Um talento natural



- Quadribol é muito simples, Harry. Você só precisa mesmo pegar o jeito, mas eu acho que você vai se dar bem... Nunca vi ninguém voar tão bem quanto você.

Gina olhou de esguelha para o garoto e percebeu que, mesmo depois de ela ter passado o caminho todo tentando animá-lo, ele ainda assim não parecia muito confiante nas palavras dela. Já tinha anoitecido. Era uma noite ventosa e fresca; a lua minguante brilhava escondida no céu quase sem estrelas, encoberto por nuvens. A grama estava levemente úmida quando os garotos caminharam sobre ela em direção ao campo de quadribol, carregando suas vassouras nos ombros: Gina, a sua velha Comet 260 e Harry, sua reluzente Firebolt. Já tinha sido lançado mais um novo modelo de vassoura dessa linha, mas Gina sabia muito bem que Harry não trocaria aquela sua Firebolt por nada (por mais que nesse momento ele não se lembrasse disso); aquela vassoura era uma das poucas lembranças que ele tinha do seu padrinho, Sirius Black.

Ela desviou o olhar de Harry, quase temendo que ele lesse seus pensamentos, algo que ela sabia ser totalmente impossível, no entanto. Ainda não tinha contado quase nada sobre o passado dele... seus pais, Sirius... todas aquelas coisas que, ela sabia, iriam lhe deixar bastante abalado e deprimido. Ela estava adiando o momento em que contaria a verdade a ele. Aliás, "adiar" era algo que estava se tornando rotina para a garota: ela também estava adiando o momento inevitável em que perderia as esperanças de Harry recuperar a memória sozinho. Parecia que, a cada dia, ele ficava pior.

E, ah, claro, outra coisa que ela estava adiando (e muito) era o momento em que ela contaria esse segredo para alguém... E, deve-se ressaltar: isto estava tirando o seu sono. Quando ela pousava a cabeça no travesseiro, vinha-lhe à mente rostos... Rony, Hermione e Dumbledore. Algum dia teria que contar para algum deles... ou todos. E também tinha Luna... às vezes Gina tinha a estranha sensação de que Luna era como uma coruja: captava todas as coisas que aconteciam à sua volta, mas ficava quieta até o momento certo.

Eles entraram, ainda em silêncio, no vestiário vazio. Enquanto Gina foi apanhar algumas coisas no armário, Harry parou no meio da sala, observando-a. Gina fechou a porta do armário e, por sua vez, passou a observar o garoto: depois de olhar em torno de si por todo o vestiário, com um brilho estranho nos olhos verdes, ele se sentou em um dos bancos e passou a contemplar sua vassoura. Começou a mexer nas cerdas, parecendo bastante entretido. Gina não conseguia ver a expressão de seus olhos: os cabelos, que pareciam maiores e mais desajeitados, caíam-lhe sobre os orbes verdes. Silenciosamente, Gina se sentou ao lado dele.

- O que foi?

Harry deu um sobressalto, como se tivesse sido atingido por água gelada. Ele olhou rapidamente de esguelha para Gina, abaixou novamente a cabeça e continuou a mexer nas cerdas da vassoura. Gina ainda não conseguia ver a expressão dos olhos dele: a franja os cobria, dando-lhe um ar um tanto quanto displicente e charmoso. Ela rapidamente se reprimiu por esse pensamento.

- Essa... coisa... voa mesmo? - ela ouviu a voz dele, e no fundo ele parecia hesitante.

- Claro que voa, Harry. - Gina respondeu, aliviada por ser uma pergunta tão boba. Passara pela sua cabeça que ele fosse perguntar como ele tinha conseguido aquela vassoura. - É assim que nós, bruxos, voamos e jogamos quadribol.

- Pensei que vassouras varressem...

Gina riu baixinho.

- Vassouras de trouxas varrem. As de bruxos voam.

- "Trouxas"? - ele se virou para encará-la, finalmente desviando o olhar da Firebolt.

- Os que não são bruxos. - a garota se levantou. - E então, vamos para o campo?

Harry não fez menção de se levantar; ele voltou a encarar a vassoura, para desespero de Gina.

- E... essa vassoura... é minha mesmo?

- Claro que é, Harry. Eu já disse que é. Vamos? - ela sugeriu novamente, tentando desviar do assunto. Pressentia que suas aflições a respeito daquela conversa estavam começando a se confirmar.

- E eu a comprei?

- Hum... bem... não.

- Então eu a ganhei?

- É, foi isso. Vamos para o campo?

Ele ainda não se mexeu. Parecia realmente entretido com as cerdas. Gina não conseguia, novamente, ver a expressão nos olhos dele.

- Quem a deu para mim?

Gina poderia soltar um palavrão. Ela poderia se dar bem em Adivinhação, afinal. Não acreditava que Harry tivesse justamente conduzido o assunto para aquilo, ou melhor, para aquela pessoa, mesmo que fosse inconscientemente. Isso implicaria em dizer coisas que Gina não queria dizer. Pelo menos ainda. Ela respirou muito fundo.

- Harry, nós realmente precisamos treinar. - ela disse severamente, encaminhando-se para a porta, de modo que não pudesse ver o rosto de Harry e ficar com pena dele. - Você precisa entender quadribol até quinta-feira, ou então vão descobrir aquilo que não queremos.

- Você não quer.

Gina parou antes de abrir a porta que ligava o vestiário ao campo. Ela ainda estava de costas para Harry. Por alguns instantes intermináveis, nenhum dos dois disse nada. Harry tinha novamente tocado naquele assunto... aquele assunto que não deixava Gina dormir direito, que fazia com que ela se perguntasse milhões de vezes se estaria ou não fazendo a coisa certa. Ela abaixou a cabeça, observando os próprios pés; sua mão ainda estava sobre a maçaneta quando ouviu a voz ressonante de Harry atrás dela:

- É MUITO DIFÍCIL, GINA! - ele gritou. - EU NÃO SEI ATÉ QUANDO VOU CONSEGUIR LIDAR COM ESSA... com toda essa mentira!

Ela se virou para encará-lo, sentindo suas entranhas se revirarem pela culpa. Harry estava de pé, encarando-a nos olhos; ele mordia os lábios, que de longe (Gina não tinha certeza), pareciam tremer levemente. Seus cabelos estavam mais desgrenhados do que nunca, mas dessa vez ela conseguia enxergar seus olhos, e havia um brilho diferente nos olhos de Harry, que ela não conseguiu traduzir. Gina suspirou e desviou o olhar; era difícil encará-lo. O estômago dela revirou mais uma vez.

- Eu sinto muito... - ela murmurou tão baixo, que até mesmo para ela foi difícil escutar sua própria voz.

E Gina ignorou o grito de Harry para que ela esperasse. A garota saiu correndo do vestiário para o primeiro lugar que pensou: o campo, o que ela não tinha muita certeza se seria inteligente, porque Harry provavelmente viria atrás dela. Mas isso não importava no momento. Ela correu para o centro do campo e soltou no chão as duas coisas que carregava: a caixa de bolas e sua vassoura. Sentiu a grama úmida assim que seus joelhos a tocaram, no momento em que ela se largou no chão, totalmente sem rumo.

Ela não tinha o direito de fazer o que estava fazendo com Harry. Fechou seus olhos, sentindo um forte nó na garganta e a boca seca. Era a vida dele, e ela estava tentando controlá-la. Mas ela sentia que precisava fazer isso, porque tinha medo... medo do que aconteceria se ela não estivesse ali para conduzir as coisas... Porque ela tinha certeza - algo lhe dizia - que alguma coisa horrível aconteceria se o segredo de Harry fosse revelado. E no seu desespero para protegê-lo, ela não percebia que estava fazendo mal a ele.

Ele tinha razão quando dizia que era difícil. Sim, deveria ser horrível para ele fingir, fingir que ainda era o mesmo. E ele não era. Ele era uma pessoa completamente diferente do verdadeiro Harry Potter. E se até mesmo para Gina estava sendo complicado mentir, ela poderia imaginar o quanto deveria estar sendo difícil para ele fazê-lo.

Mãos tocaram seus ombros de leve. Gina abriu os olhos, e foi como se o nó que estava na sua garganta quase a sufocasse. Suas entranhas novamente reviraram horrivelmente. Harry estava parado bem à sua frente, as duas mãos sobre seus ombros de uma maneira confortadora - o que aumentava o sentimento de culpa dentro de Gina - e um olhar de claro arrependimento - o que fazia com que Gina tivesse vontade de se matar por estar fazendo-o sentir-se assim, pois era ela a culpada de tudo. Harry estava agachado à sua frente, com apenas um joelho apoiado sobre a grama, e continuava encarando Gina profundamente.

"Droga", ela pensou nervosa. "Por que ele simplesmente não recomeça a gritar comigo?" Seria muito melhor se ele fizesse isso, se ele estivesse nervoso a ponto de gritar, brigar, até mesmo xingá-la. Mas esse Harry não parecia ser capaz de um gesto como esse. Às vezes, o outro Harry poderia ser até grosseiro se estivesse realmente irritado, mas esse Harry não. Pelo contrário. E aquele olhar de arrependimento no rosto dele só a consumia por dentro, como se estivesse torturando-a bem devagar.

- Me desculpe... - ele murmurou sinceramente. - Eu realmente sinto muito, Gina... É tudo culpa minha.

Foi como se o mundo desabasse sobre Gina. Ele estava pedindo desculpas?! Ela fechou os olhos com força e abaixou a cabeça, mas o inevitável aconteceu. Foi impossível controlar. Ela sentiu que estava chorando e, por mais que tentasse evitar, Harry já tinha visto essa sua fraqueza. Ela queria se bater por aquilo, por chorar e... por tê-lo feito se arrepender... por tê-lo feito pedir desculpas por algo que era culpa dela! Ela se sentiu a pior pessoa da face da Terra.

- Ah, Gina... - ele murmurou, em tom de súplica. - Não chore, por favor...

Ela cobriu as mãos com o rosto, tentando se controlar, mas estava sendo incrivelmente difícil. Se ao menos ele parasse de tentar consolá-la! Aquilo era uma tortura! Seu corpo todo tremia por causa dos soluços, e cada vez mais ela queria se socar por estar tendo aquela reação ridícula! Vagamente, ela sentiu algo que a horrorizou e a encheu ainda mais de culpa: os braços de Harry a envolveram, quentes e confortadores - um tanto sem jeito, era verdade -, mas ainda maravilhoso... Ela sentiu quando sua cabeça encostou-se ao peito dele e quando ele tocou o alto dos seus cabelos com os dedos. As estranhas dela se reviraram novamente, por culpa e... mais uma vez ela queria se bater, mas ela sentiu novamente aquele formigamento no topo do estômago que ela sabia muito bem o que significava.

- Por favor, Gina... por favor, me desculpe... Eu realmente não queria ter gritado daquele jeito, eu me descontrolei... Não chore, por favor... eu não queria te magoar...

Por quê? Por que ele tinha que ser tão gentil? Ela sentiu seus pêlos da nuca se arrepiarem quando ele apertou ainda mais o abraço, enlaçando-a com aqueles braços fortes e, ao mesmo tempo, carinhosos. Todo aquele tempo ela estava tentando protegê-lo e, no entanto, era ele que estava protegendo-a agora... E ela se sentiu protegida. A culpa se intensificou. Por um tempo que nunca soube precisar, ela chorou como uma criança indefesa e com medo nos braços dele.

- Você é a única pessoa que eu tenho, Gina... - ele disse depois de algum tempo, quando Gina estava começando a se acalmar e os soluços já eram esparsos. - Por favor, me perdoe...

- Não... é... verdade... - ela sussurrou, afastando-se muito pouco dele, somente o suficiente para olhá-lo. Poderia estar querendo se bater por isso, mas naquele momento, ela não queria ter que deixar aquele abraço tão reconfortante. - Você tem... Rony... e Hermione...

Ele suspirou longamente, como se doesse dizer aquilo. Abaixou a cabeça ligeiramente para encarar Gina nos olhos e, por um instante, eles estavam tão próximos que Gina podia sentir o hálito fresco dele... Parecia que ela se afogaria dentro daqueles olhos excepcionalmente verdes. Ela nunca tinha estado tão perto assim de Harry... tão próxima a ponto de sentir as batidas suaves do coração dele. Tão próxima, que era como se os dois fossem um só. Mas uma vozinha cruel dizia dentro da sua cabeça que aquilo não era real... era apenas uma ilusão, e se tudo aquilo não estivesse acontecendo, se Harry não tivesse perdido a memória e ainda fosse o mesmo, ela não estaria daquela maneira nos braços dele.

- Eles... não são como você. - agora ela sentia novamente aquele formigamento irritante. - Tudo bem, eles são legais... parecem que realmente gostam de mim, que são meus amigos, mas... eu não posso ser eu mesmo perto deles. Eu... tenho que fingir... - o nó na garganta de Gina se intensificou. - Somente com você eu posso dizer... o que eu quero e... o que eu sinto.

Harry ainda a encarava com aquele olhar penetrante, e era maravilhoso sentir a mão dele segurando sua cintura pelas costas, enquanto a outra ainda acariciava seus cabelos e, depois, seu rosto. Os dedos dele passearam pelas suas bochechas e secaram as suas lágrimas. Horrivelmente - ou seria maravilhosamente? -, Gina sentiu novamente o coração acelerar, exatamente como acontecia quando ela era mais nova e Harry apenas lhe lançava um sorriso ou lhe dizia "bom dia". E ela tinha se esforçado tanto para deixar de se sentir assim perto dele... Mas, naquele momento... em que estavam tão próximos, ela não conseguiu se sentir de outra maneira.

- Você é especial... você... cuida de mim. - ele disse, e sua voz era um mero sussurro, mas Gina podia escutá-lo claramente. - Eu... queria tanto poder lembrar de você...

Aquilo era realmente uma tortura. Gina não suportou mais continuar olhando aqueles olhos verdes. Ela abaixou o rosto e (que droga, por que não conseguia se controlar?) encostou novamente sua cabeça ao peito dele, sentindo seu calor. Respirou fundo, apenas apreciando o momento, mesmo que ainda sentisse toda a culpa dentro de si.

- Não é culpa sua... Nada disso é culpa sua, Harry... Eu queria poder te livrar disso, poder ajudá-lo, fazer com que se lembrasse ou então dizer que sim, que você não precisa mais guardar esse segredo, mas eu não posso... Por favor, me perdoe por tudo isso... mas eu tenho medo do que possa acontecer se todos descobrirem...

Ele a apertou ainda mais, tanto que chegava a doer, mas Gina não se importou nem ao menos reclamou. Por alguns instantes, não disseram mais nada, mas depois de algum tempo, a voz de Harry soou novamente, e Gina sabia que ele apenas estava fingindo estar normal e feliz para que ela se sentisse bem.

- Tudo bem, Gina. Eu entendo você, e prometo que não vou mais te magoar com isso.

- Harry...

Ele se afastou dela. Gina tinha vontade de pedir para que ele a abraçasse novamente, mas sua voz morreu na garganta, e ela apenas o olhou. Harry sorriu, um tanto nervoso, para ela.

- Olha, eu até gosto de aprender todas essas coisas novas! - Gina riu tristemente, pois sabia que ele deveria achar tudo aquilo muito ruim. Por que ele era tão gentil? Ela não merecia... Harry se levantou, fingindo animação. - Você não disse que iria me ensinar o tal de quadribol? - ele a puxou pela mão, forçando-a a se levantar. - Vamos, eu quero aprender!

Gina apenas o encarou por alguns instantes. Sua boca tremia incontrolavelmente. Ela queria dizer que ele era maravilhoso, que ele não precisava tentar agradá-la, mas no final a única coisa que ela conseguiu dizer foi um simples "Vamos".

*******

Hogwarts, 31 de outubro de 1997

Espero que nenhuma das minhas colegas chatas de quarto acordem com o som da pena arranhando o pergaminho. Mas também, se acordarem, dane-se, que virem para o outro lado e voltem a roncar! Quantas vezes eu já não tive que escutar suas conversas fúteis sobre roupas e garotos até altas horas da noite? Se bem que... elas devem estar tão empanturradas com o banquete do dia das bruxas que provavelmente nem ao menos conseguem se virar para o outro lado da cama...

Digamos que hoje foi um dia feliz. A escola estava toda enfeitada para o dia das bruxas. Dumbledore fez um discurso muito bonito, disse que "precisamos estar bem com nós mesmos para que possamos enfrentar as adversidades". Obviamente, ele se referia ao... bem, à guerra em si. Depois do ataque a Hogsmeade, todos ficaram muito tensos, e foi MUITO legal da parte dos professores darem um dia inteiro de folga para os alunos (até os que prestarão N.O.M.s e N.I.E.M.s no final do ano). Eu tive sorte. Perdi a minha aula do Snape que seria hoje. Rony fez questão de repetir milhões de vezes que eu... como ele disse? Que eu era uma grande "rabuda" por isso ter acontecido (ele, Harry e Hermione tiveram aula com o Snape ontem, quinta-feira).

Por falar em quinta-feira, foi exatamente nesse dia que se realizou o treino de quadribol - algo pelo qual eu estava muito ansiosa e temerosa. Se Harry estivesse realizando um teste, eu diria que a nota dele fora "Excede as Expectativas". O.k., digamos que ele teve algumas atitudes suspeitas... Por exemplo, ele não sabia dizer qual era a escalação do time da Corvinal para o domingo quando Rony perguntou por isso. Por sorte, Juca Sloper comentou que achava que os corvinais estavam fazendo mistério sobre o assunto, e Harry teve a presença de espírito de confirmar.

Não foi de longe um treino normal. Eu orientei, é claro, para que Harry dissesse aos jogadores o que fazer e até mesmo desse ordens, mas ele não conseguiu seguir muito meu conselho. Não sei se alguém desconfiou, acho que não. Rony fez uma ou duas perguntas embaraçadoras, mas nada muito desesperador. Acho que, ao menos por essa etapa, Harry e eu escapamos.

Quanto a voar... ah, sim, eu estava certa quando disse a Harry que ele não teria problemas quanto a isso. Acho que é um "talento natural". Está no sangue dele. Bem, que eu me lembre, acho que Rony, ou talvez tenha sido até mesmo o Harry, que uma vez comentou que o seu pai (Tiago Potter) também tinha sido jogador da Grifinória, apanhador como ele. Sim, é coisa de sangue mesmo. Porque Harry voou perfeitamente; um pouco nervoso no começo, mas depois ele pegou mesmo o jeito. Ele não voa; ele desliza pelo céu. E eu não tive problemas para ensiná-lo a capturar o pomo, tampouco. Tive problemas para explicar as regras do quadribol e o quê, exatamente, era o pomo, mas tirando isso, correu tudo muito bem. Fiquei incomensuravelmente aliviada. É claro que isso passou quando eu tive que dar dicas de Poções para ele na quarta.

Acho que não preciso me preocupar com o jogo contra a Corvinal no domingo. Harry até está achando divertido. É claro que ele não está como Luna, desfilando pelo castelo com seu chapéu de águia, mas ele está bastante empolgado. Empolgado como eu não via há muito tempo...

Por falar nisso, estou com medo que Hermione esteja desconfiando disso. Hoje mesmo, durante as comemorações do dia das bruxas, ela chegou para mim e comentou "O Harry parece bem mais feliz ultimamente, não acha?". Pode ser paranóia, mas acho que não foi uma inocente observação. Eu realmente estou com medo que ela descubra. E o pior, eu não tenho como controlar isso. Não posso falar para o Harry deixar de sorrir (e nem quero isso). Por esses e outros motivos, eu tenho pensado muito em contar o segredo para Rony e Hermione... mas todas as vezes que tento, algo acontece ou eu perco a coragem... Esses dias, também, eles estiveram bastante ocupados com os assuntos da monitoria e dos preparativos para o dia das bruxas. Com um pouco de sorte, nas próximas semanas, Hermione vai mergulhar tão fundo nos livros e nos deveres de casa, que talvez esqueça a mudança de Harry.

Por outro lado, ele nunca mais tocou no assunto de contar o segredo para alguém. Acho que por causa daquela noite no campo de quadribol. É claro que ainda me sinto culpada, mas não consigo evitar também de me sentir aliviada por isso. Aliás, Harry está bem mais empenhado em aprender do que antes. Tem se dedicado até mesmo nas lições de madrugada que eu dou para ele. Hoje mesmo, nós dois ficamos no salão comunal até as três da madrugada fazendo deveres e estudando. Mas... só agora me ocorreu... talvez Hermione desconfie da pontualidade nos deveres de Harry... ou talvez ela fique tão contente com isso que até deixe passar.

Mas será que Rony vai notar? Eles sempre fizeram os deveres juntos... Calma, Gina, seu irmão é desligado demais para notar...

Por falar em Rony e Hermione, eles continuaram em pé de guerra até o dia das bruxas. Depois disso (não me pergunte como), hoje pela manhã, eles estavam se dando bem. Aos "dengos", como eu mesma digo. "Aqueles dois são malucos!", foi o que Harry me confidenciou, chocado com a "flexibilidade" do relacionamento dos dois. Não tive como não rir e concordar.

Ah, e isso me lembra... Bem, depois daquele dia no campo de quadribol, não houve mais nenhuma... hum, digamos... "proximidade", assim tão próxima (isso ficou redundante, não?), entre mim e Harry. Mas eu ainda tenho um grande problema (só mais um para a minha lista, eu acho): eu simplesmente não consigo esquecer aquele dia. Não sai da minha cabeça! Estou sinceramente tentada a imitar elfos domésticos e batê-la na parede. Quem sabe um bom feitiço não resolve? Aliás, é exatamente por isso que eu estou aqui, escrevendo nesse diário às quatro da madrugada. Porque eu não consigo dormir pensando no Harry! E olha que nem gosto muito de diários... mas se eu não falar com alguém (nesse caso, escrever), eu simplesmente EXPLODIREI!

Saco.

Até, sinceramente, cheguei a cogitar a idéia de sair com o tal de Kevin, de que tanto Luna fala que está a fim de mim. Sim, é aquele tal apanhador da Corvinal... Mas depois eu paro e penso: e se Harry ficar magoado com isso? E se ele se meter em encrenca durante minha ausência? Ou o que vier primeiro?

Droga, estou pensando de novo nele... Acho que se eu contasse quantas vezes eu escrevo aqui a palavra "Harry" não caberia nos dedos da mão... nem no dos pés.

Duplo saco!

Acho que vou dormir (ou tentar). Amanhã é sábado. Hermione planejou terminar deveres de casa, mas Rony não parece muito a fim. Além disso, tem mais um treino de quadribol amanhã (só espero que Harry não dê mancada). É na parte da tarde (a Corvinal reservou o campo de manhã), de modo que a manhã está livre. Se Hermione não insistir nos deveres, talvez ela, Rony e Harry visitem Hagrid (vou tentar me infiltrar no passeio). Ah, não! Esqueci que combinei com Luna de fazer o dever de Herbologia!

Triplo saco!

Virgínia Weasley

*******

Da cabana de Hagrid, saía um fiapinho de fumaça. Provavelmente, ele acendera a lareira. Harry, Rony e Hermione deveriam estar lá naquele momento. Pelo que Gina sabia, seu irmão tinha conseguido convencer Hermione a deixar os deveres de lado pelo menos uma vez na vida (aproveitando-se do bom momento entre eles). A garota suspirou e desviou o olhar da janela da biblioteca.

- O que tanto você olha para lá fora, hein? - Luna perguntou distraidamente, folheando as páginas de um livro particularmente grosso de Herbologia.

- Hum... nada.

É claro que Gina notou que não foi muito convincente, o que Luna provavelmente percebeu. Mas ela não se importou. Voltou a mexer em "Mil ervas e fungos mágicos" e logo pensou em outro assunto.

- E então?

- Então o quê? - Luna retrucou. Gina levantou um pouco os olhos do seu livro para olhar a garota, e os olhos azuis arregalados dela ainda miravam o livro.

- Você não está mais irritada?

- Quem disse que eu estava irritada?

- Não foi preciso dizer... eu percebi.

Luna levantou os olhos do seu livro, finalmente.

- Você acha que sabe de muita coisa, não é, Gina?

Ela não soube o que dizer depois disso. Luna tinha sido rude. Talvez estivesse se metendo muito na vida dela, afinal. Abaixou os olhos, um pouco chateada. Provavelmente Luna notou, porque completou arrependida:

- Desculpe.

- Não importa... - Gina fez um gesto displicente.

- Importa sim. - Luna insistiu, e parecia sinceramente arrependida. - Você é a única pessoa que me atura, então eu não deveria ter falado assim com você...

- É, tem razão... - Gina disse divertida. - Tem que ser mesmo muito paciente para te aturar, não é, Loony?

As duas riram.

- Você está certa. - Luna falou depois de algum tempo. - Eu andei mesmo irritada esses dias... um pouco... chateada.

- Alguém andou te dizendo algo ruim? - Gina parou de mexer no seu livro e passou a encarar a amiga.

- Nha... o de sempre, você sabe... - ela deu de ombros. - Nem ligo. Não foi isso que me chateou.

Gina tinha uma ligeira impressão de que sabia o que tinha magoado Luna. Mas decidiu ficar calada; não queria se intrometer demais nos problemas dela. Se Luna quisesse falar, ela falaria.

- Foi só... - ela falou tão baixo, que era difícil escutá-la. - ...uma pessoa.

- Meu irmão às vezes é um bobão. - Gina falou sem pensar.

- Quem falou nele? - Luna perguntou como se tivesse sido atingida por um jato de água fria. Imediatamente, ela ficou na defensiva. Gina quis se bater por não manter sua boca fechada.

- Ninguém. Alguém falou?

- Ninguém.

As duas voltaram seus olhos para os livros novamente. Depois de um tempo, o tom de voz de Luna voltou a assumir aquele jeito sonhador de sempre.

- E como vão as coisas com o seu "amorzinho"?

Gina quase engasgou. Ela levantou a cabeça e encarou Luna, que a observava com aqueles olhos arregalados.

- Do que você tá falando?

- Você sabe...

- Não, eu não sei.

- Vou precisar soletrar o nome dele? Tá bom... "H"...

- Dá pra parar?

- "A"...

- Eu já disse pra parar!

- "R"...

VOOSH. Um livro de Herbologia voou na direção da cabeça de Luna, e ela milagrosamente conseguiu se desviar. POF. Ele caiu no chão com estrondo. Alguns quintanistas olharam feio para as garotas.

- Srta. Weasley! - Madame Pince exclamou exasperada. - O que significa isso?

Luna saiu de debaixo da mesa e encarou Gina com aquele olhar "Ih, fedeu!".

- O livro escorregou da minha mão... - Gina disse cinicamente, apanhando o livro do chão. - Desculpe, Madame Pince...

- Que não se repita!

Gina assentiu e voltou a se sentar, olhando feio para Luna, que tinha um sorriso irritante nos lábios.

- Isso foi uma tentativa de assassinato?

- Vou virar uma assassina se você não calar sua boca!

Luna riu baixinho.

- Mas você não vai mesmo me contar como vão as coisas?

Se uma olhar pudesse matar, Luna teria caído dura no chão da biblioteca.

- O.k. - ela falou, retomando aquele seu antigo tom sonhador. - Se você não quiser contar porque você e ele andam tão esquisitos, eu mesma tirarei minhas conclusões...

Aquilo despertou Gina. Será... não, Luna não notaria...

- Ei! - ela exclamou, apontando para fora da janela da biblioteca. - Não é ele andando ali embaixo?

Gina rapidamente olhou pela janela. Luna estava certa. Harry tinha saído da cabana do Hagrid e caminhava pelos gramados sozinho, com as mãos enfiadas nos bolsos. Mas por que Rony e Hermione não estavam com ele?

*******

Rony fechou seu armário no vestiário de quadribol. Tinha acabado o último treino antes da partida contra a Corvinal. O sol já tinha se posto e, algum tempo depois, começou a chover. André Kirke disse que não estava conseguindo enxergar os balaços (e isso era realmente perigoso tratando-se de Kirke). Uma das artilheiras (novamente havia três artilheiras no time: Gina e mais duas garotas do terceiro ano) sugeriu que parassem o treino. Harry não fez objeção.

O familiar barulho de conversas animadas e ansiosas sobre o treino do dia e o jogo do dia seguinte invadiu os ouvidos de Rony. Ele novamente abriu a porta do armário; não estava com vontade de entrar na conversa dos outros naquele dia, porque tinha deixado passar alguns gols a mais. Mexer no armário era uma boa desculpa (ou pelo menos a única que lhe ocorreu no momento).

Em uma rodinha estavam conversando Gina, Juca, André e mais aquelas outras duas artilheiras que Rony sabia que se chamavam Lara e Julliane. Comentavam sobre o time da Corvinal, e Gina, que era amiga de Luna, dava alguns palpites a mais sobre o time, coisas que ela sabia por ter arrancado informações da amiga. Rony às vezes ficava um tanto apreensivo sobre essa amizade de sua irmã com Luna. O.k., Luna já tinha provado que era uma garota bastante... hum... dinâmica e prestativa quando ela foi junto com Rony, Hermione e Harry naquele grupo inusitado para aquela aventura no Departamento de Mistérios, isso no quinto ano de Rony. Mas isso não mudava o fato de que Luna era maluca. E ela e Gina ficaram bem mais próximas depois daqueles acontecimentos.

Rony desviou o olhar do grupo que agora ria de alguma coisa que Kirke dissera e suspirou para dentro do seu armário. O seu lado de "irmão protetor" estava novamente tomando conta dele. E ele sabia muito bem que isso era desnecessário, pois Gina sabia se cuidar bem demais sozinha. Mas ele não conseguia evitar; nenhum irmão Weasley conseguia evitar ser protetor com a "pequena" Gina. Bem, Percy era tão preocupado consigo mesmo que conseguia. Mas Rony não queria pensar em Percy.

Ele fechou pela segunda vez o armário e tomou uma decisão. Estava cansado de ficar ali. Harry estava demorando muito na sala do capitão, e Rony resolveu ir até lá conversar com ele. Sentiu que precisava conversar com Harry - ele era uma das poucas pessoas com quem Rony se sentia bem em falar as coisas. Bem, com Hermione ele também se sentia bem, mas ela estava a vários andares distante na Torre da Grifinória, provavelmente enfiando tão fundo a cabeça nos livros que poderia entalá-la neles.

Quando Rony cruzou o vestiário na direção da sala do capitão, ele poderia jurar que viu de relance Gina lhe lançar um olhar um tanto apreensivo. Mas talvez tivesse sido somente impressão, porque quando ele olhou novamente ela estava entretida conversando com Julliane. Rony deu de ombros e entrou na sala.

Ele ia começar a falar alguma coisa, mais precisamente, reclamar de alguma coisa, quando viu Harry sentado em um dos bancos, curvado sobre sua Firebolt. Ele estava de costas, portanto não vira Rony e tampouco pareceu notar sua entrada. Rony permaneceu alguns instantes observando o amigo, que olhava atentamente para sua vassoura. E ele que vinha achando Harry tão mais animado por esses dias... Depois de alguns segundos, Rony percebeu que estava sentindo pena do seu amigo.

- Lembranças? - perguntou de súbito, imaginando o porquê daquela cena.

Harry levantou em um salto e se virou elétrico para ver Rony à porta. Ele parecia surpreso. A Firebolt ainda estava bem segura na sua mão esquerda. Rony achou esquisita aquela reação, pois Harry estava mais do que acostumado com o amigo invadindo a sua sala de capitão (Harry freqüentemente dizia que Rony era seu "sócio" na direção do time). Mas, talvez, Rony tivesse interrompido um momento que Harry queria passar sozinho. Ele desejou ter permanecido mais alguns instantes arrumando seu armário, mas sabia que agora era tarde demais.

- O que você disse? - Harry perguntou, ainda num tom que mesclava susto e um pouco de apreensão. Rony fez uma careta, atravessou a sala e se sentou na ponta do mesmo banco onde estava o amigo anteriormente.

- Erm... deixa pra lá. - disse simplesmente, dando de ombros. - Melhor não falarmos sobre isso.

Harry parecia confuso e intrigado, mas se Rony estava realmente certo em sua observação, ele nunca soube, pois o amigo sentou-se ao seu lado sem dizer nada. Rony olhou de esguelha para ele. Harry parecia um tanto desanimado. Esquisito. Aliás, esquisito era uma boa palavra para definir o comportamento de Harry durante a semana. Rony estava o achando realmente esquisito...

- O que você tava fazendo?

Harry abriu a boca e fechou-a logo após. Entreteve-se em espantar um grão de pó da vassoura. Ele sorriu um pouco nervoso e depois mostrou um pano para Rony.

- Estava limpando.

- Ah... Sério?

Harry confirmou. Rony franziu as sobrancelhas. Esquisito... ele teve a impressão de que era outra coisa. Algo relacionado a lembranças de como Harry tinha ganho aquela vassoura. Depois do que acontecera com Sirius, a Firebolt tinha se tornado uma fonte de lembranças tristes para Harry. Rony deu de ombros; às vezes Harry era estranho demais para ser compreendido. Tentar fazer isso era inevitavelmente ficar com dor de cabeça em seguida.

- Hum... você acha que eu fui muito mal no treino de hoje? - Rony mudou de assunto. - Quer dizer, eu deixei passar uns gols a mais da Gina...

- Acontece... - Harry disse um pouco hesitante. - Além disso, a Gina joga bem, não?

Rony não soube dizer se o que Harry estava dizendo era uma pergunta ou uma afirmação. Complicado distinguir. Mas de certa maneira o incomodou, e ele não conseguiu se controlar:

- O que vocês dois andam fazendo juntos, hein?

- Como?

Por que Harry às vezes tinha a mania de se fazer de idiota quanto a certos assuntos? Principalmente esse assunto? Rony suspirou.

- Você e Gina... Andam muito juntos.

- Nós... - novamente o tom de Harry era hesitante. - Somos amigos... é natural, não?

Novamente era algo entre uma pergunta e uma afirmação.

- Ah, eu sei que são amigos... - Rony retrucou aborrecido. Ele sabia muito bem que Gina se tornara mais próxima do "trio" desde o quinto ano dele, Harry e Hermione. - Mas vocês nunca estiveram tão próximos!

Harry se remexeu desconfortável. Por alguns instantes, não esboçou mais nenhuma reação, e Rony começou a ficar impaciente. Então, ele se virou subitamente e encarou o amigo; abriu a boca para dizer algo, mas desistiu e não disse nada. Quando Rony ia perguntar o que ele queria dizer, a porta da sala se abriu novamente.

- Hum... vocês dois vão ficar aí até quando? - Gina perguntou, metendo a cabeça pela fresta da porta timidamente. Rony teve a impressão de que ela e Harry trocaram um olhar significativo. - Os outros já foram embora e eu estou esperando vocês para voltarmos juntos à Torre.

- É melhor irmos mesmo. - Harry disse de supetão, levantando-se. - Estou cansado.

Ele atravessou a sala sem olhar nem para Rony, tampouco para Gina quando cruzou por ela na porta. Gina o olhou, seu rosto revelando ao mesmo tempo frustração e irritação. Rony se levantou, decidido a perguntar para ela o que estava acontecendo, mas Gina foi mais rápida:

- Vocês três foram no Hagrid hoje, não?

Rony foi pego de surpresa, mas logo entendeu que ela se referia à visita que ele, Hermione e Harry fizeram ao Hagrid pela manhã.

- Fomos... Por quê? Você queria alguma coisa com o Hagrid?

Gina negou, aborrecida.

- O Harry saiu mais cedo?

Rony não entendeu a pergunta.

- Por que você tá perguntando isso?

- Simplesmente responda. - Gina falou incisiva, como sempre fazia quando estava irritada com algo.

Rony teve vontade de dizer algo desagradável a ela por estar sendo rude, mas resolveu que era mais prudente responder antes que ela usasse uma Azaração para Rebater Bicho-papão nele.

- Saiu, mas como você sabe -

- E por quê?

- Ah, sei lá, Gina... - Rony retrucou irritado com todas aquelas perguntas. - Eu não perguntei, ele simplesmente disse que precisava sair mais cedo!

Gina não disse nada por alguns instantes. Parecia ter parado para pensar.

- Ele me disse que tinha deixado você e Hermione sozinhos para ficarem juntos... - ela disse vagamente.

- Disse, é? - Rony falou, já cheio daquilo. - Talvez tenha sido, depois eu e a Mione demos uma volta juntos pelo castelo mesmo.

- Hum... - Gina se limitou a dizer.

- Escuta, por que o interrogatório, hein? Não tá fazendo sentido pra mim!

Gina o olhou de esguelha.

- Não importa... besteira.

Rony bufou e passou por Gina na porta para sair, mas antes disse:

- Você tem que andar menos com a Loony Lovegood.

Depois disso, Gina pareceu ficar mais irritada pelo resto do caminho.

*******

As palavras estavam começando a ficar turvas no livro. Hermione abriu os olhos assustada. Droga, quase tinha cochilado novamente. Aquela redação de História da Magia estava realmente monótona. Obviamente, ela não nunca admitiria isso para Rony e Harry, mas que estava monótona, estava.

- Hermione, você viu o Trevo?

- Não, Neville... - a garota respondeu exausta, sem nem ao menos olhar para o garoto que tinha acabado de se sentar à sua frente. Ela esfregou as mãos no rosto. Talvez, somente dessa vez, tivesse estudado demais.

- Droga. - Neville resmungou. - Eu o perdi de novo.

- Logo ele vai aparecer... - Hermione disse vagamente, sem se importar muito com o problema do amigo. Quando ela parou de esfregar os olhos e o encarou, percebeu algo bem ruim nos olhos dele. - Não, Neville. Hoje eu não vou te ajudar a encontrá-lo, estou muito cansada.

Neville murchou.

- O.k., vou ver se ele tá lá em cima no dormitório...

Hermione desabou sobre a mesa, a cabeça entre os braços, ainda escutando os passos de Neville se afastando. Além disso, havia também a barulheira que fazia um grupo de quartanistas. Ela quase se levantou para mandá-los parar, mas depois desistiu. Sua cabeça estava doendo, e a melhor alternativa era mesmo ir se deitar. Queria esperar Rony, Harry e Gina voltarem do treino, mas percebeu que não seria possível. No entanto, quando ela levantou a cabeça, viu os três cruzando a passagem do retrato.

Harry entrou primeiro e se sentou em uma poltrona qualquer, apanhou um livro que estava próximo e começou a folheá-lo de cabeça para baixo. Gina o encarou por alguns instantes, abriu a boca para dizer algo, depois a fechou, fez uma cara muito emburrada e cruzou a sala comunal, subindo as escadas para o dormitório feminino batendo os pés. Rony entrou por último, não menos irritado. Estava de braços cruzados e com as orelhas vermelhas. Ele caminhou direto até a mesa onde estava Hermione e se sentou de frente a ela, ou melhor, se jogou na cadeira.

- Não acredito que você ainda está estudando! Você algum dia ainda vai pirar, Hermione! Se já não pirou há muito tempo!

Ela imediatamente fechou a cara.

- Se o treino foi tão ruim, não precisa descontar em mim!

E ela fechou estrondosamente o grosso volume de História da Magia. Rony se assustou e percebeu que tinha falado demais.

- Ah... - ele começou, um pouco mais suave. - Não foi o treino que foi ruim...

- Há alguma explicação para você, Harry e Gina terem entrado com a mesma cara que Snape faz quando não pode colocar defeito na minha poção?

Rony suspirou.

- Ah, sei lá... Esses dois estão esquisitos.

- Rony, você não vai começar de novo com aquela idiotice, né?

- Não é idiotice! - Rony retrucou teimosamente. - Tô falando sério!

Hermione suspirou.

- O que foi agora, "irmãozinho ciumento"?

Foi visível que Rony não gostou da provocação, mas ao menos daquela vez ele deixou passar. Parecia que era importante para ele falar o que queria primeiro.

- Parece que eles brigaram...

- Brigaram? - Hermione perguntou intrigada. Agora a situação estava mudando de figura.

- É... - Rony lançou um olhar de esguelha para Harry, que ainda lia um livro ao contrário. Parecia Luna Lovegood lendo O Pasquim. Hermione não gostou da lembrança. - Eles não se falaram normalmente no treino e depois a Gina me fez umas perguntas esquisitas sobre ele.

Hermione tinha esquecido completamente a sua dor de cabeça e o cansaço.

- Escuta, Hermione... sou só eu, ou você também tá achando esquisito o comportamento do Harry por esses dias?

Ela se recostou na cadeira. É, então ela não era a única? Até Rony tinha notado...

- Eu notei sim. Ele anda mais animado, não?

- Às vezes. - Rony ponderou. - Hoje ele está bastante aéreo, para falar a verdade.

- Ele anda sorrindo. - Hermione lembrou. - Ele não costuma fazer isso... não desde...

- Desde que Sirius...

- Passou o véu.

Os dois olharam ao mesmo tempo para Harry, que continuava escondido atrás do livro de cabeça para baixo.

- E se perguntássemos a ele o que está acontecendo? - Rony sugeriu.

- Não... ele não diria.

- Por que não? Ele conta as coisas para a gente, não é?

- Algumas coisas não.

- Como você pode saber?

Hermione deu de ombros.

- Porque ele se tornou bem mais fechado depois do quinto ano. Não deve contar tudo para nós.

- Você acha? - Rony também se recostou na cadeira, fazendo uma careta. - Por causa do Sirius, não?

- Não só por ele.

Rony a encarou intrigado. Hermione prosseguiu confiante.

- Eu não sei por quê, mas tenho a impressão de que aconteceu algo mais com ele, Rony... algo que não fazemos a mínima idéia.

Eles olharam de esguelha para Harry, enquanto ele subia as escadas para o dormitório masculino, batendo os pés como Gina.

- Então não devemos falar com ele ainda? - Rony perguntou.

- Vamos esperar.

- Já te passou pela cabeça que Gina pode saber o que está acontecendo?

Hermione encarou Rony por alguns instantes.

- Devo falar com ela?

- Não. - ele a deteve com uma mão assim que Hermione fez menção de se levantar. - Do jeito que ela está hoje, você poderia ser atingida por uma azaração e eu não quero isso.

Hermione sorriu, e dali em diante os dois esqueceram Harry e Gina.

*******

A vitória da Grifinória sobre a Corvinal foi bastante apertada. Rony definitivamente estava em um dia péssimo. Juca Sloper e André Kirke estavam completamente cegos na chuva. E Harry demorou um tempo maior do que o normal para encontrar o pomo.

Gina temia que isso fosse um pouco culpa sua. No dia anterior, antes do treino, ela e Harry discutiram para valer. Gina quis saber onde ele tinha ido depois de visitar Hagrid, e Harry respondeu que quis deixar Rony e Hermione sozinhos, pois não se sentia bem como "vela" deles. Mas Gina (e ela ainda não sabia o porquê) não acreditou muito nisso. Harry tinha sumido por um bom tempo depois daquele momento que ela e Luna o viram pela janela da biblioteca. E Gina ficou preocupada que algo tivesse acontecido.

Ela ainda não se lembrava direito como começara a discussão, só sabia que tinha ficado tão tonta depois que nem conseguiu parar e raciocinar. Harry ficou muito aborrecido e, somente agora, Gina entendera o porquê. Novamente, ela estava se metendo na vida dele. Estava sendo uma completa enxerida. E estava se sentindo mal por isso.

O.k., Gina estava se sentindo uma pessoa totalmente odiável. Uma chata. Uma verdadeira tirana.

Ela só queria que nada daquilo estivesse acontecendo...

Se ao menos ela pudesse dividir aquele segredo com alguém... Droga, mas não conseguia abrir a boca e contar tudo para Rony e Hermione. Pra começar, Rony estava um pouco arisco com ela desde o interrogatório que Gina lhe fez no final do último treino. Hermione andava pensativa demais para escutar algo que lhe diziam, e Gina não estava com vontade de atrapalhá-la... Era incrível como Hermione podia se estressar com qualquer bobagem em ano de N.I.E.M.s.

E ainda havia mais um grande problema. Naquela manhã anterior ao jogo de quadribol, todos leram a notícia de capa do Profeta Diário: Comensais da Morte atacaram uma vila próxima a Londres, e mataram e torturaram vários trouxas. Isso despertou novamente em Gina aquele medo incontrolável de que, se ela abrisse a boca para revelar o segredo de Harry para quem quer que fosse, algo muito ruim acontecesse. E se alguém ouvisse? Alguém indesejado, como Draco Malfoy, por exemplo? Seria o fim... a informação certamente cairia nos ouvidos... dele, Tom Riddle, e Harry estaria em grandes apuros. Gina não podia deixar isso acontecer.

- Por que você está aqui?

Gina se assustou com a pergunta repentina de Harry. Ela estava tão mergulhada em seus pensamentos, que nem notou que ele tinha finalmente saído do vestiário do time da Grifinória. Gina estava esperando por ele, para que conversassem, mas esqueceu completamente o que estava fazendo de tantas preocupações que tinha na cabeça. Ela se virou para ele, mordendo os lábios.

- Eu... queria falar com você.

Harry encostou-se à parede, observando a chuva fina que caía.

- Eu também.

- Mesmo?

Ele a olhou de esguelha.

- Eu acho que exagerei com você ontem...

Gina riu sem jeito, encostando-se à parede como ele.

- Então fomos dois. Mas eu estou me metendo demais na sua vida também.

- Que vida? - ele perguntou chateado. - Eu nem sei quem sou, isso é vida?

Gina preferiu ficar calada. Não sabia o que dizer. Começou a chover mais forte, e o vento fazia com que algumas gotas molhassem os garotos.

- Ah, saco! - Gina praguejou.

- Como vamos passar pelo jardim agora? - Harry perguntou, observando a chuva grossa que caía.

Havia duas opções: ou eles entravam novamente no vestiário e esperavam a chuva passar, ou eles se molhavam. Eles se entreolharam e o mesmo pensamento pareceu lhes ocorrer: seria um pouco constrangedor ficarem sozinhos... Da última vez que fizeram isso, eles discutiram... E isso ainda não tinha sido bem resolvido. Se bem que... Gina se lembrou da noite que ela estava ensinando quadribol a ele. Não, também não podia pensar nisso. Fora, era e sempre seria um erro sentir aquelas coisas perto de Harry. Sentiu-se idiota. E também, se eles entrassem e a chuva não passasse?

Os dois, então, correram pelos jardins, a chuva fustigando suas faces e encharcando suas vestes de quadribol.

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