Festa do Chá



O que parecia ser um grande cervo assava em uma enorme fogueira, assim como os outros animais cheios de carne que Hermione via assarem naquele fogo barulhento. O crepitar era mais alto do que o crepitar de fogueiras no seu mundo. Ou seria apenas seu desconhecer quanto ao barulho do fogo? A garota sentou-se juntamente com algumas crianças que observavam os assados de seu almoço.


- Você poderia me ajudar? – Pediu a voz de uma mulher baixinha, que carregava uma grande panela com arroz. Hermione levantou-se na mesma hora, recebendo um sorriso da refugiada como pagamento.


Fazia algumas horas que a garota chegara ao acampamento Xadrez e ficara vagando sem a supervisão de Rabbit ou da Rainha Branca. Ela não esperava ser assistida pela rainha de um jeito ou de outro, mas a atenção que não recebia a fazia perceber coisas que nunca antes pensaria em perceber. Passando despercebida pela multidão de rebeldes e refugiados, a bruxa podia acompanhar o que acontecia no acampamento, convencendo ainda mais a si mesma que eles precisavam de ajuda.


As pessoas já estavam acordadas e em ação quando ela despontara no acampamento, fingindo ser uma refugiada também. Se ela seria um dos soldados daquele batalhão deveria se comportar e ser reconhecida como um deles. Vagou durante boa parte da manhã, conhecendo cada pedaço do acampamento e ajudando as pessoas em suas tarefas, como o preparo do leite matinal e da partilha do pão. Em momento algum, as pessoas desconheciam seu rosto ou se perguntavam quem ela era.


Era quase meio dia quando ela resolveu deixar a encosta do acampamento e participar dos preparativos do almoço. Os homens já haviam caçado coelhos e uma montanha de outros pequenos animais para que fossem assados, enquanto as mulheres preparavam o arroz, as saladas e a água recém retirada de um poço artesiano. Era medieval, isso ela tinha de admitir, mas que outra opção aquela pequena parte da população tinha?


- Existem muitas pessoas nesse acampamento, mas do seu rosto eu não consigo lembrar. – Disse a mulher que carregava a grande panela de arroz. Ela parecia ser muito velha com seus traços cansados e cabelos desalinhados.


- Eu sou – Hermione começou, mas calou a si mesma tentando pensar rapidamente em uma resposta para dar. Poderia informar naquele momento que era uma forasteira caída em terras encantadas por engano? – Sou Jane. – Ela respondeu, sorrindo. De uma maneira ou de outra não estava mentindo ao dar seu segundo nome.


- Jane... Recém chegada? – A mulher constatou, enquanto a bruxa balançava a cabeça.


O assunto não durou mais tempo do que o necessário porque os assados já estavam prontos e as crianças se reuniam ansiosas ao redor da fogueira. A mulher chamou Hermione até uma mesa lotada de pratos e copos de barro, onde mais três mulheres mais velhas já haviam começado o trabalho, servindo pratos com pedaços de carne, um montinho de arroz e folhas de saladas. As crianças faziam fila, sentando-se de volta ao redor do fogo à medida que iam sendo servidas. A fila aumentava em uma velocidade elevada, sem parecer ter um fim.


Hermione notou que a maioria das pessoas que se juntavam à fila tinha, pelo menos quarenta anos a mais do que ela, com exceção as crianças. Todos tinham traços cansados, muito marcados no rosto e cabelos finos e ralos. Caminhavam com mais lentidão, mesmo que isso não afetasse em nada a caça ou o preparo de alimentos. A bruxa era a única jovem no centro daquele acampamento. Onde estaria o restante dos adolescentes e jovens adultos?


- Onde estão os jovens? – Ela perguntou de repente para a mulher a quem ajudara, expondo a dúvida sem se preocupar em soar incomodada com a presença dos mais velhos.


- Cansou da companhia dos velhos? – A mulher brincou.


- Não, apenas fiquei curiosa. – Hermione explicou-se, entregando a um senhor muito idoso, de barba enorme, um prato de comida.


- É normal para uma recém chegada, jovem ainda por cima, querer saber das coisas. – A mulher replicou, deixando que outra mulher entrasse em seu lugar na distribuição de pratos. – Os jovens não participam das atividades consideradas domésticas, como nós fazemos. Acredite ou não, mas nós precisamos de um exército e eles estão treinando.


Mal a mulher terminara de falar, uma legião de jovens, com cabelos de diferentes comprimentos pingando suor, despontaram por detrás da fogueira enorme fazendo mais barulho do que se era possível fazer. Não pareciam serem liderados por ninguém, apesar de seguirem atrás de um rapaz esguio, carregando um chapéu em mãos. Aquele deve ser o capitão do exército, Hermione pensou, esquecendo-se por um momento de entregar um prato de comida a uma senhora tão idosa quanto o senhor anterior a ela, o maluco Hatter, pensou relembrando sem necessidade os escritos de Lewis Carroll.


- Não quero desanimar você, mas é muito provável que você seja convocada ao exército. – A mulher a alertou, enquanto as figuras chegavam mais perto, integrando a fila. Hermione não pode ver o rosto do capitão, escondido atrás dos idosos, mas ainda puxando o restante do exército.


- Mal posso esperar. – Ela cochichou, sem que a mulher escutasse, querendo mesmo que as coisas começassem a acontecer. Depois da manhã que passara ocupada com as tarefas domésticas cansativas, nada melhor do que um belo treinamento de batalha onde poderia exibir seus conhecimentos e sua varinha. Não que a exibição fosse necessária, mas ela queria mesmo mostrar do que era capaz.


A fila de idosos diminuía e então ela estava cada vez mais perto de enxergar o rosto de Hatter. Seria ele parecido com alguém que ela conhecia? Ela apenas conseguia enxergar as mãos grandes e desajeitadas que se mexiam perto das calças ajustadas de bolsos grandes. Ele se vestia como qualquer humano jovem que ela conhecesse. Ou ele era um jovem muito bem respeitado ou apenas um adulto querendo se enturmar.


Hermione serviu o prato de Hatter de cabeça baixa, enxergando as mãos se estenderem para pegá-lo. Por fim, ergueu a cabeça, excitada com o rosto que encontraria, mas torceu as feições quando viu o nariz avantajado e os cabelos vermelhos como fogo, apertados embaixo do chapéu coco, pertencentes ao rosto de Rony Weasley na face vermelha e suada do capitão Hatter. O que mais poderia esperar? Já devia estar acostumada, observou consigo mesma lançando um sorriso de reconhecimento a ele. Ela apenas não esperava que ele a reconhecesse.


O rosto que ela conhecia como sendo o de Rony contorceu-se observando os traços dela, como se procurasse alguma coisa em sua face. Ele tinha as sobrancelhas apertadas e mexia o pescoço como uma tartaruga, para frente e para trás, finalmente parecendo encontrar o que procurava, quando soltou:


- Ah! – Ele suspirou alto, dando um tapinha na testa. – Depois do almoço, na praia.


Foi apenas o que ele disse, saindo de perto com seu prato em mãos, já não encabeçando a fileira de soldados. Soldados, esses que estavam famintos, dando o dobro de trabalho para as mãos que serviam seus pratos, devido a ligeireza com que deviam servi-los. Eram garotas e garotas que deviam ter a mesma idade de Hermione e poucos mais velhos do que ela. Ela estava vendo um padrão? A garota suspirou profundamente, terminando de servir um último prato. Deu graças porque o arroz já estava acabado e as carnes apenas no osso.


- O que eu disse quanto ao exército? – Gabou-se a mulher, quando Hermione sentou-se ao seu lado para comer seu próprio prato. Ela apenas sacudiu a cabeça, dando graças ao gêmeo de Rony pela lembrança. Servir pratos e carregar lenha não parecia ser feito para ela.


Hermione devorou seu prato de comida com uma rapidez sem igual. Não contava apenas com a fome, mas o exército estava se mexendo e novamente fazendo um barulho tremendo enquanto voltavam de onde tinham surgido. Ela devia se juntar a eles e preferia fazer isso se juntando ao grupo ao invés de chegar à praia depois de todos eles e ter de aguentar holofotes em sua direção. O capitão, mais uma vez, encabeçava o grupo.


- Creio que essa seja minha deixa. – Hermione disse, despedindo-se da mulher, largando seu prato junto a uma pilha de outros pratos.


- Você me parece animada com a ideia de lutar.


- A senhora não sabe quanto.


Hermione sorriu uma última vez para a senhora que almoçava com seu prato de barro sobre as pernas. O exército parecia ser uma espécie de elite no acampamento, pelo modo com que as pessoas os olhavam e observavam seus movimentos tão atentamente, enquanto estes atravessavam a grande fogueira e irrompiam pela areia da praia. A bruxa os seguia, não tão de perto para que a desconhecessem de partida, mas perto o suficiente para conseguir se sentir parte daquele grupo.


Finalmente o capitão parou de andar, sem precisar fazer nenhum sinal ou pedido em voz alta para que os jovens se reunissem ao redor dele formando um grande círculo. Hermione permaneceu no raio mais afastado do capitão, torcendo para que conseguisse escutar alguma coisa, já que não conseguia enxergar nem os fios mais altos do cabelo vermelho de Hatter. Ali deviam estar reunidos mais de cem pessoas. Uma pequena parte eram garotas.


- Você não quer vir até a frente? – Perguntou um garoto que devia medir quase dois metros de altura, que estava em frente à Hermione.


- Não, eu... – Mas ela não co
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* src="includes/tiny_mce/themes/advanced/langs/en.js" type="text/javascript"> nseguiu terminar, porque as mãos do garoto já estavam empurrando suas costas até que ela conseguisse espremer-se por entre as cabeças louras de duas garotas na primeira fila. Agora ela conseguia enxergar Hatter dando seus esclarecimentos, girando ao redor de si mesmo.


- ...E de repente, nós temos uma nova esperança. – Ele dizia, gesticulando como um líder político. O tom de voz era encorajador, mas ao mesmo tempo muito suave. Suas palavras pareciam ser ensaiadas como num discurso pronto. Hermione baixou os olhos, arfando. Porque ela tinha plena certeza de que os holofotes virariam em sua direção? – Não vamos constrangê-la, por favor, mas Hermione deve estar no meio dessa multidão.


As duas garotas louras viraram as cabeças para trás, procurando pelo rosto desconhecido e imediatamente deram de cara com a bruxa que tinha os olhos baixos e metade da franja longa cobrindo seu rosto. Os rapazes mais altos começavam a cochichar e a analisá-la com os olhos, sem se preocuparem em ser discretos. Onde estava o pedido de Hatter de não constrangê-la? Ela suspirou, erguendo os olhos, finalmente.


- Você está aí, escondida! – O capitão assombrou-se.


- É, estava até agora. – Sibilou, alto o suficiente para que ele escutasse. Ela ouviu uma onda de risinhos ou apenas sorrisos amarelos. Era verdade, passara despercebida durante toda a manhã e apesar de saber que não conseguiria passar despercebida durante o treinamento, ela ainda tinha esperanças de ser tratada como os outros.


- Lamento, mas agora não está mais. – Ele não parecia lamentar em nada, porém o assunto acabara ali. Sem mais holofotes. – Dividam-se em dois grupos, vermelhos e azuis. Hermione, você prefere apenas assistir?


- Se eu pudesse participar...


- Mas você possui métodos diferentes de luta, eu imagino. – Ao ouvirem a frase, o grupo parou de se dispersar e voltou a prestar atenção no assunto. Hermione sacudiu a cabeça, concordando, retirando a varinha do bolso traseiro das calças e a empunhando, sem querer se exibir, apenas a segurando com o braço flexionado.


- Madeira? – Uma das meninas louras deu um sorrisinho, quase que debochando.


- Não. – Hermione corrigiu, apontando com a varinha para um pedaço de madeira estendido na areia claríssima. O pedaço de madeira irrompeu em chamas no mesmo instante, chocando a todos que viam a cena. Era como mostrar mágica aos trouxas. – Minha arma. – A bruxa apontou para as espadas e escudos que a maioria deles já estava empunhando. Um dos garotos mais altos olhou de relance seu arco e flecha, dando de ombros.


Ela não sabia como, mas conseguia captar toda a curiosidade e temor que aqueles jovens soldados estavam sentindo. Não era para menos, afinal era a primeira vez que eles viam coisa como aquela. Eles não haviam ao menos sido preparados com o comunicado de presença ou apresentação pública de que uma bruxa estaria perambulando por entre eles. Hermione bufou, encarando o capitão.


- Eles não têm ideia do que eu sou, não é?


- Eu não pensei que fosse preciso... – Hatter ajeitou o chapéu na cabeça, percebendo no mesmo instante que deveria ter comunicado ao grupo o que ela era e de onde tinha vindo. Ele sorriu, tentando consertar: – Você pode se apresentar agora.


- Sério? – Hermione foi totalmente irônica, esquecendo de que conversava com o capitão de um exército, o que poderia não resultar em boa coisa. Porém, ela manteve a boca torcida e a expressão de descrença no rosto. Ainda era difícil falar com uma grande quantidade de pessoas, mas ela começou mesmo assim: - Eu me chamo Hermione Granger e como vocês já devem ter percebido, eu não sou como vocês. Eu sou uma bruxa.


- De Hogwarts? – Um dos garotos altos lhe perguntou. Ela apertou as sobrancelhas, perguntando sem perguntar como ele tinha aquela informação. – Rabbit me contou algumas histórias sobre a escola bruxa no mundo humano.


- É. – Ela confirmou. – Eu caí, acidentalmente, num dos buracos de coelho de Rabbit e acabei chegando até aqui. Rabbit me ajudou e me trouxe para o acampamento, com a esperança de que eu fosse útil na luta contra a Rainha de Copas e, bem – Ela parou, respirando fundo, pensando por um segundo se introduzia ou não Voldemort no assunto. Preferiu que não, assim poderia terminar o discurso mais rápido. – eu resolvi ajudar e quero começar a treinar com vocês. – Ela sorriu, esperando que eles dispersassem, mas a maioria dos olhares ainda estava na varinha. – E apesar de essa varinha ser meu escudo, espada e arco, eu quero treinar como vocês.


- Usando pedaços de metal idiotas quando você pode colocar fogo em um tronco apenas apontando a varinha? – O menino alto se adiantou.


- Querendo ou não, eu não sei fazer nada sem ela. – Hermione explicou. – E se por acaso ela quebrasse ou eu a perdesse? Eu nunca me defendi com os punhos!


O rapaz ficou quieto, ainda a olhando. Ela quase a analisava com os olhos pequeninos e muito escuros. Hermione o olhava também, e ela realmente o analisava. Não por um motivo tolo, mas porque ela tinha certeza de que não falaria com o rapaz apenas naquela reunião e, o que mais lhe impressionava: ele não tinha um rosto conhecido por ela. É tão mais fácil, pensou consigo mesma, afastando os olhos, referindo-se a conseguir manter alguma conversa sem se preocupar em desligar a aparência da “nova” personalidade.


- Ok, agora eu quero ver os times azul e vermelho na minha frente e não um único grupo discutindo mágica de uma realidade que não é a nossa. – Ralhou o capitão em frente a todos, batendo palmas.


Automaticamente o grupo enorme se dividiu em dois times, que Hermione pode perceber claramente agora, usavam pedaços de tecido vermelhos e azuis enrolados nos pulsos e na testa. Ou até mesmo no pescoço, como faziam algumas garotas. Hermione se viu parada entre os dois times, acompanhada por Hatter em pé ao seu lado. Ele encarava os dois times, provavelmente analisando em qual dos dois a bruxa deveria guerrear. O garoto dos olhos pequeninos era um dos guerreiros do time azul. Hatter podia optar pelo azul, ela pensou.


- Ela vai ter que escolher? – O garoto de olhos pequeninos perguntou.


- Se algum grupo se oferecer para aceitá-la... – O clone de Rony mexeu a cabeça, claramente desejando se isentar de qualquer escolha que fizesse.


- Eu poderia... – Hermione começou a se manifestar, mas o garoto a interrompeu.


- Ela poderia ser uma dos azuis. – Ele sorriu, erguendo a cabeça para o restante do grupo, procurando a concordância de todos.


Não houve discordância, então a única coisa que restou à Hermione fazer foi esperar pela resposta do capitão, sem caminhar nenhum passo. E se ele discordasse e sua frase fora um teste? Quando se falava em guerra e capitães de guerra, nunca se tinha certeza de alguma coisa. Hermione o encarou, enquanto ele coçava a cabeça por debaixo do chapéu. Não era uma decisão difícil, então as palavras saídas de sua boca não seriam diferentes.


- Vocês conhecem os limites. – Ele gritou, apontando para a água e para a floresta. Os soldados deixaram as costas eretas e as armas em punho. – Vocês conhecem as regras. Vocês conhecem o objetivo. Vocês conhecem o prêmio. Eu preciso dizer mais alguma coisa? – Os soldados responderam com um grande grito animado. – Hoje os homens serão os protegidos e as mulheres os protetores.


- Senhor, posso ser um dos protetores hoje e auxiliar a novata? – Perguntou o garoto dos olhos pequeninos, chegando perto de Hatter.


- Faça sua parte.


- Mas, senhor...


- Hermione, proteja especialmente esse garotão aqui. – Hatter disse com a voz muito mais grave do que Rony tinha, usualmente. – Ele vai ajudar você, sem sair de seu posto. – Rabbit virou-se para os grupos, erguendo as mãos. - Façam sua parte e me tragam a coroa!


Os times batiam as espadas nos escudos e faziam um barulho típico de guerreiros bárbaros. Não que eles soubessem o que haviam sido as guerras bárbaras, mas se assemelhavam inocentemente. Aos poucos o grupo azul seguia rumo ao mar e o vermelho, rumo à floresta. Em pouco tempo não era possível enxergar nem o mínimo vestígio dos guerreiros vermelhos. Hermione preocupou-se com a parte que lhe tocava, sendo que as mulheres eram as protetoras.


O grupo azul parou ao chegar à boca da floresta, ainda perante o mar. O silêncio era irritante, apenas sendo cortado pelo som quase inexistente do mar e pela respiração acelerada do garoto de olhos pequeninos. Hermione virou-se para ele, usando de uma expressão confusa abrindo a boca para falar, mas o garoto colocou os dedos em seus próprios lábios, pedindo silêncio. Mal ele terminara seu gesto, um apito distante, mas forte, soou, fazendo com que uma manada de jovens usando pedaços de tecido azul corresse floresta adentro.


- Tenho que explicar muito rápido, ou perdemos a batalha e o prêmio. – Ele disse, quase sem fôlego, mesmo sem ter corrido. – No meio dessa floresta existe uma coroa falsa, mas uma coroa. Ela fica escondida, mas nós temos capacidade e o dever de achá-la. Às vezes demoramos o dia inteiro. – Ele andava para dentro da floresta, ainda falando. – Acontece que sempre temos uma tarefa extra, como a de hoje é os homens serem protegidos pelas mulheres.


- Os grupos têm de se enfrentar, encontrar a coroa e, no caso de hoje, proteger os homens? – Ela resumiu, correndo logo atrás dele, enquanto o garoto corria floresta adentro, reencontrando o grupo azul.


- Você entendeu. – Ele exclamou, parando atrás do grupo, que agora estava silencioso.


- E agora?


- Me defenda.


O garoto expirou forte, observando uma garota que dava ordens ao grupo. A bruxa intrometeu-se no meio do grupo para ouvir o que a garota tinha a dizer. Se ela tivesse de ser uma das protetoras, deveria, ao mínimo, entender as ordens dadas, mesmo sem entender como aquela garota fora nomeada líder.


- Há um número quase certo de homens para mulheres no grupo azul, ainda bem. – Ela gabou-se, girando ao seu próprio redor. – Cada uma de nós deverá proteger um dos nossos enquanto todos nós procuramos a coroa, que não deve estar longe do centro dos nossos limites.


- É um bom plano, mas e se o grupo vermelho aparecer? – Uma outra garota impôs.


- Nós lutaremos, protegendo nossas vitimas.


- Vitimas não! – Um garoto se manifestou, rindo. – Protegidos.


- Hilário! – A garota ironizou, afastando a longa trança amarela para trás. Ela tinha lindos olhos mal explorados, já que estavam escondidos atrás de um emaranhado de pelos claros de suas sobrancelhas franzidas. – Estamos perdendo tempo!


- Parece um plano falho. – Hermione contrapôs. – Não podemos nos colocar na posição defensiva da “remota possibilidade”. – Ela fez o sinal de aspas com as mãos. – Precisamos de um plano mais sólido e que, de preferência, vá dar certo.


- E o que você entende de batalhas? – A garota irritou-se.


- O suficiente para saber que o plano de “é agora ou nunca” não vai funcionar.


O rosto da garota passara do branco ao verde e depois ao vermelho em uma fração de segundo. Ser contestada assim não era coisa normal para ela, aparentemente. O protegido da bruxa meteu-se entre o grupo, provavelmente querendo colocar panos quentes na conversa.


- Hermione... – Ele começou, perto de seu ouvido para que ninguém mais o ouvisse. Porém a líder estava perto demais, então ela, sim, ouviria seu alerta. – Ela sabe o que diz, ou então Hatter não a colocaria como líder do grupo quando eu não estou.


- Você é o líder? – Hermione sussurrou.


- E quando a tarefa é feminina, Catterpilar assume.


- Oh! – Hermione arfou, não sabendo se estava mais espantada em ver que aquela garota tinha o nome de lagarta ou de saber que estava confrontando sem respeito algum, uma líder. Isso quase a fazia se sentir tão mal, como quando se imaginava desrespeitando alguma regra ou professor em Hogwarts. – Desculpe, eu não sabia... – Ela pediu.


- Estamos perdendo tempo! – Catterpilar gritou novamente, ignorando a novata.


O grupo voltou a correr, dessa vez em grupos bem menores, às vezes resumidos em duplas. Hermione não se mexeu de onde estava, mesmo quando o garoto tentara fazer com que ela se mexesse. Seus olhos estavam focados no chão forrado de folhas verdes. Um plano e algumas imagens perigosas passavam por sua cabeça. Ela precisava dividi-las.


- Vamos! – O garoto a apressou.


- Por mais que eu sinta um remorso e uma dor no coração de fazer isso – Ela pousou a mão no peito, sentindo o coração bater muito mais rápido. -, nós vamos desobedecer aos líderes.


- Você está maluca?!


- Não! – Ela ergueu as mãos para o alto, defendendo-se.


- Está querendo provar que está certa? – O rapaz tinha os olhos pequeninos arregalados, sem que eles fizessem muita diferença. - Quer conseguir inimizades no seu primeiro dia de treinamento? E eu não posso agir, sendo um dos protegidos...


- E eu agradeço por isso. – Ela o empurrou em frente. – E eu não pretendo passar mais do que esse dia em treinamento, garoto. Eu ao menos tenho uma espada ou um escudo! Afinal de contas, qual o seu nome? – Ela soltou, de repente.


- Você é louca e eu sou Dodô.


- Prazer. – Hermione o empurrou para trás de uma árvore, onde ficariam escondidos.


- Você ao menos tem ideia do que está fazendo?


- Sabe, Dodô é um pássaro no meu mundo... – Ela refletiu, aluada.


- Você ao menos sabe o que faremos? – Ele preocupou-se de verdade.


- Eu farei. – Hermione corrigiu, desamarrando os pedaços de tecido azul que ele trazia dependurado nos pulsos. – Você é apenas o protegido.


Seu plano era mais do que loucura, afinal como poderia enganar alguém sendo uma forasteira de rosto conhecido por todos protegendo o líder do grupo azul, conhecido por todos também? Dodô seguia atrás dela, ambos escondidos do grupo azul por toda a floresta, sem reclamar. Mesmo sem saber o que fazia direito, Hermione pretendia remendar o plano fraco da Catterpilar e conseguir, além de tudo, provar para si mesma que era capaz de roubar uma coroa.


- É nisso que consiste seu plano? – Dodô perguntou, preocupado atrás de uma árvore grande, segurando Hermione nos ombros para que ela espiasse por cima dos galhos da árvore. – Deixar que o grupo vermelho leve a coroa?


- E depois roubá-la enquanto tentam levá-la até Hatter. – Ela esclareceu, em uma voz muito baixa. – Roubar uma coroa é o que eu vim fazer aqui! Porque você acha que a tarefa principal é sempre resgatar uma coroa? – Ele deu de ombros, balançando o corpo dela. – Porque uma rainha não reina se ela não tiver uma coroa, mesmo que esse seja um conceito ultrapassado.


- Você acha que esse era o objetivo da prova de Hatter?


- Não sei. – Ela foi sincera, descendo dos ombros do garoto com delicadeza e sem fazer barulho. – Eu apenas sei que o grupo azul vai proteger muito bem seus protegidos e atingir os protegidos vermelhos, porque parecem mais treinados para o ataque e proteção do que para estratégia. E enquanto eles protegem e atacam, fazendo a parte deles – Ela gesticulou, sorrindo. -, nós fazemos a nossa, roubando a coroa dos vermelhos!


- E como você tem tanta certeza de que os vermelhos é que estarão de posse da coroa?


- É mais como um golpe de sorte. – Admitiu. – O grupo azul não parece muito preocupado em resgatar a coroa e sim em combater os vermelhos.


- E se falharmos?


- Eu peço desculpas e volto para casa. – Hermione deu um tapinha no ar, demonstrando uma segurança em si mesma, que ela ao menos sabia existir. – Não vai acontecer!


O grupo azul finalmente parara de andar, encontrando-se de frente com o grupo vermelho. Não foi surpresa para Hermione, mas uma grande surpresa para Dodô que a garota estivesse certa. Sim, certa! Ela comemorou dentro de si mesma, já que o que via nas mãos da líder vermelha era uma brilhante imitação barata de uma coroa de rainha. O objeto era cravado de pedras brilhantes e refletia a luz do sol.


Não demorou para que os grupos corressem um de encontro ao outro, exatamente como numa guerra entre bárbaros.o barulho era ensurdecedor e trazia consigo não apenas o som do esforço em proteger alguém, mas a dor de alguém atingido em cheio por um soco invocado e o som da agonia e plano de fuga. Hermione tinha vontade de sair correndo para fora dali, devido à tal violência, mas aquilo que ela via era a coroa sendo levada para longe?


- Ali. – Ela apontou para uma garota correndo para longe, carregando em uma das mãos, sem delicadeza alguma, a coroa. Hermione esperou que Catterpilar percebesse o que estava acontecendo, mas devido à distração completa da batalha, ela se via obrigada a defender um garoto enquanto tentava atacar outro.


- Vamos segui-la?


- É claro! – Hermione o puxou pelo pulso, enquanto corria paralela à garota, apenas mantendo-se longe o suficiente para que ela não a visse.


A garota corria muito rápido, atravessando a floresta em direção à praia por um lado que Hermione não havia conhecido antes. Agora que não estavam mais tão perto da batalha, eles tinham de tomar cuidado com o barulho de seus pés ao tentarem se tornar invisíveis na floresta. A garota finalmente parara de correr, isso a apenas passos da praia. Hermione também parou, erguendo o braço para estancar a corrida de Dodô, já que este vinha em velocidade alarmante.


- Ai! – Ele arfou com a batida inesperada do braço dela em seu peito.


A coroa estava a apenas passos de Hermione. Se pudesse usar magia, ela teria invocado o objeto apenas com um aceno e com uma palavra, porém praticamente prometera a si mesma usar apenas da força que todos os outros usavam. Uma insanidade se fosse comparar a batalha didática com o que teria de enfrentar no castelo da Rainha de Copas.


- Eu tenho ouvidos muito bons. – A voz da garota do grupo vermelho irrompeu o silêncio dos limites da floresta, paralisando Hermione onde ela estava. Então a garota sabia que eles a estiveram seguindo? E se tudo aquilo tivesse sido planejado pelo grupo vermelho? Colocar uma garota a correr sozinha com o objeto premiado não era a coisa certa a se fazer.


- Você sabia o que estávamos fazendo? – A bruxa irrompeu a floresta, dando-se de frente com a outra. – Porque o tempo todo pareceu que você estava correndo até Hatter como uma garota obediente.


Ela não teve tempo de dizer mais nada e muito menos de receber sua resposta, já que a garota largara a coroa dentro de uma bolsa de couro enrugado que levava em sua cintura, partindo para cima dela com a espada levantada. Será que ela não havia percebido que Hermione não usava proteção alguma e muito menos portava uma arma? Hermione jogou o corpo para trás, caindo ao chão de costas, escapando por um triz da investida cortante da menina. A espada de Dodô foi de encontro ao chão, enquanto ele tentava esconder-se da garota.


- Eu sou o protegido! – Ele gritou, de trás de uma árvore.


- Terei de usar a espada que você deixou cair! – Hermione juntou a arma do chão, brincando. Era óbvio que o garoto não havia deixado sua espada cair. Era mais pesada do que qualquer coisa que Hermione tinha erguido nos últimos dias, mas parecia aderir perfeitamente às linhas de sua mão fechada ao redor do punho da arma.


A bruxa não sabia como, mas a arma parecia mover-se sozinha em seus braços, golpeando cegamente, sem ritmo e sem habilidade alguma a espada da outra, até que a arma da vermelha caísse ao chão. Agora elas estavam quites e Hermione pode golpear a garota com um tapa anteriormente treinado na face pálida de Draco. Um tapa não bastou e ela teve de golpear a garota mais vezes, levando muito socos e chutes também.


Hermione tinha certeza de que quebrara uma costela, quando finalmente conseguira arrancar a bolsa de couro da cintura da garota. As duas estavam cambaleando, prestes a caírem ao chão, mas a bruxa tinha a vantagem de ainda poder contar com seu protegido. Dodô assistira toda a luta de trás da árvore, mas ao momento final irrompera para ajudar as duas garotas. Afinal, ajudar um inimigo caído ao chão, não fazia dele um mau guerreiro. A vitória estava ganha, mesmo que a bronca por desobedecer a um líder ainda estivesse por vir.


- Você só pode ser maluca! – Catterpilar sussurrava enfurecida para uma Hermione cheia de hematomas. A outra garota vermelha não estava em melhores condições, mas pelo menos a bruxa conseguira andar até Hatter e lhe entregar a coroa brilhosa.


Agora o capitão andava de um lado para outro, remexendo nos cabelos ruivos debaixo do chapéu. Ele não parecia querer chegar a uma conclusão e muito menos parecia pensar sobre alguma coisa, mas o silêncio reinava entre os dois grupos formados por jovens cansados e machucados. Hermione sentia as dores da briga por todo o corpo, ainda tendo a sensação de que havia quebrado alguma coisa.


- Você não podia ter me desobedecido! – Catterpilar continuou, ainda sussurrando.


- Cale a boca! – Hermione finalmente falou, com o corpo apoiado no braço de Dodô.


- Você devia ter mantido a posição, assim como eu mandei e...


- E o que? – A bruxa esbravejou em sussurros. – Eu posso ter me metido em uma briga ridícula que pode ter me custado uma costela e posso até ter desobedecido a suas ordens, mas pelo menos o meu protegido está intacto – Hermione apontou para o protegido de Catterpilar, sentado ao chão com um braço machucado. – e eu consegui a coroa.


- Você é prepotente! – Catterpilar sussurrou em xingamento.


- Chega! – Hatter gritou de repente, assustando as duas, que viraram os rostos automaticamente para ele. O chapéu estava fora de sua cabeça, agora dançando entre suas mãos. – As duas cometeram erros graves que não podem ser repetidos, saibam disso. Hermione não devia ter desobedecido a ordens de um superior e muito menos ter arriscado sua vida e a vida de seu protegido pelo objetivo final. – Catterpilar balançou a cabeça como quem se gabava. – Mas se ela não tivesse o feito, a coroa agora seria do grupo vermelho graças a um plano falho. Devo parabenizar o grupo vermelho por seu excelente plano, a propósito. – O grupo vermelho cumprimentou-se, fazendo pouquíssimo barulho. – Mas mesmo com membros machucados e um plano falho remendado por um membro rebelde, o grupo azul é o vencedor.


Hatter recolocou o chapéu na cabeça, dando as costas aos grupos enquanto os mesmos voltavam a se juntar em um grupo só. Dodô esticou a mão para cumprimentar Hermione de um jeito muito peculiar, que ela teve de aprender na hora. Ela sorriu, sentindo os ossos do rosto doerem devido aos golpes da vermelha. Ao longe, a bruxa conseguiu vê-la.


- Bons golpes. – A bruxa riu, caminhando desconcertadamente até Hatter. Ainda tinha assuntos importantes a tratar com o capitão do exército rebelde. Queria saber exatamente quando e como partiria para o castelo da Rainha de Copas. Seria apenas o reflexo dos golpes da briga com a vermelha que lhe incomodavam o peito ou as costelas doíam de curiosidade e medo? Afinal, a briga pela coroa da rainha seria dez vezes mais dolorosa.

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