cap II



1991...

Gina Weasley ocupava-se em colher flores e passear pela colina próxima a sua casa. Pensava em seus irmãos: todos estavam em Hogwarts, agora só faltava ela, a “caçulinha”. Rindo marotamente, Gina jogou a cabeleira ruiva para trás, mas como tinha só dez anos, o gesto foi mais engraçado do que charmoso. Com mais risadinhas, Gina lembrou daquele garoto na plataforma, o Harry Potter. Ela o admirava, por conta de tudo que já ouvira, mas havia também uma coisa... De alguma modo, depois que os olhos de ambos se encontraram, pensar em Harry a fazia querer parecer menos infantil, mais mocinha, mas é óbvio que ele nem tinha visto a ruiva, e nem ia ver. Sem entender o porque, Gina repentinamente sentiu-se amuada e tentou se distrair com as sinetas, umas florzinhas vermelhas muito ordinárias. Cantou baixinho, só para si:



Yeah, I'm thinkin' about my doorbell
When ya gonna ring it, when ya gonna ring it
Oh, well



- Ei! – Gina parou a canção de repente, tinha ouvido alguém chorar. Era um choro tão fraquinho... A garota largou as florzinhas no chão e pôs-se a procurar, imaginando se alguma criança do vilarejo havia se perdido. Com os ouvidos atentos caminhou até a orla do bosque de pinheiros.

- Olá? – chamou, mas quem quer que fosse permaneceu em silêncio. Gina achou melhor ir embora, já houvira falar de mendigos e bêbados escondidos por entre aquelas árvores. Ia se afastando quando topou com uma coisinha encolhida atrás de uma pedra. Era uma menina, só que tão magrinha e cinzenta que mais lembrava um ente mágico, uma fada do bosque.

- Oi!?

A garota lançou um olhar assustado à ruivinha e afundou o rosto nos braços. Gina abaixou-se ao lado dela.

- Você se machucou?

Sem a olhar, a garotinha fez que não.

- Está perdida?

Ela confirmou.

- Você fala? Qual é o seu nome?

A menina ergueu o rosto lentamente e secou os enormes olhos cinzentos. Havia algo de muito belo nela, mas parecia irremediavelmente coberto por uma grossa camada de sujeira e descaso.

- Merope Gaunt – respondeu, num fio de voz.

- Sou Gina Weasley... Ahn, de onde você veio?

- Little Hangleton – Merope respondeu, mexendo numa correntinha dourada pendurada no pescoço.

- Seu cabelo é bonito – disse Gina brincando com uma mecha do cabelo de Merope. Já sabia o suficiente sobre ela, mesmo que nem imaginasse onde ficava Little Hangleton. Bastava o olhar para considerá-la uma nova amiga.

- O seu é mais, é ruivo!

As duas riram e Gina voltou a fazer perguntas:

- Quantos anos você tem?

- Doze.

- Tenho dez – Gina reparou que, apesar de ser mais velha, Merope não tinha “curvinhas” que nem ela. Afastou o pensamento e continuou a falar – Você brinca de boneca?

- Ah, claro... – Merope lembrou de sua boneca de pano velhíssima como o Tempo.

A ruiva estendeu a mão para Merope levantar-se, as duas se encararam por uns momentos e resolveram que eram de fato amigas.

Gina deixou a outra esperando na cerca da casa e em dois minutos voltou com as bonecas debaixo do braço. Merope sentiu-se um pouquinho melhor ao ver que as bonecas de Gina eram, assim como a sua, muito simples, de pano, com cabelo de lã e olhos de botão. Rindo, as duas foram se sentar sob a sombra de uma macieira. Merope mal se lembrava da última vez que brincara com alguém, sua mãe ainda era viva.

- Qual vai ser o seu bebê? – perguntou Gina, mostrando uma boneca com gordas tranças de lã cinzenta. A outra menina olhou para os três bonecos restantes e escolheu um com feições de um menino de cabelos negros. Pensou em Tom Riddle. Olhou para Gina, as madeixas vermelhas caindo pelas costas. Tom iria gostar dela, mas jamais olharia para Merope.

- Você é muito bonita, Gina!

- Ah... 'Tá, mas você também é.

- Sou nada...

- Claro que é! Aposto que tem namorado!

- É claro que n...

As duas se encararam, surpresas com o assunto discutido. Riram novamente. Merope apontou para a boneca que Gina ninava:

- Ela tem nome?

- Tem. Merope Weasley Potter. E o seu?

Merope contemplou o boneco em seus braços.

- Tom Marvolo Riddle.

- Ei! Que nome legal! – Gina jogou os cabelos para trás, gesto que pouco a pouco se tornava involuntário – Você queria ter um filho de verdade?

- Não sei. Creio que sim. – Merope pensou novamente em Tom. Ele nunca sequer lhe dissera "bom dia".

- Mas você realmente tem um namorado? – a ruiva perguntou, meio ansiosa. Se Merope já tivesse um namorado, provavelmente aos doze, arrumasse um também.

- Não.

- Ah...

- Mas eu amo o Tom Riddle – Merope acrescentou, bem depressa – Você gosta de alguém?

- Do Harry Potter. Sabe quem é?

- Não.

Gina riu e tratou de colocar a amiga a par da história sobre o garoto que vencera o malvado Lord das Trevas. Merope admirou-se muito e ficou imaginando de que ninho de cobras saira um vilão tão cruel.

- E como o Harry é? – perguntou Merope, imaginando um príncipe de contos de fada.

- Branquinho, olhos bem verdes... E cabelos negros!

- Sério? O Tom é assim, só que tem lindos olhos negros!

E riram as duas. Despreocupadas. Era um momento de estar tudo bem.

- Quer ouvir uma música, Merope? Serve para nos fazer sorrir.

- Hum!?


Well with me and chipin' me and kisses?
Not the man in my life I know
And I been going to mystery misses
I respect the art of the show
Take back when you said little girl
And while you're at it take yourself back too
Woman whatcha gonna do now, whatcha gonna do about it



As duas meninas estavam deitadas no chão, observando as nuvens. O céu ficava cada vez mais nublado, um mar de algodão doce.

- O que aquela parece, Gina?

- Um centauro. E a outra?

- Uma princesa mágica

- E aquela ali embaixo?

- Ah, parece... – Merope enrubesceu – Você sabe o que parece!

- Desculpa – Gina também ficara muito vermelha – Você já aprendeu a letra da música?

- Já.


I'm thinkin' about my doorbell
When ya gonna ring it, when ya gonna ring it
Yeah, I been thinkin' about my doorbell

Oh, yeah

You don't seem to come around
Point your finger and make a sound
You don't seem to come around
Not since I said you knocked it down?



Gina fez uma coroinha de sinetas para a sua boneca. A senhora Weasley chamava aquelas flores de “jezabéis do campo”. A garota não entendera muito bem o que sua mãe quisera dizer, ao que seu irmão, Fred, explicou com um sorriso malvado “Dá em qualquer canto!”, fazendo Gina entendeu menos ainda. Principalmente o motivo de Fred ter sido surrado depois dele ter feito o comentário.

- A noiva está pronta? – perguntou Merope, apontando a boneca.

- Está! – respondeu Gina colocando a bonequinha ao lado do boneco de cabelo negro. Merope ajoelhou e juntou as palmas da mão, como numa igreja. A ruiva imitou voz de padre:

- Declaro Tom e Merope marido e mulher!

Por um segundo Merope, a menina, teve o vislumbre dela e Tom, um pouco mais velhos, entrando numa capelinha rústica. As duas meninas observaram, sem dizer nenhuma palavra, os bonecos sentados num círculo de pedrinhas brancas e sinetas bem vermelhas.

-Vamos deixar eles aí – começou Gina – Na lua-de-mel.

Merope encarou a amiga:

- O que eles fazem numa lua-de-mel?

- Eer... boba! Eles se beijam, né? Vem, vem pular corda.


Make a sound and I'll make you feel right
Right at home, yeah
Yeah, right at home, yeah

Nobody got ......?
But how come it's so easy to you
You know it's like me at times I can be careless
But your words seem so obtuse
But then again I know you feel guilty
And you tell me you want me again
But I don't need any of your pity
I got plenty of my own friends
They're all above me



A vida por vezes é representada como uma linha cheia de altos e baixos. São como as ladeiras de uma colina. Momentos bons e momentos ruins. Tem pessoas que tem uma vida amarga, sempre tentando escalar encostas maiores do que suportariam e tem pessoas acostumadas a viverem nos cumes verdejantes e enlouquecem ao ver tudo que construíram rolar colina abaixo. Uma coisa que é certa é que as ladeiras nunca são as mesmas, cedo ou tarde elas mudam, seja a grama que as encobre mudando com as estações, sejam suas pedras moldadas pelo vento e pela erosão, mesmo as mais sólidas. Merope Gaunt viu-se correndo no topo da mais verdejante das colinas. Pena que essas são sempre as mais íngremes.

Cada vez mais nuvens vinham do oeste cobrir o céu com um pesado manto cinza, um prenúncio de tempestade. Gina e Merope desciam a colina à toda, rindo das gotas de chuva que tentavam pegá-las. Como riam. Girando de mãos dadas, indo e vindo. O vento agitava seus cabelos e sacudia as sinetas como a um bando de adolescentes lépidas. No finalzinho da descida as meninas se atiraram ao chão. O vira-tempo soltou da segurança da correntinha e se espatifou em mil caquinhos dourados.

Gina chegou em casa carregando as bonecas debaixo do braço. Estava suja de terra, os joelhos ralados e um ar choroso. Sua mãe, a srª. Weasley, embora estivesse muito aliviada em ver a filha antes da tempestade desabar, assustou-se com o estado da garota e perguntou:

- O que houve filha?

A menina largou as bonecas no chão e subiu a escada chorando:

- Minha amiga foi embora!

Molly Weasley observou a filha sumir para o andar superior e voltou para a cozinha, balançando a cabeça. Gina e seus amigos imaginários... Recolheu uma bonequinha de cabelos de lã cinzenta. Haviam sinetas enroscadas na lã e em torno do pescoço pendia uma correntinha dourada.
***


- Merope!?

Merope Gaunt acordou assustada. Estava deitada no chão sujo do quarto de Marvolo. Trancou rápido o baú e correu para a sala onde seu pai espancava a porta de entrada.

- Onde estava menina? – Marvolo sibilou para a filha.

- Eu dormi – respondeu a garota, muito depressa – Desculpe!

- Ah, tá! Sai logo da minha frente, bruxinha abortada!

Merope sumiu para o quintal, trêmula de pensar no que aconteceria se Marvolo notasse o sumiço de um de seus bens. Correu até o campo. Quase podia ver a sua mãe andando por lá, um vestido esvoaçante de linho branco. Encontrou um único ramo de sinetas. Ajoelhou-se defronte à plantinha, tentando lembrar onde sua mãe fora enterrada, algum lugar em meio ao campo, pois não a quiseram no cemitério local. O longo cabelo cinza caia sobre o rosto. Como era a música para trazer o riso? Sentiu um nó na garganta. Como era a música mesmo? Sua mãe fora ruiva, os cabelos quase tão vermelhos como as pétalas das florzinhas. Esquecera de ter dito isso à sua amiga. Um aperto no peito. Teria sido tão bom sumir para todo o sempre! Só conseguiu murmurar:

- Amiga...


Make a sound and I'll make you feel right
Right at home
Right at home

I'm thinkin' about my doorbell
When ya gonna ring it, when ya gonna ring it
Yeah, I'm thinkin' about my doorbell
Oh, oh well



FIM

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