O Segredo dos Laurent II



- E então? O passeio noturno lhe fez bem, pelo visto… O que achou da Patrícia?(1)
- Maravilhosa! Você tinha toda razão.
- Eu tinha certeza disso. – o outro homem riu, enquanto entravam na cozinha e se sentavam à mesa para o café, completamente distraídos de quem já estava por lá.
- Eu não acredito que fiquei tanto tempo sem experimentar essa sensação. A força, o poder, a liberdade… é uma coisa única.
- Deixe eu adivinhar… Você se sentiu o maior homem do mundo…
- Exatamente! – os dois homens riam, um riso rico de satisfação e entendimento, e isso irritou profundamente a mulher que preparava uma jarra de chocolate na pia, de costas para eles…

Sarah não podia acreditar no que ouvia. Ao que parecia, após deixá-la, na noite anterior, Sirius Black saíra para um “passeio”, e não saíra sozinho.
Ela ainda podia lembrar-se muito bem de sua conversa na varanda, de como ele fingira ser novamente um garoto pedindo uma garota para namorar…

Mas o que ouvia agora parecia mostrar que Sirius já esquecera tudo que dissera na noite anterior. Que cachorro!
Rodando inconscientemente o belo anel em seu dedo - que ela usava constantemente, mesmo intrigada por não lembrar sua origem - Sarah tentou fingir que a conversa não a afetava, mas as coisas só iriam piorar…
- Sabe? – Sirius continuava dizendo ao outro homem, sem qualquer percepção da mulher fervilhando do outro lado da cozinha – Eu acabei de me lembrar que, desde que voltei, não fui atrás da “minha garota”. E ela sempre foi tão fabulosa, tão poderosa… Quando foi a última vez? Por Merlin, foi antes de ir para Azkaban! Como pude me esquecer de procurar por ela?

Pronto, era ponto pacífico: ele tinha outra, esperando por ele na Inglaterra. Toda aquela conversa da noite anterior era provavelmente uma cantada bem ensaiada. Ainda bem que ela não caíra de todo naquela “prosopopéia plácida para acalentar ruminantes”, ou, melhor dizendo…

Seu pensamento insultado foi cortado pela próxima exclamação em tom de saudade:
- Não há como descrever a sensação de poder, ao ouvir seu ronco suave enquanto a abraça, o som do vento à sua volta, o cheiro da terra... e mesmo quando você está com ela sob a chuva, é indescritível! – Sirius fitou o homem à sua frente – Você consegue fazer a Patty voar? Se quiser, eu posso lhe ensinar como. Fica ainda mais incrível, voar com ela, acredite.
Sarah se virou, pronta a dar um basta naquela conversa absurda e cheia de duplos sentidos, entretanto, a voz de seu próprio filho a paralisou:
- Você me leva junto, Tio Sirius? Eu posso dar uma volta nela com você?
- Claro! – Sirius sorriu, enquanto levava a mão à cabeça do garoto sentado ao seu lado, balançando-a carinhosamente. – Mas só se sua mãe deixar, e se tivermos um capacete para você.
- Olha o que você fez, Hamilton! – a voz de Berenice, tentando parecer brava, mas tendo um leve tom brincalhão, tomou de Sarah sua próxima tentativa de dizer algo – Como se não bastasse carregar nosso hóspede para essa sua mania… que, pelo que ouvi, ele já compartilhava, agora quer levar o pobre garoto… Não sei se agüento mais um motoqueiro maníaco nessa casa.
- Motoqueiro? – Sarah conseguiu balbuciar, afinal, fazendo com que todos olhassem para ela, espantados.
- Sim, maninha, estamos perdidas! Já não chegava o Hamilton com a sua preciosa Patrícia o tempo quase todo... Agora, você também vai ter que competir com ela por um pouco de atenção dos homens da família!
- Mas… quem diabos é Patrícia? – ela deixou escapar, finalmente.
- Aquela belezura toda negra 1250 que tenho lá na garagem – foi Hamilton quem respondeu, um brilho orgulhoso em seus olhos, acrescido de um risinho malicioso quando indagou – De que você achou que estávamos falando? De uma firebolt?
Sarah permaneceu muda, olhando de um homem risonho para outro, e seu embaraço só foi quebrado pela voz de André, emergindo do corredor de braços com sua esposa:
- Quer dizer que foi você, Sirius, que me acordou com o ronco daquela coisa? Minha-nossa-senhora, pensei que a casa estava caindo!
A conversa se generalizou alegremente pela mesa, apenas Berenice olhando curiosa para sua irmã. Claro que Berenice notara o que acontecera na cabeça dela, eram irmãs, puxa vida, conheciam uma à outra, mais do que ninguém! Bem, talvez sua mãe se ainda estivesse ali, pescaria tudo incrivelmente mais rápido e teria impedido toda aquela conversa fiada, pra começar, começando o dia ralhando com eles em algo muito parecido com as palavras de André. Felizmente, tudo parecia voltar ao normal agora… E Berenice suspirou, aliviada, embora divertida com o embaraço que Sarah tentava disfarçar numa conversa um pouco animada demais com seus filhos, sob o olhar confuso de Sirius Black.

O café da manhã correu sem mais nenhum susto, e já que era sábado, o esperado dia em que a família inteira se reuniria finalmente, antes de partir para a casa da praia, as duas irmãs e sua jovem cunhada passaram a manhã em franca atividade, claro, agora bem facilitada pelo fato de poderem usar suas varinhas sem reservas.
As crianças e os homens foram gentilmente afastados da casa, cada um deixando um beijo na bochecha de cada uma das mulheres, indo jogar bola no quintal ou qualquer atividade semelhante, elas não quiseram saber, desde que dessem sossego e não aparecessem dentro de casa antes de tudo pronto. Até sucos, biscoitos e pães de queijo foram levitados para fora, quando alguém pediu um lanchinho.
Era já quase hora do almoço, quando Berenice atendeu seu celular.
- É a Neuza! – ela disse, sorrindo para sua irmã e cunhada, mas logo sua face se contraiu com preocupação, e ela foi se afastando da cozinha..
- Neuza, calma. Deve haver alguma explicação para não estarem no trem… Onde você está?... Tudo bem, vou pedir ao Hamilton para buscar você, você não vai dirigir desse jeito…
Sarah podia ouvir parte da conversa, mas não perguntou, esperando que Berenice explicasse depois o que acontecera para sua irmã mais velha parecer tão transtornada.
Alguns minutos depois, a voz de Snape soou em sua mente:
- Serenna?
- Severus!
– ela sentira falta do contato com o irmão, embora eles tivessem se falado brevemente todos os dias – Você já chegou?
- Sim, estou em seu apartamento, mas, obviamente, você não está aqui…
- Ah, desculpe-me, eu me esqueci da hora! Eu ia buscá-los…
- ela sorriu para si mesma, seu irmão percebendo seu sentimento de diversão e ficando curioso – Que bobagem! Eu não preciso ir buscá-los!
- Não? E como eu vou encontrá-la com os meninos?
- Ora, mano! Pelo Flu!
– ela não esperou que ele se recobrasse da surpresa, e foi logo dizendo – Adivinhe! Minha irmã e seu marido são bruxos! E eles têm uma lareira também! Vou apenas avisá-la de que você está usando a conexão.
- E por que você não me contou esse detalhe em nossa última conversa? –
Snape inquiriu em seu melhor tom “sou o gorduroso morcego das masmorras”, sem contudo intimidar sua irmã.
- Eu me esqueci, realmente. Mas não é uma ótima surpresa?
- Já que é assim, eu também tenho uma surpresa. Algo que eu também esqueci de comentar, mas será melhor você ver do que ouvir. Como é? Vai ou não vai ver com ela sobre a conexão?


Resmungando algo sobre homens e sua impaciência, Sarah foi atrás de sua irmã. Encontrou-a na sala, abraçando Neuza, que pelo visto estava muito próxima, pois já tinha chegado. Hamilton tinha um braço sobre seu ombro, levemente preocupado.
- Neuzinha, eu tenho certeza de que tem uma explicação. Já que estamos aqui e nenhum de nós foi buscar os meninos, vamos dar um jeito de descobrir que tio é esse que…
Berenice se interrompeu ao perceber a chegada ansiosa de Sarah, que correu e abraçou sua irmã mais velha. Inexplicavelmente, elas não tinham se visto desde o dia que Sarah chegara da Inglaterra, e ela estava com saudades de sua irmã “mais séria”.
Indiferente ao estranho embaraço de Neuza, Sarah puxou Berenice pelo braço e sussurrou uma pergunta em seu ouvido.
Berenice por um momento franziu o cenho, depois seu rosto se iluminou. Ela respondeu a Sarah afirmativamente e puxou Neuza pela mão, seguindo a irmã adotiva para a sala de estar, onde uma grande lareira dominava a decoração.
- Querida, acho que já descobri o que aconteceu! – e ante o olhar confuso das duas, continuou – Sarah, por favor, diga a eles para virem logo, ou perderão o almoço!
Olhando com certo receio para outra irmã, Sarah chamou Severus mentalmente:
- Severus? Pode vir, por favor? Estamos esperando. É só dizer…
- “Casa da Tia Berê”!
– ele exclamou, surpreendendo-a, enquanto a lareira ardia em chamas verdes.

Mas não foi Severus Snape que irrompeu pela lareira na sala de Berenice e Hamilton. Muito menos seu filho Alan ou Lucy, ou Peter, como Sarah imaginou que seria a ação de seu irmão, mandando as crianças na frente.
Diante de uma Sarah boquiaberta, um garoto negro de cabelos trançados com tiras coloridas e um uniforme escolar que definitivamente não era de Hogwarts, marrom com o emblema do que parecia um carvalho, logo estava em pé e dizia num sorriso:
- Oi, tia! Tudo bem? – sem esperar resposta, ele correu para abraçar sua mãe, enquanto outro garoto, um pouco menor e de penteado um pouco menos extravagante – pelo menos era apenas separado em inúmeras tranças rentes ao couro cabeludo e com as pontas chegando até os ombros – também surgia e repetia a saudação, antes de imitar o irmão e correr para a mãe. Só então, Sarah viu o rosto tranqüilo de Alan, seguido pelos dois outros jovens e, finalmente por Severus Snape.
A essa altura, Hamilton já se encarregara de avisar aos outros e todos entravam na sala. Aline corria para abraçar Lucy, enquanto Peter e Alan puxavam seus malões para um canto, Leo perguntava ao seu tio se trouxera alguma coisa do Amazonas para ele e Sirius apenas observava de longe, ainda com reservas para se aproximar da óbvia reunião de família.
Sarah sorria para seu irmão gêmeo, ambos dividindo um sentimento de diversão na surpresa conjunta.
- Ao que parece – ele disse por fim – Os Laurents não são a pacata família trouxa que eu imaginei quando os vi pela primeira vez.
- Com certeza! – Sarah exclamou, olhando em volta.
Neuza abraçava seus filhos, repreendendo-os por não ter mandado uma mensagem mais clara do que “Não estamos no trem, estamos voltando com nosso tio”. Berenice ria, contente, enquanto repetia para André que sim, seus sobrinhos também eram bruxos, e convidava a todos para se prepararem devidamente, pois o almoço estava quase pronto.
- Acho que vocês devem estar loucos para se livrarem dessa capas e uniformes, não estão não?
Os jovens concordaram, lógico, e deixaram mães e tios sozinhos na sala, indo em um compacto e ruidoso grupo a caminho dos quartos, já tirando capas pelo caminho…
Berenice então chamou todos para a cozinha. Podiam conversar enquanto mexiam com pratos e panelas…

Depois de uma meia hora de conversa…

- Então, era isso. Desculpe-nos, Sarah, mas não podíamos imaginar que você era bruxa, e muito menos que André se casara com uma… - Neuza sorria para Susan.
- As leis de sigilo são muito rigorosas, e isso realmente é preciso, para a segurança de todos. – Hamilton comentou, e Snape concordou, dizendo:
- Na Inglaterra, é igualmente rígido, mas esconder o fato de ser bruxo até de irmãos, isso é novidade para mim.
- É que… as leis bruxas daqui não abrangem os laços por afinidade ou adoção. Quando o representante da Governadoria me visitou, foi muito direto e realmente assustador. Pode ser que eu tenha supervalorizado suas “advertências”… o susto com toda a história foi muito grande. Só descobri que Berenice também era bruxa, porque os meninos identificaram alguma coisa… - Neuza explicava.
- O pote de pó de flu. Eles o acharam na lareira, que para eles já era uma coisa muito estranha de se ver, mesmo nessa região da cidade… Aqui é mais frio, mas lareira, seria um exagero de decoração! – Hamilton contou, rindo ao se lembrar da cara dos meninos.
- Como você soube sobre eles, Severus? Você os reconheceu na escola? – Sarah perguntou, por fim.
- Na verdade, eles é que me reconheceram. Claro, chegaram meio vacilantes e perguntaram se eu era mesmo Severo Snape. Eu respondi que sim, e não teria dado muita atenção a duas crianças… mas o mais velho, Eduardo, continuou: “Desculpe, senhor, mas você se parece muito com o Prof. John Smith. Ele era amigo de nossa tia e nos deu um xadrez de bruxo no Natal que passou na casa de nossos avós”.(2)
Enquanto os adultos riam, os jovens e as duas crianças entraram na cozinha, perguntando pelo anunciado almoço.

A refeição decorreu tranqüila e alegre, mesmo com os olhares enviesados de Snape para Sirius Black e depois para sua irmã.
Em dado momento, ele perguntou à queima roupa:
- Então, minha irmã? Já podemos reconhecer este anel como um anel de compromisso?
- O que? – ela perguntou, confusa, olhando do irmão para seu anel.
Percebendo que seu antigo professor não ajudaria a irmã com nenhuma informação, Susan foi em socorro da cunhada:
- Na Inglaterra, quando um casal se compromete, o homem dá à mulher um anel. Bem, pelo menos entre os bruxos, esse ainda é o costume. – ela sorria, timidamente.(3)
- Aqui, os anéis de noivado caíram em desuso, pelo menos entre os não-bruxos. – Hamilton explicou. – A maioria usa apenas as alianças, quando firmam um noivado. Mas os jovens já vieram com uma moda nova: anéis de compromisso, usados por namorados.
Uma corada Lucy baixou o rosto para o prato, enquanto Peter sorria embaraçado.
- Aha! – Aline gritava, puxando a mão da jovem e mostrando um anel colorido, que tinha um correspondente na mão de Peter.
- Vejo que vocês pretendem lançar essa moda em Hogwarts. Acho que será uma bela novidade. – Sarah piscou para o rapaz.
- Mas você ainda não me respondeu, mana. – Severus voltou à carga, fazendo a atenção de todos voltar-se para ela, o que foi um reconhecido alívio para o jovem casal.
- Não entendo… Qual o problema com meu anel? Pelo que eu sei, eu já o usava antes de… - de repente, a ficha caiu. Ela olhou para Sirius, indagando quase num sussurro – É nosso anel?
- Sim. Não. Quer dizer, não foi dado com essa intenção, mas como presente de Natal. Mas, se você quiser considerar como tal, eu oficializo aqui, perante todos, o nosso compromisso. Podemos fazer tudo direito, eu o coloco em seu dedo, enquanto você responde que sim, que estamos juntos a partir de agora.
Sirius era incrivelmente sério, embora mentalmente se divertisse com o fato de Snape – justo ele – ter encontrado uma forma de colocar todos a par de seu relacionamento com Sarah.
- Ah, que doce! – Neuza quase chorava.
- Errr… bem… - Sarah agora conseguira corar mais do que a pequena Lucy – não precisa. Quer dizer, a gente já fez isso ontem e…
- Ohhhh – o som generalizado a fez ficar ainda mais desconcertada.
- Parem com isso, vocês!
- Isso! – a voz infantil e determinada surpreendeu a todos – Mamãe agora é namorada do tio Sirius! E todo mundo vai parar de zuar com eles!
Todos olharam para Aline, que estava muito séria, segurando a mão de sua mãe e de seu “tio” Sirius. Então, de repente, ela fez sua mãe ficar ainda mais constrangida, ao perguntar com jeito doce.
- Tio Sirius, quando vou poder chamar você de papai?
As risadas de todos quebraram a tensão súbita do casal, enquanto Berenice comentava:
- Você tem sorte que Murilo não está aqui para ouvir isso…
- Alguém falou meu nome? – o homem louro surgira na porta. Ninguém vira Hamilton sair para atender à campainha.
- Ah, não faltava mais nada! – Sarah exclamou, rindo, mas o amigo atalhou:
- Faltava sim! Adivinha com quem eu dividi o táxi do aeroporto até aqui?
Um homem negro, alto e forte apareceu atrás dele, e o grito das três irmãs foi instantâneo.
- Felipe!
Enquanto elas abraçavam o irmão, Murilo comentou com Sirius:
- Pronto para a batalha, amigão? Ela tem outro irmão mais velho, sabia? E ele é tão osso duro quanto o Morcegão!
- Eu ouvi isso! – Snape retrucou, mas sua expressão não era ameaçadora.

***

A tarde passou com os preparativos para a viagem do dia seguinte. Finalmente a família Laurent e Cia partiria para sua semana na praia. Partiriam antes do amanhecer, para pegar a estrada mais livre. Claro que ninguém se lembrou da possibilidade de viajarem de outra forma, a família sempre viajara de carro para praia todos aqueles anos.
Após o jantar, a família reunida novamente, Felipe perguntou:
- Quer dizer que Sarah e sua família inglesa também são bruxos? Que interessante. Eu sempre desconfiei de você, John. Quer dizer, Severus. Desculpe-me, é a força do hábito.
O médico sorrira. Ele já explicara mais cedo que, assim como Berenice, percebera seus poderes mágicos após a morte dos pais. Estava, entretanto, mais lento em seus estudos, devido aos compromissos profissionais que já assumira.
- Sim, e nós aqui preocupados com as Leis de Sigilo, e eles lá, do mesmo jeito. Mas agora, acho que não temos mais segredos, né? Seja o sobrenome, Laurent, Snape… ou Black! – Berenice piscou para o “novo” cunhado, mas Felipe levantou a sobrancelha, curioso.
- Black? Quer dizer “negro”.
- Exatamente! – Murilo ria. – A Sarah achou um jeito de ficar mais parecida com a família, pelo menos no sobrenome. Agora, é só se casar com o Sirius, e ela vai poder dizer: “Hei! Eu não sou a branca da família! Eu sou uma Black!”
- Engraçadinho… - Sarah o fuzilava com o olhar, enquanto o resto da família ria, e Berenice explicava para Sirius, mesmo estranhando a expressão preocupada que Severus exibia, fitando atentametne sua irmã gêmea:
- Hoje, isso não tem importância, mas a Sarah se ressentia disso quando estávamos na escola. Havia um pequeno grupo de atitudes racistas menos veladas, que a xingavam por pertencer a uma família negra. Éramos um pouco discriminados, mesmo que de forma velada. O preconceito aqui sempre foi uma postura mais social do que de cor da pele.
- Quando elas estavam no terceiro ano primário, o papai foi chamado à escola. Elas tinham se pintado, e professora nenhuma conseguia tirar a tinta… “Peraí”, não foi tinta, né? Foi magia! Vocês mudaram a cor da pele, para não serem mais diferentes!
- Mas algum representante do Ministério não teria visitado vocês, depois disso? – Snape perguntou, estranhando que uma manifestação de auto-transfiguração passasse despercebida.
- Acho que foram sim, eu me lembro de termos visto um homem estranho lá em casa. – Neuza comentou.- Todo mundo ficou muito assustado com essa história das duas. Agora, pensando bem… - ela pareceu se concentrar – Papai me disse algo naquele dia, o que foi mesmo? Ah, lembrei: “Quando vocês estiverem juntos um dia, todos vocês, rindo de algo inexplicável que uniu todo mundo, mas ninguém sabia, assobie bem alto”.
- Que estranho. Papai sempre foi um brincalhão, mas isso! – André comentou, balançando a cabeça.
- Experimentem! – Murilo exclamou – Ou vocês querem que eu tente?
- Não. – Felipe atalhou. – Eu lembro dele dizendo isso também. Só vai funcionar com um “Laurent”. – e, sem esperar pelos outros, levou os dedos à boca e soltou um forte assobio, que fez as crianças deixarem de lado o jogo que faziam e tampar os ouvidos.
Logo em seguida, um assobio fino parecia responder ao dele, e tanto Sarah quanto Susan e Berenice sacaram as varinhas, lançando os já rotineiros feitiços de imobilização sobre os móveis.
Berenice ralhava com o irmão:
- Pelamordasanta, nunca chame um saci sem se preparar antes, homem!
Mas o redemoinho já se formara, e logo Serelepe – não poderia ser outro – surgia no meio da sala.
- Quem me chamou? Eu estava ocupado… - ele tinha um belo pedaço de chocolate nas mãos.
- Antecipando a Páscoa? – Berê perguntou, rindo, ao que ele respondeu com um piscar malandro.
- Ah, os Laurent se reuniram! Isso quer dizer que posso contar o segredo!
- Que segredo? – várias vozes soaram ao mesmo tempo.
- De que Remy Laurent era bruxo.
- Nosso… tataravô francês?
- Sim, mas o neto dele também. Remy Antônio Laurent, o único bruxo que conseguiu tirar minha carapuça. Mas devolveu depois, claro. Por isso, eu fiquei devendo-lhe um favor.
- Sério? Por isso você reagiu estranho comigo? - Sarah perguntou. Lembrava-se do saci retrucando “outra Laurent?” quando a conhecera, e também do medo de perder a carapuça em sua cozinha.
- Isso. – ele piscava, rindo.
- Então, você pagou o favor guardando um segredo? Que segredo era esse? – Snape perguntou, sabendo que criaturas como essa tendiam a ser relutantes e evasivos.
O saci o fitou por alguns instantes, como se considerasse se ele era ou não parte da família. Depois, sentou-se o mais elegantemente possível para alguém vestindo apenas uma estranha sunga vermelha e passou a falar em um tom professoral que espantou a todos:
- O primeiro Remy Laurent casou-se com uma bruxa africana, que viera pro Brasil no mesmo navio. Os Laurent, portanto, nunca foram escravos. Seus descendentes, bruxos ou não, engajaram-se na luta pela abolição, lado a lado com os escravos alforriados e brancos que lutavam pela causa. Entre os bruxos, a luta era para estender aos elfos domésticos a mesma condição, e por isso, eles forjaram muitos inimigos, principalmente entre bruxos de sangue-puro que vieram com a Corte portuguesa e pensavam que poderiam impor aqui os mesmos preconceitos do Velho Mundo Mágico. Por isso, foram quase todos assassinados. Só sobrou um, que escondeu-se com sua família em um quilombo. Mesmo escondido, continuou ativo. Sua esposa, uma mulata que também tinha sangue ameríndio e era uma bruxa muito poderosa, era amiga íntima da Princesa. Quando a Lei Áurea foi assinada, um adendo mágico também foi. Nunca mais um elfo doméstico, mesmo os que optaram por continuar servindo a alguma família, pode ser considerado propriedade ou ser castigado. Claro, os elfos tiveram mais sorte que os escravos recém-libertos…
Sarah sorriu, ao lembrar-se dos elfos que contratara para reformar seu apartamento, mas ainda não entendia aquela história direito, nem porque o Saci falava de forma serena e séria, completamente contrária à sua natureza infantil e irresponsável. Ele parecia tão grave quanto o seu próprio irmão gêmeo.
- Por que isso tinha que ser segredo? Não entendo.
- Porque os Laurent foram alvo de poderosos bruxos das trevas. Um feitiço de inibição da magia foi lançado sobre Remy Antônio e seus descendentes, pois foram julgados por seus inimigos indignos de pertencerem à raça bruxa. Deveriam viver entre o povo sem magia e sem dignidade que tanto prezavam… - enquanto o Saci fazia uma pequena pausa, Snape recordava de discursos semelhantes de seus antigos “companheiros” - Seu nome foi confundido com o de famílias comuns e esquecido como um nome mágico. Mas um dia, a ameaça passaria e a profecia se cumpriria.
- Profecia? Minha mãe! Fica pior a cada momento! – Berenice exclamou.
- Que profecia, Saci? – Felipe indagou:
- Uma preta velha do quilombo. Tinha visões. E ela disse: “Quando as metades que estavam perdidas se reunirem, as verdes chamas voltarão a arder. Uma metade seguirá a outra, mas voltará e encontrará nas estrelas seu guardião, e branco será negro, e a chama da verdade fortalecerá o círculo dos viajantes para sempre.” Essa profecia.
- Meu deus!
- Que louco!
O Saci ria, olhando para as caras espantadas à sua volta.
Snape também sorriu. Agora, entendia várias conversas do velho Martinho, pontas soltas de conhecimento bruxo que escapavam sem que o homem atinasse. Claro, ele teria assimilado conhecimentos de seu avô, mesmo não revelando a magia. E o sangue ameríndio de sua avó explicava porque só depois de adultos os Laurent dessa geração tinham revelado sua magia. Tal como Ana Weasley.
Mas Murilo, demonstrando que estivera atento e analisara cada palavra do que ouvira, comentou:
- As “metades perdidas”, creio que são os dois gêmeos separados que se reencontram. As chmas verdes seria a magia da família?
- Exatamente. - O Saci completou.
- E a Sarah, que sempre chamamos de “Laurent Branca” agora é “Negra”. – André retrucou, divertido.
- A Laurent branca agora é negra? Não estou vendo a diferença… - Serelepe apontava para Sarah, piscando de forma estranha.
- Sim, Saci, ela agora é uma Black. – Sirius disse, deixando a própria Sarah espantada. – Eu sou Sirius Black, ou “Negro”, e ela é minha mulher.
- Ah!... – a exclamação se generalizou pela sala, enquanto Snape sacudia a cabeça. Quando Black aprenderia a não falar mais do que devia?

Pronto, o amasso estava solto entre os diabretes…(4)

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(1) Vocês pensaram que eu ia ter que mudar a classificação da fic, né? Peguei vocês! A explicação que fiquei devendo do capítulo anterior:
Eu tinha dado o nome “Sérgio” ao marido da Berê, mas de repente percebi que eram muitos nomes com “S” para uma história só… hihi…
Então, conheci esse motorista de táxi adorável e suas histórias, chamado “Hamilton Fernando”. Foi bastante inspirador, acreditem. A “Patrícia” é criação dele. Quer dizer, era a moto dele, toda preta, mas… vixi, esqueci de perguntar a marca… E, sim, ele teve problemas uma vez com uma namorada, quando estava num barzinho com ela e os amigos chegaram e perguntaram: “Cadê a Patrícia?” e ele respondeu; “Ah, eu deixei em casa!” O que eu sei é que só depois de muito barulho e provavelmente uma cadeira na cabeça… é que ele conseguiu explicar que a tal Pat era uma moto, não uma mulher…

(2) Fic “O Paciente Inglês”, vocês lembram do Natal, né? Eduardo e seu irmão, que esqueci de dizer, chama-se Matheus, têm atualmente 12 e 11 anos respectivamente. Descobriram que eram bruxos logo após o Ano Novo, mas Neuza não contou à família. Claro que eles já estavam desconfiados, após compararem as ocorrências dos livros de Harry Potter com fatos de sua própria infância. E, claro, tinham certeza de que John Smith não era tudo que dissera… principalmente porque não tinham engolido essa história de alta tecnologia japonesa… hihi. Crianças! Aff!

(3) Vi isso em várias fics, e embora tenha ficado na dúvida sobre ser costume inglês ou americano (tem muita fic americana e eu fiquei sem como ter certeza, resolvi aproveitar a brincadeira).

(4) Pois é, será que o Sirius entornou o caldo do feijão? Hihi… E eu sempre adorei essa frase da Sra Figg (eu acho que era quase isso)

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Gente, vou tentar terminar a fic até dia 30, porque o mês de agosto vai começar complicado… por isso, os últimos capítulos vão sair meio corridos … A fic já ta praticamente pronta mesmo, não tem porque ficar enrolando… e não vai ter nenhum spoiler significativo das fics da Belzinha, eu garanto.

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