Capítulo XXV



Os Marotos e o Segredo de Sangue


 


Capítulo XXV – Para nos salvar.


 


- Então você acha que alguém colocou? – cochichou Lily, e o tom em sua voz era quase incrédulo – quer dizer, é impossível, vocês teriam visto alguém entrando no vestiário, estavam voando bem encima!


 Sasha lançou-lhe um olhar reprovador.


 - Eu teria percebido se aquele pedaço de papel estivesse lá. – cochichou de volta.


 Lily lançou um olhar furtivo em direção à professora McGonagall antes de responder:


 - Você nem tinha abrido ainda.


 - Mas eu andei pra lá e pra cá com ele, Lil!


 - Senhoritas – a professora repreendeu, aproximando-se com seu olhar severo e avaliador – suponho que estejam discutindo o conteúdo, como lhes foi mandado.


 - Claro, professora – a ruiva respondeu no mesmo momento com firmeza – Sasha tem opiniões opostas sobre as transformações de animagos.


 - Têem alguma duvida?


 - Não. – Sasha sorriu.


 No geral, sorrir para a professora Minerva era frustrante, porque ela nunca ficava convencida. Ela assentiu e girou os calcanhares. Lilian apenas lançou um olhar enfurecido para a morena antes de voltar-se para os livros.


 


 


*****


 


 


 Aquela conversa com Lily a fez confundir-se ainda mais, e precisava se concentrar pelo menos até que os exames terminassem. De novo, decidiu deixar para pensar naquilo tudo depois. Primeiro, tinha que colocar as coisas em ordem e se lembrar de tudo o que acontecera. Precisava ler o livro, e já havia percebido que seria muito mais prudente fazê-lo sem as opiniões de Lily e sem a superproteção de Sirius. Sozinha, ela e o livro.


 Mas primeiro, antes de ao menos pensar em organizar tudo isso, tinha que decidir onde passaria um mês de férias. Só lembrara daquele detalhe quando Alice começara a fazer milhares de planos para elas se encontrarem durante aquele mês. Tinha que falar com seus avós primeiro, e contar-lhes tudo; sempre era prudente confiar os detalhes a eles, mesmo que fossem muitos. Foram eles que cuidaram dela e a protegeram quando ela não tinha mais ninguém, e eles sabiam sobre Tom e outras coisas; eles sabiam até mesmo mais que seus amigos em Hogwarts.


 Mesmo assim, não podia ficar na casa deles. Seria óbvio demais. Alunos felizes de férias, vão para casa! Seria onde Tom ou seus comparsas estariam esperando.


 Só havia um jeito de falar com seus avós sem que ninguém desconfiasse. Dumbledore.


 


 


*****


 


 


 Depois da turbulenta última semana de exames – mais turbulenta que as outras, primeiro, porque Sasha e Lílian haviam ficado com a tarefa de distrair Gloria enquanto Remo passava por maus bocados. Segundo, porque a professora McGonagall insistia que o diretor estava viajando sempre que Sasha a procurava. E terceiro, porque ainda não tinha um lugar onde ficar. Enfim, depois dessa semana, teriam uma semana livre, na qual os professores devolveriam trabalhos e tarefas e teriam a final do Campeonato das Casas. Havia uma morena de olhos azuis decidida no salão comunal da Grifinoria.


 - Lil, vou sair. Não me espere. – Sasha disse, e aquilo soou como se estivesse alertando a mãe.


 - Uii... vai sair com Sirius?


 - Não. Vou sair. – respondeu simplesmente antes de sair pela porta do dormitório, não antes de ouvir um grito da ruiva “Cuidado com os morcegos!”.


 Sasha passou pelos marotos no salão comunal. Eles pareciam distraídos e felizes em sua semana de folga, espalhados pelos sofás descansando depois do almoço. É claro que Sirius saltou para falar com ela quando a viu.


 - Olá, Vic – murmurou, e suas mãos voaram para a sua cintura instantaneamente, aquele sorriso malicioso estampado em sua cara – onde vai com tanta pressa?


 - Você estava dormindo? Está com bafo – ela brincou desviando-se da pergunta.


 Preocupado, ele bafejou na palma da própria mão, e depois a censurou, estreitando os olhos:


 - Não faça mais isso.


 Sasha riu.


 - Não vá encontrar seu sonserino fedido. – alertou, provocando-a.


 - Falando nisso, há séculos não falo com ele... mas de qualquer maneira, não é nada com Severo.


 Sirius apertou ainda mais o abraço, inclinando-a suavemente para trás, e ela teve que se segurar abraçando seu pescoço.


 - E nem com Davies... E nem com... Quer que eu fale a lista?


 - Só se estiver com vontade de brigar.


 - Hum... Ameaçadora. Um gatinho furioso.


 - Não está conseguindo me provocar, Six. Eu estou bem calma.


 - Espere eu dizer que... – ele inclinou mais o corpo para poder sussurrar em seu ouvido.


 A posição em que eles estavam não era nada estratégica para Sasha fugir dele, ainda mais depois daquelas palavas indecentes sutilmente escolhidas. Os braços em torno dela, inclinando-a e sustentando todo o seu equilíbrio não eram favoráveis. Olhou-o furiosamente:


 - Me solte. – alertou, mas sua voz não tinha nada de perigosa, como pretendera. – agora.


 - Eu vou soltar quando você realmente quiser. – avisou o garoto com um sorrisinho.


 Então ela lembrou-se porque havia cruzado com Sirius e qual era o seu destino. Diante da súbita mudança de humor dela, Sirius soltou-a e falou, aborrecido:


 - Ok, me desculpe, eu realmente achava que você estava brincando e...


 - Oh, Six! – Sasha abraçou-o pela cintura para impedir que ele saísse de perto dela – é só que eu tenho que ir falar com Dumbledore e estou um pouco preocupada.


 - Preocupada? Por quê? Vai pedir transferência ou coisa do tipo? – ele começou a tecer uma linha de idéias e um vinco de preocupação surgiu em sua testa pálida.


 - Bobo – Sasha riu com todos os dentes, fazendo o seu cheiro inebriar sedutoramente o garoto – é que eu tenho que resolver umas coisas das férias, nada preocupante de verdade. A minha única preocupação é que eu não o encontre no castelo hoje e se isso não for resolvido antes das férias...


 - Como assim? O que essa conversa vai decidir?


 Sasha suspirou.


 - Onde eu vou passar as férias. Ah, e vou pedir dinheiro e contar as últimas para os meus avós.


 - Está querendo ir para a Escócia esta tarde? – ele desdenhou quase debochadamente.


 - Hey! Qual é o seu problema?


 - Nada. Só que eu não acho que o diretor vá ceder aos desejos de uma aluninha mimada que quer pedir dinheiro aos avós antes de ir para uma viagem exótica...


 Dessa vez ela não se conteve. Bufou. É claro que Sirius não sabia que Dumbledore era um dos únicos bruxos do mundo que sabiam de tudo que acontecia ou deixava de acontecer. Ele podia ler no olhar de cada ser quando as coisas não estavam indo bem, e fora exatamente isso que aconteceu quando ela chegou àquela escola completamente desesperada e com os sentimentos à mil. Seus avós também não eram bons mentirosos. A bondade e a imensa confiança que o diretor emanava se misturaram com o seu poder de persuasão poucos instantes antes de ela desabar e contar-lhe tudo. Dumbledore sabia.


 - Ele sabe, Sirius – disse subitamente calma e profunda – e não há nenhuma viagem exótica. Só preciso do dinheiro para sobreviver.


 Arrependeu-se no mesmo instante em ter exagerado nas palavras. As sobrancelhas negras de Sirius quase se uniram e a sua expressão era imensamente preocupada.


 - Não tem para onde ir? – ele perguntou.


 Sasha pensou no que deveria responder.


 - Tenho... só que ainda tenho que combinar e...


 - Não, você não tem – ele ergueu as sobrancelhas, incrédulo – péssima mentirosa. Sasha, pode ficar na casa de Thiago se quiser. Eu mesmo estou praticamente morando lá agora, e quero passar todas as férias na casa dele. Os pais dele são as melhores pessoas do mundo.


 - Sirius, eu não quero mais causar problemas para os Potter. Eles são bons demais para se envolver com esse... tipo de ralé. – quase sussurrou a última palavra.


 Sirius revirou os olhos e olhou para os lados, conferindo se alguém estava espiando. É claro que os olhos de Pedro não significaram nada quando ele passou os seus rapidamente pelos marotos. Segurando a mão pequena de Sasha, levou-a até uma das mesas, e a ergueu de modo que ela se sentasse na beirada de madeira lascada. Ela tinha um olhar perfurante e decidido. Não seria nada fácil.


 - Eles não escolheram ser aurores porque são do tipo que não gostam de se envolver em encrencas. – explicou com uma voz melodiosa.


 - Então eu sou mesmo uma encrenca, não é? – ela suspirou com um sorriso.


 - A pior delas. – ele respondeu sinceramente, sorrindo também.


 Por um momento, ela balançou os pés enquanto sua atenção se desviava para um grupo muito falador a poucos metros deles. Eram várias garotas do sétimo ano apinhadas em revistas bruxas e enfeitiçando os próprios cabelos para que mudassem para cores e formas engraçadas. Com um Sirius insistente (cujas mãos estavam apoiadas na mesa dos dois lados do quadril dela, causando uma proximidade alarmante) , era um pouco difícil se concentrar no que deveria fazer – e ia fazer mais tarde – quando podia ficar algum tempo discutindo aquelas coisas com ele.


 - Eu não posso passar um mês de férias com vocês dois – ela disse de repente, e os olhos dele se voltaram para encontrar os dela, faceiro – enlouqueceria.


 - Oras, estamos tão responsáveis, amor... – ele disse com um beicinho.


 Por quê fora ensinar aquilo à Sirius? Parecia trilhões de vezes melhor nos lábios dele.


 - Mas de verdade – ele continuou, sério – é o melhor lugar.


 - Na verdade, é o lugar mais óbvio depois da casa dos meus avós, Six. E está competindo a posição com a casa dos Evans.


 Ele arregalou os olhos:


 - Então para onde diabos você vai?


 - Era isso que eu estava indo saber, quando você se intrometeu. – alfinetou sorrindo docemente.


 Ele tirou as mãos do apoio da mesa e afastou-se dela com uma expressão estranha e parecendo principalmente confuso.


 - É claro que eu quero que continue me atrapalhando – ela insistiu.


 - Não... você tem razão – ele disse – tem que ir atrás de Dumbledore e dos seus avós antes que não sobre mais nenhum lugar na superfície do mundo.


 Mas Sasha não viu nenhuma sombra de rejeição a si mesmo nos olhos azuis acinzentados de Sirius.


 - Quer vir comigo? – convidou discreta, com um sorriso atrativo.


 E isso realmente não pareceu o que Sirius esperava ouvir. Ele piscou os dois olhos algumas vezes tentando assimilar o que ela dissera. Levá-lo junto com ela para ver Dumbledore não o aflitaria em nada, se ele não soubesse que a sua intenção real era levá-lo para conhecer seus avós. E diabos, por que estava se sentindo nervoso? Ele não era assim. Mas Sasha era a coisa mais preciosa de sua vida, e a aprovação dos avós dela significavam como se fosse para os pais. Como se ele fosse pedir a sua mão.


 Ele pensou em tudo isso enquanto ela fazia caretas engraçadas da expressão vazia e espantada dele.


 - Tudo bem, não precisa – ela riu por fim – mas meus avós não vão te engolir ou coisa parecida. Eles não são nem bruxos.


 Sirius engoliu seco, e não conseguiu pensar em nada para responder. Queria ir, de verdade. Seria de imensa ajuda para provar ainda mais para a sua garota que ele não era mais o mesmo Sirius de antes; o Sirius que Lily fantasiara a ela como o maior galinha de todos os tempos. Fantasia ou não, era passado. Só ela importava agora. E isso importava para ela.


 - Eu vou – ele disse com uma voz cômica e rouca.


 Sasha alargou o sorriso no rosto, incrédula.


 - Six, eu estou falando sério... tudo bem se não quiser ir.


 - Você tem que ir agora?


 Sasha riu.


 - Tenho. E você não vai, não. Desconvido.


 - Pois então eu me convido e vou de enxerido. – ele disse estufando o peito, aproximando-se dela perigosamente – eu quero ir. – confirmou com mais convicção.


 Sasha ergueu as sobrancelhas e, ainda com um sorriso, saltou da mesa desviando-se dele e contornou até o quadro da Mulher-Gorda. Thiago mandou-lhe um tchauzinho e Remo sorriu, mas os dois ficaram desconfiados e lanpejaram mil olhares diferentes quando Sirius estava seguindo-a para a mesma direção. Rabicho manteve-se impassível. Entre uma olhada e outra, tentava disfarçar o interesse no acontecimento. Mas para eles era só uma fuga de namorados, mesmo.


 No corredor, sob uma chuva de repreensões da mulher do quadro sobre o incomodo que os alunos estavam causando a ela “abrindo e fechando toda hora”, mas Sasha pensou que fosse só mais uma das suas implicações com ela e Sirius – o casal andou de mãos dadas até onde ficava a gárgula para a sala do diretor. Vez ou outra nos corredores encontravam estudantes ansiosos e animados para as férias, outros preocupados demais com o resultado dos exames – encontraram até mesmo Alice e Frank agarrados como enguias em um deles, e os dois sorriram estonteantes e envergonhados para eles, que acenaram.


 - Bem – Sirius murmurou quando paravam na frente da gárgula – aqui estamos.


 - Sim... e agora? – hesitou a morena.


 - Ah, sim, você deve saber a senha para a sala do diretor. Sempre dá um jeito de saber de tudo.


 Ela bufou.


 - Com certeza eu sei, Six.


 O irritamento dela o alertou. Instantaneamente os braços dele contornaram sua cintura.


 - Calma aí... a gente vai arrumar um lugarzinho pra você passar as férias e vai ficar tudo bem. – garantiu.


 Sasha olhou para ele, e depois lançou-lhe um sorriso torto.


 - Ok...


 Antes que ela pudesse fazer qualquer outra ironia, um barulho chamou a atenção dos dois. A gárgula estava girando, porque alguém estava descendo. Eram duas vozes, e os pés começaram a aparecer nos degraus de pedra quando Sasha teve um impulso de se esconder – sem saber porquê – mas se conteve, ainda mais porque Sirius estava segurando-a.


 - Trinta mil trasgos e ninguém estava sabendo...


 - É realmente pesaroso, professor Youn. – a voz do diretor consolava.


 Quando suas cabeças apareceram, ela soube porque tivera o impulso de sair correndo. O vampiro, e seu olhar profundo e negro como um lago sobre ela. A elegância dos dois quase se comparava ao descer os últimos lances de escada, atentos aos dois alunos que esperavam.


 - Senhor Black! – cumprimentou o diretor, com um sorriso simpático, e os dois sorriram da mesma forma – e senhorita Mills... em que posso ajudá-los?


 O professor Youn fez uma careta rápida e virou o rosto para o lado. Pelo jeito, eles interrompiam alguma coisa. Mas o que Sasha precisava fazer era importante.


 - Diretor, preciso de um imenso favor. – Sasha falou.


 - Sim?


 Ela lampejou um olhar para o professor, quase como uma censura – alertando o diretor de que o homem não devia saber. Dumbledore pigarreou e disse:


 - Youn, daqui a pouco te procuro na sua sala. Pode me esperar.


 O professor ergueu as sobrancelhas e a sua capa bruxuleou quando ele deu as costas sem dizer qualquer palavra. O semblante afável do diretor fitou-os, avaliando.


 - Então?


 - Acho melhor não falarmos aqui. – ela disse.


 Sorrindo um pouco mais, ele chamou-os para entrar na sala, e ela teve certeza de que o diretor havia entendido o que aquilo significava. Falar sobre aquele assunto tinha que ser em um lugar com quatro paredes e sem qualquer sombra de testemunha que não soubesse. Motivos de segurança.


 Eles seguiram o diretor, que comentou sobre a final do campeonato de quadribol das Casas enquanto a gárgula girava com um grunhido. Sirius lhe contava uma piada quando passaram pela porta de carvalho. A sala dele ainda era exatamente como ela se lembrava, mas haviam pilhas imensas de livros sob sua escrivaninha e ainda sobre o chão ao lado dela que se erguiam até a altura deles – e também os quadros estavam todos acordados (ou não fingindo que estavam dormindo) como ela nunca havia visto, não na única noite em que entrara ali.


 Mas ela pensou, e teve certeza que Sirius pensava o mesmo enquanto corria os olhos pelos artefatos e objetos incríveis naquela sala, que poderia entrar mil vezes ali e nunca deixar de olhar como se fosse pela primeira vez. O sol fazia as paredes ficarem mais claras e refletiam raios em lunetas de ouro que brilhavam intensamente.


 O diretor contornou a escrivaninha e sentou-se, indicando que eles fizessem o mesmo. Ele ainda tinha uma sombra do riso da piada que Sirius contara, embora Sasha tivesse se esquecido completamente sobre o que era. Quando eles se sentaram, curioso, o diretor se inclinou sobre os cotovelos:


 - Pode começar.


 Sasha suspirou.


 - Preciso ver meus avós.


 Erguendo as duas sobrancelhas, Dumbledore manteve os olhos azuis impassíveis.


 - Imaginei que viria me procurar, senhorita Mills. Suponho que esteja planejando não ficar nem na Escócia, nem na casa dos Evans e nem dos Potter, estou certo?


 - Absolutamente. – respondeu impressionada – como sabe da casa dos Potter?


 - Oras, quando os Potter passaram por essa lareira furiosos com o filho... contando sobre o ataque e o perigo... foi o que eu imaginei, quando disseram que você havia ido junto.


 Sirius assentiu lentamente com a cabeça, muito quieto.


 - É mesmo por isso, diretor. Também preciso vê-los para pegar dinheiro e contar-lhes das... últimas... novidades.


 Hesitou tristemente. Não tinha certeza se devia contar alguma coisa sobre os vampiros ou a poção ou qualquer coisa do tipo. Diabos, diante daqueles olhos sábios pareciam só suposições de uma adolescente em apuros!


 - Novidades? – ele quase leu sua mente.


 - Sim, sobre o ataque – contou rapidamente, esperando não ter sido rápida demais – eles não sabem.


 O diretor assentiu a cabeça devagar. Pensativo, olhou algumas vezes para a lareira empoleirada no canto de sua sala e para os dois.


 - E o senhor Black?


 - Eu sou um convidado. – ele disse com um sorriso.


 Dumbledore riu.


 - Preciso que seus pais autorizem.


 - Diretor... meus pais não querem nem ouvir falar no meu nome. – ele disse sinceramente – eles me riscaram da árvore. Estou morando com Thiago agora.


 Ele não pareceu surpreso.


 - Oficialmente, eu nem sou mais um Black. – Sirius falou.


 Sob os óculos de meia lua, os olhos azuis do diretor fitaram Sirius tentando decifrar a sua expressão, mas os olhos do garoto estavam tão controlados que era impossível saber o que ele sentia. Ele dizia para Sasha que isso não importava para ele, o fato de ter sido deserdado. Mas era realmente o que ele sentia? A raiva podia passar por cima da tristeza e ofuscá-la. Independente de laços afetivos ou não, a palavra família trazia um peso incrível.


 - Tudo bem. – o diretor autorizou – vou mandá-los para a casa dos avós de Sasha daqui a pouco, mas saiba que eu nem quero pensar no risco que estarão correndo. E Sirius, vou mandá-lo mais por segurança que por convencimento.


 Sirius assentiu.


 - Terão apenas uma hora. Enquanto isso, eu vou para o Ministério com o professor Takashigui resolver uns acontecimentos. Em exatamente uma hora eu vou voltar para a minha sala e espero encontrá-los me esperando.


 Sasha fez um check-up em sua mente para ter certeza se estava se lembrando de todos os pontos que deveria se lembrar na Escócia. Sirius apenas a olhou, apreensivo.


 - Ótimo, acho que é o suficiente. – ela disse.


 - Senhorita Mills, eu gostaria de lhe dizer algumas coisas antes que não tenha tempo – o diretor continuou falando – pode esperar lá fora, Sirius?


 O tom na voz do diretor não tinha nada de arrogante, e o seu sorriso era mais que agradável. Sirius o olhou surpreso por um momento, mas depois assentiu, e levantou-se para dirigir-se até a porta de carvalho.


 O brilho da sala de repente pareceu mudar quando ele não estava mais lá, mas era óbvio que Sasha sabia que isso era só um jogo bobo de sua mente apaixonada e idiota. Concentrou-se nas palavras que o professor já estava dizendo com sua voz baixa e cheia de conhecimento:


 - ...porque se eu fosse você, estaria fazendo o mesmo. Mas tem que entender que há pessoas boas nesse mundo, no nosso mundo, e que elas estão sempre dispostas a ajudar, está entendendo? – depois que Sasha meneou a cabeça pensativa, ele continuou – entende que não está sozinha nessa batalha? Porque é o que está acontecendo. Há uma imensa batalha cheia de encruzilhadas lá fora e eu não posso mentir para você, que talvez seja a principal peça.


 Neste momento, quando Sasha novamente ia mergulhar em pensamentos depressivos sobre como era a culpada de tudo o que estava acontecendo, Dumbledore inclinou-se subitamente na cadeira e sua mão pousou delicadamente na de Sasha, como se a protegesse:


 - E é claro que tem que entender que ninguém te culpa de nada.


 E os olhos dela se ergueram, crescendo de surpresa.


 - Como...


 - Eu imagino que se sinta assim. – ele interrompeu graciosamente.


 Sasha abaixou a cabeça.


 - Desculpe, senhor, mas ninguém sabe o que eu sinto.


 - É claro que não – ele sorriu amigavelmente, e tirou a sua mão da dela – é claro que eu fiz apenas uma suposição. Os sentimentos são tão únicos e tão impossíveis de se decifrar... mas eu vi algo em você que me fez ter certeza de uma coisa. – ele fez uma breve pausa – você não quer nada disso.


 - É claro que não! – exclamou, e depois se conteve ao notar que fora mais exaltada do que deveria – é exatamente por isso que estou fugindo!


 Dumbledore olhou-a por um instante e depois desviou os olhos para a janela, e aquele sorriso fino ainda estava em seus lábios. Depois, ele fez a pergunta:


 - Porque está fugindo, Sasha?


 Então ela não soube o que responder. Seu cérebro parou de trabalhar alguns instantes enquanto o oxigênio fugiu dele, e ela parou de respirar para se concentrar. Diabos. Ele a pegara de surpresa. Por que fugia? Nunca havia se questionado realmente. Apenas fazia isso desde que seus pais haviam morrido para salvá-la do primo.


 Não podia ser medo. Uma parte dela sabia que, quando aqueles olhos de fenda de Tom a encaravam, mesmo em sonhos, não havia medo algum – era apenas um desprezo imenso e um ódio avassalador. Mas outra parte sabia que ele podia obrigá-la a fazer o que queria – podia, porque ele sabia como enfeitiçar a mente de uma pessoa apenas com a lábia e os olhos de águia. Sempre havia sido assim: seus pais resistiram porque o amor era muito mais forte do que qualquer intenção dele, e ela resistiu por causa de seus pais, e porque não queria nada daquilo.


 Sentiu o coração dar um solavanco no peito e sentiu que os seus pulmões doíam e reclamavam por oxigênio, mas ela tinha muito no que pensar. Uma idéia lhe atingiu em cheio: ela resistira. A outra parte de si mesma estava errada. Ela havia resistido à ele simplesmente por vontade própria. Era isso. Não tinha nada que fugir ou temer. Os feitiços pareceram irrelevantes agora que ela tinha percebido aquilo. Tom não exercia efeito nenhum sobre ela.


 - Sasha, respire... - era a voz do professor que a chamava.


 Ela abriu os olhos e percebeu que ainda estava na sala do diretor, na mesma cadeira de antes, mas agora ele estava em sua frente com a varinha em punho apontando para a sua garganta. Então os olhos azuis celeste dele pareceram aliviados ao vê-la piscar várias vezes, acordando para a realidade, e ele tirou a varinha da garganta dela, voltando a contornar a mesa para a sua cadeira. Ele suspirou e afundou nela.


 - Desculpe, professor – ela pediu ao notar a expressão cansada dele.


 - Não peça desculpas, quem deveria fazê-lo sou eu – ele disse – mas eu não vou. Alguém precisava acordá-la para a sua realidade, Sasha. E o conselho e eu decidimos que seria eu quem o faria. Só que foi intenso demais.


 Ela franziu a sobrancelha: - Conselho?


 - Sim... olha – o diretor se inclinou na mesa para falar, de repente enérgico – no dia em que pisou os pés nessa escola e me contou sobre a sua vida, eu tive certeza de uma coisa.


 Ela apenas esperou.


- Você veio para nos salvar.


 Sasha não se conteve ao desviar os olhos dos intensos do diretor, e da sua garganta saiu uma risada irônica.


 - Desculpe, diretor, mas isso é ultrajante.


 - O que é ultrajante? – ele perguntou sorrindo com leveza, sem se abalar com a ironia.


 - É ultrajante que vocês pensem em mim como uma salvação. Eu sou a ameaça. Deveriam ter me expulsado dessa escola a vassouradas quando eu disse quem eu era. Não há nada mais estúpido do que...


 - Senhorita Mills – ele disse de repente sério – acho que você cometeu um grande erro.


 Sasha, ainda sorrindo com ironia, esperou o que ele tinha a dizer.


 - Um erro? – perguntou ao notar que não conseguiria encarar aqueles olhos profundos por tanto tempo quanto pensava.


- Nunca deveria ter se culpado de nada.


- Mas eu sou a culpada. É óbvio.


- É tão óbvio que não lhe deixa dúvidas?


- É claro que deixa. Eu não tenho certeza de nada mesmo.


- Tem certeza da sua história e acredita nela.


- Sim. É a única coisa que eu tenho.


- Então procure nela a resposta que está esperando. Ainda temos tempo, e eu vou deixar em suas mãos que você adivinhe porque é a nossa salvação. Está bem na sua frente.


Sasha piscou várias vezes, tentando raciocinar. Ele não diria?


- Professor...


- Sirius, pode voltar! – ele chamou, e quase ao mesmo tempo Sirius estava abrindo a porta lentamente com a mão na maçaneta.


Ela lançou um olhar furioso ao diretor, sem se conter. Ele apenas piscou amigavelmente para ela, levantando-se, e Sasha fez o mesmo, acompanhando com o olhar os passos do diretor até para perto da lareira. Ele pegou um potinho preto tampado que havia em um armário ao lado e olhou-os, esperando a aproximação.


Sirius pousou a mão no meio das costas de Sasha ao passar, e ela sentiu a tensão ir embora de seu corpo em segundos, enquanto os dois caminhavam ao destino. Rumo à Escócia.

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