Medidas de Esquecimento



Água e Vinho


Capítulo Vinte e Seis – Medidas de Esquecimento


As aulas recomeçaram, e com força total. O fim de semana seguinte seria em Hogsmeade, e talvez lá eu convencesse Alice a me apresentar a algum cara decente, principalmente um que tivesse um ego normal e que não precisasse ser alimentado através da depreciação das outras pessoas.

Na segunda-feira de manhã, eu estava tomando o café quando Black veio falar comigo, felizmente sozinho.

-Muito bem, Evans – ele disse. – Vamos levar os papéis hoje para Dumbledore, não é?

Alice me olhou com estranheza; eu ainda não tivera tempo nem paciência para falar das nossas descobertas a ela.

-Está bem, Black. Na hora do almoço.

Ele se deu por satisfeito e tomou o seu caminho. Ele falou comigo como se não tivesse convivido comigo nos últimos seis anos, mas eu não estranhei. Afinal, mais uma vez eu havia brigado com o precioso amiguinho dele, e isso deveria significar qualquer coisa. Não sei. Depois daquela vez em que ele gritou tanto comigo, supus que Potter deveria ter sua importância para ele.

Não pensem que estava fácil pra mim. Detestava assumir que gostava mesmo de Potter. Vocês acham que foi exagero? Eu não me sinto segura com ele! Não é só por uma coisa que ele fez, entendem? Vocês conhecem toda a história, e nem sei mais quantas vezes ela se repetiu: sempre que eu começava a achar que Potter estava mudando, ele vinha e estragava tudo, me fazia perceber o quanto ele ainda era infantil e ridículo, e convencido e... Ah, vocês também já se acostumaram a me ver xingando-o de várias coisas seguidas, não é? Droga, está ficando difícil contar tudo de forma criativa. Mas eu vou me esforçar.

Depois das aulas da manhã, Black apenas parou na minha frente e eu soube que estava na hora de ir até o escritório de Dumbledore. Eu já estava começando até a me sentir íntima dele, de tantas conversinhas que andávamos tendo nos últimos tempos. Ele sempre parecia saber mais do que eu sobre tudo o que acontecia. E para uma CDF, isso pode ser catastroficamente torturante.

Dumbledore não fez nenhuma cerimônia daquela vez. Temi que ele estivesse ocupado para ter tanta pressa, mas quando eu disse isso, ele apenas respondeu:

-Não, Lílian... Eu somente estou curioso. Vocês dois têm me trazido informações muito importantes ultimamente.

Se Black fosse meu amigo, eu teria trocado olhares com ele naquele momento, mas como ele não era, apenas continuei olhando para o diretor.

-Anda logo, Evans, mostra as cartas pra ele – Black sibilou do meu lado.

Tirei os pedaços de pergaminho das vestes e coloquei sobre a mesa do diretor. Ele acenou para que nos sentássemos e leu cada uma atentamente, com os olhos azuis fixos em cada letra.

-Sim sim... Bastante incriminadoras – o diretor murmurou depois. – Principalmente esta – e virou a carta para a Sra. Snape de frente para nós. – Parece que agora nós sabemos o que leva Severo a praticar com tanto afinco as Artes das Trevas. Sim, Sirius, eu sei que não é a atitude certa a fazer – ele disse antes de Black começasse a falar o que tinha em mente. – Mas é o modo que ele encontrou de proteger a mãe. É o modo errado, mas é uma alternativa. E, cá entre nós – Dumbledore se inclinou sobre a mesa, olhando para nós dois – se ele tivesse escolhido o modo certo, não estaria na Sonserina...

Black sorriu de modo convencido, e eu ignorei o comentário.

-Mas professor, o que vai ser feito a respeito?

-Bem, a primeira atitude seria expulsar Severo Snape de Hogwarts. – Dumbledore ponderou. – Mas não será a minha atitude.

Black se levantou da cadeira.

-Quantas provas mais vamos precisar juntar para provar que o Ranhoso é o infeliz que mandou matar o Tiago? Vamos ter que fazê-lo beber Veritaserum ou o quê?

-Apesar de acreditar que Severo não fosse tolo o suficiente para ingerir qualquer poção sem ter certeza absoluta de que não significaria nenhum perigo para os seus planos, creio que isso seja desnecessário. Vou tomar medidas contra os jovens Comensais da Morte, podem acreditar em mim. Mas tenho outros planos para este em especial.

Black começou a andar de um lado para o outro.

-Mas, professor – eu tentei. – Snape é perigoso. Ele não pode ficar...

-Eu sei o que faço, Lílian, você pode ficar segura quanto a isso. – o diretor respondeu, com um sorriso conciliador por baixo da barba. – Agora, se não têm mais nada para me mostrar nem alguém para acusar...

*-*-*-*-*-*-*-*-*

Quando eu era jovem, os sonserinos costumavam caçoar de mim (e de muitos outros alunos), chamando-me de Sangue Ruim. Eu até mesmo já contei isso a vocês, lembram? Pois bem. Só que depois de me acostumar com o fato de ser mesmo Sangue Ruim, achei que eles não me provocariam mais. Eu nunca imaginei que um dia eu não poderia passar pelos corredores sem ouvir menções muito provocativas do nome de Potter, e do meu.

Aquela primeira semana de aula foi pesada.

-Oh, Evans, onde o seu amorzinho se meteu? Correndo dos malvadões Comensais da Morte?

-Pauline, não seja ridícula... Quando estamos por perto ela nunca assume que ama o Potter...

-E francamente... Ele podia ter se rebaixado menos... Misturando-se com Sangues Ruins por aí...

Era tudo culpa do idiota do Potter, por ter espalhado aquilo para todo mundo e era eu quem tinha que ouvir isso! Não é mesmo um mundo muito injusto?

Eu soube que Snape havia sido chamado para falar com o diretor, mas não fora expulso. Eu não parava de dizer aquilo para Alice: Dumbledore acabaria se arrependendo de manter aquele monstro dentro da escola. Ele acabaria matando alguém. O próprio, quando me via nos corredores, quando simplesmente não erguia o queixo (e quase batia o nariz no teto), me olhava com aquela irritante cara desdenhosa, e disfarçava quando os Marotos chegavam. Seu reencontro com Potter nos corredores não fora nem um pouco amigável.

Havia sido na quarta-feira. Até então todos tinham preferido manter os dois bem afastados. Mas neste dia em questão, foi inevitável. Os dois pararam, bem diante um do outro, e se encararam.

-Então. – Potter murmurara. – Teve férias tranqüilas, eu suponho.

-Bastante. – Snape ergueu uma sobrancelha. – Um contratempo aqui, outro ali, de vez em quando...

-...Ou um assassinato que não deu certo... – Potter completou. – Uma pena que a sua vítima tenha sido esperta demais para você.

Olhei em volta. Por que justamente naquela hora não havia nenhum professor por perto? Se os dois começassem a brigar ou duelar eu não saberia como reagir. Afinal, estamos falando de Potter e Snape. Sim, eu já tinha passado uma vida inteira separando as brigas dele, mas fazer isso novamente implicaria falar com ele. Falar, diretamente, assim... Olho no olho. E eu não queria isso de jeito nenhum. Eu, afinal, andava tapando os ouvidos todas as vezes que vinha alguém me dar qualquer notícia dele!

-Existem imprevistos. – sibilou Snape de volta. Alguns dos grifinórios por perto tomaram expressões assassinas, e eu tive medo que, ao invés de uma briga, acabasse saindo algum linchamento naquele corredor.

Naquele momento, quando eu já tinha certeza de que Potter levaria a mão às vestes para pegar a varinha, Remo chegou de lado e puxou o amigo.

-Hoje não, Tiago – ele falou em voz baixa. – Deixe-o em paz, ao menos uma vez.

-Parece que alguém está se tornando obediente! – Snape aproveitou-se da vantagem, endireitando os ombros. – Parece que depois que começou a agarrar a Sangue Ruim Evans alguém andou criando disciplina!

E olhou para mim com o rosto satisfeito. Meus instintos fluíram e então foi Alice quem teve que beliscar o meu braço para que eu me tocasse de que seria uma grande burrice fazer o que me dava vontade.

-Por que eles simplesmente não me deixam em paz, Alice? – eu perguntava a ela na sexta-feira, depois de um dia cheio onde eu terminava doida para cair na cama e me trancar dentro da Grifinória para o resto da vida.

-Porque você simplesmente não os deixa em paz, Lílian. – ela replicou, sentada em sua cama. – Caso não se lembre, você é mais do que uma pedra no sapato deles.

-Mas não é por causa do passado afetivo deles! – exclamei exasperada. – É só porque eles querem matar qualquer um que ache que quem nasceu trouxa merece direitos iguais, quem acha que o tal Você-Sabe-Quem não é o maioral e...

-Shhh, relaxe, eu já sei disso tudo – Alice me cortou. – Mas você sempre soube lidar muito bem com o que os sonserinos dizem de você. Isso é ridículo! –fez uma pausa. – Só porque dessa vez eles estão certos e você realmente ama Potter não quer dizer que isso deva te afetar...

-Alice! Não tem a menor graça! – falei, emburrada. – Já arrumou algum cara para a Lílian aqui namorar?

-Nunca pensei que ouviria você falando assim – comentou Alice, tomando fôlego. – Mas você sabe que NÃO é a coisa certa a se fazer numa situação como essa, não é?

-Poupe-me do sermão tipo coisas-certas-a-serem-feitas. – cortei, fechando a cara. – Já sabe de alguém ou não?

-Eu não sei – ela respondeu. – Não estou me sentindo bem de fazer isso. Você gosta do Potter, Lílian, isso é ridículo!

-Olha aqui, Alice – retruquei, me endireitando. – Não importa de quem eu gosto, se é de Potter, de Snape, de Dumbledore, do inferno! Eu não quero. E tenho esse direito! Agora, se não tem certeza, me apresente para todos os seus conhecidos decentes que eu me encarrego de escolher.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Depois de uma semana horrível em Hogwarts, chegou a hora de ir para Hogsmeade, finalmente! Eu não me arrumei mais d que o normal; se eu estava procurando o cara perfeito, compreensivo, tinha que ser eu mesma. Não importava que o meu “eu mesma” não estivesse aberto a novos amores, mas dizem que não há nada a que não se acostume, não é?

Alice estava junto com Frank, perto do Três Vassouras, mas quando me viu, cochichou alguma coisa no ouvido dele e pouco tempo depois ele tinha virado a esquina mais próxima.

-O que foi isso? – perguntei a ela.

-Eu pedi para que ele pegasse o laço que eu esqueci lá perto da Zonko’s. – ela respondeu, com um sorriso cúmplice. – Agora podemos fazer o trabalho sujo para você. Eu inclusive andei falando com Frank, dando uma de esquerda, sabe, dizendo que você andava reclamando que não há nenhum garoto interessado em você e ele me passou algumas pistas muito interessantes...

Virei os olhos.

-Você é criminosa. – brinquei.

-Mas você adora isso, até porque deu certo – Alice disse com um sorriso triunfante. – Venha – ela me puxou pelo braço – O melhor dos candidatos, na minha opinião, está logo ali.

Ela apontou discretamente para um garoto bonito, de olhos azuis e cabelo loiro. Tinha um nariz um pouco maior do que eu esperaria, um pouco de espinhas, mas nada muito perturbador. Era pouco mais alto que eu, e andava meio curvado, além de ser muito magro.

-E então? – Alice me olhava com acara de interrogação. – O que acha?

-Parece promissor. – murmurei lentamente. – Mas nós vamos ficar aqui paradas?

Pelo modo como agia, minha amiga não estava acostumada a me ver daquela forma. Se bem que eu também nunca havia sido daquele jeito antes... Era tudo culpa de um maldito grifinório, que tinha feito de tudo para me conquistar, e quando conseguiu, apenas usou o troféu novo para se divertir... Não, muito obrigada. Se eu teria que arrumar outro, mesmo que fosse sem muito sentimento, que fosse assim então.

Cerca de quinze minutos depois, eu estava conversando animadamente com Mark Smithers. Ele pertencia à Corvinal, estava no sétimo ano, já tinha dezessete anos e estava dando uma volta em Hogsmeade para tentar se manter longe dos livros por algum tempo. Ele me contou que já estava tendo pesadelos com os N.I.E.M.s, e que quando fechava os olhos via páginas de livros... Coisa essa que já me fez simpatizar com ele.

Quando fui fazer um comentário a Alice sobre aquilo, ela já tinha sumido com Frank outra vez.

-Procurando sua amiga? – perguntou Mark.

-Ahn... Mais ou menos. Mas não importa. E você? Veio sozinho para Hogsmeade?

-Não, eu vim com alguns amigos da minha turma. Mas todos eles vieram encontrar as namoradas aqui e eu não estava com muita paciência para isso, se é que você me entende – ele respondeu, com um pequeno sorriso.

Pouco tempo depois já estávamos passeando pelo vilarejo. Estava tudo ótimo, tudo maravilhoso, Mark era uma pessoa ótima, eu nem conseguia acreditar que estava dando tudo certo. Mas vocês conhecem Lílian Evans melhor do que ela mesma. Foi só ver Potter, parado de cabeça baixa na entrada da Zonko’s que tudo à minha volta desmoronou.

Ele não podia estar tristonho daquele jeito por minha culpa! Podia? Não, né? Ele tinha muito mais coisas para pensar, assim como eu... Nossos olhos se encontraram por um momento. Ele quase sorriu quando isso aconteceu, mas depois deu uma boa olhada em Mark, que estava andando do meu lado, e desviou.

-Potter, não? – Mark perguntou.

-É. Como você o conhece?

-E quem não? Acho que andaram dizendo por aí algumas coisas sobre você também, com ele...

-Pois é. Minha semana foi horrível. Todos andaram inventando histórias, principalmente esse maldito Potter. Mas se não se importar... Falar dele me aborrece.

-Sei. E ninguém aqui quer você aborrecida, não é? – ele disse, e eu acho que notei ali um sorriso meio malicioso. Em circunstâncias normais, isso me assustaria, mas era justamente o que eu estava querendo... O plano estava saindo perfeitamente.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Dizem também que nada nem ninguém é perfeito, mas eu tenho que dizer, o meu plano era. Mark era ótimo, era inteligente, era interessante e tudo o mais. No fim do dia, pouco antes de chegar a hora estipulada para estarmos de volta ao castelo, rumo aos nossos dormitórios, Mark e eu estávamos na casa de chás da Madame Puddifoot, quando ele se inclinou na mesa e disse, me olhando fundo nos olhos:

-Sabe, Lílian, parece que você apareceu sob medida pra mim hoje... Eu acho que estou enlouquecendo, sabe, com tudo... E eu estou adorando conhecer você.

Bem, ali eu senti cheiro de falha no meu plano. Eu não queria sair com ele só uma vez, caso não fosse isso que ele estava pensando. Eu tinha gastado um dia inteiro com ele e não era apenas para sair uma vezinha de nada. Se ele não estava percebendo, eu teria que deixar isso bastante claro.

-Mark... – eu murmurei. – Eu só espero que você não esteja me confundindo com... o tipo da garota que você só dá uns amassos e finge que não conhece – eu não estava me reconhecendo, mas quem era eu afinal de contas?

Mas ele sorriu e pegou na minha mão.

-Longe disso – ele disse.

Inclinou-se mais para frente ainda. Eu pensei algo relacionado com é agora , e também me preparei. E nos beijamos. Não foi nem de longe parecido com como era com... vocês sabem. O beijo do Mark não era tão ardente, tão empolgante, não me desmanchava só de me tocar. Mas ainda assim era bom. Bom o suficiente.

Maravilha. Próximo passo: começar a gostar do Mark.

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