suas vontades com alguém, já que ela não tinha um rei, mas ela nunca imaginara que Valete seria esse alguém. Era uma cena fácil de imaginar, afinal de contas, as figuras de Harry e Gina em beijos e abraços não eram novidade para a humana.


- Acredite se quiser. – Rabbit disse, observando sua retaguarda.


- O quão velha ela é? – A garota apertou as sobrancelhas, empunhando a varinha e esticando o pescoço em uma dobra de esquina dos corredores.


- Como?


- Sim, porque foi ela quem acabou com o reinado da Rainha Branca na época em que Lewis Carroll esteve aqui, certo? – Ela comentou, fazendo as contas mentalmente. – A rainha tem, no mínimo, 100 anos, não?


- Veja bem – Rabbit começou, seguindo Hermione por um corredor comprido à direita, observando sua retaguarda novamente. – a Rainha de Copas tem certos poderes.


- Projetar coisas nas mentes das pessoas, talvez. – Hermione o interrompeu, fazendo uma alusão irônica ao presente que a rainha havia lhe dado no calabouço.


- Essa pode ser uma maneira de nomear o poder que ela possui. – Ele levou a mão ao queixo, pensando em mais alguma coisa. – Nem eu e nem ninguém no País das Maravilhas sabemos responder, mas o poder dela tem alguns traços característicos semelhantes aos poderes de Selene e aos de Cheshire.


O corredor acabara mais uma vez, mas dessa vez não trazia mais um corredor e sim uma escada em espiral, como a anterior. Eles subiram em silêncio e, assim como da outra vez, a respiração curta e pesada de Hermione se fez presente. Ela rapidamente apertou o tronco, estancando a dor momentânea e amenizando a respiração. Estava claro que Rabbit percebera o barulho, mas ele manteve-se neutro.


- Esse poder pode mantê-la jovem? – Hermione perguntou, voltando a questão central da discussão, assim que eles chegaram novamente à base superior da escada, numa paisagem muito parecida com a anterior. Agora estavam dois pisos acima do calabouço, mas os corredores ainda assumiam o ar nada amigável.


- Acredito que qualquer poder sobrenatural nesse país tenha o poder de envelhecer menos uma pessoa, mas segundo os mais velhos, ela tem a mesma aparência há mais de 100 anos.


- Está muito bem conservada. – Hermione brincou, parando de andar ao chegar a um corredor mais iluminado que, aparentemente, dava acesso a algum salão do piso principal do castelo.


- Não sei dizer, mas só o poder especial dela não mantém a juventude total. – Rabbit cochichou, parando também. – Acredito que a aparência estancada no tempo que ela assumiu tem algo a ver com magia.


- Magia?


- É, magia. – Ele confirmou, ficando de frente para ela.


- Vocês não têm magia.


- Os poderes das nossas soberanas não são um tipo de magia? – Rabbit ironizou, puxando Hermione pela mão, finalmente pondo-se a caminhar. Depois daquela pequena pulga que ele depositara atrás de sua orelha, a bruxa se viu apenas com a função de caminhar, o mais silenciosamente que conseguia, atrás dele. Manteve sua varinha empunhada e pronta para qualquer surpresa.


Os corredores do castelo estavam vazios, assim como o hall onde eles foram parar. Era uma grande sala com apenas uma janela, mas iluminada o bastante para obrigá-los a serem rápidos no caminhar para não serem pegos. Pelo que parecia ninguém ainda havia percebido que os dois rebeldes haviam fugido. Eles atravessaram duas salas vazias e alguns corredores mal iluminados antes de encontrarem companhia.


A sorte dos dois rebeldes era que no salão onde se encontravam havia muitas armaduras espalhadas pelas paredes. Ironicamente, eles se encontravam em uma das salas que Hermione sabia se tratar de uns dos halls do salão do trono, por isso as armaduras em decoração. Rabbit a puxou para detrás de uma das armaduras, pressionando seus corpos muito juntos para conseguirem ficar escondidos.


Rabbit tinha as costas encostadas na parede, enquanto Hermione tinha as suas encostadas no peito dele. Ela podia sentir seu abdômen torneado e o peito subir e descer na respiração curta. Tremeu involuntariamente ao sentir a respiração que tocava em seu pescoço sem intenção alguma. Seus dedos formigavam, mas ela os manteve firmes ao redor da varinha. Na verdade, estava segurando forte demais.


- Senhor – Eles puderam ouvir a voz de um soldado ganhar o hall.


- Seja o que for, não há tempo! – Outro soldado reclamou. Eles puderem ver que os dois soldados carregavam dois corpos. Os corpos estavam machucados e tinham os olhos fechados. Pareciam desmaiados, Hermione engoliu em seco, pareciam mortos.


Os dois levaram os corpos até conseguirem encostarem os dois na parede oposta àquela em que estavam escondidos os dois rebeldes. Eles não deram pela presença de mais duas pessoas no aposento, virando-se para a saída logo em seguida. Hermione conseguiu relaxar, voltando a respirar como antes, mas sem mexer-se um centímetro para longe do corpo de Rabbit. Ela conseguia sentir que seu próprio corpo vibrava, enquanto o dele respirava ainda mais rápido. É loucura, ela riu dentro de si.


Hermione riu ainda mais dentro de si mesma quando ela sentiu que a respiração acelerada de Rabbit se aproximava de seu pescoço. Ela não ria por achar graça naquilo, mas porque sentia o nervosismo e a urgência tomarem conta de seu ser, quase lhe obrigando a virar-se de frente para ele. Só não o fez, pois acabaria com o esconderijo dos dois no hall silencioso.


Ela pode sentir os lábios dele tocarem sua pele com suavidade, embora pudesse sentir que o corpo dele queria agir com uma selvageria maior. Não conseguiu não projetar o corpo para trás, virando parcialmente a cabeça para capturar os lábios dele com sua boca, já entreaberta. Não pode, também, não xingar a si mesma pela atitude irresponsável. E se alguém chegasse? E se alguém os pegasse?


Eles estavam se beijando com uma urgência incomparável quando ouviram passos no corredor que eles mesmos haviam pegado para chegar ali. Os passos eram apressados, mas tranquilos ao mesmo tempo. E se fossem julgados pelo ritmo e eco, Hermione podia jurar que eram os passos de três pessoas. Eles desgrudaram os lábios, apertando-se mais ainda, tanto lateralmente, para conseguirem ficar escondidos atrás da armadura.


- Senhor – Começou a mesma voz que os dois ouviram antes, mas dessa vez uma voz diferente respondeu, o cortando:


- O que aconteceu, Seis de Espadas? – Hermione tremeu ao notar, e visualizar, que aquela voz pertencia ao Valete. O Valete caminhava na frente dos outros dois soldados que já haviam ocupado a sala.


- Os prisioneiros – o soldado exclamou, quase sem fôlego. – fugiram.


O Valete tinha a intenção de largar sua mão na maçaneta vertical comprida da porta trabalhada, mas as palavras do homem estacaram sua mão no ar. O único olho dele que era visível, estava fora de foco. Demorou alguns segundos para que ele conseguisse dizer alguma coisa, mas aqueles segundos foram suficientes para desencadear uma série de reações dentro dos corpos dos rebeldes escondidos.


Já estava difícil o suficiente de eles conseguirem se aproximar dos aposentos da Rainha de Copas sem um grupo de soldados os procurando pelo castelo. Agora que eles teriam um grupo de busca em seus calcanhares, a tarefa parecia impossível. Hermione ergueu a varinha, apontando-a para o Valete, aprontando-se internamente para estuporá-lo, mas Rabbit lhe baixou o braço, silenciosamente.


- Como? – O Valete urrou, abrindo um sorriso debochado. – Desculpe, mas eu imaginei ter ouvido da sua boca que os prisioneiros da Rainha de Copas fugiram.


O homem engoliu em seco, enquanto o outro em sua retaguarda deixava as costas eretas, afastando-se em silêncio do companheiro. O soldado Seis prendeu a respiração, assim como Hermione fez, cerrando os olhos, prevendo o que aconteceria. Rabbit segurou sua mão, parecendo ter a mesma sensação.


- Desculpe. – Eles puderam ouvir o homem dizer a meia voz. Sua frase foi seguida por um barulho metálico que cortou o ar, assim como cortou algo referente ao homem. Hermione não queria abrir os olhos e ver o que seus ouvidos acusavam ter acontecido.


- Como isso foi acontecer? – O Valete perguntou para o outro homem, guardando, com um barulho surdo, a espada dentro da bainha. O outro soldado tremeu, mas manteve-se ereto e tentou isentar da maneira que achava correta.


- Não sei responder, senhor. Para mim é novidade
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. – Ele disse, com a voz embargada. – Eu estava no primeiro pelotão de lutas, apenas adentrei no castelo nesse momento para trazer os feridos.


O Valete mal de importar em olhar para os dois homens encostados na parede de pedra. Seu rosto havia se voltado para a porta e sua mão colocou-se na maçaneta, porém seu rosto virou-se para cima, encarando sem ver o teto. Hermione conseguiu abrir os olhos, procurando não olhar para baixo, a tempo de ver o valete virar-se decidido para o outro soldado e lhe vociferar uma ordem.


- Tome conta dos aposentos da Rainha enquanto vou buscá-la.


- Sim senhor!


- Tome conta dos aposentos com a sua vida, Dois de Ouro. – O Valete apontou o dedo para o homem, segurando a bainha da espada em sua cintura. – O objetivo principal desses prisioneiros fugidos é matar a Rainha de Copas e se eles forem encontrados nos aposentos dela, eu me encarregarei de matar você!


O Valete saiu do hall caminhando rapidamente por onde havia chegado. O coração de Hermione aos poucos voltara a bater em um ritmo aceitável. Ela via ali uma oportunidade única de conseguir se aproximar dos aposentos da Rainha de Copas e Rabbit não pareceu pensar diferente. Enquanto Valete desaparecia pelo corredor, o soldado Dois abria a porta trabalhada e também desaparecia do salão.


- Acha que está seguro? – A bruxa sussurrou, puxando devagar a porta a tempo de ver o soldado fechar a outra porta em frente. Rabbit concordou com a cabeça, ainda silencioso. Aquele lugar parecia um labirinto com todas as suas portas e dobras de esquina. Isso a lembrou friamente do labirinto no Torneio Tribruxo no quarto ano. O Castelo de Copas não é muito diferente, ela realizou, puxando Rabbit para dentro do segundo hall.


Agora apenas uma parede a separava de saber se a porta que imaginava ser a certa era realmente a certa. Sem nem mesmo consultar Rabbit, ela planejou, dentro de si mesma, abater o soldado antes que ele os visse. Isso incluía esconder-se novamente, o que abrangia adentrar rapidamente no salão real.


- Você tem algum plano? – Rabbit sussurrou em seu ouvido, lhe causando arrepios fora de hora. As palavras dele eram urgentes, já que agora ela tinha a mão na maçaneta da outra porta ainda mais trabalhada do que a primeira.


- Tenho.


- E qual é?


- Não podemos ser vistos enquanto perseguimos o soldado. – Ela foi sucinta, abrindo uma pequena fresta na porta, conseguindo ver ao longe o soldado postar-se em frente à porta que desconfiava serem os aposentos da soberana.


- Como? – Hermione rolou os olhos para a pergunta.


- Cuide nossa retaguarda, enquanto eu abato o soldado. – Rabbit pôs-se a caminhar até a outra porta, abrindo uma pequena fresta e assim como ela, espiando.


- Como você vai abatê-lo? – Ele soltou um sussurro ecoado do outro lado do salão.


Hermione colocou a ponta de sua varinha para dentro do salão do trono, apontando na direção do soldado. Seu plano de última hora era muito simples e se seus conhecimentos em magia lhe ajudassem, seria perfeito. Realmente, estava se tornando uma especialista em planejamento. Rabbit ainda esperava resposta, e o sussurro de Hermione lhe deixou ainda mais confuso.


- Estupefaça! – Ela sussurrou com vontade, ecoando o som da palavra mágica pelo hall. O raio vermelho da varinha atravessou o salão real tão rápido que não deixou que o soldado tivesse tempo de pensar em recuar. O som de seu corpo caindo ao chão foi um baque surdo que ecoou com vontade pelo salão do trono vazio. – Vamos!


Ela abriu uma boa fresta na porta, grande o suficiente para que os dois passassem. Rabbit ainda estava estático do outro lado do salão, mas vendo os gestos apressados e urgentes dela, se pôs a correr até conseguir passar pela porta. Hermione a fechou, ainda mantendo a varinha empunhada, puxando Rabbit pela mão.


- O que você fez? – Ele perguntou, quase correndo para acompanhar as passadas grandes, inclusive para as pernas dele, que Hermione dava.


- Desacordei nosso problema.


Ela informou, quase sem fôlego, passando pelo corpo desacordado do homem que estava caído no chão espelhado do salão. Rabbit olhava impressionado. Claro, ela disse para si mesma, ele ficaria impressionado por um bom tempo, já que não tinha a visto usando magia. Ele tinha esse conhecimento, mas nunca antes a havia praticado.


Ele, ainda encarando o corpo desacordado com curiosidade, abriu rapidamente a porta dos aposentos da Rainha de Copas, deixando apenas uma pequena fresta. Hermione abaixou-se colocando a varinha pela fresta minúscula, apontando-a para o corpo do homem.


- Enervate! – Sussurrou, vendo quase que automaticamente o homem levantar do chão, um tanto tonto. Se ele fizesse o que ela esperava que fizesse, os dois deviam se esconder. – Aqui. – Ela disse para Rabbit, puxando-o. Postaram-se atrás de uma samambaia enorme que chegava ao chão, cobrindo os dois. Como imaginado, o soldado escancarou a porta do aposento alguns segundos depois de os dois estarem escondidos. Fechou-a logo em seguida, ao constatar pela revista rápida que não havia intrusos. Ou que não havia intrusos burros o suficiente para serem pegos.


Hermione se permitiu respirar fundo apenas dois segundos depois de perceber que o soldado não voltaria a bisbilhotar os aposentos da soberana. Ela deu alguns passos para longe da proteção da samambaia, sendo seguida de perto por Rabbit. Ele não falara nada e muito menos esboçava qualquer barulho com seu corpo ou respiração. A preocupação era visível em seu rosto, assim como a sensação de segurança momentânea que pairava por sobre a bruxa humana.


- Ele não vai nos ouvir? – Rabbit sussurrou em um volume quase inaudível.


Hermione ergueu os ombros, mostrando claramente que não tinha como saber, vendo instantaneamente o rapaz muito louro prender a respiração. Ela virou-se para o curto corredor de pedra que se estendia em sua frente. A decoração do corredor era muito diferente daquela usada no restante do castelo. Ali havia quadros espalhados pelas paredes e tapetes pelo chão, todos com uma variação de cores muito maior do que os básicos vermelho e preto.


Era um corredor de aparência mais quente e muito mais aconchegante do que o restante do castelo. Hermione levava um pé em frente ao outro, percebendo pelo canto dos olhos que Rabbit fazia o mesmo, ainda prendendo a respiração de tempos em tempos. Ao fundo no corredor, ela podia deduzir que existia uma grande janela, já que a luz esbranquiçada do sol batia com força nas paredes do corredor.


- Isso é – Ela começou em um sorriso, chegando ao final do corredor e dando-se de frente com uma antessala digna de uma rainha como a Rainha de Copas. Não havia palavras que conseguissem descrever a visão que ela tinha daquele cômodo amplo lotado de estantes de livros nas paredes. Havia sofás espalhados pela sala, assim como uma espécie de tela digital incrustada na parede, uma escada de pedra em espiral acima e uma mesa redonda de vidro desenhado. Hermione não conseguiu terminar sua frase.


- Pomposo – Rabbit tentou, sussurrando. Ele moveu os pés com maior velocidade, chegando perto demais da grande janela de vidro que ornamentava uma das paredes do aposento. Hermione sacudiu a cabeça, correndo até ele e o puxando até que conseguisse afastá-lo da claridade.


- Pomposo não é a palavra. Eu diria incrível. – Ela esclareceu, ainda segurando-o pelo braço. – E fique longe das janelas e portas. Ninguém pode nos ver, lembra?


- Mas daqui conseguiremos ver a batalha. – Argumentou.


- Temos uma missão mais importante!


- Esperar pela Rainha de Copas nos aposentos dela? – Ele ironizou, balançando os ombros. Seus lábios estavam muito juntos, quase desaparecidos no rosto. Uma expressão irresistível, Hermione pensou. Sem pensar duas vezes, ela xingou-se dentro de si mesma pela atitude que teve.


Quando se deu por si já havia jogado os braços ao redor do pescoço de Rabbit e saltado em seus lábios num beijo ainda mais urgente do que o beijo que eles haviam trocado no hall. Rabbit não tomou a atitude como surpresa, mas encarou como inusitado o empurrão que ela lhe dera, derrubando os corpos grudados dos dois por sobre um dos sofás da antessala.


Hermione tinha seu corpo por sobre o dele, aproveitando-se da posição para manter-se no controle das mãos e gestos dele. Ela tremia com a pressão sob seu tronco. A dor era insuportável, o que a obrigou a afastar-se de Rabbit, erguendo-se do corpo dele com certa dificuldade. Ele ergueu-se também, preocupando-se em sentar-se rapidamente com as mãos sobre o colo.


- O que houve? – Ele quis saber, mas sua curiosidade foi interrompida por um barulho na porta de entrada dos aposentos. Ele percebeu seus olhos se arregalarem enquanto os de Hermione vasculhavam silenciosamente o aposento à procura de um bom esconderijo. Sua busca foi vã, já que naquela antessala não havia um lugar seguro para se esconder. – A escada! – Rabbit sussurrou quase sem volume outra vez, apenas se fazendo entendido pelos gestos desesperados.


Os passos dos dois estavam se tornando cada vez mais dignos de dois espiões devido à agilidade com o mínimo barulho. Alguns segundos depois de apontada, a escada já havia sido utilizada por eles, que mantiveram os ouvidos em pé, enquanto vasculhavam com os olhos o outro aposento onde foram levados. Tratava-se, claramente, de um quarto com um belo banheiro ao fundo, apenas separado por uma pomposa parede de vidro. Pomposa, ela concordou.


As vozes no andar de baixo iam aumentando de volume com uma velocidade incrível, chegando à base da escada antes que os rebeldes conseguissem se esconder. O aposento era grande, tinha parcialmente as mesmas proporções do andar de baixo, mas ali não havia uma janela de vidro na proporção daquela. As janelas eram mais altas e mais curtas, assim como as divisões do quarto. A parede de vidro era embaçada naturalmente e a única porta no aposento estava entreaberta, revelando um closet.


- O closet! – Rabbit sussurrou, ainda sendo entendido principalmente por seus gestos. O coração de Hermione estava pesado e parecia não caber em seu peito quando ela conseguiu colocar os dois pés dentro do closet e ver-se escondida.


O closet era amplo, quase tão grande quanto a cela em que dois foram mantidos, o que facilitava o ato de se esconder. Rabbit encostou-se a uma parede no armário escuro que cheirava a amaciante de roupas, mantendo a cabeça esticada para conseguir enxergar através da fresta ainda aberta do lugar. Hermione limitou-se a abaixar-se e espiar pela fresta com os joelhos ao chão, mantendo-a equilibrada.


- Isso é ridículo, Valete! – A voz da Rainha de Copas encheu o quarto assim que a figura magnífica dela estacionou-se aos pés da cama enorme com dossel. Não havia cortinas ao redor da cama e, esticada sobre ela, uma bela coberta fluída que mais parecia água, que tão molenga.


- Não é ridículo! – Valete teimou, sentando-se sobre a cama, enquanto a mulher andava de um lado para o outro. A despreocupação dele agora, que julgava estarem sozinhos, era muito deslocada. Valete já não parecia aquele soldado que tremera ao ouvir os gritos da rainha em sua direção. – Estou protegendo você.


- Eu não preciso ser protegida! – Ela teimou, pondo-se de frente para ele com as mãos na cintura, numa posição muito parecida com a que a Sra. Weasley exibia quase sempre. – Eu preciso que aqueles dois idiotas sejam pegos e que a cabeça deles seja arrancada. Não digo cortada – Ela fez alusão ao gesto de segurar alguma coisa em mãos. – porque se eu pudesse arrancava a cabeça dos dois com minhas próprias mãos e faria um ensopado com elas. Sim – ela riu nervosamente – eu enfiaria o ensopado pela garganta daquela tal Rainha Branca.


A respiração de Hermione parecia nunca mais ter coragem de aparecer enquanto seus olhos não tinham mais espaço e nem condições de se arregalarem mais. Ela não conseguia duvidar das palavras da rainha. Por menos louca que ela fosse, sempre haveria um restulho de loucura suficiente para lhe dar força para cumprir o prometido. Valete torceu os lábios, juntando as sobrancelhas.


- Você é engraçada. – Ele disse quase num sussurro, esticando os braços e agarrando com força a cintura dela. Seus lábios pousaram várias vezes em pontos distintos do abdômen dela. – E muito – ele levou os dedos até o zíper lateral do vestido medieval. -, mas muito gostosa.


A Rainha de Copas gargalhou com vontade, afastando seu corpo do soldado, baixando os dedos suavemente até que tocassem o queixo dele. Seu tronco se abaixou, tencionando manter sua cabeça na mesma altura em que a estava a do homem.


- Você não vai ganhar nada enquanto essa batalha idiota não terminar.


- Então você não ganha nada também, majestade. – Valete brincou, levantando-se da cama e empurrando o corpo da rainha até que este batesse com as costas na parede contrária.


Hermione tremeu de onde estava, prevendo que dali surgiria uma briga ou até mesmo uma batalha interna, mas a Rainha de Copas não havia se machucado e nem ao menos tentou afastar o Valete de perto dela. Pelo contrário, suas mãos o seguravam firme pelas calças, puxando-o para mais perto de si. Uma coisa que parecia impossível de acontecer. Ela ria alto, enquanto o homem beijava-lhe o pescoço.


É demais para minha cabeça, Hermione comentou mentalmente, mas sem conseguir fechar os olhos e evitar aquela cena. Ela não sabia se aquele nojo que sentia era produto da aparência dos dois, porque afinal ver Gina e Harry em momentos não muito confortáveis para uma terceira pessoa era perturbador, ou porque aquela cena lhe lembrava momentos que passara com Draco uma noite antes de cair no País das Maravilhas.


- O que foi? – Sussurrou Rabbit, puxando o braço dela com a intenção de afastá-la da fresta na porta do closet. Ela balançou a cabeça negativamente, perturbada, permanecendo em silêncio depois da resposta. Não queria enumerar os fatos, muito menos enquanto ouvia, prestando atenção por pura precaução, o que acontecia no outro ambiente.


Colou as costas na porta, cerrando os olhos ao jogar a cabeça para cima. Aquela missão estava se saindo mais difícil do que ela imaginara. No inicio pensara que apenas entraria, roubaria uma coroa e poderia ir embora para casa, mas as coisas estavam tomando um rumo totalmente diferente daquele que ela esperava que tomassem. Não imaginava que uma simples espera dentro de um closet fosse o bastante para torturá-la com lembranças de algo que ainda a machucavam.


- Não está tudo bem. – Ela sussurrou ainda de olhos fechados, mas não conseguiu terminar seu pensamento e muito menos começar a contar o que havia acontecido, porque um grito estridente da Rainha de Copas a fez se erguer do chão em um milésimo de segundos. Rabbit preocupou-se em puxar Hermione cada vez mais fundo no armário.


O grito da rainha não se dirigia a eles e muito menos fazia parte do ato que ministrava com Valete. Hermione pressionou-se contra a parede final do closet, prestando o dobro de atenção quando o corpo esguio da rainha, apenas vestindo uma calcinha de renda escura abriu a porta do armário, pegando a primeira roupa que viu pela frente.


- Você é teimosa! – Ralhou Valete, de algum lugar do quarto.


- Eu sou uma soberana, querido. – A mulher teimou, fechando a porta do closet, novamente deixando que uma mínima fresta servisse de janela para os rebeldes. – Não adianta você tentar me distrair dentro desse quarto porque eu vou acabar com a raça daquela Rainha Branca nessa batalha que está destruindo meu castelo!


- Sigel, pense bem.


- Eu já pensei! – Ela gritou.


Hermione conseguiu finalmente se mexer, puxando Rabbit pelo closet até que conseguissem estacionar-se novamente em frente à fresta na porta. A visão que tinham agora era de um Valete sentado contrariado aos pés da cama da Rainha de Copas, enquanto esta vestia o que parecia um conjunto de calça justa e vestido maleável. A roupa lhe caia perfeitamente e, assim como o vestido que usara anteriormente, realçava seus dotes femininos.


- Então se pensou, você tem consciência que não vai conseguir vencê-la. – Valete comentou pessimista, olhando os dedos. Ele parecia não ter percebido o que falara, mas de um jeito ou de outro se sentia mais protegido estando a sós com a soberana.


- Eu poderia vencê-la até de olhos vendados! – Ela gritou, puxando os cabelos cheios de cachos em um rabo de cavalo. Seus olhos expeliam uma raiva sem tamanho.


- O exército deles parece muito mais preparado do que o nosso, apesar de ter sido eu a prepará-los. – Ele sacudiu a cabeça, como que culpando-se. – Eu não esperava uma guerra... Eles, pelo contrário, a estavam armando. Não duvido que aquela humana tenha caído em nossas terras há muito tempo e tenha sido treinada para tentar matar você.


Hermione quase riu. A ideia de objetivo rebelde que eles tinham era totalmente avessa ao real objetivo deles. Nem a Rainha de Copas e muito menos seu fiel escudeiro Valete tinham a menor ideia de que aquilo que os rebeldes mais desejavam conseguir estava sim naquele aposento, mas não respirava e andava por si só. A coroa retorcida, que brilhava intensamente mesmo sem ser atingida diretamente pela luz do sol, repousava inocente sobre uma das almofadas de veludo da cama da rainha.


- Coroa – Hermione sibilou, gesticulando em direção à almofada e logo depois à sua própria cabeça. Não demorou para que Rabbit entendesse ao que ela estava se referindo. Ele assentiu com a cabeça, apertando as sobrancelhas.


            - Como uma menina poderia me matar apenas contando com um treinamento de exército? – A rainha se perguntou, vestindo longas botas de couro com saltos muito altos. Ela recolocou as mãos na cintura, parecendo pronta para qualquer coisa. – Mesmo com a ajuda de Rabbit, ela não conseguiria enfrentar todos os que me acompanham. Eu não fico sozinha, é suicida! – Ela tirou as mãos da cintura, andando até uma grande cômoda feita da mesma madeira dos móveis do quarto.


Ela abriu a primeira gaveta, retirando de dentro um pacote feito com papel escuro. O pacote era retangular e parecia muito pesado, mas nas mãos da rainha ele dançou como uma pena de pássaro, até que fosse largado por sobre a cama. Ela sorriu prazerosa, retirando o papel com vontade, rasgando-o.


- Você vai mesmo enfiar-se nessa batalha? – Valete perguntou, desconfiado, enquanto ela alisava o conteúdo do pacote, mantendo o sorriso no rosto. Sua expressão era parecida com a de qualquer mãe ao ver um filho recém nascido.


- É claro! – Ela arfou, achando ridículo aquele tipo de pergunta. – Eu preciso proteger meu reinado e minha honra. E, afinal de contas, eu ainda não tive oportunidade de usar do meu conhecimento em esgrima e muito menos de exibir minha excalibur.


Hermione agitou-se ao ouvir as palavras esgrima e excalibur na mesma frase. Antes de a mulher erguer no ar o conteúdo do pacote e revelar suas intenções no campo de batalha, a humana já tinha absoluta certeza sobre o que se tratava. A espada era lindíssima. Sua lâmina era dourada, mas durante os movimentos demonstrativos que a rainha fez foi possível de se notar os reflexos avermelhados que ela exibia.


Era ainda cabível de se admirar as belas inscrições em letras que Hermione não tinha conhecimento. Rabbit segurava pesadamente as costas da bruxa, mas ainda assim portava a delicadeza habitual que lhe era tão característica. O Valete ergueu-se da cama, rumando em direção à porta de saída do quarto.


- Pronta para a luta?


- Apenas se aquelas duas crianças cruzarem meu caminho. – A rainha urrou, cortando o ar profissionalmente com a espada. – Se não cruzarem, cruzarão um dia. Cortando a cabeça da Rainha Branca já me dou por satisfeita.


- Meu desejo era não ter de descer essas escadas e vestir minha armadura. – O Valete parecia arrependido de alguma coisa e por alguns de seus poros, muito timidamente, ele deixava escapar o, pouco visível, temor.


- Você está com medo? – A Rainha de Copas captou o sentimento, andando devagar até ele, levando consigo a espada embainhada. A bainha da espada, incrivelmente, conseguia ser ainda mais bonita do que a própria espada, com seus dizeres estrangeiros e bordados em linhas sedosas.


- Não! – Ele mentiu, desaparecendo pela porta que levava ao andar de baixo.


- Por um momento pareceu.


- Eu apenas não estou certo de que é guerra que eles querem, Sigel. – Pode-se ouvir a voz dele vir abafada do andar de baixo, mas ainda assim era alta o bastante para que os rebeldes apreensivos no closet ouvissem.


- Bobagem! – A rainha ignorou, batendo pesadamente com os saltos no chão coberto por tapetes, enquanto desaparecia pela entrada do quarto. Ainda se era possível ouvir as batidas de seus saltos, mas mesmo assim Hermione achou seguro abrir a porta do closet.


Colocou primeiramente a cabeça para fora do armário, observando demoradamente o aposento ao seu redor ao mesmo tempo em que apurava ainda mais os ouvidos. As passadas da Rainha de Copas diminuíam de volume, o que sugeria que ela estava desaparecendo pelo corredor e consequentemente pela porta guardada pelo soldado anteriormente estuporado.


- Você acha que é seguro? – Rabbit perguntou num sussurro, mantendo os olhos na coroa que brilhava por sobre a almofada de veludo.


Agora faltavam apenas alguns metros e aquela luta estava ganha. Alguns metros e a Rainha de Copas seria derrotada. Derrotada sem ao menos imaginar que o objetivo real dos rebeldes era um pequeno pedaço de diamante polido. Diamante esse que tinha o poder de salvar o povo do País das Maravilhas, mesmo que Hermione ainda não soubesse como fazê-lo apenas tendo em mãos a coroa.


- Ela tem poderes especiais? – Ela perguntou, andando sem fazer barulho até a cama. Aproximou-se mais rápido do que imaginou, sendo seguida de perto por Rabbit. Um Rabbit apreensivo e de respiração mais rápida e descompassada que ela já havia notado. Não olhou para trás até que conseguiu segurar a coroa em mãos.


- Uma rainha não reina sem uma coroa. – Rabbit respondeu, esticando um dedo e tocando de leve a coroa retorcida. O brilho parecia aumentar quando ela era tocada.


- Como a Rainha Branca vai reinar apenas usando uma coroa que não foi reconhecida como sua? – Hermione voltou-se de frente para ele. – Na Inglaterra, essa lógica nunca funcionaria.


- E quem disse que não vai haver reconhecimento? – Ele sorriu. – Não vai haver uma cerimônia solene de passagem da coroa, mas o reconhecimento precisa vir do povo antes de tudo. – Ele colocou a mão no queixo de repente, apertando as sobrancelhas. – Afinal, como vamos sair daqui?


Hermione segurou firme a coroa em uma das mãos, enquanto com a outra segurava a mão de Rabbit. A saída dos aposentos da Rainha de Copas era a parte mais fácil de seu plano mal elaborado que estava dando certo. Era a parte que menos a preocupava. Menos a preocupava até o momento em que ouviu passos dados por saltos finos chegando em velocidade extrema no quarto da rainha.


- Espero que seu método de fuga seja mais rápido do que minha espada! – Ela gritou, brava, erguendo a espada e correndo em direção aos dois.


Dois segundos foram precisos para que Hermione aparatasse, sumindo com Rabbit do aposento. Ela não teve muito tempo de analisar a situação, mas a última coisa que conseguiu se deter ao aparatar fora a expressão desvairada no rosto da Rainha de Copas. Com certeza ela não estava feliz em ter sua coroa roubada, logo quando sua intenção era voltar ao seu quarto e resgatá-la.

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