Na teia com… o ficante(1)

Na teia com… o ficante(1)



O filme de animação – como as duas crianças lhe explicaram – era interessante e engraçado, mas Sirius estava inquieto. E o motivo de sua inquietação estava em algum lugar do amplo apartamento. Jogando às favas os pedidos de Snape para ser cauteloso, ele levantou-se e foi à sua procura, sem notar que a menina acompanhara sua saída da sala com um sorriso malandro e um olhar sonhador.
Ele encontrou-a trabalhando no computador, assim como naquela manhã em que saíram juntos para buscar um bebê bruxo num orfanato trouxa. A diferença é que agora, ela não estava em um escritório de trabalho, mas… em seu próprio quarto.
Ele logo notou o seu perfume impregnado no ambiente, parado à porta, sem coragem de dar um passo, até que Sarah notou sua presença e, sorrindo, convidou-o para entrar.
- Pensei que tinha saído com André. Não foi por isso que você veio da Inglaterra? Para treinar com ele?
- Não, eu… quer dizer, sim, mas acho que ainda não me adaptei à diferença de clima. Era suposto estarmos no inverno…
- Sei. Entendi. – ela não parecia convencida, e sirius respondeu ainda vacilante:
- Eu preferi ficar com os seus filhos, vendo um filme.
- O dos pingüins surfistas?
- Sim, esse mesmo! – Sirius sorriu, mais descontraído – é mesmo muito engraçado, e muito bem feito. Até senti saudades do tempo que andei me escondendo. Passei por algumas praias.
- Acho que li algo a respeito de Harry recebendo mensagens suas através de aves exóticas. – ela comentou, esfregando a testa inconscientemente – O que me lembra de uma coisa…
- Sim? - Sirius não pode conter a ansiedade. Ela estava se lembrando! Mas suas palavras seguintes o desiludiram completamente.
- Só depois que Severus partiu com os meninos que eu notei. Você não trouxe nenhuma bagagem.
Sirius sentiu-se irremediavelmente perdido, sem nenhuma idéia de que desculpa dar. Agira impulsivamente à sugestão de Snape, como iria pensar em algo tão prosaico como… bagagens?
- Bem… é verdade. – ele admitiu com um sorriso encabulado.
- Estou aguardando um contato com Remus. Talvez ele possa lhe enviar algumas de suas coisas.
- Remus? Como? – ele olhou em volta, confuso, mas depois de lembrou da outra sala – Ah, a lareira!
- Não. – Sarah ria, divertida. – A Internet.
Ao seu olhar intrigado, ela apontou para o computador.
- Estou ensinando Remus a lidar com a tecnologia “trouxa”, e combinamos um contato para daqui a pouco.
-E como isso funciona?

Em Londres…

- Pai, você vai sair? Está quase na hora do almoço.
- É rápido, meu filho. Vou ao Lar de Elizabeth. Preciso me comunicar com a Serenna.
- E você não pode fazer isso daqui, pela lareira?
- Não, não posso. – Remus Lupin sorriu para seu filho – Vou fazer isso do modo “trouxa”, usando a Internet. Você sabe o que é?
Hector balançou a cabeça afirmativamente, enquanto recordava as conversas de seus amigos “nascidos trouxas”, conversas das quais ele sempre ficava de fora por não ter nenhuma idéia do que fossem todas aquelas coisas que eles diziam. Lembrou-se da cara que a Mel, sobrinha da tia Ana, fazia cada vez que ele cometia alguma “gafe” a respeito do mundo trouxa, e uma idéia cruzou a sua mente. Então, ele perguntou:
- Posso ir com você e ver como é?
- Claro, só avise sua mãe primeiro.
Os olhos do Novo maroto brilharam de antecipação e ele já corria ao encontro da mãe para dizer que acompanharia seu pai.

Em poucos minutos, eles atravessavam pela Rede Flú para seu destino, Hector tentando não se lembrar a todo instante que aquele lugar era simplesmente a casa do Professor Snape.
- O escritório de Serenna é por aqui. É onde ficam todos os aparelhos trouxas. Computador, telefone, fax…
O jovem olhava tudo com curiosidade, enquanto seu pai apontava para algo que parecia a TV que ele vira na casa dos Potter.
- Este é o monitor de vídeo. Está vendo aqui? – ele apontava um papelzinho colorido colado na beirada do tal monitor. – São as instruções para ligar. Quer tentar?
Hector aproximou-se, um pouco nervoso. Seu pai queria que ele ligasse o tal computador! Mas já ouvira falar que a tal de eletricidade podia provocar choques, que eram bem desagradáveis, e se sentiu inseguro. Mas o pai não o exporia a um perigo eminente.
- Veja, ela deixou um “passo-a-passo”. É realmente muito simples.
Hector sentou-se na cadeira indicada pelo pai e olhou para o papelzinho amarelo. Lá, estavam todas as instruções, numeradas e com um pequeno desenho mostrando o que fazer.
Quando a tela à sua frente se iluminou em azul, para logo depois aparecer uma imagem de Stonehenge, ele sorriu, enquanto seu pai o cumprimentava, entusiasmado:
- Parabéns, filho. Acho que vocês jovens pegam isso com mais facilidade. Agora, o próximo passo é conectarmos com a internet. – Remus apontou para o outro papelzinho, um azul. Lá dizia o que fazer, mais uma vez, e ele seguia as instruções com cuidado (esse negócio de “clicar duas vezes no rato” era muito estranho…), quando ouviram o que parecia a voz de Harry Potter, vinda da lareira na outra sala.

Remus foi até lá, enquanto seu filho olhava maravilhado a nova tela “abrir”. Ele seguira todas as instruções, e agora, exatamente como dizia o papelzinho azul, uma nova “janela se abria, e ele podia ver e ouvir Serenna Snape, em algo semelhante a uma foto bruxa colorida e… viva! Ela explicava a alguém que o rapaz não via no momento, exatamente cada passo que ele havia seguido para “se conectar”.
- Oi. Serenna Snape? – ele disse, timidamente, sem ter certeza de que ela o ouviria como se falasse pela lareira, chegando instintivamente o rosto mais próximo da tela.
- Sim, meu querido, mas chegue um pouco para trás, não posso vê-lo bem. Quem é? Pensei que Remus estivesse aí.
- Ele está. – o menino sorriu, meio tímido, voltando à posição normal, mais confiante – Desculpe, eu sou o Hector. Meu pai estava me mostrando como funciona.
- Ah, sim. Hector! Que bom! E aí, alguma dificuldade em seu primeiro contato pela web?
- Er… não… quer dizer… - O garoto hesitou, confuso. Do que ela estava falando exatamente? O que "teias de aranha" tinham a ver com isso? Alarmado, olhou em volta, como se estivesse prestes a enfrentar uma acromântula. Mas a voz de Serenna fez com que ele voltasse a olhar para seu rosto sorridente na telinha.
- Tudo bem, não é qualquer bruxo que consegue na primeira tentativa. Você foi muito bem. E não se assuste. Este monitor tem a câmera e o microfone embutidos, assim como o que eu estou usando em casa. Mas, onde está seu pai?
- Ele… - Hector ia explicar, mas seu pai já voltava para a sala, acompanhando um agitado Harry Potter.
Antes que o rapaz entendesse o que acontecia, Harry já estava chegando o rosto para o monitor e praticamente gritando, muito nervoso:
- Muito bem, Serenna, onde está ele?
- Harry, que surpresa! – ela tentava ignorar sua descortesia – Tudo bem com você? Mas, o que aconteceu? Onde está quem?
- O Snape! Preciso falar com ele. Ele me deve explicações! Ele não vai se safar dessa vez!
- Se safar do que? Não estou entendendo. Ele já partiu para…
- Ele foi o último a falar com meu padrinho. Ninguém mais sabe do Sirius, desde que ele foi visto em Hogwarts, falando com… seu irmão. – Harry tentava se acalmar, Serenna não tinha culpa de nada, ele tinha certeza. – Preciso saber o que ele fez pro Sirius.
- Sirius? Ah, então é isso! – Serenna não conseguiu conter uma gargalhada, deixando Harry confuso. Então, ela pareceu olhar para o alto e para trás, e ele ouviu-a perguntar a alguém – Você quer falar com ele, antes que eu receba a primeira maldição imperdoável transmitida pela internet?
Antes que Harry entendesse o que estava acontecendo, Serenna se levantava e dava lugar para um homem, que sentou-se hesitante. Seus olhos verdes se arregalaram de espanto e alegria, quando o rosto de seu padrinho apareceu na “janela”.
- Oi, Harry. Tudo bem por aí?
- Sirius! Você… O que você está fazendo aí? No Brasil? Vocês estão no Brasil, não?
- Claro que estamos no Brasil! Esqueceu que a Sarah veio pra cá se recuperar?
- Sarah? – Harry repetiu, mais surpreso.
- Sim. É… bem, ela me pediu que a chamasse de Sarah, aqui. Sua família, seus amigos, estão mais acostumados com este nome. – Sirius respondeu, sorrindo ao afilhado.
- Você… está na casa da irmã do Snape? Mas como? Então… está tudo certo de novo, entre vocês?
Sirius pareceu constrangido e Harry viu que tinha falado alguma besteira.
- Sirius? Está tudo bem?
- Sim, tudo bem, Harry. – ele parecia aliviado e chegou um pouco mais perto da tela, falando mais baixo – Ela não te ouviu, ainda bem. Estava me dizendo que ia espiar os filhos, ou algo parecido.
- Mas, qual o problema? Se você está aí…
- Foi idéia do Snape, Harry. Ele achou que minha presença iria acelerar o processo de cura.
- E isso está acontecendo? – foi a voz de Lupin, ao lado de Harry, preocupado.
- Parece que sim. Ela às vezes tem um flash de lembranças, que lhe causa um incômodo físico.
- Como assim? – Remus abaixou-se mais ao lado de Harry para ver melhor o amigo.
- Ela sente dores de cabeça, e esfrega a testa, sempre que alguma memória parece emergir. Até me faz lembrar de sua cicatriz, Harry.
- Isso é freqüente? Aumentou com sua chegada?
- Isso eu não sei ao certo, mas… - ele olhou para o lado – Ela está voltando.
Harry e Sirius se despediram, o Auror bem mais tranqüilo, e Serenna conversou brevemente com Lupin, felicitando-o pelo seu primeiro contato sem qualquer ajuda e ainda dizendo que ele e Hector podiam se aventurar um pouquinho pela net, se quisessem. Então, pediu a eles que aguardassem só um instante.
Remus Lupin ainda de despediu de seu velho amigo e olhou para Harry, que parecia bem mais tranqüilo do que quando chegara.
- Quem poderia imaginar?Almofadinhas no Brasil… - ele sorria.
- Sim, por essa eu não esperava… Mas vou investigar sobre essa dor que a Serenna está sentindo, se é bom ou mau sinal. Qualquer coisa, eu aviso você.
Harry aparatou, deixando Remus, que continuava pensativo.
- Pai? – o garoto chamou num sussurro.
- Sim, Hector.
- Será que desta vez eles se acertam?
- Espero que sim. Está passando da hora de um certo Maroto ter a vida que merece…

Sarah voltara da sala trazendo seus dois filhos. Novamente, chamou Hector pela conexão, e disse a ele que os meninos lhe dariam algumas dicas, assim ficaria mais fácil para ele “navegar”. E deixou-os sozinhos, puxando Sirius pela mão.
- Vamos deixá-los se divertir um pouco. Venha comigo.

***

- Oi, Hector. Lembra-se de mim? Sou a Aline. E este é o meu irmão Leo. – ela apontou para o irmão que se encostara nela para ter seu rosto abrangido pela webcam.
- Oi, Aline. Oi, Leo – Hector respondeu, meio vacilante – Sua mãe disse que vocês podiam me ajudar.
- Ah, sim! Se os outros meninos estivessem aí, seria melhor. O Arthur conhece muitos jogos legais, mas eles foram para o campo com a vovó Marjorie. Então, o que você quer saber primeiro?
Hector tentou se lembrar de tudo que já ouvira Mel e Felipe comentarem, pensando no que o deixara mais curioso.
- Bem, eu queria ver um desses jogos com bastante ação, fortalezas, lutas com inimigos muito poderosos, salvando o mundo, essas coisas…
- Ah, deixa comigo! – Leonardo tomou o lugar da irmã – Eu sei de um muito legal!


***

- Poxa vida, acabamos esquecendo! – a exclamação de Sarah o fez levantar os olhos de seu prato. Estavam almoçando, rindo do relato de Aline e Leo sobre seu contato com Hector Lupin.
Eles só desligaram o computador para almoçar, e Sirius teve que segurar o riso ao ver suas caras amuadas quando a mãe disse que haviam “estourado o tempo” e ficariam sem computador no dia seguinte.
- O que “esquecemos”? – ele perguntou, pousando o garfo.
- Sua bagagem. Esquecemos de pedir ao Remus para mandar para cá.
- Por que você não leva o tio Sirius ao shopping, mamãe? – Aline perguntou.
- É. – atalhou Leonardo – Não foi o que você fez com o Tio Severus?
Sarah olhou para seu hóspede por um momento, antes de voltar seu olhar para a cara lavada de seus filhos.
- Claro, seria uma ótima idéia, e eu poderia levar vocês dois comigo, para escolherem alguns ovinhos de Páscoa, “né”?
- Nossa, é mesmo! Nem tinha pensado nisso – a cara lavada de Aline desmentia suas palavras, e Sarah começou a rir.
- Menina, menina, esqueceu que, quando você vem com o milho, eu já “tô” voltando com a broa pronta?
O sorriso envergonhado não enganava ninguém, mas Sarah balançou a cabeça, dizendo:
- Está bem, vamos ao Shopping.
- Oba! – os dois começaram a pular.
- Mas… - ela retrucou, e eles silenciaram, atentos – Sem loja de games, sem cinema, sem correria. Ou vou ter que colocar um feitiço de contenção em vocês?
- Claro que não, mãe.
- Isso. Vamos nos comportar.
- Sei… como se vocês pudessem fazer isso. Mas, está certo. Vou ligar pro seu tio André e ver em que shopping ele foi com a Susan, e encontramos com eles lá.

Algum tempo depois, Sirius estava na seção masculina de uma loja no tal shopping. Lembrava-se vagamente de Snape lhe dizendo algo sobre a irmã fazê-lo passar por algum tormento. Sem dúvida, ele se referira a isso. Sirius com certeza nunca estivera em um lugar tão cheio de gente, na maioria trouxas, ele presumia.
Os garotos até que tentavam, mas a promessa feita antes de saírem parecia agora muito difícil de ser cumprida. Eles queriam correr por aí, com certeza. André e Susan estavam nesse momento encarregados da dupla, enquanto Sarah se dedicava exclusivamente à sua missão de vesti-lo de acordo com o clima e a moda local… e ele estava se sentindo cada vez mais tonto.
Neste momento, após verem calças, camisas, camisetas e bermudas, eles estavam na seção íntima, pelo menos foi o que pareceu a Sirius.
- Aquilo são… calções de banho? –ele apontou para uma arara, onde via peças coloridas.
- Não. São cuecas mesmo. É moda agora, pelo menos para galera mais nova, a barra da cueca aparecendo, a calça ou bermuda mais larga, como se fosse cair a qualquer momento… Por isso, essas cores diferentes, mais vibrantes. Quer levar algumas?
- Eu – ele a fitou, em dúvida se deixava seu lado “Maroto” falar mais alto, mas decidindo pelo bom senso – Eu acho que prefiro algo mais… tradicional. – Ele apontou para outra arara um pouco mais distante, onde via alguns exemplares em preto ou azul, com listras brancas nas laterais.
- Ah, mas aqueles são calções de banho! – Sarah respondeu, sorrindo.
- E onde estão os sarongues? – Sirius perguntou, levantando uma sobrancelha.
- Sarongues?
- É. Nós não vamos para a praia na semana que vem? Vou precisar de um sarongue.
Sarah balançou a cabeça, em dúvida. Uma imagem invadiu sua mente, daquele homem nu, com uma toalha envolta em sua cintura, balançando os cabelos molhados ao sair de um banho.
- Sarah, você está bem? – a voz de Sirius pareceu vir de muito longe, e Sarah piscou, confusa. A imagem sumiu de sua mente, e ela sorriu, disfarçando o súbito embaraço.
- Sim, estou bem. Vamos, ainda temos que ver um tênis e sandálias. Você não vai querer andar na praia de sarongue e botas, vai?
Sirius continuou a segui-la pela loja, escolhendo peças ou deixando que ela o fizesse para ele. Tivera a nítida impressão de que ela se lembrara de algo, mas preferiu não comentar. Ao invés disso, tentou se lembrar se fizera referência a sarongue alguma vez… e então, foi sua vez de parar, fitando um ponto indefinido à sua frente.
Ele se lembrava da manhã que acordara ao seu lado…

Sirius lembrou-se de quando a deixara em sua cama para tomar um banho, e de quando voltara ao quarto, enrolado em uma toalha, sacudindo os cabelos, rindo de seu olhar apaixonado.
- Eu não sabia que me casara com um deus havaiano… É o que você parece, neste “sarongue”…
- Sério? – ele olhou para si mesmo, a toalha amarela enrolada em sua cintura, a barriga lisa ainda salpicada da água do banho – Na verdade, eu passei mesmo algum tempo no Havaí e também na Austrália, logo depois que fugi de Hogwarts. O costume de vestir sarongue era uma das coisas mais agradáveis por lá. Também… com aquele calor… Mas, o que você achou? Estou bonito assim?
- Lindo… e muito atraente também. – ela se erguera, segurando o lençol na frente do corpo com ar displicente e aproximando-se com um sorriso sedutor – Dá vontade de descobrir o que ele esconde…



- Merlin! – ele passou as mãos pelo cabelo, aflito – Tenho que parar com isso!
- O que foi, Sirius? – ela se voltara e agora o fitava, curiosa e preocupada.
- Nada. Vamos lá, o que mais você pretende que eu experimente? – seu sorriso era desafiador e seus olhos brilhavam de súbita malícia, e Sirius notou, satisfeito, que ela corara. Isso estava começando a ficar… interessante!

***

- E aí, gata? Vocês vêm ou não? – Murilo insistia através do celular.
- Murilo, não dá. Chegamos agora do shopping. “Tá” todo mundo “pregado”.
- Ah, deixa de moleza! Deixa eu falar com o “Scooby”.
- Quem?
- O Black. Deixa eu falar com ele.
Estranhando o pedido e o apelido – embora Murilo fizesse isso o tempo todo com todo mundo – ela passou o celular para Sirius Black, perguntando a ele se entendia o funcionamento do aparelho.
- Claro. – ele respondeu, embora um pouco inseguro. Conhecia telefones, mas os usara muito pouco em sua vida, uma ou duas vezes, se sua memória era correta. E um daqueles não estava incluído, embora nesses dois dias tivesse observado os irmãos Laurent usando-os diversas vezes.
Ela ouviu-o conversar com seu velho amigo, intrigada com a familiaridade que percebia entre eles mais uma vez, mas não disse nada.
Quando Sirius lhe devolveu o celular, foi apenas para que ela concordasse com Murilo de que estariam lá em pouco tempo.
Sentindo-se pega em uma armadilha, ela achou melhor se trocar para sair. Afinal, nem a desculpa das crianças ela teria: Berenice se encontrara com eles no Shopping, sugerindo que dormissem em sua casa, coisa que eles concordaram em um minuto, só restando a ela, a mãe, uma permissão “pro forma”.
Quando voltou à sala, tentou não ficar vermelha com o olhar que recebeu de Sirius. Afinal, ela própria não vira nada demais em seu vestido de malha fria, estampada em tons de vermelho, roxo e laranja, ou no fato de ter mantido os cabelos soltos. Fizera de tudo para parecer casual, não alguém que se vestia para um encontro especial. Afinal de contas – repetia insistentemente para si mesma – ia apenas para ver seus velhos amigos, o fato de estar acompanhada não queria dizer nada.

Fizeram o percurso até o carro em silêncio.
Sirius Black – vestido em suas novas roupas, uma calça jeans e uma camisa cor de terra, mas sem dispensar seu paletó de veludo – estava um charme e se portou como um perfeito cavaleiro, mas ainda assim, mantiveram-se em silêncio, mesmo depois que ela estacionou o carro em uma rua arborizada, e caminharam até o tal “clube”, um lugar aconchegante cheio de pessoas conversando e rindo enquanto comiam e bebiam.
O som de uma música cantada por várias vozes acompanhadas por violão vinha de uma mesa ao fundo, e foi para lá que Sarah se dirigiu, instintivamente puxando-o pela mão, o que estava se tornando um hábito, mas Sirius não iria reclamar, de forma alguma.
- “O olhar que prende anda solto, O olhar que solta anda preso…Mas quando eu chego, Eu me enredo Nas tranças do teu desejo.”
- “Ê, Minas, ê, Minas. É hora de partir, eu vou…Vou-me embora pra bem longe.” (2)

As vozes pararam assim que Sarah foi reconhecida, e logo, eles foram envolvidos pelo grupo, que se erguia para abraçá-la e beijá-la, demonstrando saudade e alegria.
Sirius cumprimentou Murilo, tentando ignorar os olhares curiosos da roda predominantemente masculina.
Um dos homens, entretanto, pareceu mais curioso do que os demais e perguntou à queima-roupa:
- Branca, você não vai nos apresentar o seu ficante?
Sarah fitou o amigo, perplexa, enquanto Sirius, que ouvira a pergunta feita em tom de brincadeira e desafio, olhava de um para o outro e, não conseguindo se conter, indagou:
- O que quer dizer exatamente “ficante”? – ele perguntou devagar, um forte sotaque arrastado - Não consegui entender a aplicação do termo...
O outro homem olhou para ele com ar de quem viu um extraterrestre e, depois de alguns segundos, caiu na gargalhada, seguido pelos demais, fazendo Sarah ficar ainda mais vermelha do que já estava.
- Ninguém merece! –ela exclamou, deixando escapar um longo suspiro.
- “Ficante”, meu amigo – Murilo interviu, tentando não rir enquanto falava – Isso é coisa dos garotos de hoje: é quando alguém fica com alguém, mas só fica, tipo assim... está, mas não está, sem compromisso... Nem sei se a palavra ainda é essa... Estou desatualizado das gírias da galera. Já estou tempo demais na Inglaterra...
Mas Sarah já recuperava o controle e sorria pro amigo com doçura, que o olhar assassino desmentia.
- Valeu, Murilo.
- Disponha, Bananinha.
Os outros estranharam o apelido, mas Sirius não podia deixar passar essa:
- É o que quer que eu seja? Seu ficante? – ele perguntou em uma voz sedutora, sem se importar de ter uma platéia atenta.
- Claro que não! Eu... – ela olhou para ele e esqueceu as palavras, frente a olhar tão intenso.
O mundo parecia ter parado. Aliás, parou mesmo, porque ninguém na mesa parecia ao menos respirar, atento ao confronto do casal.
- Você…? – ele insistiu, docemente.
- Eu... Não quero nada de você, Sirius Black – porque doeu tanto dizer isso? Sarah baixou o olhar, confusa. Aquele homem era mesmo impossível... Porque tinha a impressão de que isso já acontecera antes?
- Nada? Que pena, porque eu adoraria ter você de todas as maneiras possíveis dentro da minha vida.
- Uau! – alguém exclamou, e outro assobiou fortemente.
- Menina, esse cara arrasta um bonde por você, “tá” na cara!
Sirius o fitou, confuso, mas depois sorriu e disse:
- Quanto a arrastar, isso eu não digo... mas posso fazê-lo se erguer no ar... ou qualquer coisa que ela quiser.
- Dong Kong um, Banana zero! – Murilo disse baixinho, rindo pra si mesmo, mas os outros ouviram. Então, como se tivesse uma súbita inspiração, ele jogou-se de joelhos em frente a Sarah, cantando com os braços erguidos:
- “Exagerado! Jogado aos seus pés, eu sou mesmo exagerado!”
- Murilo, que é isso? – Sarah conseguiu perguntar, assim que se refez do espanto.
- Simplesmente, acabei de descobrir a trilha sonora ideal para vocês dois… – ele piscou para Sirius, enquanto continuava a cantar. - “Amor da minha vida, Daqui até a eternidade, nossos destinos foram traçados na maternidade...” (3)
- Como se eu gostasse de Cazuza… - ela tentou desmenti-lo, mas foi um “tiro n’água”, como diria seu velho pai.
- Não gosta, é? Como se eu não conhecesse seu olhar perdido quando ouvia algo como... “Vago na lua deserta das pedras do Arpoador! Digo 'alô' ao inimigo. Encontro um abrigo no peito do meu traidor… Faz parte do meu show…”
Enquanto Sarah o encarava, furiosa, Sirius fazia o mesmo, perplexo. Como Murilo podia ser tão perceptivo e ao mesmo tempo tão isento de sutileza? O homem era pior do que… ele mesmo, concluiu com assombro, lembrando-se de todas as vezes que importunara Thiago com causa de Lilly. Quantas vezes Remus fora um verdadeiro malabarista para minimizar os estragos? E quem seria a fazer este papel nesta roda de pessoas completamente desconhecidas para ele?

Merlin provavelmente ouviu seu apelo silencioso, pois o homem com o violão já dizia com ar magoado:
- E eu aqui pensando que você era minha fã incondicional, Sarah. Não acredito que prefira as músicas do Cazuza às minhas!
- Claro que não, Celso! Que tal cantar minha favorita? Você sabe qual, certo? – Sarah sorria para o amigo, que não se fez de rogado, e enquanto ele cantava uma música doce e suave, as indiscrições de Murilo foram esquecidas. Pelo menos, assim pareceu.

- “Bem sozinho de manhã, fico pensando a boa forma de viver. Não me assusto, Não me acanho, tenho sempre um ganho se eu sei aprender…”(4)

Sarah ouvia a música, sorrindo, mas pensativa. Já estava acostumada desde muito jovem com a “falta de tato” dos amigos. Sofrera muito com eles na adolescência, afinal, quem mandara andar com garotos tão mais velhos? Era um grupo essencialmente de homens, que não ligavam para o fato de uma garotinha estranha acompanhando-os por todo lado.

Ao contrário do que poderia parecer, nunca fora popular nos tempos de escola. Sempre arredia, deslocada, se integrara mais facilmente ao grupo de amigos do irmão mais velho do que às turmas da sua idade, ao contrário da irmã Berenice. E acostumara-se desde cedo a se fazer de desentendida quando faziam alguma tirada irônica ou mais maldosa.
Agora, entretanto, sentia-se exposta como jamais se sentira antes. Tudo por causa de... Sirius Black! A cabeça começava a latejar em um ponto fixo na testa, que ela massageou, automaticamente, fechando os olhos por um segundo.
Um dos amigos, preocupado, perguntou:
- Está tudo bem, Sarah?
- Sim... está – ela sorriu– Só essa impressão ... às vezes... de que tem um trem querendo romper meu cérebro, só isso. Desculpem, gente, é só uma dorzinha irritante toda vez que eu… - ela perdeu as palavras novamente e sacudiu a cabeça – Não é nada. Estou bem. Então, Toninho, quando sai o novo disco?

A conversa voltou ao curso normal, e as tiradas irônicas foram deixadas de lado. Sarah tentou aproveitar a noite ao lado de amigos queridos, dos quais realmente sentira muita falta, e ignorar a presença marcante do homem ao seu lado, que não vacilara em admitir sua atração por ela na frente de todos eles.
Sarah sabia que também estava atraída, mas ainda não estava pronta para admitir isso.

Mais tarde, quando voltaram ao seu apartamento, ele fez questão de acompanhá-la até a porta de seu quarto, para dizer boa noite.
Por um segundo, Sarah pensou que ele fosse beijá-la, mas ele apenas sorriu, agradeceu pela ótima noite e se despediu, caminhando para seu próprio quarto sem olhar para trás.
Ele fingiu não ouvir o suspiro que parecia decepcionado. Se ele a beijasse agora, não conseguira sair de seu lado esta noite. Mas sabia que seria precipitado. Tinha que acatar o conselho de Snape e ser cauteloso, conquistando-a de novo e aos poucos.

“Vago na lua deserta das pedras do Arpoador! Digo 'alô' ao inimigo. Encontro um abrigo no peito do meu traidor… Faz parte do meu show…”

Snape. O inimigo, de quem agora, ouvia conselhos para conquistar a mulher que amava. Sua irmã.
O homem que o odiara a vida toda, mas doara uma gota de seu sangue para tirá-lo do véu. O homem que abrira caminho para que ele a reencontrasse agora.
Pelo amor dela, pela sua felicidade, eles haviam se tratado decentemente, se aliado. Haviam até… dormido no mesmo quarto, sem se matarem de madrugada. Ele tinha que acatar a opinião do outro, pelo amor de Merlim, e esperar!
Seria difícil dormir esta noite, mas… seria por pouco tempo.

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(1) Não riam, o título saiu de uma conversa com Belzinha pelo msn, então, já viu, né?
A idéia foi um trocadilho com o sentido da palavra, na cabeça de um bruxo que não sabe nada das coisas de trouxas.

(2) Desenredo – música que eu adoro, de Edu Lobo, Dori Caymmi e Paulo C. Pinheiro, foi cantada na novela “Desejo Proibido” por Boca Livre e Roberta Sá.

(3) Claro, "Exagerado", de Cazuza. O Murilo pode ser louco, mas acho que ele está certo. Cazuza é a cara desses dois… hihi…

(4) A letra completa dessa música, eu coloco depois, porque ela vai voltar lá no final, ok? O nome também vou deixzar pra depois, e quem conhece não diga! Vai estragar uma surpresa boa!

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Como respondi aos coments no "adiantamento" do capítulo... preferi deixar ele lá, mas agora você podem ver se acertaram as pistas...

Vocês precisam ver os comentários da Belzinha, quando me devolveu o capítulo…será que vocês acertam onde foi cada um?

- Ui, que senti um calor subindo... Hehehe

- (Feitiço de levitação na frente de trouxas não vale, Sirius!).

- (credo, menina, vc tem mesmo amigos malucos assim? Hehehe)

- (Belzinha levanta a mão, com cara de menininha CDF que sabe a resposta e está frenética para dizê-la: “É o Expresso de Hogwarts, é o Expresso de Hogwarts!!!)



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