CAPÍTULO 15



CAPÍTULO 15


 


Gina ouviu o murmúrio distante do noticiário internacional que vinha do telão da sala de estar quando acordou. Seu relógio biológico estava confuso. O organismo achava que ainda estava no meio da madrugada, mas um dia chuvoso estava amanhecendo no lugar onde o seu corpo estava.


Deduziu que Harry não dormira muito, mas já aceitara o fato de que ele precisava de menos horas de sono do que qualquer pessoa que ela conhecia. Ele não estava muito falante depois que voltaram do Porquinho Rico na noite anterior, mas lhe pareceu... faminto.


Fizera amor com ela como um homem desesperado para encontrar algo, ou perder, e ela não tivera outra escolha a não ser agüentar firme e curtir o passeio.


Agora ele já se levantara e estava trabalhando, imaginou. Acompanhando atentamente o noticiário, as ações da bolsa, fazendo ligações, apertando botões. Decidiu que era melhor deixá-lo com seus afazeres até a sua mente clarear um pouco.


Olhou para o boxe do banheiro com ar desconfiado. Tinha três lados revestidos de azulejos brancos, mas o quarto lado era aberto, e deixava o traseiro do usuário à mostra, bem na direção do quarto.


Embora tivesse procurado, não encontrou mecanismo algum que pudesse ser usado para fechar a porta e proteger a sua privacidade.


O boxe tinha quase dois metros de altura e canos desciam do teto com opções para ducha forte ou fraca. Ela escolheu a forte, muito quente, e tentou ignorar a abertura atrás de si enquanto se ensaboava e se enxaguava.


Brian não fora de muita ajuda, refletiu, embora tivesse prometido espalhar as notícias de forma discreta, a fim de tentar reunir informações sobre as famílias dos homens que haviam assassinado Marlena. Brian conhecia vários deles pessoalmente, e descartara a idéia de que alguma daquelas figuras tivesse a capacidade, o cérebro ou o sangue-frio para orquestrar uma série de assassinatos em Nova York.


Gina pretendia dar uma olhada nos registros policiais e pedir a opinião de alguém da polícia local. Tudo o que tinha a fazer era enviar Harry para um lugar qualquer, a fim de conseguir a manhã livre para a troca de idéias que pretendia realizar com a inspetora Farrell.


Certa de que seria preciso apenas uma manobra rápida para escapar, ordenou à ducha que se fechasse, virou-se para sair do chuveiro e deu um grito assustado.


Harry estava em pé bem atrás dela, encostado na parede, com as mãos enfiadas nos bolsos de forma casual.


- Que diabos você está fazendo?


- Pegando uma toalha para você. - Sorrindo, pegou uma das toalhas que estavam sobre o balcão aquecido, mas manteve-a fora do alcance de Gina. - Dormiu bem? - quis saber ele.


- Sim, dormi muito bem.


- Pedi um café da manhã do tipo “irlandês completo” quando ouvi a água do chuveiro. Você vai gostar.


- Certo. - concordou ela, tirando as pontas de cabelo molhado da frente dos olhos. - Agora você vai me dar a toalha ou não?


- Estou pensando no assunto. A que horas é o seu encontro com a inspetora?


- Quem? - perguntou ela, esticando a mão para pegar a toalha e puxando-a de volta, desconfiada.


- A polícia, querida Gina. Os tiras de Dublin. Imagino que você tenha marcado para hoje de manhã. A que horas vai ser? Nove?


- Eu não disse que ia me encontrar com alguém da polícia daqui. - Ela se virou de lado e cruzou os braços sobre os seios, mas não adiantou nada. Ao ver que ele se limitou a levantar uma sobrancelha, xingou baixinho. - Sabichões que conhecem tudo e todos são muito irritantes para os meros mortais. Anda, me dá logo essa porcaria de toalha!


- Não conheço tudo, mas conheço você. Marcou com alguém em particular?


- Olhe, não dá para eu ter essa conversa assim, nua...


- Eu gosto de conversar quando você está nua.


- É porque você é um tarado, Harry. Quer me dar essa toalha?!


- Venha pegá-la. - provocou ele, segurando a toalha com as pontas de dois dedos, os olhos brilhando.


- Você está apenas planejando me arrastar de volta para a cama.


- Eu não estava pensando na cama. - Seu sorriso se ampliou ao se mover na direção dela.


- Pode parar! Para trás! Vou acabar machucando você! - avisou ela, tentando desviar dele pela direita.


- Nossa, adoro quando você me ameaça. Fico excitado!


- Pois eu vou lhe dar motivos para excitação. - prometeu ela. No instante em que ele atirou a toalha em sua direção, ela avaliou rapidamente as chances de passar por ele e alcançar a porta do banheiro, e as considerou aceitáveis. Ao agarrar a toalha, porém, ele a segurou pela cintura e a colocou com as costas coladas na parede, enquanto ela resolvia se começava a rir ou praguejar.


- Não adianta que eu não vou brigar com você aqui dentro. - Soprou o cabelo molhado. - Qualquer um sabe que é no banheiro que acontece a maioria dos acidentes domésticos com ferimentos graves. Todo banheiro é uma armadilha mortal.


- Vamos ter que arriscar. - Lentamente, levantou as mãos dela sobre a cabeça e arranhou-lhe a garganta com os dentes. - Você está molhada, quentinha e saborosa.


O sangue dela ferveu e os músculos relaxaram. Ora bolas, pensou, afinal ainda havia duas horas livres pela frente. Virando a cabeça, cobriu a boca dele com a dela.


- Você está vestido. - murmurou. Em um movimento rápido, balançou o corpo, girou e inverteu as posições. Seus olhos riram ao olhar para os dele. - Deixe que eu acabo com este problema.


Sexo selvagem, feito em pé, era uma ótima maneira de começar bem o dia, reconheceu Gina. Quando era seguido pela imensa quantidade de comida que os irlandeses chamavam de café da manhã, virava o nirvana.


Ovos mexidos com as gemas moles, batatas fritas com molho acebolado, lingüiça com bacon e fatias grossas de pão cobertas de manteiga fresca, tudo isso acompanhado por café à vontade.


- Humm!... - conseguiu exclamar ela, sem parar de atacar a comida. - Eles não podem!


- Não podem o quê?


- Os irlandeses não podem comer desse jeito todos os dias. Daqui a pouco o país inteiro vai estar obeso, caminhando que nem pata-choca em direção à morte.


Observá-la comer sempre o deixava satisfeito. Era uma alegria vê-la abastecer aquele corpo esbelto que transformava as calorias em nervos de aço e muita energia.


- Esse tipo de café da manhã é algo eventual por aqui. Só nos fins de semana.


- Uma delícia. Humm... Esse bolo de carne é feito com quê?


Harry olhou o bolo vermelho que ela comia em generosas garfadas e balançou a cabeça, avisando:


- Você vai me agradecer se eu não contar. Simplesmente coma...


- Tudo bem. - Fez uma pausa para pegar fôlego, olhando de lado para ele e dando um suspiro. - Vou me encontrar com a inspetora Farrell às nove horas. Acho que deveria ter lhe contado.


- Está me contando agora. - observou ele, e olhou para o pulso, a fim de ver as horas. - Se o encontro é só às nove horas, vou ter tempo para resolver alguns assuntos, antes de nós irmos lá.


- Nós? – Gina pousou o garfo antes de comer mais e causar um dano permanente à sua silhueta. - A inspetora Farrell vai se encontrar comigo... euzinha, apenas... por pura cortesia profissional. E quer saber de uma coisa? Aposto com você que ela não vai levar o marido.


- Essa foi uma tentativa de me colocar no meu devido lugar? - perguntou ele, sorrindo com descontração ao levantar o olhar da agenda eletrônica na qual confirmava compromissos profissionais.


- Acho que você sacou direitinho.


- Tudo bem, então veja se consegue sacar uma coisa também... - Com toda a calma, tornou a encher as duas xícaras de café. - Você pode correr atrás de informações para esta investigação do seu jeito, - seus olhos se fixaram nos dela, brilhando - e eu posso correr atrás também, do meu jeito. Você vai se arriscar a que eu o encontre antes?


Ele sabia ser duro e implacável. Certamente era muito esperto.


- Você tem vinte minutos para resolver seus compromissos antes de sairmos. - avisou ela.


- Vou estar pronto.


 


A inspetora Farrell era uma mulher muito atraente. Tinha em torno de quarenta e cinco anos, e seus cabelos ruivos muito brilhantes, amarrados em um coque frouxo, pendiam meio soltos na parte de trás de um pescoço esguio. Seus olhos eram verde-musgo e sua pele tinha o tom de creme amanteigado. Usava um terninho cinza, feito sob medida e de corte estreito que, apesar do estilo militar, deixava entrever um par de longas e lindas pernas. Ao receber  Gina e Harry ofereceu a mão a ambos e, em seguida, uma xícara de chá.


- É a sua primeira visita à Irlanda, tenente Weasley?


- Sim.


Embora a sala arrumada de forma impecável fosse equipada com um AutoChef, a inspetora serviu o chá em um aparelho de fina porcelana branca. Aquele era um de seus pequenos prazeres. E lhe dava oportunidade de avaliar a policial ianque e o homem que a acompanhava, conhecido apenas pelo nome de Harry.


- Espero que vocês tenham a oportunidade de ver um pouco do nosso país, aproveitando que estão aqui.


- Nessa viagem não será possível.


- Que pena... - Virando-se com as xícaras nas mãos, exibiu um sorriso simpático. Gina era menos e mais do que ela esperava. Menos frágil do que imaginava para uma policial americana... e mais resoluta do que ela esperava, sendo uma mulher que se casara com um homem com a reputação de Harry. - Você nasceu aqui em Dublin, não é? - perguntou a Harry.


Ele reconheceu o ar de especulação em seus olhos e viu que ela o conhecia bem. Harry não tinha nenhuma ficha criminal, oficialmente, mas a sua reputação, na área, era imensa. As lembranças demoravam muito a se apagar.


- Cresci nas favelas, na zona sul de Dublin.


- Uma região conturbada, mesmo hoje em dia. - comentou ela, cruzando as pernas espetaculares. - E você ainda tem assuntos... ahn... negócios, por assim dizer, nessa região?


- Vários.


- Isso é muito bom para a economia. Você trouxe o corpo de Jennie O’Leary para ser velado e enterrado.


- Sim, trouxe. Ele vai ser velado esta noite.


A inspetora Farrell assentiu com a cabeça e provou o chá com delicadeza, afirmando:


- Tenho um primo que certa vez se hospedou na pousada que ela administrava, em Wexford. Ele me disse que o lugar é adorável. Já esteve lá?


- Não. - Ele inclinou a cabeça, percebendo a pergunta nas entrelinhas. - Não via Jennie há mais de doze anos.


- Mas entrou em contato com ela pouco antes de ela ir para Nova York e ser assassinada.


Gina pousou a xícara com força sobre a mesa, fazendo barulho.


- Inspetora Farrell, - avisou ela - este homicídio e os outros relacionados com ele estão sob a minha jurisdição. Você não tem autoridade para interrogar Harry a respeito deste assunto.


Durona, pensou a inspetora. E cercava bem o seu território. Pois bem, eu também sou assim.


- As suas três vítimas eram cidadãos irlandeses. Temos um interesse especial na investigação.


- Sua pergunta é fácil de responder. - interveio Harry antes que Gina tivesse chance de explodir novamente. - Entrei em contato com Jenny depois que Shawn Conroy foi assassinado. Estava preocupado com a sua segurança.


- A dela em particular?


- A dela e a de todos os outros de quem fui amigo pessoal no tempo em que morava em Dublin.


- Vamos colocar todas as cartas na mesa. - propôs Gina, atraindo a atenção da inspetora de volta para ela, onde pretendia mantê-la. - Eu recebi uma ligação com um sinal cheio de interferências eletrônicas e até agora não rastreado de um indivíduo que afirmava que o seu objetivo era efetuar um ato de vingança autorizado por Deus, e que me escolhera como oponente. Ele me apresentou uma citação da Bíblia, uma charada e, logo em seguida, descobri o corpo mutilado de Thomas Brennen em sua residência nova-iorquina. Em seguida soube que Harry conhecera Thomas Brennen, da época em que ambos moravam em Dublin.


- Eu conversei pessoalmente com a viúva. - informou a inspetora Farrell. - Ela me disse que você foi muito gentil com ela.


Gina levantou as sobrancelhas e informou:


- É que nós deixamos quase por completo de espancar viúvas quando elas vão ao necrotério. Agir daquela forma não pegava bem para a nossa imagem.


Farrell respirou fundo, seguiu com os olhos dois bondes elétricos turísticos pintados de verde e branco que passavam diante da janela e disse:


- Entendi o recado, tenente.


- Ótimo. No dia seguinte, eu recebi outra ligação, outra série de dicas e encontrei o corpo de Shawn Conroy. O padrão e o fato de o segundo assassinato ter acontecido em uma casa para alugar que pertence a Harry indicavam que havia uma ligação com ele.


- Depois disso, seguindo as dicas de outra ligação, você descobriu o corpo de Jenny O’Leary no quarto de um hotel que também pertence a Harry Potter.


- Exato, inspetora. Um colega da Divisão de Detecção Eletrônica acompanhou o sinal da ligação e notou que ele ricocheteava em vários pontos, um dos quais indicando que a transmissão se originara de nossa casa. Entretanto esse era apenas um eco que provou ser falso. Nesse momento nós estamos analisando o eco, e continuamos confiantes de que conseguiremos descobrir a origem exata da ligação.


- Nesse momento, pelo que sei, o seu principal suspeito é um empregado de Harry, um homem que também morou em Dublin no passado. Moody é o seu nome. - continuou a inspetora, sorrindo de leve para Harry. - Não conseguimos encontrar quase nada a respeito dele em nossos registros.


- Vocês estão um pouco desatualizados, inspetora. - disse Gina, de forma seca. - Depois de investigações mais profundas e testes psicológicos, Moody não é mais suspeito. Há indicações de que ele está sendo usado para induzir a polícia a erro.


- No entanto tudo aponta para o passado, em Dublin, e esta é a razão de sua viagem.


- Harry e Moody cooperaram bastante conosco. Acredito que estes crimes foram motivados pelo estupro e assassinato da filha de Moody, a menor Marlena, há quase vinte anos. Ela foi seqüestrada e mantida em um cativeiro por um grupo de homens que ameaçavam machucá-la se Harry não atendesse às suas exigências. Entretanto esse acordo foi ignorado e o corpo da menina foi largado sem vida na porta da casa onde Harry, Moody e Marlena moravam.


- E isso aconteceu aqui, em Dublin?


- O sangue era e continua a ser derramado, mesmo em suas ruas limpíssimas, inspetora.


Os olhos de Farrell ficaram duros no momento em que ela se virou para o computador, perguntando:


- Quando isso aconteceu?


Foi Harry quem lhe forneceu o ano, o mês, o dia e a hora exatos.


- Marlena Moody... - afirmou ela.


- Não. Kolchek. Seu nome era Marlena Kolchek. - Esse era também o nome verdadeiro de Moody, usado durante aquele período, pensou Harry, embora já não existissem registros de nenhum Basil Kolchek. Moody fora criado semanas após a morte de Marlena. - Nem todas as crianças usam o último nome do pai. - explicou Harry, para abreviar o assunto.


Farrell olhou-o com serenidade e então solicitou o arquivo.


- Este caso foi investigado e fechado como morte por fatalidade. O investigador principal foi... - Parou de falar, soltando um suspiro. - Inspetor Maguire. Você o conhecia? - perguntou a Harry.


- Sim, eu o conhecia.


- Pois eu não... pelo menos não pessoalmente. Sua reputação, porém, é algo de que o departamento não se orgulha. Você conhecia os homens que mataram essa menina?


- Sim, eu os conhecia. Estão mortos.


- Entendo... - Seus olhos piscaram rápido. - Seus nomes, por favor.


Enquanto Harry lhe fornecia cada um dos nomes, a inspetora foi solicitando ao sistema os arquivos correspondentes, ao mesmo tempo em que os analisava.


- Eles não eram exatamente cidadãos exemplares de nossa comunidade. - murmurou. - E morreram de forma cruel. Poderia mesmo dizer... vingativa.


- Poderia dizer. - concordou Harry.


- Homens que escolhem este estilo de vida freqüentemente morrem de forma perversa. - observou Gina. - Minha impressão é que, devido à ligação de Harry com Marlena, este assassino resolveu vingar uma ou mais destas mortes por acreditar erroneamente que ele era o responsável por elas. Os que morreram em Nova York também conheciam Marlena e as reais circunstâncias da sua morte. Moody era seu pai e mantém até hoje um relacionamento pessoal importante com Harry. Consegui desviar a atenção do assassino por algum tempo, mas temos mais um ou dois dias, no máximo, antes que ele mate o próximo da lista.


- E faz alguma idéia de quem será o próximo? - perguntou a Harry.


- Já se passaram dezenove anos, inspetora. - respondeu ele. - Entrei em contato com todas as pessoas que pudessem servir de alvo. No entanto nem mesmo isso ajudou Jenny.


- Consigo acessar os dados oficiais sobre as famílias destes homens, - explicou Gina - mas isso não é o bastante. Preciso da análise pessoal de algum profissional da área. Preciso da visão de um tira, um tira que esteja familiarizado com eles, saiba dos seus estilos de vida e conheça as suas mentes. Preciso de uma lista de suspeitos com as quais eu possa trabalhar.


- Tem um perfil psicológico do assassino?


- Tenho.


- Então vamos ao trabalho. - concordou Farrell.


 


- São todos criminosos profissionais. - comentou a inspetora, batendo com uma vareta na palma da mão. Eles haviam se transferido para uma sala de reuniões pequena e sem janelas onde havia três telões. Farrell apontou para a primeira imagem. - Ryan, este homem aqui, é da pesada. Grampeei-o pessoalmente, cinco anos atrás, por furto e assalto a mão armada. Ele é um sujeito feroz, mas apenas intimida as pessoas... não é um líder. Saiu da cadeia há seis meses, mas é pouco provável que permaneça longe das grades. Ele não se encaixa no perfil apresentado.


Do outro lado da sala, Gina pregara fotos em um quadro largo. As vítimas estavam em um dos lados, e os possíveis suspeitos, do outro. Aceitando a avaliação da inspetora Farrell, removeu Ryan.


- Vamos agora para Michael O’Malley. - indicou a inspetora.


- Ele estava preso na noite em que Conroy foi assassinado. - Gina franziu o cenho ao ler os dados que apareciam ao lado da imagem. - Foi pego dirigindo bêbado.


- Sim. Aparentemente, tem um problema com o álcool. - comentou a inspetora, reparando nas dezenas de multas e transgressões por bebida e arruaças, inclusive direção de veículos sob o efeito de drogas pesadas e provocação de distúrbios na ordem pública - E também espanca a mulher. Um homem adorável.


- Ele costumava ficar de ovo virado por qualquer motivo e descontava a raiva surrando a namorada. - informou Harry. - Annie... acho que era esse o seu nome.


- Sim. Annie Murphy. - confirmou a inspetora, suspirando. - Ela se casou com o namorado e apanha dele, regularmente, até hoje.


- Um anormal pervertido, mas não um assassino. - decidiu Gina, retirando sua foto. - Vamos à figura encantadora número três.


- Ora, aqui está uma possibilidade. Já lidei com Jamie Rowan e garanto-lhes que este aqui não é um imbecil qualquer. E esperto, dissimulado. Sua mãe veio de uma família muito rica, e isso lhe proporcionou um nível de educação elevado. Adora viver cercado de luxo e conforto.


- E é um filho-da-mãe muito bonito. - comentou Gina.


- Realmente é, e sabe muito bem o charme que tem. Viciado em jogo o nosso Jamie, e quando os que perdem para ele não pagam logo o que lhe devem, envia um dos capangas para lhes fazer uma visita. Interrogamos este lindo rapaz no ano passado, por suspeita de cumplicidade em um assassinato. Um de seus homens cometeu o crime sob as suas ordens, isso nós sabemos com certeza, mas não conseguimos provar.


- E ele também ataca os desafetos pessoalmente?


- Não. Pelo menos que tenha sido confirmado.


- Vamos mantê-lo na lista, mas ele me parece frio demais, do tipo que só aperta botões e distribui ordens. Você o conhecia, Harry?


- O bastante para deixá-lo com um olho sangrando e alguns dentes moles. - sorriu Harry, acendendo um cigarro. - Devíamos ter uns doze anos. Ele tentou me assustar. Não funcionou.


- Estes foram os três últimos de nossa lista de possibilidades. Encurtamos a lista para... deixe ver... - a inspetora contou as fotos rapidamente -... doze nomes. Destes todos, estou inclinada na direção de Rowan, ou Black Riley, o mais esperto do grupo.


- Então, vamos deixá-los no topo da lista. O problema é que não se trata apenas de cérebro. - continuou Gina, andando em volta da mesa de reuniões. - Temos um temperamento forte. Muita paciência. E ego. Além do mais, tudo tem relação com a religião do assassino.


- E a maior probabilidade é a de que ele seja católico, se pertence a uma dessas famílias. A maioria é de praticantes, gente que assiste à missa de forma pia e respeitosa no domingo de manhã, depois de ter aprontado o que bem quis no sábado à noite.


- Não sei muita coisa a respeito de religiões, seja o catolicismo ou qualquer outra, mas uma das ligações que ele me fez mostrava imagens do que identificamos como uma missa católica de corpo presente, e as imagens que deixa nas cenas do crime são de Maria, portanto, essa é a minha aposta. - De forma casual, Gina tocou com a ponta dos dedos o medalhão que estava no fundo do bolso e o puxou para fora. - Isto significa algo para você?


- Sorte. - disse a inspetora. - Boa ou má. Temos uma artista local que usa trifólios, mais conhecidos como trevos, à guisa de assinatura, em suas pinturas. - Franziu o cenho ao virar o medalhão. - Há um símbolo cristão do outro lado. O peixe. Bem, o que temos aqui indica que o nosso homem raciocina como um verdadeiro irlandês. Reza a Deus e espera conseguir sorte na vida.


- Quanta sorte acha que poderá ter se convocar estes doze para interrogatório? - quis saber Gina, tornando a guardar o medalhão no bolso.


- Bem, em se tratando desse grupo, - Farrell deu uma risada curta - se eles não forem chamados para interrogatório pelo menos uma vez por mês vão se sentir rejeitados. Se quiserem, podem ir comer alguma coisa. Logo depois do almoço começaremos os interrogatórios.


- Eu lhe agradeço muito. Você me deixaria acompanhá-la enquanto os interroga?


- Pode me acompanhar e observar, tenente, mas não participar.


- Parece-me justo.


- Não posso estender o convite a civis, - disse a Harry - mas talvez você ache a tarde proveitosa para procurar alguns velhos amigos e convidá-los para tomar um chope.


- Certo. Obrigado pelo seu tempo.


A inspetora apertou a mão que Harry lhe oferecera e a segurou por um momento, enquanto olhava fixamente para ele.


- Prendi o seu pai certa vez, quando ainda era uma recruta. Ele me pareceu muito indignado por ter sido preso por uma fêmea. Esse foi o termo mais suave que usou para se referir a mim. Eu era inexperiente, e ele conseguiu abrir os meus lábios com um soco antes que eu conseguisse imobilizá-lo.


- Sinto muito por tudo isso. - Os olhos de Harry pareceram frios e sem expressão ao dizer isso enquanto recolhia a mão.


- Você não estava junto dele, pelo que me lembro. - comentou a inspetora com a voz tranqüila. - Recrutas geralmente não esquecem seus primeiros erros, por isso eu me lembro tão bem dele. Esperava encontrar alguma coisa do seu pai em você, mas isso não aconteceu. Não há nada dele em você. Tenha um bom dia, Potter.


- Um bom dia para você também, inspetora.


 


No momento em que Gina entrou de volta no hotel, já digerira o almoço por completo. A fadiga e a irritação causadas pela diferença de fusos horários deixavam a sua mente turva. A suíte estava vazia, mas havia meia dúzia de fax codificada esperando por ela, pronta para ser impressa. Gina ingeriu um pouco de café, aumentando a quantidade de cafeína em seu organismo já sobrecarregado enquanto analisava os relatórios.


Abriu tanto a boca para bocejar que seu maxilar estalou, e resolveu ligar para o tele-link de sua auxiliar.


- Aqui fala Granger.


- E aqui é Weasley. Acabei de chegar de volta ao hotel. Os peritos já acabaram de examinar a van branca abandonada no centro da cidade?


- Sim, senhora. Pista errada. A van foi usada para um roubo em Nova Jersey e deixada para trás junto do canal. Continuo a seguir esta linha de investigação, mas vai levar ainda muito tempo para eliminar os veículos. O táxi cuja placa foi usada também não deu em nada. O motorista nem havia notado que a sua placa tinha sido roubada.


- E Ronald avançou nas averiguações sobre o misturador de sinais?


Hermione fez um muxoxo, mas logo retomou o ar sério, informando:


- Parece que está tendo algum progresso, embora relate as coisas usando uma língua estranha, o eletroniquês, idioma que eu não domino. Compartilhou grandes momentos com um especialista em eletrônica que trabalha para Harry. Acho que estão apaixonados um pelo outro.


- Esse seu mau humor já está dando bandeira, Hermione.


- Muito menos do que seria de esperar. Nenhuma outra ligação foi feita para o seu tele-link, portanto eu imagino que o nosso rapaz esteja dando um tempo para a sua carnificina. Ronald vai passar a noite aqui em sua sala, para o caso de ele ligar. Eu vou ficar também.


- Você e Ronald vão ficar em meu escritório a noite inteira?


A boca de Hermione quase fez um biquinho de pirraça ao responder:


- Se ele vai ficar, eu vou ficar também. Além do mais, a comida aqui é excelente.


- Tentem não se matar.


- Estou demonstrando um admirável autocontrole nessa área, senhora.


- Muito bem. Moody está se comportando direitinho?


- Sim. Foi à aula de pintura, e em seguida saiu para tomar um café com aquela senhora amiga dele. Eu mandei segui-lo. O encontro entre os dois foi muito comportado, de acordo com o que me contaram. Ele voltou para casa há vinte minutos.


- Cuide para que ele permaneça em casa.


- Já providenciei isso. Algum progresso aí?


- Não exatamente. Temos uma lista de criminosos em potencial que caiu pela metade depois dos interrogatórios. Vou dar uma olhada mais cuidadosa nos seis que sobraram. - disse, esfregando os olhos cansados. - Um deles está em Nova York e um parece que foi para Boston. Vou localizá-los quando voltar amanhã. Devemos chegar ao meio-dia.


- Vamos manter a lareira acesa.


- Encontre aquela droga de van, Hermione. - ordenou ela, desligando e ordenando a si mesma para não se preocupar nem especular sobre o local onde Harry poderia estar.


 


Ele tinha coisas mais importantes a fazer do que voltar para o hotel. Era algo tolo e sem resultados, mas irresistível. A favela onde morara mudara muito pouco desde o tempo em que ele era um menino, tentando escapar dali. As casas construídas com material inferior estavam com os telhados caindo aos pedaços e as janelas quebradas. Era raro ver flores no local, mas algumas almas esperançosas cultivaram um jardim minúsculo junto à porta de entrada do prédio de seis andares onde um dia ele morara.


As flores, porém, embora fossem bem coloridas, não conseguiriam resistir por muito tempo ao cheiro de urina e vômito, muito menos diminuir o desespero que tornava o ar tão pesado.


Harry não sabia por que resolvera ir até ali, mas se viu de repente dentro do escuro saguão de entrada com piso gosmento e tinta descascada. E ali estava o lance de escadas do alto do qual o seu pai um dia o chutara por ele não ter alcançado a cota de carteiras afanadas para aquele dia.


Ora, mas eu alcancei a cota, pensava Harry naquele momento. O que representavam alguns chutes e tombos comparados às libras que ele andava escondendo? O velho vivia bêbado e era burro demais para suspeitar que o seu menino açoitado pudesse guardar para si um pouco da bufunfa.


Harry sempre fizera isso. Uma libra aqui e outra ali podiam se transformar em uma grande soma nas mãos de um menino determinado a abrir os próprios caminhos e correr os próprios riscos.


- Ele ia me quebrar a cara de qualquer modo. - murmurou baixinho, olhando para o alto dos degraus muito gastos.


Ouviu alguém praguejando, e outro alguém choramingando. Era comum ouvir xingamentos e choros em lugares como aquele. O cheiro de repolho cozido era forte e fez o seu estômago revirar, levando-o a voltar correndo para fora em busca de ar puro.


Reparou que um adolescente com calça preta apertada e um tufo de cabelos louros o observava friamente da esquina. Do outro lado da rua, duas meninas riscavam a calçada rachada com giz, preparando-se para pular amarelinha, e também pararam para olhar para ele. Harry passou pelos jovens, consciente de que havia outros olhos observando-o com atenção, espiando por janelas e portas entreabertas.


Um estranho usando sapatos caros era algo curioso e ultrajante.


O menino o xingou de algo em idioma celta. Harry se virou na mesma hora e encarou o olhar de deboche que o garoto lhe lançou.


- Agora eu vou-me embora pelo beco. - avisou ele, usando a mesma língua, que lhe saiu dos lábios com mais facilidade do que imaginara. - Se você pretende se arriscar a vir me atacar, saiba que estou muito a fim de ferir alguém seriamente. Pode ser você ou outro qualquer.


- Tem gente que morre ali. - replicou o menino. - Pode ser você ou outro qualquer.


- Então vem!... - Harry sorriu. - Dizem por aí que eu matei o meu pai bem naquele beco quando tinha a metade da sua idade, enfiando uma faca em sua garganta do mesmo jeito que a gente faz para matar um porco.


O menino, que apoiava o peso do corpo sobre uma das pernas, mudou de posição e seus olhos brilharam. O ar de desafio se transformou em respeito.


- Você é Potter, então.


- Sou. Fique longe de mim e talvez viva o bastante para ver seus filhos.


- Já estou caindo fora! - berrou o menino para ele. - Vou cair fora daqui do mesmo jeito que você fez, e um dia também vou usar sapatos de bacana que nem os seus. Só que jamais vou voltar a este lugar.


- Foi isso o que eu também pensei. - suspirou Harry, entrando pelo beco estreito que ficava entre dois prédios altos.


A máquina de reciclagem de lixo enguiçara. Aliás, já estava quebrada desde que ele se entendia por gente. Lixo e refugos jaziam espalhados, como sempre, sobre o asfalto esburacado. O vento penetrou em seu colarinho e em seus cabelos no instante em que parou, olhando para o chão, no local exato em que seu pai fora encontrado morto.


Não foi ele que enfiara a faca no pai. Ah, como ele sonhara com aquilo: matar o sujeito; toda vez que levava uma surra aplicada por aquelas mãos terríveis pensava em revidar. Mas ele tinha apenas doze anos, ou pouco mais, quando o seu pai encontrara a morte naquela faca, e com essa idade Harry jamais matara alguém.


Conseguira escapar daquele lugar e daquele buraco. Sobrevivera e triunfara. Naquele momento, talvez pela primeira vez na vida, compreendeu a extensão do quanto ele mudara.


Nunca mais consideraria a imagem que o desafiara na esquina como um reflexo de si mesmo. Ele era um homem que crescera e se transformara no que escolhera. Apreciava a vida que construíra para si mesmo, e não só por ela ser o oposto do que ele fora.


Agora ele tinha conhecido o amor, o amor quente por uma mulher, que jamais teria criado raízes em seu coração se ele se mantivesse empedernido.


Após todos aqueles anos descobriu que voltar mexera com os seus fantasmas, mas também os colocara para repousar.


- Foda-se, seu canalha! - murmurou, com um alívio escandalizado. - Você não conseguiu acabar comigo, afinal.


Virando as costas para o que ele fora no passado, seguiu em direção ao que era e ao que poderia vir a ser. Ele caminhou satisfeito através da chuva que começou a cair como lágrimas vertidas pelo céu.


 


 


 


 


 


 


gilmara: Realmente, a fic vicia qualquer um. Espero que goste dos capítulos. Bejos.


 


Bianca: Eu peço desculpas por não ter postado na segunda feira passada, mas aconteceram alguns problemas pessoais comigo e eu tive de deixar tudo de lado. Porem sexta feira postei dois capítulos para vocês, agora posto mais dois como compensação. Beijos.


 


Ana Eulina: como eu disse, peço desculpas por não ter postado na segunda feira passada, alguns problemas pessoais me impediram, mas eu postei dois capítulos na sexta e mais dois hoje, espero que os quatro capítulos compensem um pouco... Beijos e até o próximo.


 


 

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