A Voz do Destino
I
Ele simplesmente duelava com dois aurores quando viu Gina cair no chão, uma mancha vermelha riscando seu vestido cinza. Ele não conseguiu pensar duas vezes: lançou dois Avada Kedavras contra os homens e correu para ela.
la tinha um corte fundo no peito, e o sangue ainda estava escorrendo. Sem pensar direito, sabendo que precisava fazer aquilo o mais rápido possível, ergueu-a nos braços, sentindo um pavor involuntário percorre-lo. Virou-se e correu em direção à escada, ignorando os lampejos de luz que passavam por cima de sua cabeça.
- ...não morra, não morra, não morra... - ele murmurava, enquanto descia as escadas rapidamente.
Ele conseguia, com um pouco mais de concentração, desaparatar de qualquer lugar do castelo, quebrando o feitiço Anti-Desaparatação, mas para desaparatar e conseguir energias para transportar ela junto, sabia que precisava chegar no hall, onde não havia feitiço, para que pudesse fazer isso. Descia as escadas com passadas largas, indiferente aos gritos e aos estampidos dos feitiços que cortavam o ar à sua volta, não dando atenção.
- Saia da frente! - sibilou ele, derrubando duas pessoas que entravam pelo arco da Ala Oeste, sem ver se era amigo ou inimigo.
Quando saiu no hall de entrada, vários aurores terminaram o duelo que estavam tendo rapidamente e apontaram a varinha para ele. Ele disse para todos, os dentes cerrados, com irritação:
- Dêem-me cinco minutos e prometo que volto aqui para lutar com vocês, mas deixem-me salvá-la! - Pelo menos uma vez na vida ele nem se importando que parecesse suplicante para os outros.
Os aurores se entreolharam. Ele não esperou resposta, mesmo porque os Comensais recomeçavam a levantar, distraindo-os, e desaparatou.
Aquilo enfraqueceu-o muito. A distância travada fora grande e não era fácil transportar outras pessoas junto, tanto que apenas uns poucos bruxos conseguiam fazer e ele só conhecera três pessoas capazes de fazê-lo bem em toda sua vida: Alvo Dumbledore, Bartô Crouch e ele. Crouch já se fora e em breve os últimos dois também iriam...
Quando chegou ao seu destino, seus joelhos cederam com o peso do corpo inerte dela. Ele apertou os olhos, sentindo a cabeça girar. Aos poucos, a sensibilidade voltando lentamente, ele ergueu os olhos. Havia uma curandeira loira ajoelhada na sua frente.
- Pelas barbas de Merlin! Você transportou ela sozinho? - perguntou ela espantada.
Ele meneou com a cabeça, arfante, e satisfeito por ela não tê-lo reconhecido.
- E-eu estou bem... - disse ele, a respiração falha. - Cuide dela... Não se preocupe comigo...
A curandeira virou-se e começou a chamar alguém em altos brados. Ele olhou para os lados, procurando ter uma visão melhor do hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos. Muito pouca era a diferença de quando estivera ali pela última vez. Estava quase deserto, exceto por alguns curandeiros de plantão.
Ele estava pensando rápido, na verdade. Teria que representar o papel de garoto bonzinho de novo e estava preparado para as perguntas dos bruxos. Se não levantasse suspeitas, não teria o porque pôr em risco a vida de Gina e nem levantar a varinha. E nem tinha forças o suficiente para isso.
Alguém tocou seu ombro. Ele se esquivou rapidamente, mas depois lembrou-se de que ninguém sabia quem ele era e relaxou.
- Solte-a. Vamos dar um jeito - disse um bruxo de cabelos castanhos gentilmente. Ele obedeceu sem reagir.
Um grupo de bruxos vestidos de jalecos verdes estavam reunidos. Uma conjurou uma maca e uns três ajudaram a colocar Gina sobre ela. Ele ficou observando enquanto eles levavam-na para longe.
- O senhor está bem? Pode se levantar? - perguntou a mesma voz de antes. Ele confirmou, apoiando a mão no chão para levantar-se.
O bruxo fez um gesto em direção a uma cadeira perto de um balcão. Ele arrastou os pés até ela e sentou-se, fazendo cara de nervoso.
- Olhe - começou o bruxo, aparecendo atrás do balcão -, eu sei que isso é desagradável, mas o senhor terá que preencher uma ficha. - Ele fez que sim com a cabeça de novo. - Está em condições de escrever?
Ele ergueu as mãos na altura dos olhos. Suas luvas negras de couro de dragão estavam encharcadas de sangue.
- Er... acho que não - disse o bruxo, detendo os olhos em suas luvas também. - Mas não tem problema. Apenas responda as minhas perguntas, certo? - Ele concordou com a cabeça lentamente de novo.
O bruxo pegou uma folha de pergaminho com perguntas prontas e uma pena.
- Muito bem... Seu nome, senhor - perguntou o bruxo, detendo a pena com tinta na primeira linha.
- Tom Marvolo Riddle - respondeu, tentando não demonstrar tanto nojo daquele nome.
- Nome da paciente?
- Gloria Lisa Wendel - falou, lembrando-se do nome falso que haviam preparado para Gina alguns meses antes.
- Doença ou acidente...
- Ferimento por um feitiço de Rompimento - disse, tremendo um pouco na voz. - E uma Maldição Cruciatus, juntos.
- Você viu? - perguntou o bruxo, erguendo os olhos do papel.
- Não. Eu só sei que aquilo é uma mistura desses dois feitiços porque eu costumava fazer combinações de feitiços experimentais com os meus prisioneiros quando os torturava... - falou, vagamente. O homem na sua frente levantou as sobrancelhas. - É claro que vi!
O homem deu um suspiro, mas ele não soube se era de censura ou de alívio.
- Causa do acidente? - continuou.
- Malditos Comensais da Morte - grunhiu ele. Sabia que tinha que ser convincente.
O bruxo tornou a levantar os olhos do papel.
- Eles não deveriam estar numa festa hoje? - perguntou, estranhando.
Ele se surpreendeu com a eficiência com que o assunto correra. Parecia que todos os bruxos da Grã-Bretanha estavam à par do horário da festa.
- Eu não sei como funciona a cabeça desses maníacos - respondeu asperamente, se divertindo brevemente por dentro. - Não dizem que Voldem... - mas parou antes de terminar - que Você-Sabe-Quem é maluco? Vai ver ele mudou de idéia - falou, gesticulando com uma mão.
- Ah, claro - concordou o homem. Tom achou engraçado, embora não demonstrasse isso: ele nunca pensara em algum dia precisar induzir alguém a pensar que ele mesmo fosse louco.
O "interrogatório" continuou por mais um minuto, depois, enquanto o outro guardava o pergaminho, caíram em total silêncio. Ele estava pensando em quantos Comensais já teriam morrido até que ele retornasse para Basilisk Hall... e quanto tempo demoraria para que pudesse ver Gina de novo. Ele olhou para o relógio na parede - 2h e 45min -, depois virou a cabeça para o homem.
- Senhor, eu não posso ficar aqui por muito tempo. Quando vou poder ver Gloria? - perguntou numa voz nervosa.
O homem olhou para ele também.
- Não sei, Sr. Riddle... Temos que esperar que os curandeiros... - mas foi interrompido. Uma porta se abria no final do corredor e um bruxo de jaleco veio apressado até ele. O homem tinha cabelos grisalhos e olhos muito claros.
- O senhor que estava acompanhado da jovem ruiva? - perguntou o homem com pressa. Ele levantou-se.
- Sou, sim. Ela está bem? - disse numa voz um pouco mais alta do que pretendia. - Senhor?
- Siga-me. Ela quer vê-lo - disse o curandeiro, pegando a ficha com o recepcionista. Ele respirou aliviado.
Enquanto andavam pelo corredor, o bruxo falou, lendo o pergaminho:
- É estranho, Sr... Riddle - leu ele. - Não apareceu ninguém ferido pelos Comensais da Morte aqui durante o dia todo...
- Mas agora já não é mais sábado, não é? - disse, lembrando-se que passava da meia-noite. - A reuniãozinha deles era só no dia vinte e oito.
- Não sei, senhor - disse o outro, franzindo a testa.
- É. Mas ela está bem? - pergunto novamente.
- Fizemos o melhor que pudemos. Acho que ela estará pronta para voltar para a casa amanhã - anunciou o curandeiro. - Ela e a criança estão muito bem de...
Ele estacou a meio caminho. Certamente que não tinha entendido direito.
- Criança? - repetiu ele, atônito, querendo por tudo que não tivesse ouvido direito. - Que criança?
O curandeiro encarou-o.
- A criança... O senhor é o namorado dela, senhor? - perguntou o homem. Ele concordou com a cabeça sem dar atenção, os olhos arregalando. - E não sabia que ela estava grávida?
Ele parou de escutar, a cabeça toda se esvaziando com o choque. Gravida? Grávida?! Esperando um filho dele? Era um pesadelo, só podia ser... Isso não é real, pensou... Eu bebi demais e estou dormindo em baixo da mesa, só isso... E os aurores não invadiram o castelo e Gina não está ferida no hospital... Ela não está esperando um filho meu!
Mas ele não conseguia sair desse pesadelo... Não conseguia abrir os olhos... Começou a pensar que aquilo realmente estava acontecendo, o corredor branco do hospital não saía de foco... Isso explicava a doença misteriosa dela... Isso fazia sentido, por mais que não lhe agradasse. Ele começava a perder a sensibilidade novamente.
- Senhor?
Ele assustou-se. Com um sobressalto, viu que havia um curandeiro bem na sua frente, encarando-o com grandes olhos claros.
- Tem certeza? - perguntou ele em voz alta, agarrando a gola das vestes do homem. - Tem realmente certeza disso?
- Acalme-se, senhor - disse o bruxo, assustado. - Francamente, solte-me...
- Responda! - urrou, sentindo uma fúria incontrolável por aquele homem na sua frente.
- Que a moça está grávida? Absoluta certeza, senhor. Agora, solte-me - pediu o homem irritado.
Ele soltou.
- Desculpe - disse em voz baixa e seca, contendo a fúria. - Vamos continuar, por favor.
O curandeiro recomeçou a andar, antes lançando-lhe um olhar de esguelha.
- Compreendo sua reação, senhor.
Ele não respondeu. Doía pensar no que teria que fazer agora, mas ele não tinha escolha...
- Por aqui, meu rapaz - falou o bruxo, abrindo uma porta branca no fundo do corredor. Em outras ocasiões teria achado engraçado ser chamado de "rapaz" por um homem que tinha um pouco mais da metade de sua idade. Ele olhou para o homem por um breve instante, depois respirou fundo e entrou.
Ele viu-se num quarto fracamente iluminado, apenas a luz que vinha do corredor da porta entreaberta e de o que parecia ser uma sala de esperas que se via do quarto por um vidro. Havia uma cama, um armário de metal e uma mesa com várias bandejas. Na cama, ele via, estava deitada uma jovem coberta com lençóis brancos e cabelos flamejantes. Os olhos semicerrados e um meio circulo castanho por trás das pálpebras e o rosto iluminado pela fraca luz da sala ao lado davam a ela uma expressão vaga e fantasmagórica. Ele engoliu em seco e começou a caminhar até ela, apertando a varinha dentro do bolso...
- Vou deixá-los a sós - disse a voz do curandeiro atrás, e fechou a porta, deixando o quarto ainda mais escuro. Ele retirou as luvas enquanto chegava até ela.
Gina deu um sorriso fraco ao vê-lo, que parecia consumir um esforço enorme.
- Tom - disse ela, os olhos brilhando.
Gina levantou a mão. Ele olhou e segurou-a, forçando um sorriso reconfortante de volta. Sentiu-se pior do que já estava, mas não queria faze-la sofrer muito. Ela não tinha culpa.
- Você salvou minha vida - disse ela, a voz fraca e gratificada. Ele apertou a mão dela com mais força.
- Eu estava em dívida com você, lembra-se? Hoje você me salvou de seu irmão - falou, como se quisesse deixar claro seu dever.
A outra mão dela pousou-se sobre a dele. Estavam frias.
- Sou grata por toda a minha vida - disse, ainda sorrindo com dificuldade. Ele viu uma lágrima escorrer pelo canto dos olhos dela e sentiu-se mal pelo crime que iria cometer.
Ele apertou com mais força a varinha dentro de seu bolso e abaixou-se um pouco mais até a altura da cama. Beijou a mão dela... Alguma coisa entalava-se na sua garganta...
- Você sabe que eu não poderia deixar você morrer... Você sabe que manda em mim...
- Ora, não... Eu não mando em você... - disse ela com uma vozinha fraca, parecendo achar graça.
- Shhhh... - fez ele, fechando os olhos. Estava doendo mesmo por dentro... Como ele nunca sentira antes.
"Feche os olhos... Eu quero dizer porque eu tive que fazer isso...", disse ele, com um peso enorme. Ela fechou os olhos e ele retirou a mão com a varinha do bolso. "Eu sabia que você era especial desde o primeiro momento em que coloquei meus olhos em você... Eu sabia que você era diferente... Você foi a primeira que me chamou de Sangue Ruim", disse, rindo nervosamente. Ela também riu baixinho. Ele continuou, levantando a varinha na altura do rosto dela: "Eu não poderia te ver morrer e não fazer nada... depois de tantas noites juntos, depois de tantas vezes... Você é linda demais, Gina... Aquele castelo escuro não teria a mesma graça sem você" Sua voz tremera muito na última frase e saiu um pouco mais alta que um sussurro. Ele apertou os olhos, depois tornou a abri-los para fitar seu rosto belo e puro pela última vez. "Você é a Comensal mais esplêndida que pisou nesse mundo e a pessoa mais compreensiva que conheci em toda a minha vida. Eu te respeito muito... Muito mesmo... e eu gosto de você mais do que de qualquer outra pessoa."
Ele levantou-se sem tirar a mão das mãos dela e inclinou-se para ela. Beijou sua testa, sentindo os olhos arderem intensamente. Depois endireitou-se e viu a varinha em sua mão tremer descontroladamente e teve que fechar os olhos para fazer isso.
- Ava... - sussurrou quase sem voz, sua mão apertando a dela com força. - Avad...
Ele não conseguia... Não conseguia matar! Tornou a abrir os olhos um pouco, para ver se ela via. Não... Continuava a sorrir, os olhos fechados, no rosto a expressão mais doce do mundo, sorrindo para ele. E ele não conseguia fazer isso!
Uma vozinha no fundo dele disse: você não precisa matá-la, idiota... Deixe-a viver, apenas destrua o filho... Deixe-a viver...
Ele abaixou a varinha, prendendo a respiração. Mirava-a com certo receio, mas aliviado, indeciso. Decidiu-se. De onde quer que tivesse vindo a voz, iria aceitar o conselho dela. Guardou a varinha.
Ela abriu os olhos. Olhou para ele e perguntou, meio embargada:
- Você está bem, Tom? - Sua voz revelava preocupação.
Ele olhou para ela e deu um sorriso nervoso, mas muito aliviado.
- Vai ver... - disse. Ele inclinou-se e beijou-a.
Ele não se lembrava de um beijo ser tão acolhedor, tão forte. Ele não se importou que estivesse sentindo gosto de sangue. Ele estava tão consolado de estar podendo beijá-la mais uma vez, que não ia perdê-la mais, que ela ainda estava viva... que não se importava com mais nada...
Ele ergueu-se, pegou as mãos dela e beijou-as novamente. Deu alguns passos para trás.
- Não me deixe aqui, Tom... - disse ela, a voz fraca e triste.
- Eu preciso ir agora - sussurrou ele. - Mas eu volto. Prometo que volto para te buscar... Mas agora descanse, minha querida... Não se preocupe.
Ele recuou de costas, olhando para ela, até sua mão tocar a maçaneta.
- E lembre-se: qualquer coisa, seu nome é Gloria Lisa Wendel, certo?
Ela fez sinal de positivo com a mão, sorrindo serenamente, mas um pouco melancólica.
Ao sair, encostou-se na parede e suspirou, ao mesmo tempo feliz que não tivesse feito aquela burrada e furioso consigo mesmo porque não conseguira matá-la. Significava que ela era uma ameaça, se ele não conseguia fazer-lhe mal... E tinha certeza que não a deixaria morrer se a pegassem...
Tentando afastar o pensamento, deu um soco na parede e desaparatou.
II
Voltara. Ninguém ainda fora para suas casas, pois a imprensa queria realmente saber o que tinha acontecido. Harry não estava com a menor vontade de encarar Rita Skeeter, por isso sentara-se quieto em sua sala. Mas estava esperando, sabia o que estava por vir. Cruzou as pernas por cima da mesa e observou o extenso rasgado em uma das pernas de sua calça. Dessa vez ele se excedera, pensou Harry, de mal-humor. Dessa vez Voldemort o humilhara de tal maneira que só lhe fazia ficar com mais raiva ainda, se é que isso ainda era possível.
Ouviu o barulho da maçaneta. Não levantou os olhos. Já demorara o suficiente; era hora de encarar a situação.
- Eu quero saber o que aconteceu agora à pouco e quero saber agora - disse uma voz ríspida na direção a porta, a qual já fora fechada.
Harry levantou os olhos. Rony o encarava com tanta fúria que parecia estar se controlando para não gritar.
- Sente-se - disse em voz baixa e sem emoção.
Rony não se mexeu.
- Você sabia - disse, a voz tremendo de desgosto. - Você sabia e não me disse nada!
- Sente-se - repetiu, sem alterar-se.
- Você me escondeu isso durante todo esse tempo... - disse o amigo, a voz fraca de ódio. - Me diga que não sabia de nada, Harry... Me diga que você descobriu isso faz pouco tempo, por favor...
Harry sacudiu a cabeça lentamente. Novamente, fez sinal para Rony sentar-se. O amigo encarou-o com raiva. Então, sem mais paciência para resistir, sentou-se.
Ele se levantou. Não disse nada até estar de costas para Rony, as mãos nos bolsos.
- Eu sempre soube - disse por fim.
Ele ouviu um suspiro nervoso atrás dele. Continuou:
- Eu sabia desde o dia em que ela saiu de casa... para onde ela iria. - Ele fitava a parede branca. Falou com desgosto, a voz baixa.
- Eu não entendo, Harry... - disse Rony às suas costas com a voz desesperada. - Eu não entendo como ela pode se juntar àquela... àquela escória!
Harry não respondeu. A velha sensação de culpa voltava a assaltá-lo.
- Quem sabe? - perguntou o amigo.
- Eu, Mione e Draco - respondeu o rapaz, contendo a infelicidade. - E Dumbledore, acho.
Por uma segundo ele fechou os olhos com força, agradecido que Rony não pudesse ver seu rosto. Quando tornou a abrí-los não sabia o que sentia mais, se era dor ou ódio. Virou-se.
- Gina é G.W., Rony. Ela não é mais a garota que conhecemos.
Rony não disse nada. Levantou as mãos trêmulas e enterrou o rosto nelas.
Harry respirou fundo e continuou.
- Mione descobriu só à algumas semanas atrás. Foi por isso que ela não quis ir nessa missão, que fingiu estar pesquisando sobre Magia Negra avançada na França. Ela não queria ver se algo acontecesse a Gina... Bem, ela acha que não suportaria.
Rony continuava sem palavras e não levantou o rosto, tampouco.
- Elas andaram se falando algumas vezes. Hermione me contou, e só me fez ter certeza do que eu percebera à muito tempo - disse, tentando por tudo não desistir de contar.
Rony não tirou a mão dos olhos, mas perguntou:
- O quê? O que você tem certeza?
Harry sentou-se. Deitou os braços sobre a mesa e afundou o rosto neles. Não respondeu de imediato; não sabia como dizer aquilo para o amigo. Ergueu os olhos um pouco.
- Gina... ela... ela está esperando um filho. - Rony levantou o rosto, os olhos arregalados. - Está esperando um filho dele.
- Ah, céus... - murmurou o outro, espantado, mas Harry não estava olhando. Deitara o rosto nos braços novamente.
- Ele não sabe - continuou ele, a voz abafada. - Voldemort não sabe. Ainda...
Rony deixou escapar um soluço. Ninguém falou nada por muito tempo.
Ele tentava esquecer, mas não conseguia. Toda noite, a todo instante, quando estava quase livre deles, eles voltavam... Ele era obrigado a sentir tudo o que o outro sentia, a ouvir todos os sussurros dela, a receber todos os beijos, as carícias... Mas não eram para ele. Não, eram para o outro. Eram para o maldito que lhe tirara tudo... todos que ele mais amavam...
- Por que não me contaram? - questionou Rony, perplexo, a voz mais baixa que um sussurro, o rosto ainda escondido.
Harry hesitou.
- Porque... ambos preferimos mil vezes a ter Gina morta, Rony, do que ter que caçá-la.
Houve mais um momento de silêncio.
- Harry - chamou Rony, na mesma voz arrasada.
- Hum? - disse Harry, ainda sem olhar para o amigo.
- Não conta para ninguém, está bem?
Harry levantou os olhos mais uma vez. Rony olhava-o, os olhos um pouco vermelhos.
- Não contarei - prometeu.
- Não conta para a mãe nem para o pai - continuou o outro.
- É claro que não.
Ficaram se olhando durante algum tempo. A porta se abriu e a sala se encheu das vozes do corredor. Um bruxo entrava de fasta, falando em altos brados com alguém lá fora.
- Não, Willianson. Diga a eles que Abbot não vai dar entrevista coisa nenhuma. Nenhum de nós vai dar entrevista...!
Rony continuava a encará-lo, com firmeza. Nenhum dos dois desviou os olhar.
O bruxo se virou para eles, a porta ainda aberta atrás dele.
- Então... - começou ele, mas foi interrompido. Rony não olhou para ele, mas falou firmemente, sobrepondo-se.
- Foi bom encontrar você, Fudge. - disse em voz alta e clara, ainda fixando Harry nos olhos. - Estamos abandonando o caso G.W.
Dizendo isso levantou-se e passou pelo outro como se este fosse feito de pedra. Saiu da sala.
Fudge continuou olhando para Harry sem entender.
III
Corria num campo de flores brancas, sem problemas, sem preocupações... Era absolutamente feliz, absolutamente livre... O sol refulgia nos seus cabelos ondulantes ao vento, um sorriso iluminado em seu rosto. Parou. Chegara ao fim do campo; agora um precipício estava à sua frente e seus olhos ofuscavam aos últimos raios de sol do dia, que se escondia atrás do paredão de pedra, além do precipício. Aproximou-se da beirada, sentindo pedrinhas se esfacelarem sob o seus pés. Fechou os olhos, sentindo o vento no rosto, sentindo a liberdade...
Alguém tocou no seu ombro, fazendo se desequilibrar. Por um instante, pensou que iria cair na escuridão a sua frente, mas alguém não deixou que isso acontecesse. Alguém não queria que ela morresse.
De repente o céu escureceu. O sol refulgente foi oculto pelas nuvens negras e carregadas. Algumas delas piscavam, fazendo uma luz elétrica e intensa clarear seu rosto. Ela sentiu-se desesperada, apavorada... Queria correr, queria fugir, mas ele não a deixaria... Ela não podia pular do precipício, tinha medo...
- Você é minha - disse a voz dele no seu ouvido. - Você não pode negar... Não pode fugir...
Ela virou-se, empurrou-o e saiu correndo. Escutava-o rir atrás dela. Ela precisava correr... Não podia deixá-lo pegá-la... Ela começava a chorar, correndo, mas ele continuava a rir. O céu ainda lampejava, sombrio. Ela tropeçava nas flores, caindo e perdendo tempo.
Ela correu tanto que não podia mais. Parou, exausta, cansada e com medo. Alguém lhe tocou os cabelos. Ela sabia que era ele, mas não tinha mais forças para correr... Ele segurou seus ombros com força e virou-a para ele.
Uma capa longa e negra, um capuz sombreando o rosto e um par de olhos escarlates sob a sombra... Ela gritou e ele a empurrou, fazendo-a cair. Ele deitou-se sobre ela e a beijou.
Ela tirou seu capuz. Cabelos negros e lisos, olhos escuros e um rosto lindo... Ela o odiava tanto! Contudo... contudo o amava mais ainda. Deixou que ele lhe beijasse de novo, para que pudesse sentir seu gosto, sentir seu calor...
...o fim se aproxima...
Ela não se importava que os galhos e as pedras no chão a machucassem, contanto que ele continuasse a beijá-la...
...sua vida ruirá...
Ela queria que ele a tocasse, que ele a amasse estupidamente, que ele a possuísse...
...se não aprender a machucar...
Ela não queria que ele parasse, embora o detestasse, embora o odiasse...
...sua missão acaba quando matar...
Ela agarrou-se aos cabelos dele, beijando-o desesperadamente, querendo saber se ele também a odiava...
...aquele que quer amar...
Ela não queria mais se livrar, ela queria se afogar nos seus braços, nos seus lábios...
...o império do herdeiro termina...
Ela queria ele, só ele... Se o tivesse, teria quem amasse, a quem detestasse, a quem pudesse satisfazer-lhe...
...por acabar...
...quando aprender...
...a amar...
Gina levantou-se gritando com desespero. Ela não sabia onde estava, não sabia o que estava acontecendo, porque estava gritando. Abriu os olhos, com pavor, e viu que estava no escuro. No hospital frio e escuro...
Ela pensou no que acabara de sonhar, assustada, horrorizada... Aquelas palavras ainda ecoavam na sua mente, perfurando-a... machucando-a...
"O fim se aproxima. Sua vida ruirá, se não aprender a machucar... Sua missão acaba quando matar aquele que quer amar... O império do herdeiro termina por acabar, quando aprender a amar."
Ela sabia o que significavam, sabia que era uma profecia, sabia que falava deles... E não queria acreditar que sua vida estava amaldiçoada.
Devia ficar longe dele se não quisesse que ele caísse e teria que odiá-lo. Mas se ela odiasse-o, iria querer que ele caísse, não que vivesse e, se o amasse, iria querer que ele vivesse, não caísse... E se para salvá-lo precisaria odiá-lo, odiaria-o por amor! Ela não entendia, não conseguia uma solução...
Ela começou a soluçar, tomada de pavor. Talvez não tivesse solução, pensou ela, chorando. Talvez a profecia apenas desse falsas esperanças, para que ela tentasse, tentasse e caísse, e desistisse, se matasse...
Gina tentava pensar em algo, limpando as lágrimas, tentando contê-las. A noite parecia pequena para que ela pudesse pensar em tudo que teria que fazer, mas ela chegou finalmente a uma conclusão. Mais tarde, quando ele viesse buscá-la, ele a odiaria mais do que tudo. Com um pouco de sorte para ambos, ele a mataria, fazendo com que sofressem menos. Muito menos...
IV
Ele deitou-se um pouco antes de ir buscar Gina, tentando pregar os olhos um pouco. A batalha fora exaustiva e só conseguira expulsar a todos pouco antes das quatro da manhã. Ele não queria saber quem havia morrido, quem estava ferido ou inteiro... não agora. Estava cansado demais para se importar com alguma coisa que não fosse Gina e a criança que ela carregava.
Às quatro horas levantou-se, não tendo dormido quase nada. Foi até o guarda-roupa para vestir vestes limpas e pegar uma capa que não parecesse tanto com uma digna de um sonserino assassino e convencido. Gina costumava dizer isso de suas capas.
Ele atirou as luvas sujas de sangue longe do seu campo de visão e pegou limpas. Ele foi até a mesa de cabeceira e apanhou sua varinha. Foi até o banheiro para lavá-la, já que estava salpicada de sangue também. Não queria parecer que estivera matando gente durante a madrugada, embora fosse essa a verdade. E ouviu Nagini e disse, calmamente:
- Não coma minhas luvas, Nagini. Vou usá-las ainda... Embora pareçam apetitosas para você, com todo esse sangue... da Gina...
- Você a ama? - falou a cobra num silvo baixo. Ele virou-se da pia.
- Cale essa boca! - sibilou, mirando-a com raiva. - Eu não amo ninguém! Amar é para os fracos!
- Então parece... que você está ficando fraco... - respondeu Nagini.
Ele apontou a varinha para ela.
- Por que se irrita tanto com isso se diz que não a ama? Pode me ameaçar, sabe que não posso me defender... - disse a cobra baixinho. Ele abaixou a varinha.
- Tenho sérias dúvidas... - disse ele, cerrando as sobrancelhas.
- Acho... que você não está se referindo ao fato de eu não poder me defender... - sibilou Nagini, virando-se para o outro lado.
Ele não respondeu. Saiu do banheiro e andou a passos duros até o cabide, puxando uma capa com violência. Depois de prendê-las às vestes, saiu do quarto e rumou para o hall de entrada. Os corredores por onde andava estavam destruídos, com pedaços de pedras soltas no chão e buracos nas paredes, gárgulas despedaçadas, sangue por todo lado... Ele parou em frente ao quarto dela, enquanto passava, e entrou. Saiu de lá dois minutos mais tarde com umas mudas de roupas limpas dela embaixo do braço. Terminou de percorrer o corredor e desceu as escadas rapidamente.
Chegando no arco da Ala Oeste, que separava o grande hall, estacou depois chegou ao centro dele. A porta da frente estava aberta, com uma das partes destruída pelos Avada Kedavras da noite e, lá fora, vários dos Comensais arrastavam corpos. Ele aproximou-se da porta.
- Temos muito mortos? - perguntou a Lúcio Malfoy, que estava parado encostado na parede e que parecia ter parado para descansar.
- Mais aurores, milorde. Tivemos oito mortos no total, que sabemos. Mas não conseguimos achar G.W. - disse, baixando a voz. - Ela não está entre os mortos, até agora...
- Tudo bem, Lúcio. Eu sei onde ela está - falou, virando-se novamente. - Volto logo.
Desaparatou.
Quando voltou a aparecer no hospital, pela segunda vez naquele dia, estava bem mais cheio do que de noite. Haviam muitos curandeiros e pacientes pelo corredor central, todos indo em direções diferentes.
Ele virou-se e viu um homem abrir a boca numa espécie de grito silencioso, arregalando os olhos para ele. Ele, com um espasmo de horror, reconheceu o homem sendo o mesmo que ele duelara horas atrás e acertara um feitiço na perna, instantes antes de Gina ser ferida. Ele levantou um dedo na frente da boca, avisando para fazer silêncio, e levantou o capuz.
Afastou-se o mais rápido possível, indo em direção ao balcão. Foi então que percebeu que vários dos aurores que estiveram em Basilisk Hall estavam ali. Ele puxou o capuz mais para a frente do rosto. Debruçou-se sobre o balcão.
- Ei. - E deu um assobio baixo. O bruxo que esta atendendo ali de madrugada olhou. - Lembra de mim?
- Ah, claro. Sr. Riddle, não é? - disse o bruxo, e ele confirmou com a cabeça.
- Vim buscar Gloria. Onde ela está? Já pode ir embora? - disse com pressa e impaciência.
- Calma, calma... Srta. Wendel, não? - disse o homem, puxando um papel. - Ela está no quarto andar e já recebeu alta. Está esperando o senhor. Terceiro quarto à esquerda...
- Muito obrigado - falou e saiu correndo.
Subiu as escadas o mais rápido que pode sem correr. Quando chegou ao quarto andar, parou e andou mais de vagar. Vira alguns aurores pelo corredor. Abaixou a cabeça e andou até a terceira porta à esquerda. Bateu. A curandeira loira que chegara até ele quando aparatara lá em baixo atendeu a porta.
- Sr. Riddle, não é? - disse ela, com aprovação. - Ela está te esperando.
- Er, peça para ela se vestir primeiro. - falou, entregando-lhe a muda de roupa e abaixando o capuz. - Então me chame quando ela estiver pronta.
- Como quiser, senhor. - Dizendo isso apanhou as vestes e tornou a entrar.
Ele encostou-se na parede, tentando agir o mais natural possível. Haviam muitos aurores feridos por aquele andar. Ele crispou os lábios, desejando que Gina fosse rápida com isso. Não tinha desejava nem um pouco ser pego pelos aurores dentro de um hospital. Ele mirou a parede na sua frente.
Depois de um tempo, ouviu um clique na porta e uma voz chamar.
- A Srta. Wendel já está pronta, senhor - disse a curandeira loira.
Ele entrou no quarto. Várias pessoas estavam lá, a maioria nas camas, com camisolões brancos, e uns poucos curandeiros andando entre as camas com longos jalecos verdes e bandejas nas mãos. Ele mirou uma jovem de longos cabelos ruivos sentada numa cama no fundo do cômodo, balançando as pernas devagar, distraída. Ela já estava vestida para ir. Ele cruzou o quarto até a cama e parou, olhando-a. Então aproximou-se e pousou a mão no ombro dela.
- Vamos? - perguntou.
Ela levantou os olhos para ele. Parecia estranhamente infeliz.
- Não quero ir - resmungou.
Ele encarou-a.
- "Não quer ir"? - indagou surpreso.
- Não quero ir - repetiu decidida, meio suplicante. - Não quero voltar para aquele castelo gelado - ela apertou os olhos -, quero ver minha família de novo...
- Está delirando - retrucou ele ríspido, incrédulo. Não podia acreditar no que estava ouvindo.
Gina deu um murro no colchão, com impaciência.
- Por que é sempre assim? - urrou ela, atraindo o olhar de algumas pessoas. Ele lançou a ela um olhar aborrecido; não queria chamar a atenção, alguém poderia reconhecê-lo... - Não quero mais voltar lá e fingir! Não quero ter que voltar lá e fazer aquela encenação barata!
- Por favor, fale baixo! - sibilou entre os dentes. Metade da sala detinha o olhar neles.
- POR QUE EU TENHO QUE FALAR BAIXO?! - berrou ela com raiva. Agora quase todo mundo fazia silêncio. - Estou farta de ter que te obedecer! Estou farta de você me dando ordens!
Ele sentiu a pouco cor que tinha se esvair de seu rosto.
- G.W.... - sibilou em tom de aviso.
As poucas pessoas que ainda cochichavam entre si se calaram. Todos agora os miravam petrificados, sem exceção.
- Não me chame a atenção! Você nunca foi exemplo para ninguém, mestre! - berrou ela fora de si.
- Cale a boca! - disparou ele em voz alta, cerrando os punhos e tentando se controlar.
Ela não deu atenção.
- Estou cansada dessa porcaria de vida que eu ando tendo há dois anos! Estou cansada de fazer mau às pessoas...
- G.W.... - começou ele novamente, mas ela se sobrepôs.
- ...estou cansada de me sentir perversa! EU NÃO SOU ASSIM! EU NÃO SOU ASSIM!
- G.W....
- NÃO ME CHAME ASSIM! - gritou ela, apertando os olhos.
- NÃO GRITE COMIGO! NÃO É PROBLEMA MEU SE VOCÊ NÃO MEDIU CONSEQÜÊNCIAS QUANDO PLANEJOU AQUELA CHACINA! - gritou ele de volta, sentindo o sangue latejar nos ouvidos.
Ela agarrou os cabelos, aparentemente furiosa consigo mesma.
- Estou cansada de ser odiada, droga! - berrou ela, a voz embargada. - Estou cansada de trabalhar para você, seu sujo, seu perverso...!
- G.W., CALE ESSA BOCA! - vociferou, cerrando os dentes de fúria.
- ...estou cansada de ser desaparecida, cansada de ser procurada...
- CALE-SE!
- VÁ PARA O INFERNO, SEU MEIO SANGUE NOJENTO! - gritou histérica. Aquelas palavras ecoaram em seus ouvidos de forma aterrorizadora, como se o som tivesse se desligado e apenas a voz dela estivesse gritando. Ele sentiu uma raiva escaldante subir pelo seu corpo e lutou para se segurar.
- Eu estou avisando... - ameaçou ele perigosamente, fechando as mãos com força. Ela então respirou fundo algumas vezes e recomeçou, a voz carregada de ironia e ressentimento:
- E aqui estão duas minas de ouro - disse ela, ignorando-o, reprimindo toda a raiva que estava sentindo na voz, em altos brados, virando os olhos para o resto das pessoas que estavam na sala, olhando-os espantados. - Vinte mil pela minha cabeça e cinqüenta mil pela dele - apontou. - Vamos, quem lança o primeiro Avada Kedavra e acaba de uma vez com dois infelizes assassinos patéticos...? - cuspiu ela com amargura.
Uma curandeira derrubou uma bandeja, com estrépito.
Isso foi demais para ele. Puxou a varinha sem pensar duas vezes e apontou para ela, tremendo de raiva. Ela mirou a varinha que ele apontava para ela e fez um barulhinho esganiçado.
- Eu estou mandando calar a boca - sibilou ele, perigoso. Ele não queria, mas iria azara-la se não parasse.
- Não me faça rir, você não manda um MIM! - rebateu com raiva, embora ainda fosse visível que ela temesse a varinha em sua mão.
Ele contorceu o rosto e fechou com força a mão livre, para impedi-la de tremer. A varinha na sua mão direita não vacilou, mirando no coração dela, que retribuía seu olhar com desgosto.
- Não tenha tanta certeza disso, G.W. - ameaçou em tom de aviso.
- E o que é que você vai fazer? - perguntou ela em voz alta, quase gritando. - Matar um dos seus Comensais mais eficientes? Eu duvido, você não presta...!
- Cale-se - repetiu venenosamente, os dedos que seguravam a varinha começando a suar desagradavelmente.
- Mas eu sei que você não vai me matar. Você vai me bater... - e tornou a virar os olhos rapidamente para as pessoas. - É isso que o Lord das Trevas faz com G.W. quando G.W. fala besteiras... Bate nela... Porque G.W. é mulher, não é muito poderosa... - falou com ódio na voz, retorcendo o belo rosto num sorriso forçado.
Ele tentou se controlar, mas não foi capaz.
- Crucio. - Ele ouviu sua voz declamar a maldição, fria e sem piedade.
Ela caiu deitada na cama, gritando de dor. Ele queria parar, não queria que ela sofresse, mas algo era mais forte... Seu orgulho estava em jogo. Mas os gritos dela estavam ecoando pela sala... Ela estava sofrendo pelo que dissera, e iria sofrer mais ainda, pensou, arreganhando os dentes.
- Pare! - alguém pediu atrás dele, com uma voz desesperada. Ele ignorou.
Porém, a outra parte dentro dele não queria que ela sofresse e não podia mais agüentar seus suplícios de dor ecoando em seus ouvidos. Houve um momento em que ele não conseguiu mais suportar os gritos dela, a dor na sua voz. Pareciam perfurá-lo e quebrar a barreira de gelo dentro dele que o impedia de sentir piedade... Com ela algo era mais forte que o seu "orgulho" e ele não conseguia. Com um espasmo de horror, largou a varinha de repente, arregalando os olhos. Ele a estava machucando! Como pudera? Ele não queria acreditar que fizera aquilo com ela... Ele não queria vê-la sofrendo mais. Nunca mais.
Ela parou de gritar, ainda caída de costas na cama, arfando de dor. Ele desviou o olhar e apertou os olhos, furioso consigo mesmo, mal suportando o som da respiração rascante dela.
Ele tronou a abrir os olhos, temendo a visão, mas ela já se endireitara, respirando com dificuldade. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, sua expressão era de derrota. Quando ela levantou a mão para enxugar os olhos, uma lágrima escorreu pelo seu rosto lentamente. E não foi a única.
Ao seu redor, várias pessoas também não conseguiram impedir. Estavam todos tocados com ela... e ele sentiu que todos eles o odiavam mais ainda. Ele viu com o canto dos olhos um dos internos abrir uma gaveta ao lado da cama em que estava furtivamente e tirar a varinha lá de dentro. Ele virou-se de todo para o rapaz e viu que ele apontava a varinha para ele.
O jovem tremia, pálido, mas segurava a varinha com firmeza e um olhar decidido. O rapaz falou com uma voz fraca, mas decidido:
- Deixe-a em paz!
Várias pessoas apoiaram-no, com murmúrios de estímulo e olhares.
- E o que é que você pensa que vai me fazer? Cócegas? - avisou lentamente, com rancor. - Você está precipitado, rapaz. Abaixe isso.
Mas o jovem não o obedeceu, continuou apontando a varinha, decidido.
- Não desafie Lord Voldemort... Eu não tomei café da manhã hoje, fiquei acordado até às quatro da manhã expulsando infelizes aurores daquele maldito castelo, G.W. parece que está com TPM e eu - não - estou - afim - de matar - mais um - idiota - por - hoje. Estamos entendidos?
O jovem estremeceu de leve, mas não abaixou a varinha. Ele estava desarmado, mas suspirou cansado, tirou a luva de couro de dragão da mão direita e levantou-a na direção do garoto e disse quase descansadamente:
- Expelliarmus.
A varinha do outro disparou voando para trás numa pequena rajada de vento que produzira na sua direção. O rapaz abriu a boca, surpreso, depois se encolheu, mas Voldemort apenas ignorou-o e tornou a se virar.
- Accio varinha - disse, cansado, e sua varinha voou do chão para sua mão. Ele girou-a entre os dedos por um breve instante, depois guardou-a no bolso.
Ele então recolocou a luva e olhou para Gina.
- O que você quer? - perguntou no mesmo tom cansado.
- Alguém me disse um dia que a Ordem era uma família. Mas parece que estamos nos afastando dela, não? - disse ela, os olhos se enchendo de lágrimas novamente. Ela olhou para baixo, constrangida.
Ele se aproximou alguns passos, sério, o som parara. Andou lentamente até ficar de frente para a cama dela. Fitou-a, cansado, tentando não demonstrar o que sentia por ela. Então inclinou-se um pouco, puxou a gola das vestes dela e beijou-a, breve.
- Acha que eu ia fazer aquilo no baile ontem se você não significasse nada para mim? - Não se lembrava de ter falado tão sério assim antes.
Ela olhou-o assustada.
- Estávamos bêbados, não sabíamos o que estávamos fazendo - disse ela rápida, com uma vozinha assustada.
- Eu sabia - retorquiu ele, forçando o rosto dela para cima, porque Gina parecia não querer encará-lo. - Olhe para mim: eu sabia o que estava fazendo!
Ela levantou os olhos e estes se encontraram com o dele. Suas sobrancelhas se franziram e grossas lágrimas começaram a escorrer pela sua face, mergulhando-a num choro silencioso. Ele deu um passo para trás; abaixou o rosto, deixando que os cabelos caísse em frente aos olhos. Não queria ver o que os outros estavam achando...
- Me desculpe... Oh, me perdoe, por favor... - disse ela de repente, soluçando. - Por favor, não me castigue... Me perdoe...
Ele olhou para ela, avaliando.
É claro que eu te perdôo, Gina, pensou ele com tristeza. Não vou te castigar mais do que já castiguei.
- Vamos embora. - Foi só o que pode dizer, a voz soando levemente trêmula.
Ela levantou o rosto, enxugou as lágrimas com as costas das mãos e se levantou.
Gina olhou vagarosamente para as pessoas ali no quarto.
- ...Me desculpem pelo escândalo... - pediu ela de cabeça baixa, para as pessoas presentes. - Eu ficaria grata se vocês não comentassem isso... por favor. Ah, e devo minha vida a você, Silvana - disse para a curandeira loira, que deu um breve sorriso nervoso para ela. - Desculpe se... assustamos vocês.
Ele olhou para as pessoas. Algumas concordaram com a cabeça, simpáticas, outras apenas olhavam boquiabertos, mas ele sentiu que não contariam.
Gina olhou para ele antes de virar-se para uma cadeira, onde estava pendurada sua capa, pegá-la, respirar fundo uma vez e desaparatar. Ele olhou mais uma vez para as pessoas ali, suspirou e disse:
- Agradeço por não gritarem e... se nos próximos dias sair alguma coisa no Profeta Diário sobre G.W.... Providenciarei para que a pessoa que deu as informações seja morta da pior maneira possível. E não pensem que será difícil descobrir quem foi - ameaçou em voz baixa, mas suficientemente alta para que todos se pendurassem em cada palavra. Então olhou para a curandeira loira - Vai me desculpar, mas creio que não temos dinheiro para pagar o hospital. E seria insolente de minha parte não agradecer pela recepção gentil de hoje cedo.
Ele não esperou a reação, desaparatou também logo em seguida.
Quando apareceu no saguão de entrada de Basilisk Hall, estava deserto. Ele passou a mão pelos cabelos, desolado. Pela primeira vez se sentia totalmente desorientado... Não sabia o que fazer.
Ele não conseguia pensar em nada, não conseguia imaginar o que estava acontecendo. Ele sentira horror do que fizera... Pela primeira vez tivera receio de aplicar a Maldição Cruciatus. E falhara.
- Mestre? - disse uma voz à sua direita.- Está tudo bem?
Ele acordou de seus pensamentos de repente. Estava parado no meio do saguão, que ainda mostrava os vestígios da luta que antecedera, e Rodolphus Lestrange estava descendo as escadas além do arco da Ala Norte. Ele parecia intrigado.
Voldemort olhou para ele com os olhos arregalados. Lestrange arregalou os olhos também, mas por não estar entendendo a reação dele.
- Não... Não está nada bem! - E dizendo isso saiu em direção à torre Oeste, deixando para trás um Lestrange muito confuso.
Ele tinha se decidido. Precisava ver Gina, mesmo que não soubesse o que fazer ou o que dizer, precisava vê-la. Ele subiu as escadas pulando dois degraus de cada vez e passou pelos corredores em passadas largas, só pensando em chegar o mais rápido possível, a capa enfunando às suas costas.
Ele passou na frente do quarto onze... doze... treze... Agora sentindo algo que se aproximava ao desespero, andando o mais rápido possível... quinze... dezesseis... No próximo. Ele sabia que não se perdoaria se algo tivesse acontecido a ela...
Mal parou em frente a porta, baixou a mão na maçaneta de prata e abriu a porta. Estava tudo escuro, embora uma nesga de luz dos últimos raios de sol do dia entrassem pela vidraça ao alto.
- Gina? - chamou. Ninguém respondeu. Ele olhou pelo quarto numa esperança vaga de vê-la vindo ao seu chamado, mas nada aconteceu.
Ele pensou que talvez ela teria ido se refugiar em outro lugar, embora nunca a tivesse visto se trancar em outro cômodo do castelo, ela poderia ter saído aos jardins. Quando estava se virando para sair, uma voz rouca fê-lo parar.
- Eu tentei. Pensei que talvez pudesse... odiá-lo.
Ele olhou para o lado de onde a voz dela tinha vindo. Conseguiu destinguir os contornos difusos dela sentada na cama, encostada na cabeceira, o rosto virado para a frente, fitando a parede. Não disse nada.
- Eu pensei que talvez não fosse tarde demais para... tentar evitar o que poderia acontecer... Mas eu estava errada - dizia ela numa voz estranhamente calma. Ele tentou compreender as palavras dela, mas não faziam nenhum sentido.
Aproximou-se alguns passos devagar, hipnotizado pela visão de Gina, e parou em meio caminho, uma nesga de sol cegando-o momentaneamente. Ele levantou uma mão para a luz, tentando impedi-la de ofuscar, apertando os olhos.
- O que está dizendo? - perguntou, ainda fazendo sombra sobre seus olhos, a visão embaçada.
Ela fez um barulhinho de irritação, mas continuou.
- Talvez eu quisesse ter apenas certeza de que eu ainda poderia detestá-lo se quisesse. Como eu fui estúpida! Eu não posso... - ele viu difusamente o rosto dela virar-se para ele - Eu já estou apaixonada.
Ele sentiu a boca ficar seca de repente. Era isso o que ele mais temia, e estava acontecendo. Ela apaixonara-se, e ele não tinha muitas duvidas de que em breve o mesmo aconteceria com ele... E isso era arriscado demais. Ele não podia se apaixonar, ele não podia se envolver...
- Eu queria apenas ver se conseguia ficar mal com você, mas no fundo eu sabia que acabaria me desculpando. E era tudo mentira! - disse ela, tremendo a voz na última frase. Ela se aproximou dele, engatinhando na cama. - Era tudo mentira o que eu te falei lá no hospital! Eu não estou cansada de você! Eu só descobri que não consigo mais viver sem você...!
Ela desceu da cama e levantou-se, na frente dele. O rosto dela também se tornou visível na nesga de luz. Ele fitou-a nos olhos, aqueles grandes olhos castanhos como que nunca olhara direito antes... e parecia enfeitiçado por sua presença. Ele não sabia o que dizer e isso era desconcertante para ele. Os olhos dela estavam brilhando em lágrimas.
- Me perdoe, Tom - suplicou ela, a voz fraca.
Ele continuou imobilizado. Ela deu um gemido abafado e agarrou sua capa com força, olhando-o nos olhos. Ele se viu refletido naqueles olhos infelizes e suplicantes, e uma sensação estranha e forte se apoderou dele.
- Não interessa o que você vai fazer comigo agora, não importa que você não sinta o mesmo por mim... Só o que eu quero é poder ver você, estar perto de você, poder continuar amando você, escutar sua voz, somente... Me prometa que aconteça o que acontecer você não vai me deixar... Prometa, Tom, por favor! Não faça isso comigo...! - dizia ela, chorando descontrolada, deitando o rosto em seu peito, como se temesse que ele fugisse.
Ele poderia ter resistido, lutado contra os seus sentimentos, mas não resistiu ao impulso de confortá-la em seus braços. E foi isso que ele fez.
- Não vou deixá-la, Gina; eu prometo. - falou, baixinho, afagando seus cabelos. - Eu não quero deixá-la...
Ela continuou chorando baixinho, agarrada à sua capa, encostada nele... Ele percebeu como ela parecia fraca de repente, sentiu que tinha que confortá-la, protegê-la... Sentiu-se responsável por ela. Por ela e pela vida que ela levava dentro dela. Suspirou, cansado, mas aliviado por tudo aquilo ter acabado, e apoiou o rosto no topo de sua cabeça, desejando nada além do melhor para ela. Ele mirou a nesga de sol nos cabelos dela, os olhos semicerrados, esperando que ela parasse de chorar, paciente.
Ele dissera a verdade: não iria deixá-la e não sentia o menor desejo de fazê-lo... Nem que sua vida dependesse disso. E iria protegê-la até que alguém o matasse.
Nota: Estarei postando na medida do possível. Bjus pra Cl@arice, que tava lendo no BD e à Lua pelo comentário.
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