cap I
Merope Gaunt vinha vindo pela estradinha que levava ao poço do Little Hangleton, era uma menininha mirrada e demasiado suja para os seus doze anos e muito estranha também. Ela passou pelas outras crianças, com um esboço de sorriso, mas as meninas simplesmente a ignoraram e seguiram o caminho do poço, balançando seus baldes. Não que Merope fosse ruim, mas só havia uma escola primária no raio de quilômetros, o que obrigava as crianças – as filhas do juiz, do médico, do dono da venda, do pedreiro e etcetera – a se misturarem. “Uma lástima” dizia a senhora Riddle e todos concordavam, mas a linha divisória tinha que ser traçada em algum lugar e foi traçada na “menina Gaunt”. O que não era esforço nenhum, pois todos sabiam que a garota era filha do Marvolo Gaunt, o vagabundo da cidade. O “velho Gaunt” vivia de bicos, andando para cá para lá com o filho, Morfino ( “Esse mais louco ainda” diziam). Os dois discutiam e sibilavam o tempo todo, quando não começavam a esbravejar que eram os últimos da “nobre família” exibindo os últimos, e podres, dentes que lhes restavam. Ah, e o rapaz Morfino vivia bebendo e botando fogo nas caixas de correio.
Só que as críticas simplesmente resvalavam nos dois e quem sofria era a Merope, que ia para escola. Todo o santo dia ela ouvia comentários, a sua maioria vindos de Cecília Logan, do tipo “Seu pai maluco fala com as cobras, é Merope?” ou “Vocês não tem chuveiro em casa?” Isso quando não lhe faziam caretas ou simplesmente lhe ignoravam.
Mas Merope nem ligava, simplesmente sorria tolamente e continuava seu caminho. Se aborrecia, é claro, mas também sabia que se realmente quisesse poderia machucar Cecília de verdade!
É que a estranha menina Gaunt era uma bruxa, com poderes bem fraquinhos, diga-se, mas mesmo assim poderes que descendiam de uma família bruxa bastante nobre, por isso não se importava e sonhava que um dia alguém à sua altura viria lhe salvar. Imaginava um príncipe elegante, a cavalo, rico e bonito que a levaria pela mão para longe desse “povinho” de Little Hangleton (e para longe do pai e do irmão também). Um belo dia esse príncipe tomou forma humana, na pessoa de Tom Riddle, um ano mais velho, filho dos Riddle, os ricos senhores do povoado, a partir daí Merope caiu de amores pelo garoto e toda a vez que ele passava por ela, a garota deixava escapar um imperceptível suspiro. Parecia que ela nem notava que Tom vivia às voltas com Cecília Logan, os dois indo, rindo e vindo.
Merope entrou em casa, fraquejando sobre o peso do balde cheio d’gua. Chamou, a voz aguda:
- Pai?
Nada.
- Morfino?
Menos ainda.
O coração de Merope deu um salto. Não havia ninguém em casa, ou seja: estava sozinha!
Merope adorava ficar sozinha, não tinha que cozinhar, nem pegar água, nem varrer e todas essas coisas que fazia desde que sua mãe morrera de turbeculose, isso há uns sete anos atrás.
Saltitando pela sala suja, a garota arrancou os sapatos surrados e rodopiou até a cozinha; cantarolando foi até o próprio quarto, pegou uma boneca de pano muito velha e voltou pelo corredor. Deteve-se na porta do quarto de seu pai. Não podia entrar lá, nem para a faxina. Será que Marvolo demoraria a chegar? Era domingo... Com certeza estava em algum bico. Trêmula, a garota estendeu a mão para a porta e entrou. Lá estavam a cama velha, o colchão puído, o armário torto e... O baú de relíquias!
No baú eramm guardadas as heranças de família, coisas muito valiosas e envoltas de magia, pois todo o resto a muito tinha sido penhorado. Não havia necessidade de chave, bastava ter sangue-puro para abrí-lo. Dito e feito: com uma agulha, Merope furou a ponta do dedo e deixou a gota de sangue cair sobre a fechadura. Com um estalo, a tranca foi desfeita.
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