O segredo dos Laurent parte I

O segredo dos Laurent parte I



Sirius soltou um suspiro de conformação. Estava apenas na companhia das duas crianças, na sala de uma casa trouxa, ao sabor das circunstâncias.
Nos dias anteriores, ele acompanhara os irmãos Laurent à capoeira e visitara vários locais da cidade, trouxas obviamente, embora Sarah tivesse aproveitado que apenas André e Susan os acompanhavam para mostrar aos meninos – e a ele, naturalmente - a passagem para a plataforma do Expresso Rio Negro, no prédio principal da Praça da Estação. Era difícil, principalmente por causa da efusividade natural das crianças, mas estavam conseguindo manter os outros membros da família Laurent ignorantes de sua condição “diferente”.

Também voltaram ao shopping, para comprar ovos de páscoa para toda a família e os amigos que passariam os feriados em conjunto. E esta fora uma experiência bem mais agradável que a anterior para Sirius, e ele se perdeu nas próprias lembranças por algum tempo, enquanto Aline e Leonardo continuavam concentrados em um daqueles filmes estranhos que gostavam de ver.

***

Sirius provara deliciosos chocolates em forma de garrafinhas de licor, claro, recheados com o próprio – seu favorito fora o de licor de aniz…
Sarah até que tentara disfarçar, mas ele notara a expressão de irritação e algo mais – ciúmes, talvez? – enquanto a vendedora conversava com ele, um pouco mais atenciosa do que deveria.
- Será que não percebeu o quanto esse chocolate me lembra o seu perfume? Claro que não, ela não sabe o quanto eu sinto falta dele… - ele pensou, sorrindo para si mesmo.
As crianças estavam agitadas, querendo ver (e também comer, claro) os ovos, mas Sarah fora categórica: era para a Páscoa, eles teriam que esperar como todo mundo.
Depois, haviam passeado por uma praça muito arborizada e florida. Enquanto os filhos corriam, Sarah apontara para as árvores que circulavam praticamente toda a praça, dizendo:
- Você precisa vê-las daqui a alguns meses. É lindo! Tudo coberto de cor de rosa. Com exceção daquela – ela apontara para uma das maiores, na extremidade oposta da praça – Aquele é um ipê amarelo, o único aqui da praça.
- Mas… - ele indagara, confuso – Não vai ser inverno? Elas dão flores no inverno?
- Sim. São flores do inverno. O ipê rosa floresce primeiro, geralmente de junho para julho. O amarelo floresce um pouco mais tarde. Mas, do jeito que anda chovendo, o frio deve chegar mais cedo. Então, poderemos ver um ou dois floridos ainda em maio. – Sarah sorria ao responder – Não estranhe tanto! Na maior parte do país, temos clima tropical. Inverno com frio intenso e às vezes neve, só no extremo sul, mesmo. Eu acho que tenho umas fotos em casa, você vai ver como são lindos!

Sirius concordou, mais tarde, ao ver as magníficas copas recobertas de flores, nas fotos que Sarah encontrara em seu computador. Por um momento, ao ver seu entusiasmo com as coisas de sua terra, receou que ela não quisesse voltar para Inglaterra e não conseguiu deixar de perguntar:
- Você ama essa cidade, não é? Pretende ficar aqui?
- Não, claro que não. Tenho um trabalho à minha espera em Londres. Ou você acha que o Lar de Elizabeth vai deixar de existir só porque quase todas as crianças já estão em Hogwarts? Temos um projeto para ele, pode ter certeza. Talvez… - ela o fitou por um longo momento, como se estivesse insegura do que iria sugerir – Vamos precisar de mais gente, e talvez você queira ajudar.
- Se estiver ao meu alcance. – ele respondeu automaticamente, quase se arrependendo em seguida. Ele estava mesmo se oferecendo para trabalhar na casa de Snape?
Sarah sorriu, antes de explicar:
- Eu e Remus já conversamos muito a respeito. Claro, nem todas as crianças órfãs ou abandonadas com “potencial bruxo” que encontramos são imediatamente colocadas em novas famílias, então, essa característica da casa sempre vai existir. Mas pensamos que é preciso abrir novas frentes de trabalho. Acompanhamento de famílias dos nascidos trouxas, para não se sentirem tão ameaçados pelo mundo desconhecido que seus filhos ingressam ao receber a carta de Hogwarts, é nosso primeiro foco. Depois, pensamos em ampliar nossa escola fundamental, para que qualquer criança bruxa possa estudar sem receio de explosões de magia espontânea. Isso reduziria em muito a atuação dos departamentos de controle, não é mesmo? Menos trouxas para serem obliviados…
Sirius teve que concordar, a idéia era excelente. Ainda mais que Remus já concordara com ela.
Feliz por ter um ponto a mais para se aproximar de sua bruxa, ele afirmara com convicção que faria todo o possível para colaborar com o projeto, ainda mais que recursos financeiros era o que não lhe faltara.
- Oh, Sirius, que maravilha! – em sua empolgação, ela lhe beijara o rosto, um sorriso imenso iluminando seu rosto. – Assim que voltarmos, depois da Páscoa, temos que nos reunir para discutir isso. Pesquisei bastante enquanto estava aqui. Claro, antes de vocês chegarem, não tive muito tempo depois disso.
- Sinto muito… não imaginei que me hospedar aqui lhe traria problemas com seu trabalho…
- Não, nada disso. Tem sido ótimo, acredite. Os meninos estavam até reclamando que eu nem saía com eles. Eu precisava mesmo de uma pausa e fiquei muito feliz por você ter vindo.
- Mesmo? – ele perguntou, os olhos brilhando de esperança.
- Mesmo. – ela respondeu, mas o sorriso sumiu, dando lugar a uma expressão embaraçada. – Bem, acho que é hora de ver o que tem na cozinha. Tenho a impressão de que algumas pessoinhas logo vão começar bater na mesa gritando “comida, comida”!
Ela se afastou em direção à cozinha, deixando-o sozinho, mas feliz.

***

As lembranças daquela tarde ainda lhe povoavam a mente, quando a voz de Leonardo lhe chamou a atenção.
E Sirius se viu de novo na sala da grande casa em que vivia Berenice Laurent. Uma casa numa região privilegiada, próxima a uma praça de onde podia avistar grande parte da metrópole, uma vista muito bonita, que justificava o nome da cidade – “Belo Horizonte”. Mas o que intrigava o bruxo era a grande montanha de minério de ferro, do outro lado da avenida. Ele podia sentir a forte emanação de magia da montanha, tão forte quanto o cheiro do mato trazido pela brisa. A casa, de tijolos aparentes e madeira em sua maior parte, era aconchegante e confortável – tinha até uma lareira que provavelmente nunca era acesa - e as irmãs Laurent quiseram passar o dia juntas, por isso ele também estava ali, com os garotos.
Claro, não deixava de ser uma situação favorável para ele. Nos poucos minutos de conversa, descobrira que os filhos de Sarah estavam tão ansiosos quanto ele para que ela se lembrasse “das coisas”. Era notório que eles estavam satisfeitos com o fato de agora pertencerem a uma grande família – tanto a brasileira quanto a inglesa – mas queriam mais que tios e primos. Eles já tinham uma parte do que sempre sonharam, e queriam o resto: queriam um pai!
Era o que explicavam a Sirius neste exato momento.
- Veja bem. – o tom e o rostinho sério de Aline quase o faziam sorrir, mas ele sabia que isso magoaria a menina, então apenas aquiesceu, atento. – Ela ama você, “tá” na cara. E já se lembra de alguma coisa, ou não ficaria tão nervosa quando está perto de você.
- Mesmo? – ele indagou, olhando seriamente para os dois irmãos.
- Mesmo. – Aline reforçou, enquanto Leo agitava a cabeça, concordando – E olha, desde o Natal, dava para perceber que era só falar seu nome para ela ficar toda “sem rosca”, e depois, ficava um tempão no quarto, ouvindo aquela caixinha de música…
Sirius ia agradecer a informação, quando ouviu gritos vindos da cozinha. Preocupado que Sarah estivesse sob algum tipo de ataque, ela e a irmã sozinhas na cozinha, sacou a varinha e correu para lá, enquanto ordenava aos garotos que ficassem na sala, escondidos se possível.
Mas ele não estava de forma alguma preparado para o que encontrou na cozinha…

****

Sarah e Berenice sempre foram irmãs muito unidas, que falavam de tudo e trocavam confidências. Mas passaram praticamente dois anos afastadas, então, era muita conversa para colocar em dia.
A solução para isso, sem a interferência dos filhos e do “hóspede”, fora inventarem alguma coisa para fazerem juntas na cozinha, a la Beatriz Laurent…
Então, enquanto Berenice preparava a massa para os pães de queijo, Sarah se aventurava em um belo bolo de chocolate, batido à mão, sem esforço ou preocupação, mas alívio por não ter nenhum barulho irritante para atrapalhar a conversa. Que estava ficando… quente.
Berenice não era cega. Ninguém explicara de forma adequada o “acidente” que sua irmã sofrera na Inglaterra, nem porque ela viera para o Brasil “se recuperar”… Sarah não fora a nenhum médico desde que chegara, disso ela tinha certeza, apesar de umas saídas sem explicação convincente.
Então, seu irmão legítimo chegara com alguns jovens e aquele homem estranho, que dava bandeira a cada momento, principalmente quando tentava disfarçar sua notória atração por ela.
E Berenice ficara “encafifada” com essa história. Sarah agia de forma incomum com ele, sem a naturalidade com que tratara até mesmo “John Smith”, um completo desconhecido e ainda por cima desmemoriado, em sua breve estada (o fato de terem descoberto que ele era seu irmão de verdade ainda era coincidência demais para a esperta mulher).

Por isso, Berenice resolveu fazer a irmã “soltar a língua”…
- Esse cara é um gato, mesmo, hein? Onde o achou?
- Er… sim, ele é um gato mesmo. – Sarah concordou, relutante. – Ele é… amigo dos meninos, está estudando com o André. – como “meninos”, ela se referia a seu irmão adotivo e a Murilo.
- Sei. – Berenice a observava de forma displicente, como quem não quer nada. – E como os meninos o conheceram?
- Ah… acho que temos amigos comuns na Inglaterra. Na verdade, um de seus melhores amigos é meu colega direto de trabalho.
- O professor de quem as crianças falaram?
- Sim. – Sarah não tinha certeza do que os filhos tinham falado sobre Remus, então, preferiu não dizer mais nada.
Mas Berê tinha outras idéias.
- E vocês já dormiram juntos, depois que ele chegou?
- Berê! Que abusrdo! De onde você tirou isso?
Berenice ria da cara vermelha da irmã, mas alguma coisa estava esquisita.
- Olha, não nasci ontem, “tá”? Vocês quase se beijaram aquele dia, brincando de “Batatinha Frita”, que eu vi. O pessoal estava todo atento, e até o Murilo, um sem noção por completo, pareceu desiludido quando nada aconteceu.
Sarah parou de mexer a massa, limpando as mãos nas pernas, num gesto nervoso que sua irmã conhecia bem e que encheu sua roupa de farinha.
Mas Berenice ainda não se dera por vencida e voltou à carga.
- Maninha, querida, está na cara que vocês tiveram algum problema, antes de você vir da Inglaterra. Vocês brigaram, foi isso? Você queria dar um tempo, mas ele deve ter achado que estava longo demais e veio atrás, não foi isso?
- Berenice, você anda bebendo? Eu, hein, que idéia maluca!
- Maluca, eu? Minha filha, me poupe! Vocês dão bandeira o tempo todo, e todo mundo em volta fica com uma cara, como se esperassem algo acontecer a qualquer momento… Será que só eu vejo isso?
- Não sei do que você…
- Mas você ainda não respondeu: já dormiram juntos de novo ou não?
- Não, claro que não! E como assim, de novo? Eu nunca…
- Não? Vou fingir que acredito. Eu te conheço melhor do que ninguém, mana. Sei que já rolou…
- Se tivesse acontecido algo assim, acho que eu me lembraria, né?
- Concordo. Não daria para esquecer um homem como esse. Nem que me caísse um raio na cabeça… - a piscadinha de Berenice passou despercebida a Sarah, porque uma imagem surgia em sua mente, nebulosa e confusa… ela o via dormindo e também via a si mesma admirando seu rosto adormecido, sua mão correndo pelas tatuagens em seu peito nu.
- Ele tem mesmo aquelas tatuagens… Cuáron…
- O que foi que disse? – Berenice perguntou, confusa, enquanto observava a irmã franzir a testa, esfregando-a como se tivesse uma enxaqueca – Sarah, algum problema?
- Não… quer dizer, eu… – Sarah reagiu rapidamente, balançando vigorosamente a cabeça.
Então, com um sorriso travesso, levou as mãos à farinha, fazendo um grande monte, enquanto dizia:
- Eu acho que tem uma crioula aqui precisando aprender uma liçãozinha! – e atirou a farinha sobre a irmã.
- O que? – Berenice gritou, soprando a farinha fora do rosto – Sua branquela metida, você que está precisando de uma cor melhor. – ela avançou para a caixa de chocolate em pó pegando por sua vez uma grande quantidade nas mãos e atirando sobre Sarah.
Em poucos segundos, elas riam e gritavam, reeditando as velhas guerras de farinha que deixavam sua mãe maluca, quando eram crianças, repetindo aos gritos os xingamentos que as divertiam quando usados entre si, mas sempre feriam quando vindos de pessoas de fora.
Foi nesse momento, que um homem entrou na cozinha, vindo da sala, seguido de perto por duas crianças curiosas que não lhe atenderam à ordem de permanecerem seguros.
Assustando com a nuvem de pó que não lhe permitia ver nada e com os gritos e risos histéricos que ainda ouvia, Sirius reagiu por instinto: apontou sua varinha e gritou:
- Evanesco!

Por alguns segundos, após o instantâneo sumiço da nuvem de pó, só o que se viu foram duas mulheres cobertas de uma mistura de farinha de trigo e chocolate em pó, olhando abismadas para um homem imóvel, empunhando uma varinha mágica.
De repente, as gargalhadas das duas crianças cortaram o ar. Os dois riam tanto que se dobravam, segurando a barriga, lágrimas já se formando os olhos apertados. Aline exclamou, de repente:
- Acho melhor você fazer um feitiço de limpeza nessas duas, antes que elas virem biscoitos…
As palavras da filha libertaram Sarah de seu estupor, que logo repreendia Sirius por seu ato impulsivo, enquanto Berenice demonstrava seu espanto ao mesmo tempo:
- Por deus, Black, você tinha que fazer…
- Minha nossa, você é…
- Vamos ter que…
- … bruxo também?
-… obliviá-la… - mas Sarah pareceu registrar a última palavra da irmã e voltou-se para ela -O que? Como assim, “também”?
Depois de olhar de um para o outro, e dando uma piscadinha matreira pras duas crianças, Berenice enfiou a mão no bolso de sua ampla saia estampada – agora coberta de farinha – e sacou de lá uma longa varinha.
Pó um segundo, ela e Sirius se encararam, varinhas em riste. Então, como se fosse a coisa mais normal do mundo, ela apontou a varinha para si mesma e murmurou um feitiço de limpeza.
Sarah arregalara os olhos, incapaz de falar. Sua irmã ainda a encarou por alguns segundos, já livre de toda a farinha, e depois perguntou, levantando a sobrancelha e usando um tom irônico que deixaria Snape no chinelo:
- E aí, maninha? Precisa de ajuda com a sujeira?
Sem dizer nada, Sarah sacou a própria varinha do bolso, e fez sua própria limpeza.
Enquanto as crianças literalmente rolavam de rir, os três adultos se olharam, sorrisos crescendo em seus rostos.
- Acho que..
- Parece que…
- Eu penso… - Sirius olhou para as duas mulheres que interromperam o que iam dizer. – Uma explicação está em ordem, mas permitam-me.
Ele acenou sua varinha para a mesa e, com um gesto elegante, limpou toda a bagunça.
- Eu acho melhor vocês se sentarem e conversarem.
As duas se olharam, obedecendo a sua sugestão de forma imediata, sentando-se ali mesmo, no chão da cozinha, como se ainda fossem as crianças que haviam crescido juntas aprontando pela casa.
- Você… é uma bruxa!
- Você… também!
Agora, foi a vez delas. Ante o olhar divertido, mas ainda um pouco atônito de Sirius Black, as duas se abraçaram, ali mesmo, caindo na gargalhada.

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Espero que tenham gostado da surpresa final...
Hehe...
Hoje, me desculpem, mas não vou responder cada comentário, ok?
Já estou no embalo de um próximo capítulo, aguardem, ainda temos mais surpresas para as irmãs Laurent!


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