O Senhor do Castelo



Capítulo 1
O Senhor do Castelo

A jornada fora longa. Por fim, após muitos meses de viagem, Sigurd deixou-se ficar debaixo da copa de uma árvore, fechou os olhos e fez uma prece silenciosa, agradecendo ao Criador por ter encontrado um lugar onde suas lembranças não lhe fustigavam como ferro em brasa, queimando-lhe profundamente as entranhas, qual tivesse sido transpassado por uma lança de fogo. Assim que colocara os pés naqueles campos, sentira o alívio. Do alto da colina, que subia suave em direção ao céu sem nuvens, podia ver um lago não muito longe e sentiu-se saciado também na sua sede interminável, a qual água apenas não podia mitigar. Por mais limpa, clara, pura que fosse, fria, bebida nas mãos em concha diretamente da fonte, nada antes, em muitos anos, pudera abrandar a secura que o afligia.
– Chegamos – disse em voz alta, mais para si que para outros ouvidos.
– Sim, também vejo isso – disse o velho, em pé ao seu lado. Apoiado no cajado, olhava para o lago distante e possivelmente pensava a mesma coisa.
Passados alguns momentos, Sigurd dirigiu-se ao ancião:
– Que pretendes fazer vós agora?
O velho percorreu com os olhos as colinas ao redor daquela, olhou demoradamente o lago, as florestas, perscrutou o céu e, com um suave sorriso, ergueu seu cajado e, firmemente, o cravou no chão.
– Logo saberemos – disse ele.


* * * * *

Muitos anos haviam se passado desde a morte de Arthur e, durante esse tempo, a Bretanha esteve entregue à ganância e à sede de poder, onde lutas entre os reis acabaram por dividir ainda mais e enfraquecer o império que Arthur reunira. Camelot foi abandonada à própria sorte e moscas e em nada lembrava os anos de ouro, quando a cidade crescia e recebia visitantes de todos os cantos do mundo.

Esses acontecimentos, no entanto, pouco afetaram a comunidade bruxa. Após a morte de Merlin, congelado numa caverna pelo rancor de Morgana Le Fay depois da derrota dos exércitos do Rei de Camelot para seu filho Mordred, o mundo bruxo decidiu afastar-se em bloco do mundo não-bruxo, tornando-se praticamente invisível a seus olhos e ambições. Desenvolveram suas próprias regras e leis que cuidavam de, além da proteção dos bruxos, mantê-los ignorados, secretos, impalpáveis. Para o mundo dos humanos normais, trouxas como passaram a ser chamados, a magia morreu juntamente com Arthur e seus Cavaleiros da Távola Redonda, permanecendo apenas como uma lenda, que falava de magos poderosos e ilhas escondidas pela névoa, onde uma sacerdotisa ainda cantava à Deusa, agora esquecida.

Enquanto as guerras aconteciam entre os pretendentes ao trono da Bretanha, Godric Griffindor cuidava de levar avante seu sonho de construir uma sociedade digna para a bruxidade, através de uma escola modelar junto a comunidade bruxa, para que os conhecimentos adquiridos por séculos também não desaparecessem na bruma dos tempos. Manter a magia ativa e organizar uma nova e invisível sociedade tornou-se o centro da vida do antigo companheiro de batalha de Arthur.

Para isso Griffindor contava com seus amigos, que nutriam o mesmo sentimento. Rowena e Helga não o abandonaram, embora Salazar o tivesse feito, assim como Maeve. Godric não a culpava, embora lamentasse sua perda. Ela havia escolhido viver entre não-bruxos e seguir suas regras ao se casar com Edward. Mas Slytherin... Separaram-se cheios de raiva e mágoa, pois Griffindor opusera-se ao amigo quando da assembléia bruxa que decidiu-se pelo afastamento, enquanto Salazar afirmava ser essa a hora perfeita para que a bruxidade ocupasse o trono da Bretanha.

Não era isso que Godric desejava. Não acreditava que ainda existisse lugar para bruxos no mundo trouxa. Novos tempos se estabeleciam e a magia perdera espaço para a técnica e crenças simples. No entanto, Godric sabia o quão proximamente caminharam os bruxos e os trouxas durante um longo tempo. Mil anos haviam se passado desde que Arimatéia chegara à Bretanha, trazendo com ele relíquias e uma fé simples mas poderosa. Desde que o cristianismo abordara naquelas terras, estava escrito que se imporia sobre a fé do povo nativo, e acabaria por fazer desaparecer todo vestígio da tradição mágica que norteara os antepassados. Quando Avalon se fechou para o mundo e já não era mais possível abrir as brumas para alcançar Lundy, a ilha secreta, Griffindor conscientizou-se de que aquela era chegara ao fim.
Novos tempos eram chegados e novas obrigações se sobrepunham aos interesses e preferências pessoais. Agora era preciso garantir a sobrevivência dos bruxos e fundar bases para sua autonomia. Seguindo a máxima de quem não é visto não é lembrado, os bruxos desapareceram da vista dos trouxas.

Griffindor não esperava ser compreendido por todos. Ao contrário, parecia-lhe natural que muitos oferecessem resistência às novas condições de existência da comunidade bruxa. Mas não esperava que Salazar lhe desse as costas de maneira tão definitiva e absoluta. Décadas se passaram sem que tivesse a menor notícia a respeito do amigo. Feria-lhe saber que o desejo de poder de Slytherin era muito mais forte do que a amizade que os havia unido por tanto tempo. Mas não restava o que lamentar, apenas seguir em frente e trabalhar para que a escola crescesse e alcançasse seus gradiosos objetivos.

Rowena e Helga mudaram-se definitivamente para Hogwarts e lá criaram suas casas, onde podiam estimular e dar apoio às qualidades que julgavam mais importantes num jovem bruxo. Rowena valorizava o intelecto, a sede de saber, a habilidade no raciocínio, o desenvolvimento do conhecimento, e foi por meio desses critérios que teve escolhidos seus alunos, a quem cuidava, ensinava e acompanhava com carinhos de mãe. Helga por sua vez era doce e dona de um coração bondoso. Seus discípulos apresentavam as mesmas características, cheios de compaixão e capacidade de dedicar-se aos propósitos mais enaltecedores, incansáveis em sua dedicação. Já Griffindor, tendo sido um soldado, acreditava que a coragem, a honra e a lealdade deviam guiar os rumos e ações dos que lhe coubesse. Os membros das casas coabitavam harmoniosamente, divididos nas casas Griffindor, Hufflepuff e Ravenclaw. No entanto, mesmo após a partida de Salazar, alunos com características semelhantes às do antigo fundador – ambiciosos – continuavam a aparecer e a serem acolhidos em Hogwarts. Diante disso, mantiveram a casa Slytherin, estabelecida nas masmorras que, diante das circunstâncias, contava com um diretor substituto.

Não apenas de aulas de feitiços e lembranças Griffindor preencheu sua vida. A proximidade entre ele e Rowena acabou por florescer num relacionamento um pouco mais que afável, a princípio, evoluindo para afeto profundo e com o tempo, amor. Embora Godric nunca tivesse esquecido seus sentimentos por Maeve, casou-se com Rowena quatro anos após a fundação da escola. Desse casamento tiveram uma filha, a quem deram o nome de Hephzibah, “meu deleite é nela”, a quem adoravam. Rowena aceitou que jamais Godric seria inteiramente seu e, com o tempo e a alegria que a menina trazia a ambos, permitiu-se usufruir o afeto genuíno que o senhor do castelo lhe conferia.

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