SEM ESPAÇO PARA A VERGONHA



Os olhares dos três amigos se cruzaram e imediatamente eles correram pela escadaria abaixo, em direção ao jardim, de onde pareciam ter vindo os gritos. De fato, toda a família Weasley, Fleur, Moody, Dumbledore e Lupin rodeavam Tonks e Mary, que estavam ajoelhadas no chão, abraçadas. Tonks estava mais branca do que as velas que a Tia Petunia usava quando faltava a luz na Rua dos Alferneiros e Mary tinha lágrimas escorrendo pelos olhos.

- Obrigada, Mary. - Murmurou Tonks. - Não sei como lhe agradecer.

- Chiu! - Fez a professora. - A única forma de você me agradeceres é se recompondo. - Virando-se para o grupo que as olhava, continuou. - Alguém tem chocolate?

Imediatamente Lupin se aproximou delas, estendendo uma barra de chocolate a Tonks e dizendo:

- Coma. Vai lhe fazer bem.

Tonks arrancou o chocolate das mãos do amigo e o comeu, levantando-se e entrando em casa. Resmungava:

- Como é que eu, uma Auror, pude ser pega desprevenida? Pior: como é que eu pude ficar sem reação?

- Vamos, vamos, Tonks, querida. - Disse Molly, abraçando-a. - Já está tudo bem. Foi uma sorte a Mary ter chegado precisamente no momento em que o Dementador ia te beijar.

- Ora, Molly... - Gaguejou Mary, corando. - Eu só estava no lugar certo, na hora certa. Foi obra do acaso.

- O acaso não existe. - Disse Dumbledore, com a sua voz profunda. - E você sabe muito bem disso, não é, Mary?

A professora não respondeu, mas Harry reparou que ela baixou os olhos e corou até à raiz dos cabelos.



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O resto da época festiva decorreu normalmente, sem contar com o anúncio do noivado entre Remo Lupin e Mary Hollow. Molly Weasley parecia extremamente preocupada, realçando o fato de duas pessoas com "problemas tão graves" se casarem. Harry não sabia exatamente ao que a Srª Weasley se referia, mas começava a desconfiar que Hermione estava certa quando dizia que tinha algo errado com a Professora Hollow. Lupin era lobisomem, mas qual seria o problema de Mary?

Para Carlinhos, a questão era outra:

- O que será que ela viu nele? - Perguntava, com ar inconformado, para Tonks. - Ele é muito mais velho do que ela, é tão certinho, tem aquele ar constantemente infeliz e... caramba, ele é um lobisomem!

- Precisamente! - Exclamou Tonks, secamente, olhando-o com ar de censura.

De resto, tudo correu pelo melhor, até ao regresso a Hogwarts.

A primeira aula foi de Poções, razão pela qual as coisas dificilmente poderiam começar pior... Mas começaram. A meio da aula, a cicatriz de Harry começou a dor... doía com tanta intensidade que ele deixou escapar um grito, levando as duas mãos à testa.

- Potter! - Vociferou Snape. - Se você continuar com gracinhas, vou ter que retirar vinte pontos da Grifinória!

- P... Professor... - Conseguiu dizer Harry, com voz fraca. - A minha cicatriz...

- Já chega! - Gritou Severus. - Vou retirar vinte pontos da Grifinória! Potter, saia da sala imediatamente! Se a sua cicatriz está doendo mesmo, vá procurar a Madame Pomfrey, que ela cuida de você.

Harry obedeceu, sem forças para replicar. A dor era tão forte que quase não se aguentava em pé, mas a fúria que sentia naquele momento em relação ao professor deu-lhe alguma força para caminhar até à porta da sala, saindo e fechando-a atrás de si.

Severus Snape fazia parte da Ordem de Fênix e sabia muitíssimo bem o que significava aquela dor da sua cicatriz, mas aproveitara mais uma vez para humilhá-lo e retirar pontos da Grifinória.

Deixou-se cair, sentado junto da porta, com as mãos na testa. Sim, tinha a certeza: Voldemort estava feliz. Se, ao menos, soubesse porquê... Por momentos, se sentiu tentado a experimentar entrar nos pensamentos do Senhor das Trevas, mas depois se lembrou de Sirius. Não. Não podia deixar que a sua mente e a de Voldemort tornassem a se fundir numa só, sob pena de cair em outra armadilha.

A pouco e pouco, a dor foi desaparecendo. Harry se levantou e desceu as escadas, se dirigindo para o pátio, para respirar um pouco de ar fresco. Por sorte, não encontrou Filch pelo caminho.

De repente, ouviu um barulho vindo de dentro do castelo. Imediatamente, voltou a entrar lá dentro, para descobrir de onde vinha tanto rebuliço.

Vários alunos rodeavam alguma coisa junto das escadas. Aproximou-se e conseguiu ver o que era: Ron e Hermione, estendidos no chão, ele em cima dela, com um cotovelo esfolado e ela com sangue escorrendo da nuca e empapando-lhe o cabelo.

Com os olhos filhos nos olhos um do outro, os dois não se mexiam. Na verdade, parecia que iam se beijar e Harry não conseguiu imaginar uma situação menos romântica para o primeiro beijo dos dois... que acabou por não acontecer, já que a Professora MacGonnagall surgiu nesse momento e disse, com voz fria:

- Weasley, saia de cima da Granger, se não quiser esmagá-la. - Ron ficou mais vermelho do que um tomate, enquanto a professora o levantava por um braço e, depois, fazia o mesmo com Hermione. - E você, Granger, vá ter com a Madame Pomfrey, para ela curar a sua cabeça.

Hermione se levantou sem dizer uma palavra nem olhar para ninguém. Também muito corada, se dirigiu para a enfermaria, levando um jornal na mão.

MacGonnagall continuou, enquanto olhava para o grupo de alunos que assistira a tudo:

- E vocês, se dispersem, por favor. O espetáculo acabou. - Lançando um olhar enigmático a Ron, retirou-se também, enquanto Gina explicava tudo a Harry, que aproveitara para lhe perguntar o que se passara:

- A Hermione resolveu ler o Profeta Diário quando estávamos a descer as escadas. De repente, leu alguma coisa que a deixou muito perturbada, olhou para trás para nos contar e...

- ...e pimba! - Concluiu Luna Lovegood, com um olhar mais estranho ainda do que o costume. - Caiu das escadas. O Ron tentou segurá-la, mas, pimba, rolou pelas escadas abaixo com ela!

- Eu achei que eles iam se beijar, finalmente. - Comentou Parvati Patil.

- Eu também. - Concordou Gina. - Não seria sem tempo! A MacGonnagall estragou tudo.

Harry estava surpreendido. Pelos vistos, já todos sabiam que Ron e Hermione gostavam um do outro... menos os próprios! Que coisa irritante! Tinha que fazer alguma coisa.

Avançando para Ron, que continuava de pé, na frente da escadaria, com ar confuso, perguntou:

- Você está bem, cara?

- S... sim... - Gaguejou Ron. - Acho que sim... Mas... e a Hermione?

- Não se preocupe. - Respondeu Harry. - A Madame Pomfrey cuida dela. E você? Quando é que você vai falar com ela?

- Com a Madame Pomfrey?! Mas eu estou bem... Esses arranhões não são nada...

- Não, seu idiota! - Exclamou Harry, exasperado. - Com a Hermione!

As orelhas de Ron voltaram a ficar tão vermelhas que não pareciam fazer parte da sua cabeça.

- F... falar com a Hermione? - Repetiu. - Eu?! Ah... sim... tenho que pedir desculpa por ter caído em cima dela...

- Ron! - Quase gritou Harry. - Você sabe muito bem do que é que eu estou falando! Eu me refiro aos seus sentimentos!

Agora, dava para perceber muito bem que as orelhas de Ron pertebciam à sua cabeça, já que o seu rosto inteiro assumira o mesmo tom avermelhado. Sem olhar para harry, murmurou:

- Não. Não sei mesmo do que é que você está falando... - E saiu dalí, desaparecendo para o pátio.

Harry fez menção de segui-lo, mas Gina o parou, segurando-o por um braço e dizendo:

- Deixe ele, Harry. Ele deve querer estar sozinho.

- Mas...

- Você conhece o meu irmão tão bem quanto eu. Ele jamais assumirá os seus sentimentos com facilidade. Ele tem um estúpido complexo de inferioridade e acha que não é suficientemente bom para a Hermione. - Gina revirou os olhos. - É uma babaquice, eu sei, mas ele é assim, ele morre de vergonha.

Harry não respondeu. Acabava de lhe ocorrer que, apesar de não ter complexos de inferioridade, também ele tinha vergonha de assumir o que sentia por Gina. Ao mesmo tempo, ecoavam na sua cabeça as palavras de Lupin: "No amor não há espaço para a vergonha" e sentiu uma vontade incontrolável de beijar a ruivinha.

Olhou em seu redor. Parvati e Lilá conversavam animadamente num canto, enquanto Luna parecia perdida em pensamentos, cantarolando baixinho "Weasley é o nosso rei". Se fizesse alguma coisa, talvez elas não dessem por nada... ou talvez notassem e ele tinha vergonha... mas, caramba, "no amor não há espaço para a vergonha", pensou.

Num impulso, agarrou Gina pelos ombros e a beijou. De início, ela pareceu surpreendida, mas depois correspondeu. Foi o beijo mais longo e delicioso que Harry dera e recebera em toda a sua vida. O seu coração batia descompassado e ele não conseguia pensar em mais nada. Sentia que o chão lhe fugia debaixo dos pés, como se flutuasse... Nada mais importava naquele momento, que ele desejou que se prolongasse eternamente.

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