Capítulo XII
Outro momento de silêncio fez-se entre eles. Agora, para Sasha, compartilhar aquele segredo não significou somente segurança e alívio. Significou conhecimento e verdade. Era óbvio que ela sabia muito mais, como os planos do primo e tudo o que ele mesmo lhe contava quando era apenas uma criança, achando que ela não se lembraria. Mas era quase inevitável: mesmo que se esforçasse para esquecer, Sasha lembrava-se de cada detalhe de suas conversas e encontros com ele. Não obstante, isso tudo ficaria para depois. Já havia contado muitos segredos em um dia só.
Capítulo XII – Através do espelho
- Acho melhor voltarmos. – disse Remo, conferindo o relógio em seu pulso. – já passou da meia-noite.
Sasha sentiu Sirius levantar-se e seus instintos reclamaram por sua ausência repentina, mas ela sabia que isso era um sentimento totalmente irracional. O que o garoto sentia por ela, depois de tantas certezas e reviravoltas, ela não podia imaginar, então não podia ficar tendo esses tipos de ataques de paixonite.
- Tem razão – ele concordou com Remo, franzindo a testa.
Para Sasha, ele parecia estar tentando manter ao máximo sua seriedade perto dela naquele momento, e ela não sabia se era por causa da confidência do segredo ou por causa da briga. Decidiu parar de pensar nisso, ou enlouqueceria.
Então, eles saíram pela porta, e Lílian sussurrou enquanto andavam no corredor de fora:
- Não é melhor que a gente trace um plano?
- Não sei se encontrar Filch agora será o mais perigoso de tudo. – Thiago disse.
Mas, após andarem pelos corredores muito vazios e passarem pelos milhares de quadros ressonantes, puderam contestar que o não uso da capa deveria ter sido evitado. Ouviram murmúrios de uma voz muito estranha quando se aproximaram do corredor em que o quadro da Mulher-Gorda estavam e perceberam que havia, inclinado à mulher, um homem alto. O grupo reconheceu de imediato o novo professor de Defesa-Contra-As-Artes-Das-Trevas, com sua elegância inconfundível. Eles pararam para se esconder no corredor no mesmo instante, e notaram que ele conversava muito rapidamente com a Mulher-Gorda, em uma linguagem que nem parecia ser a mesma que a deles, sua voz ressoando como um zumbido cortando o silêncio do castelo.
- Eu sei, Youn. Estou muito ciente de tudo isto. Mas não posso permitir, simplesmente não posso! - eles a ouviram responder com um sussurro.
Lílian olhou confusamente para Sasha, que deu de ombros e continuou ouvir. Os garotos pareciam profissionais nisso de se esconder para ouvir por trás... o silêncio e a atenção deles eram impecáveis.
Após outro zumbido, a voz exclamativa do quadro foi ouvida:
- Como é? Não! Ninguém vai entrar no meu dormitório para pegar alun... - mas a voz estancou rapidamente quando a ruiva abafou um grito de espanto com as mãos.
Ficaram alertas. Era óbvio que haviam ouvido, e que o professor viria e... antes que qualquer um deles pudesse pensar alguma coisa, uma silhueta virou o corredor e o professor flagrou-os, os olhos muito controlados e avaliadores.
- Ora, que surpresa... – disse, a voz alta – o que pensam que estão fazendo uma hora dessas perambulando pelo castelo, fora da cama?
Nenhum deles respondeu; talvez porque estivessem intimidados demais. Não sabiam porque, mas quando o japonês falava, era como se toda a razão estivesse com ele e a certeza também. Seus pensamentos se confundiam. Os olhos dele transbordavam uma convicção perfeita e uma sabedoria imensa.
- Não vão responder?
- Éramos dois casais nos corredores, quando Remo nos encontrou... – Sirius mentiu rapidamente.
Sasha logo se lembrou que Sirius não se deixava intimidar tão facilmente. Entristeceu-se até, por saber tanto sobre ele.
- Então suponho que seria aplicada uma justa detenção à eles, não é mesmo, senhor monitor? – ele dirigiu-se à Remo.
- Obviamente, senhor professor. – a voz de Remo saiu entre os dentes.
As sobrancelhas do homem fizeram um arco acima de seus olhos puxados, franzindo um pouco a pele muito pálida. Haviam fundas olheiras embaixo de seus olhos, como se ele não dormisse há séculos. Sasha arrepiou-se. Estavam realmente encrencados.
- Acho melhor... eu mesmo aplicar a detenção, sr. Lupin. – ele falou, mirando cada um deles sob o olhar avaliativo e muito atento.
- Sim, senhor.
- Então... senhor Black e Potter, e senhorita Mills... na sexta-feira que vem, não reservem nada para a noite, já que gostam de passear à esta hora do dia pelos corredores... os monitores serão encarregados de outros cargos. – avisou rapidamente – mandarei algo ou alguém para lembrá-los... agora, se me dão licença... acho realmente bom que cada um vá para sua respectiva cama.
E dizendo isso, passou por eles caminhando na direção do corredor. Os cinco se entreolharam por um momento antes de ouvirem a voz do japonês novamente a alertá-los:
- Uma boa noite!
Assim, andaram apressados para o quadro. A Mulher-Gorda, ao que eles imaginaram, estaria terrivelmente cansada e dormindo aos roncos, mesmo que estivesse acordada à pouco. Mas estava muito agitada e os olhos furtivos e rápidos não deixou passar nenhum movimento deles. E o que foi mais estranho: ela não fez perguntas nem afirmações que os encabulasse.
O grupo se despediu no salão comunal e as meninas subiram para o dormitório, e ao abrirem a porta ouviram as várias respirações pesadas das meninas que dormiam. Logo que colocaram o pijama, Sasha notou que não conseguiria dormir. Mesmo com o extremo silêncio de todo o dormitório, mesmo que sua amiga já tivesse fechado as cortinas de sua cama e de lá sua respiração já fosse pesada e profunda, o sono parecia estar muito longe dela. Decidiu descer para o salão comunal.
Atirada ao sofá muito fofo perto da lareira, aquecendo os próprios pés, Sasha sentiu que tempos novos estavam começando, ou voltando. Sabia que da primeira vez tinha sido muito difícil conservar-se e fugir, mas ela era forte. Dentro dela, um grande alívio se fez. Era como se o segredo dividido diminuísse os seus riscos, mas no fundo ela sabia que não podia pensar desta maneira. Se seu primo ao menos sonhasse que ela contara tudo àqueles estudantes, ficaria furioso; e era óbvio que tentaria pegá-los. Ela não queria imaginar o que podia acontecer se ele os alcançasse, todos os cinco.
Nunca se perdoaria se algo acontecesse a eles. Todos, principalmente Lílian, foram muito verdadeiros e sinceros com ela desde o primeiro dia, e a amizade que criaram havia se fortalecido muito. E com este segredo compartilhado, ela sabia que se fortaleceria ainda mais.
Se o sábado estava parecendo o Alasca, não sabia o que dizer do domingo. Atrás das grandes janelas do salão comunal, eles podiam ver um imenso tapete branco e limpo de neve que parecia não querer se desfazer de jeito nenhum para dar lugar às flores. Um vento cortante batia no vidro e fazia um zumbido torturante, enquanto as garotas se perdiam entre os livros na grande mesa de madeira, fazendo os deveres.
- Droga. – era o quinto pergaminho que Sasha amassava e arremessava para o canto do salão, onde havia um lixo muito lotado, transbordando – não vou conseguir. Sinceramente, não há nada que eu me lembre sobre Poções Tranqüilizantes. Tem assunto mais chato para discutir?
- Sim – Thiago voava para a cadeira de frente para as duas e nenhuma delas soube de onde ele saiu – falar horas com Sirius sobre como voltar a conversar com uma garota. – deu uma piscadela.
- O que disse? – Sasha quis saber, embora tivesse ouvido muito bem.
- Thiago e suas brincadeirinhas engraçadas... – a voz macia de Sirius surgiu logo atrás de Thiago, e ele se sentou ao lado do amigo – conseguiram terminar o dever?
- Vê aquele bolo de papéis? – apontou Lílian – não foram de todos os alunos da escola – falou tristemente – são meus e de Sasha.
- Acho melhor a gente arrumar alguma coisa para se distrair. – Thiago animou-se, levantando-se para olhar na janela. – vamos para o pátio! Está um dia lindo.
- Sim, um dia lindo se você quer pegar todas as doenças que o frio e a umidade podem trazer. – bufou a ruiva, rabugenta.
- O que é isso, ruivinha... – ele amuou-se – não podemos ficar trancados aqui o dia inteiro.
- Concordo – falou Sasha.
- Podíamos passar na cozinha e pegar uns copos de chocolate-quente. – Sirius sorriu para Thiago.
- E também... guerra de neve! – continuou o outro.
- E também... semana na Enfermaria! - Lílian disse com uma voz falsamente animada, fazendo os outros rirem.
- Não faria mal passar uma semana na Enfermaria... contando que eu estivesse longe desses deveres de poções. – suspirou Sasha.
- Dramática demais! – ela ouviu Lílian exclamar, enquanto fechava um livro muito pesado, fazendo uma poeira leve se soltar da superfície das páginas – vamos dar uma volta, Sasha. – convidou.
Thiago trocou um rápido sorriso com Sirius enquanto a morena se levantava para seguir Lílian.
- Uma volta? – ele quis saber.
- Sim, a gente tem que conversar... – respondeu Lily, com os olhos flamejantes voltados para o garoto - ...coisas de meninas. – completou, forçando uma voz infantil.
- A gente pode conversar coisas de meninos com vocês. – provocou Thiago.
Em um rápido movimento, Sasha percebeu que Sirius havia cutucado o amigo por baixo da mesa, e este falou depois de fazer uma careta:
- Ok... – ela não soube se era pra elas ou para Sirius – depois a gente se vê.
Sasha e Lílian saíram pelos corredores em busca de um lugar aquecido, enquanto a morena insistia em comentar o movimento escondido de Sirius. Ele teria feito isso somente para não ficarem os quatro juntos, como casais, como daquela vez em Hogsmeade? Sasha praguejou a si mesma por dentro. Não queria que nada disso estivesse acontecendo, e se lembrava de como se sentia ótima naquele dia por estar bem com o maroto. Também se lembrava de como aquele sorriso encantador-de-todos-os-dentes tinha aquele efeito deliciosamente atordoante sobre ela, mas este havia deixado de aparecer havia algum tempo. Ele mal sabia a falta que fazia para ela...
Mas ela também não podia imaginar o que estava se passando na cabeça de Sirius, quando ele inclinou a cabeça para conversar com o outro amigo, logo que elas saíram:
- Cara, não entendo. – ele suspirou – sinceramente. Não sei por que isto está acontecendo e odeio que esteja.
- Isto o quê? Se odiasse de verdade, teria voltado a falar com ela como eram antes. – replicou o outro. – Não pode deixar o seu orgulho interferir, Almofadinhas. Você nunca teve problemas para falar com garotas e...
- Não estou falando disso, Pontas! – ele exclamou, com a voz falhando – Estou dizendo que estou realmente mal por estar assim com ela, e isto está me matando! Não é como era com as outras garotas, passa bem longe de tudo o que eu já... – mas a voz dele sumiu, e ele virou o rosto para olhar pela janela, sem terminar.
- ...Senti por outra garota? – sussurrou Thiago, terminando a frase do amigo.
Sirius concordou com a cabeça, e mexeu nos cabelos negros.
- É forte? – Thiago pareceu pensar muito nas melhores palavras.
Sirius continuou olhando pela janela por alguns minutos, e depois voltou com os olhos cansados para olhá-lo.
- Eu não sei o que isso pode significar, mas eu nem sei o quanto eu daria por ela. – respondeu.
- Então porque não vai atrás dela? Porque não lhe diz tudo o que quer? Não pode ignorar isso tudo, Sirius, você sabe que não. E não entendo porque odeia isso se... – mas ele rapidamente foi interrompido pela voz ríspida e rápida do amigo:
- Como? Pontas, primeiro, tenho certeza que ela não sente o mesmo por mim. Aposto que a Lílian contou a ela tudo o que fazíamos nos anos anteriores saindo com várias garotas... aposto que ela foi esperta o suficiente para não se deixar enganar. Segundo, como uma garota como ela poderia se apaixonar por alguém como eu?
- Você não sabe como combinam... nunca viu vocês dois juntos de outro ângulo. – Thiago tentou animá-lo.
- Calma... e terceiro, ela é o que Eles querem. Imagina se meus parentes sonharem que estamos com qualquer tipo de ligação... viu como eles ficaram quando me viram junto dela. – Sirius passou as mãos pelos cabelos, preocupado.
Por um momento, os dois pensaram.
- Eles estão... empolgados com isso. – continuou Almofadinhas, os lábios se torcendo, repudiando o próprio sangue – nunca ouvi tantos “ele não é bom o suficiente para você” quando estava com ela. – contou – eu nem imaginava que podia ser por causa disso. Achava que era apenas para me deixar mal...
- Você tem que pensar uma coisa, Sirius. Sabe que depois dela, não interessa mais as outras, não é? – perguntou, e esperou que o garoto confirmasse com a cabeça para continuar – então, cara. Se deixá-la ir embora da sua vida agora, você nunca vai se esquecer. – e pensou muito antes de falar: - sabe que vai se arrepender se não lutar por ela.
Os olhos pensativos de Sirius semi cerraram-se, e a sua bochecha ficou levemente avermelhada. Thiago tinha razão. Não podia desistir dela por causa do sangue que tinha ou do sangue que ela tinha – desistir seria fugir de sua própria natureza, e ignorar seus próprios instintos. Se havia um fato imponente entre todos aqueles problemas, era a paixão que um sentia pelo outro. Mesmo que cada um tivesse suas dúvidas e frustrações. Não interessava o mundo e suas maldades, quando os dois estavam juntos.
- Onde está o seu lado Almofadinhas agora?
- Vou resolver isso. – murmurou finalmente.
A semana que se seguiu foi um pouco menos desgastante que a anterior, para Sasha. O fato é que ela se acostumara a ser ignorada por Sirius, mesmo que às vezes desconfiasse que ele tentava dizer algo a ela quando estavam em um mesmo grupo, pois a olhava insistentemente e a boca se abria às vezes, mas logo ele a fechava com impaciência. Também se acostumara com a nova rotina de monitoramento e tarefas de Lily, e se aproximou muito de Alice nesta semana, pois Frank parecia estar tendo alguns problemas com deveres e estava estudando o dobro, segundo ela.
Mas o importante foi que na fria sexta feira de manhã, um aluno primeiranista de cabelos arrepiados chegou em Sasha ofegante, quando esta saía do salão principal para os primeiros tempos da manhã. Suas bochechas estavam muito rosadas, e ele disse rapidamente:
- O professor Youn me pediu para lhe entregar isto... – passou-lhe um bilhete muito dobrado e amassado, e então sumiu.
Franzindo a testa e sabendo do que se tratava, Sasha abriu o papel com cuidado, voltando a caminhar lentamente na direção da torre de Poções.
”Srta. Mills, não é preciso repetir que isto é sobre uma detenção muito merecida. Espero-a às nove e meia na porta da minha sala com seus outros amigos. Até breve, professor Youn.”
Foi só neste momento que a garota percebeu que era a primeira detenção que recebia durante toda a sua estada em Hogwarts, e sorriu. Sabia que merecia muitas mais. Além das várias noites em que passavam em claro discutindo coisas no salão comunal da Grifinória, muito elétricos, ainda tinha as noites em que eles saíam pelos corredores escuros; óbvio que isso era antes do baile de Natal. Então, mais rápida que a luz, a lembrança da noite em que fora para a cozinha e encontrara Sirius, a noite do primeiro beijo deles, veio cruel à sua lembrança. As mãos dele passeando pelas suas costas e contornando sua cintura com urgência, seus beijos levando-a à outro universo, enquanto ela fazia um caminho de marcas de unha por seu pescoço e suas costas...
- Ei, por que não olha por onde anda? – acordou, quando uma aluna gritou-lhe no caminho. Deveria ter trombado com ela.
- Desculpe. – sussurrou.
Quando as aulas acabaram e Sasha encontrou Lílian pelos corredores indo apressada para o seu primeiro turno da noite, ela contou-lhe sobre a detenção:
- Às nove e meia? – exclamou – o que aquele professor tem na cabeça? Aposto que Dumbledore não sabe – disse, enquanto viravam um corredor. Sasha quase corria para acompanhá-la.
- Não sei disso – respondeu – você estará fazendo turno a esta hora? Seria bom que alguém estivesse do lado de fora da porta caso ele tentasse nos matar.
- Não... o meu turno acaba às nove exatamente. Ainda tenho que terminar alguns deveres – parou para dizer a senha - Feijõezinhos-de-todos-os-sabores - à mulher-gorda, e entraram com a mesma rapidez pelo quadro – será ótimo que o Potter esteja ocupado para não me perturbar. – sua voz foi maliciosa, mas Sasha não soube o significado daquilo, e apenas começou a subir os lances de escada com ela, dois por vez.
- Aliás – a ruiva continuou – acho que nove horas começará o turno de Remo.
- Ótimo. – ela murmurou, jogando-se na própria cama.
- Não vem para a janta? – chamou a ruiva, mexendo na gaveta de sua mesinha-de-cabeceira.
- Não estou com fome...
- Ok, senhorita bulimia. Não tenho tempo para insistir... tenho que me apressar. – ela lançou um olhar de lamento à amiga enquanto pegava as roupas trouxas e seguia para a porta do dormitório – o banheiro dos monitores é muito disputado a esta hora. – suspirou, e acenou que sairia.
Após fazer os deveres, percebeu que ainda faltava uma hora para a detenção, e Lily acabara de sair às pressas do dormitório de novo. Tomou um banho rapidamente, colocou uma calça jeans, tênis trouxa e uma blusa preta, então desceu para o salão comunal para esperar mais alguns minutos para descer para a sala de Defesa-Contra-As-Artes-Das-Trevas. Sirius e Thiago já estavam lá embaixo, jogados nos sofás, também vestindo roupas trouxas, parecendo muito desinteressados na detenção que lhes viria a seguir. Parou no encosto do sofá em que o moreno de olhos azuis-acinzentados se encontrava e, sentindo o seu olhar sobre ela, falou, dirigindo-se à Thiago:
- Estão prontos?
Quando faltavam quinze minutos para o horário da detenção, o trio saiu pelos corredores, caminhando calmamente:
- Viram algo errado com o horário? – perguntou Sasha, jogando os cabelos para trás em um movimento despreocupado, tentando fazer com que o silencio não predominasse entre eles.
- Achei que você mesma notaria sozinha, Sah. – Thiago riu baixinho ao respondê-la, e ao perceber que ela não entendera, continuou: - bom, na verdade, antigamente os horários de detenção eram bem mais tarde que nove e meia. Mas acho que este horário é bem tarde também, devido aos... acontecimentos recentes. – deu uma piscadela para ela, e então Sasha entendeu.
Muita coisa em Hogwarts estava mudado desde o baile em dezembro, e principalmente a atmosfera, que agora não era mais a mesma descontraída e preocupada somente com os deveres e os exames. As pessoas agora andavam em bandos desconfiados, a tensão grande entre cada um. Além, é claro, dos horários. Os monitores estavam sendo usados como carpetes para a proteção da escola, tendo que cumprir rigorosamente cada horário e cada tarefa que lhe era destinada com muita cautela, como Lílian lhe confidenciava às vezes. No Profeta Diário de quarta-feira, ficaram sabendo de investidas contra o banco de Gringotes, mas sem sucesso. De acordo com o jornal, eles pareciam estar somente testando seus poderes contra a grande segurança do banco, sendo que não pareciam estar ido à destino algum. Sasha, agora, adotara algumas táticas para acompanhar todo esse desenrolar que acontecia no mundo bruxo: dentro de uma caixa comprida, guardava todas as notícias sobre Tom que Lílian recebia em sua assinatura do jornal, e que jogaria fora depois. Poderia ser útil no futuro, ela não sabia como, mas era bom saber tudo o que ele fazia, agora que sabia que ele não desistira dela ainda.
- Chegamos. – a voz macia de Sirius a despertou quando chegaram na porta da sala.
Estavam receosos. Sasha não tinha a mínima idéia do que poderia ser aplicado aos três fazerem. A expressão do novo professor era longe de ser bondosa. De repente, um clique, e a porta abriu-se, como se ele tivesse adivinhado que eles haviam chegado.
- Na hora – disse, conferindo o relógio, e então voltou seus olhos à eles – entrem.
O trio o seguiu ao longo da sala escura. O ar ali parecia muito mais assombroso à noite, mas poderia ser somente pelo seu morador. Subiram as escadas em silêncio, e entraram para a sala particular do professor. O ar que soprou no rosto deles era gelado e arrepiante. Em duas paredes, haviam estantes que iam do chão ao teto, cheias de livros de todas as grossuras e cores. Sasha se perguntou se alguém lia mesmo todos aqueles livros, e duvidou no mesmo momento que o professor pudesse tê-lo feito. Os olhos frios dele lampejaram para ela neste mesmo momento, fazendo-a arrepiar-se. Era como se ele soubesse o que ela estava pensando. Havia uma janela muito grande em uma das paredes, do chão ao teto também, dando vista à floresta Negra e toda a sua imensidade e escuridão. No chão, havia um grosso tapete violeta. Continuaram a caminhar até chegarem a uma escrivaninha mogno e, com elegância, o japonês virar-se para eles.
- A tarefa de vocês é fácil, mas será muito demorada. – começou a instruí-los, e com um movimento com a mão fez que ali surgisse três flanelas amarelas e no chão, logo abaixo, um balde com um líquido viscoso. – eu coleciono pedras de todo o mundo. Estão espalhadas pela minha sala ali – apontou para as estantes de livros, e puderam perceber que na frente de cada um havia algo que brilhava ou era mais escuro – ali – e indicou a janela, que na parte mais baixa tinha minúsculas estantes com as pedras enfileiradas – e aqui. – abriu uma das gavetas de sua escrivaninha com um feitiço, mostrando umas maiores e mais brilhantes. – quero que as limpem. E tomem muito cuidado com o líquido pois usado mais que três gotas dele em cada pedra, poderá prejudicá-la. Podem ter certeza – ele falou pausadamente, olhando para os três com demora – que eu saberei se elas foram limpas corretamente quando terminarem. Enquanto isso, estarei fazendo um trabalho para Dumbledore. O conta-gotas está aqui – ele novamente fez um feitiço e apareceram três em cima da escrivaninha.
Passou por eles sem perguntar se tinham alguma dúvida ou o que faziam ao terminar, e quando estava quase na porta, virou-se para falar:
- Boa sorte. – e desapareceu.
Thiago olhou para Sirius e soltaram uma gargalhada, deixando a garota alheia.
- Ele que pense! Três gotas... – Sirius ridicularizou o que o professor dissera e foi juntando as pedras que estavam na primeira fileira da estante da esquerda na mão. Thiago seguiu-o na estante da direita.
- Terminaríamos amanhã de manhã se fosse assim. – o moreno respondeu.
Sasha não acreditava nos dois. Não haviam notado a seriedade dos olhos do homem?
- O que pensam que estão fazendo?! – ela parou na frente do balde quando Sirius vinha com a primeira remessa.
Ele olhou-a com as sobrancelhas erguidas:
- Não acreditou no que ele disse, não é mesmo?
- Mas é lógico que acreditei! Estão doidos? – ela ainda não acreditava que eles estivessem fazendo aquilo; nem que não tivessem acreditado no professor. Ela havia o feito e muito – que parte de “eu vou saber se não fizerem certo” vocês não entenderam?
- Sasha, foi apenas pressão para nos segurar – Thiago explicou-lhe pacientemente – não sabe o que os professores fazem para demorar mais as detenções. Não vê que pegaram nossas varinhas?
- Thiago, não acho isso certo. – ela disse, cruzando os braços, emburrando-se.
- Pára com isso... – Sirius avançou para ela, mas ela não saiu do lugar – vamos terminar isso logo!
- Eu também quero terminar logo! – replicou a morena.
- Não está parecendo. – Sirius respondeu, e Thiago suspirou.
- O que está parecendo é que vocês estão a fim de ficar mais um mês em detenções absurdas desse professor e fazer com que ele comece a nos odiar!
- Não é nada disso, Sash...
- Você quer ficar aqui até amanhã esfregando PEDRAS? – Sirius interrompeu Thiago, parecendo muito revoltado. – nem que eu ganhasse ouro.
Sasha suspirou. “Diabos, isso só está piorando as coisas”.
- Tudo bem, Sirius – sua voz saiu calma e paciente, no tom que ela esperava – limpe as pedras do jeito que achar melhor.
Saiu do caminho e foi em direção à janela, pegando a primeira pedra roxa que viu pela frente, e voltou ao balde, que estava no centro dos lugares que os três estavam trabalhando. Quando chegou perto deles, percebeu que Sirius havia jogado uma pedra azul dentro do balde inteiro, e ela estava no fundo deste, sendo visível através do liquido viscoso.
- O que foi? – perguntou quando percebeu a expressão dos dois, atentos à pedra, levemente preocupados.
- Mal jeito, Almofadinhas. – riu Thiago, passando as mãos pelos cabelos.
- Como eu podia adivinhar? – retrucou com a voz marota, fazendo menção de colocar a mão no líquido, mas voltando-a.
- O que-foi? – Sasha repetiu.
- Primeiro, a pedra era vermelha antes de estar lá no fundo. – Thiago explicou – e segundo: o líquido é horrivelmente gelado.
Com um barulho de dentes trincando, Sirius mergulhou a mão no líquido e puxou a pedra para cima em segundos.
- Droga! – ele xingou.
A mão dele ficara dura e estava fazendo um grande esforço para abri-la. Quando finalmente conseguiu, a cor da pedra era um amarelo muito claro. Ele fechou os olhos e fez menção de jogar a pedra pela janela, mas apenas fez o movimento e voltou-a ao seu lugar na estante, como se nada tivesse acontecido.
- Se quer saber, está muito mais bonita agora. – ele falou, rindo de si mesmo. – aposto que ele vai querer que eu faça isso em todas.
Sasha e Thiago riram também.
- Três gotas, certo? – o garoto voltou ao balde e limpou uma pedra cor-de-rosa da maneira como o professor havia lhes ensinado, lustrando-a cuidadosamente, e esta ficou da mesma maneira.
Sasha tirou o anel que usava no dedo do meio da mão esquerda, um que ganhara de sua vó quando fizera quinze anos (crenças de trouxa), e colocou-o sobre a escrivaninha; e os três começaram a trabalhar também nas pedras que estavam na outra estante e perto da janela. Era um trabalho cansativo, mas às vezes era lindo. Todas as pedras eram muito diferentes uma das outras, tanto na forma, no peso, na cor e na textura. Sasha apaixonou-se por uma pedra azul da cor dos seus olhos, ainda mais quando ela brilhou intensamente depois de limpa, como se agradecesse. À luz do luar, pareceu perfeita.
Sasha notou que estava demorando mais que os outros em sua tarefa, pois a paisagem por trás da janela a hipnotizou várias vezes. Estava tão escuro do lado de fora do castelo que, se alguém passasse pela borda da floresta, seria impossível ver. A superfície do lago parecia estar incrustada de cristais, pois era o único lugar que a luz do luar brilhava forte. As águas estavam agitadas com o vento frio. A neve se desfizera durante a semana, com muita umidade e frio.
- Merlim! – era a voz de Thiago, assustada. O grito dele também assustou-a e a Sirius.
Quando olhou para ele, estava agachado no chão recolhendo pergaminhos que caíram no tapete. Como Sirius se aproximou, ela fez o mesmo para ajudá-los.
- Como conseguiu fazer isso, desastre atômico? – Sirius falou enquanto acompanhava o amigo.
- Não sei, cara... – o moreno parecia muito confuso, e Sasha agachou-se do seu lado – puxei uma pedra e de repente elas voaram na minha cara. – ele falou ofegante – que susto. – riu por fim.
Os três juntaram os pergaminhos e quando Sasha ia voltá-los ao lugar vazio na estante, uma data chamou sua atenção. 1852.
- Mas o quê...
E começou a observar o pergaminho com atenção, e logo os meninos estavam em volta dela o fazendo também.
- “O Ministério da Magia congratula o Sr. Youn Takashighi por sua bravura e sabedoria bruxa com este prêmio. Honra ao mérito.” – Thiago leu em voz alta.
- Ministro... Phelps Gordon. – a voz de Sirius dançou no ouvido de Sasha, e ela arrepiou-se. Esperou que ele não tivesse percebido.
- 1852? – ela contou – são... cento e vinte e poucos anos! – exclamou em um sussurro, como se alguém pudesse ouvir.
- Deve ser falso ou coisa assim. – Thiago falou.
- É um documento do Ministério, Pontas. – Sirius disse, e mostrou-lhe o carimbo de cera verde – não vê? É verdadeiro.
- Deve ser de algum parente distante dele. – deduziu Sasha.
- Sim... como não pensamos nisso antes? – concordou o moreno de olhos azuis acinzentados.
- Com a mesma letra? – Thiago ignorou os dois, olhando a assinatura.
- Minha letra é muito parecida com a da minha avó. – a garota contou.
- De qualquer jeito, é impossível que seja dele.
- Não sei, Sirius... – Thiago coçou a testa pensativo.
- Elixir da vida? – chutou o amigo.
- Não, a aparência dele não é idosa. Ele é jovem... – e ele lançou um olhar significativo ao amigo, como se já soubessem de algo parecido com aquilo, ou soubessem, que seja.
- O que quer dizer...? – Sirius começou, mas pareceu lembrar-se de algo e arregalou os olhos, voltando-os aos papéis. – Não... não acredito.
Sasha vasculhou sua mente em busca de algo que se lembrasse, mas não tinha idéia do que Thiago e Sirius estavam pensando. Ela olhou-os com os olhos grandes, curiosa.
- Vampiros. – Thiago sussurrou.
Sasha arregalou os olhos também: impossível. Como Dumbledore permitiria que um vampiro lecionasse? Com todos os perigos do mundo bruxo fora de Hogwarts, como ele poderia deixar que um vampiro entrasse nos territórios da escola? Que devorasse os alunos. Arrepiou-se. Repentinamente, uma lembrança veio à sua mente: na madrugada em que foram pegos, ele estava tentando entrar no dormitório da Grifinória. Não dormia à noite. E as olheiras em seus olhos... mas as olheiras e a palidez eram o de menos, pois qualquer um que estivesse cansado o suficiente, naquela época do ano, ficava daquela maneira. Mas diabos... agora tudo se encaixava.
- Caramba... – sua voz saiu como um sussurro sufocado.
- Meu pai me contou que certa vez ele encontrou um vampiro. – o garoto continuou, a voz ainda muito baixa, fazendo-os aproximarem-se para poder ouvi-lo – ele era controlado e tal, já tinha muita estrada... invés de gente, ele se alimentava de animais. – os dois notaram quando Thiago engoliu seco para continuar: - e... acho que 1852 já é muita estrada.
E antes que alguém pudesse gritar “Ai!”, a porta escancarou-se com um barulho alto, deixando que o professor japonês entrasse por ela com determinação, caminhando marchadamente até a sua escrivaninha e procurando algo. Nem olhou para eles, mas os olhos dos três permaneceram arregalados. Foi só quando Thiago se movimentou atrás de Sasha para guardar os papéis que estavam nas mãos da garota que ela acordou com o toque, e dirigiu-se rígida para pegar mais uma pedra em sua fileira na vidraça.
Mal conseguiu respirar no caminho. Mesmo percebendo que o Sr. Youn não havia dado indícios de que estivesse ouvindo a conversa, e mesmo lembrando-se de que estavam conversando aos sussurros e seria impossível que alguém cujos sentidos fossem normais e estivesse ao lado da porta, escutasse, ainda sim, inalou a idéia de que ele era um vampiro e não conseguiu imaginá-lo como uma criatura normal, com seu andar elegante e seus olhos rápidos e frios. Uma postura triunfal. Se ele realmente fosse um vampiro, ela sabia que ele teria escutado. Então, saberia que eles sabiam da sua natureza; teria que eliminá-los. Arrepiou-se, e a pedra que estava em sua mão caiu com um baque na parte do chão de madeira onde se encontrava o balde.
Instantaneamente, sem ao menos pensar em pegá-la e conferir sua estrutura, olhou para cima, e encontrou os olhos muito escuros do professor a fitá-la. Algo estranho aconteceu depois disso: uma voz, que mais parecia um silvo, surgiu em sua cabeça, e esta lembrou-a vagamente a voz do professor. A voz dizia “Cuidado”.
Sasha abaixou-se para tatear o chão em busca do objeto, sem antes procurá-lo com os olhos, apenas para ganhar mais tempo sem ter que voltar os olhos para ele. Notou que tremia. Diabos, ela pensou, nunca imaginei ter tanto medo de um vampiro. E após repensar sobre isso, após achar a pedra e limpá-la, e também depois de o professor ter encontrado o que ele procurava na escrivaninha e saído novamente, ela concluiu que não tinha medo do que ele era. Tinha medo por não saber o que ele podia fazer. Ou até mesmo saber. Criaturas assim, poderosas, poderiam estar a cargo de Voldemort. Ser mandadas por ele, atrás dela.
Praguejou baixinho, mas preferiu não pensar mais neste assunto. Olhou para os meninos e eles pareciam muito mais à vontade do que ela agora, e relaxou. Não deviam estar preocupados, e isso poderia ser bom.
Por volta de meia noite e meia, estavam quase terminando de limpar as pedras que havia na escrivaninha, os três juntos. Todo momento que Sirius passava por ela, Sasha inspirava o máximo de seu perfume que ficava no ar, somente para se sentir melhor, e o efeito disso era totalmente positivo.
No momento em que pousou a ultima pedra dentro de uma almofada vermelha e ela reluziu de volta, a porta abriu-se novamente, com mais cuidado desta vez. Sasha ficou tensa. Era o professor novamente. Thiago pulou da escrivaninha na qual estava sentado antes do aparecimento repentino. Sirius juntava as flanelas em cima da mesa.
O professor conferiu as pedras nas estantes de livros primeiro. Fez uma careta quando viu a pedra que Sirius “estragara”.
- Quem foi o autor? – quis saber sem olhá-los.
- Eu. – adiantou-se ele.
- Ótimo. – ele segurou-a entre os dedos, o olhar avaliativo – não ficou tão ruim assim. Mas isso descontará dez pontos da sua Casa, por desafiar o meu aviso.
Thiago beliscou-o no braço.
- Bem... acho que terminaram. Podem ir embora. – a voz rude dele mandou-os embora.
Sasha foi a primeira que voou pela porta e pelas escadas. A emoção do alívio percorria-lhe da cabeça aos pés, mas os olhos ainda estavam alertas quando chegaram na porta da sala de aula. Apressava os meninos no caminho, para que corressem para o dormitório, e eles foram junto dela. Quando chegaram no salão comunal, se jogaram nos sofás vazios.
- Droga... – a voz de Sasha saiu baixa e como um grunhido; ela passou a mão pelo rosto – esqueci meu anel lá na sala dele. – endireitou o corpo no sofá, pronta para saltar e voltar.
Não deixaria que o presente ficasse na sala dele o fim de semana inteiro, pois somente na segunda-feira poderia conversar com o professor de novo. Levantou-se e falou:
- Tenho que voltar lá.
Não esperou que nenhum deles dissesse algo e saiu pelo quadro. Arrependeu-se no mesmo instante. Sozinha nos corredores silenciosos e escuros da escola? Depois da meia-noite? Ia dar a volta, mas sentiu uma mão em suas costas. Era Sirius.
- Vou com você. – ele falou quando ela franziu a testa.
- Tudo bem...
Seguiram por alguns corredores em silêncio. Sasha não sabia o motivo de Sirius estar acompanhando-a, mas sentiu-se muito melhor em saber que o percurso seria todo com ele. Notou também que ele não forçava uma distância que existiu entre eles durante aquelas semanas, e também não se incomodava às vezes quando o braço dele roçava no dela. O perfume dele era perturbador.
- Então... como anda a vida? – Sirius perguntou.
Sasha revoltou-se. Ele só podia estar sendo irônico.
- Vai ótima... – ela respondeu, virando-se para olhá-lo com um sorriso amigável – na verdade, meus cabelos estão começando a cair por causa dos deveres... e a sua como anda?
Ele deu um riso fraco e disse:
- Estou muito sozinho.
E esta fala abalou definitivamente a estrutura da garota. A voz dele foi quente e viva, e isso fez com que ela sentisse o seu significado por dentro. Estremeceu.
- Remo está cada vez pegando mais turnos e mais tarefas de monitor... não sossega. E Thiago... bom, ele é o capitão do time, e você sabe que os jogos de quadribol estão para começar. Ele ainda passa maior parte do tempo comigo, mas tem muito que fazer. – falou torcendo o nariz.
- É mesmo, acho que Da... – ela começou, mas interrompeu a si mesma. Ia dizer que se lembrava que Davies havia lhe contado dos jogos que estavam por vir, mas sabia que citar o nome dele quando ela tinha uma oportunidade dessas era botar tudo para perder. – espere aí – disfarçou – você não é do time?
- Sim... mas eu não sou capitão, Sasha. – ele explicou-lhe pacientemente. – capitão tem muito mais trabalho, não é só o de treinar o time.
- Huumm... – ela fez, como se tivesse entendido uma longa explicação, e ele riu.
- Mas você nem gosta de quadribol, não é?
- Pra falar a verdade... não sei.
- Não sabe?!
- Não... a única vez em que precisei montar em uma vassoura foi... em uma das vezes que... – mas ela olhou para certificar-se de que ele tinha entendido, e recebeu aprovação com uma piscadela. – onde estudei eles não praticavam muito o quadribol. Como eu disse, era mais xadrez e outros jogos menores de raciocínio.
Ele ergueu as sobrancelha se calou-se. Estavam perto da porta da sala de aula à qual pretendiam chegar, e quando o fizeram Sasha bateu na porta. Não houve resposta.
- Acho melhor entrarmos. – Sirius falou, segurando a maçaneta.
- E se ele estiver massacrando algum bichinho? – ela perguntou com a voz muito baixa e fina.
Sirius soltou uma gargalhada.
- Então nós seremos os próximos, Vic.
Quando ele disse isso com aquela voz macia e carinhosa, ela teve certeza de que tudo estava bem. Mesmo que ainda tivessem que conversar. Seu coração falhou entre uma batida e outra, e ela suspirou enquanto ele abria a porta.
A escuridão que antes havia na sala estava diferente, parecia inundar as carteiras abandonadas como se quisesse escondê-las de fato, somente para tornar o cenário mais macabro. Sasha caminhou na frente, esperando que ele ficasse para trás, mas ele continuou ao seu lado.
Subiram as escadas rapidamente. O lugar parecia completamente deserto, como se criatura alguma habitasse ali. A morena bateu na porta várias vezes, desejando ardentemente, agora, que o professor atendesse: seria pior invadir a residência de um vampiro. Engoliu seco. Aquela história estava realmente impregnando-se em sua mente. Bateu mais alto, até que Sirius dissesse que não poderia ter ninguém. Ela lançou um olhar para ele, os olhos azuis brilhando muito.
- Busca para mim, por favor?
Por um momento, ele fitou longamente aqueles olhos, pensativo. Ergueu uma das sobrancelhas e mordeu o lábio inferior, aprofundando a intensidade. Mas de repente virou-se e abriu a porta, e a sala particular do professor agora parecia uma cela negra. Sasha enxergou apenas alguns pontinhos brilhantes que deviam ser as pedras. No breu, a silhueta de Sirius desapareceu. Sasha arrepiou-se, mas logo se acalmou pois lembrou que apesar de tudo, o residente era um professor. E afinal, não parecia ter ninguém dentro do recinto.
Ouviu um barulho atrás de si, como se fosse um farfalhar de passos. Virou-se e encolheu-se nos próprios braços, sentindo o frio que entrava pelas janelas entreabertas, mas não encontrou nada. Quando voltou a se virar para olhar a escuridão; não foi isso realmente o que ela achou. Foi Sirius, com um sorriso nos lábios, olhando-a. Cambaleou para trás com o susto e teve certeza de que rolaria escada abaixo, mas os braços do garoto foram ágeis e seguraram sua cintura antes que ela caísse pelo primeiro degrau.
Ele estava muito próximo. Sasha não se esquecera de qual era a sensação de estar nos braços de Sirius, mas dessa vez fora muito mais forte, e aqueceu-a por completo. Os olhos dos dois grudaram-se por um instante enquanto ele fazia com que ela ficasse de pé, mas não a soltou quando terminou. Era um abraço quente e reconfortante, mas não se comparava ao que o olhar dele sobre ela lhe proporcionava. Sirius avaliava seu rosto muito de perto, a respiração apressada batendo no rosto de Sasha como um bônus, nada se comparava ao seu hálito perto de seu pescoço.
Sasha não queria que aquilo acabasse, mas caiu em si. Nem ao menos havia esclarecido as coisas com ele. Não podia se descontrolar dessa maneira...
- E o anel? – seu sussurro falhou.
Sirius suspirou e soltou-a, mostrando a jóia em seu dedo, com um sorriso.
- Acha que combina? – fez uma voz falsamente feminina.
- Ficou ótimo! – ela respondeu rindo – mas acho que fica melhor em mim, sabe, realça a minha cor. – brincou.
Quando percebeu, já estavam no meio da escada.
- Qualquer coisa realça a sua cor. – ele flertou.
Sasha deu um sorriso torto à ele. Sentiu o próprio corpo reclamar pelas mãos e pela pele dele; e algo pulsar pelas suas veias, quente. “Diabos... está acontecendo de novo”.
Mal notou quando passaram pela porta da sala de aula, mas quando o fez sentiu um imenso alívio: definitivamente, aquela não seria a pior noite. Lançou uma olhadela à Sirius: poderia até mesmo ser a melhor...
E foi exatamente o que ela pensou quando, no meio do caminho, ela sentiu os dedos dele entrelaçarem os seus, puxando-a para trás de uma armadura muito velha ao lado de um espelho grande. Ficaram de frente para este. Sasha notou como parecia cansada, mas na verdade sentia-se muito elétrica.
- Acho que... – começou o garoto, pausadamente – temos que conversar.
- Sim...
- Mas a gente não pode conversar aqui. – alertou-a, lançando-lhe um olhar intenso, e depois olhou por cima de seu ombro.
- Não pode? Acho que eu já ouvi isso antes... – ela sorriu de loslaio.
Sirius riu: - Tudo bem.
Então, ele soltou a mão de Sasha e passou os dedos dos lados do espelho, no acabamento muito bem feito há séculos. Estranhou quando ele enfiou o dedo indicador entre uma das passagens de um amontoado de linhas de bronze. Ouviu-se um clique muito baixo, quase inaudível, ela mesma não ouviria se não estivesse muito próxima ao objeto.
Sirius sorriu e esticou a mão para ela, que segurou-a temerosa. Então, Sirius fez algo que ela realmente não imaginara que ele fizesse naquele momento. Pensou que talvez atrás do espelho, houvesse uma saleta ou uma passagem. Mas o garoto passou pela superfície prata do espelho, ondulando-a. Ele entrou dentro do espelho. Apenas sua mão ficou para fora segurando a de Sasha, e puxando-a levemente para que a seguisse.
Estancou. Como se fazia aquilo? Sirius deveria ter lhe explicado! Mas não soltou a sua mão. Temeu que a mão pulasse para dentro e não voltasse mais. “Sacanagem!”, praguejou baixinho. Mas logo o rosto dele voltou à superfície do espelho, e foi uma visão um tanto... estranha. Rosto e mão.
- Juro que não vai doer – ele fez uma careta – é só entrar.
- Tudo bem... – murmurou.
E mergulhou no espelho, esperando um impacto. Mas ao invés disso sentiu como se algo à sua volta a molhasse levemente, em uma sensação gostosa de frescor. Mesmo que naquele inverno ninguém precisasse realmente de um frescor...
- Como você... – ela começou a dizer, antes de avaliar o lugar.
E também era o que ela menos esperava. Através do espelho, havia uma caverna. Não daquelas cavernas escuras, úmidas e tenebrosas, mas sim uma caverna calorosa, cheia de velharias e objetos não usados, a sua superfície de pedra moldada com certeza pela magia para formar móveis como mesinhas, balcões e até mesmo sofás, nos quais haviam almofadas gigantes esticadas que pareciam muito confortáveis. Descobriu que o calor vinha de uma lareira que crepitava fogo azul no canto da saleta. Não havia janelas, não que ela esperasse realmente, mas havia muitos quadros antigos de bruxos em vários lugares importantes. Sasha percorreu a pequena caverna para perceber tudo isso.
- Como? – ela repetiu, abismada, olhando-o jogar-se em um dos sofás.
- Hum... não me pergunte. Nós, marotos, sabemos muitos segredos deste castelo, por exemplo... esta é uma caverna que Lufa-Lufa usava para seus momentos de pensamentos... achamos umas anotações por ali. Duvido que até Dumbledore conheça este lugar... – ele deu um sorriso convencido que a fez revirar os olhos ao sentar-se ao seu lado – e temo – seu olhar ficou pensativo – que nunca saberemos mesmo tudo o que há aqui.
- Não é tão difícil achar este lugar. – ela falou.
- Você mesma ficaria enfiando o dedo nos buracos do lado de um espelho?
Sirius e Sasha riram e em seguida ficou sério. Afinal, estavam ali por algum motivo.
- Sasha... – começou; e a garota percebeu que ele não pensara em como iniciar aquilo; ou que lutava contra seu próprio orgulho – acho que lhe devo desculpas.
Ela ergueu as sobrancelhas, surpresa. Os olhos azuis-acinzentados do garoto transbordavam uma sinceridade incrível, e ela nunca vira alguém que podia fazer isso sendo tão verdadeiro.
- Desculpas?
- Sim... fui arrogante e estúpido com você nos últimos dias. Na verdade... – disse, brincando com uma mecha negra dos cabelos negros que caíam perto de seu rosto – acho que me desesperei quando pensei que você pudesse estar tendo intenções com aquele garoto no show. – ele interrompeu-a quando esta fez objeções de protestar, dizendo – espere! Também... conversei com Davies esta semana. – admitiu olhando para baixo – ele me contou que eram só amigos e... que ele mesmo não tinha mais intenções não fraternais com você, pois estavam muito amigos agora.
- Pra quê... tanta desconfiança? – ela sussurrou.
Por um momento, Sirius pensou, e depois tornou a responder:
- Eu fiz tudo sem pensar, Sasha. Não sabia que sentiria o que eu senti... ao ficar longe de você.
Sasha acariciou a pele do rosto de Sirius, nas bochechas, e olhou em seus olhos enquanto falava:
- Você não tem que pedir desculpas de nada. Nós dois erramos – admitiu – e foi ótimo que tenha tomado a iniciativa de vir conversar sobre isso, pois eu não saberia o quanto ainda suportaria sem te tocar.
Sua voz falhou no fim, mas o efeito foi intenso. Os olhos dele adquiriram um brilho fantástico, que ela nunca havia visto. Não que esperasse por mais daqueles olhos – eles eram perfeitos para ela. Mas a intensidade durou alguns instantes até que ele abaixasse os olhos novamente para algum buraco na almofada do sofá para aumentá-la com o dedo.
- Eu tenho medo, Sasha. – murmurou com a voz baixa; Sasha entendeu no mesmo instante que ele estava se esforçando muito para dizer tudo, Merlin sabia o tamanho do orgulho de Sirius – e sabe do que é, não é mesmo?
Após um tempo, ela respondeu:
- Tem medo do meu sangue. – a voz estava levemente fria.
Sirius percebeu a súbita rigidez dela e ergueu os olhos para encontrar os dela, como se a acalmassem. Mas Sasha entendera o que ele estava tentando dizer – tinha medo dela. Do mal que ela poderia lhe causar. E realmente não reconheceu Sirius nessas atitudes, mas ela havia submetido a si mesma à qualquer tipo de rejeição ao contar seu segredo aos amigos. Ele parecia procurar palavras para dizer, mas ela não ouvia direito seus balbucios. Um calor subiu para o seu rosto, corando-o.
- Tem medo do que eu sou, não é mesmo? – perguntou, a voz mais fria do que antes – então porque me trouxe até aqui, Sirius? Se fosse para me dizer que não queria mais me ver e todas essas coisas, poderia ter contado no caminho mesmo. – ela levantou-se, pronta para voltar para o lado contrário do espelho - Eu não teria reação alguma e ouviria tudo quiet...
- Por Merlin, garota! – ele interrompeu-a com a voz mais alta, e levantou-se para segurar o seu braço, causando uma proximidade terrível para Sasha, que sentiu as lágrimas quentes começarem a contornar o seu rosto, deixando-a mais vermelha do que já estava. – Não, por favor... não chore. – ele limpou um lado de seu rosto com as mãos, e beijou o outro lado onde as lágrimas rolavam agora – chorar é golpe baixo. – ele sussurrou, abraçando-a firmemente.
Sasha não respondeu e nem mesmo fez objeção aos braços dele em torno dela, segurando-a tão forte que desejou que os dois se petrificassem, e então nada do que iria acontecer em minutos, aconteceria...
- Me deixe ir, Sirius. – ela sussurrou perto de sua nuca, a voz cortada e embargada.
- Vic... você entendeu tudo errado. – o garoto apertou mais o abraço, afagando suas costas – não tenho nem um pouco de medo de você e daquele maníaco que é seu parente. Não tenho medo de nada disso. Sinto até ansiedade pelo perigo que me fará correr. – e ela notou que ele sorria.
Fechou os olhos. Sirius parecia sincero. E como ele era o mais sincero de todos que ela pudesse ter conhecido, acreditou nas palavras dele fielmente.
- O meu medo... é diferente. Vai me achar um canalha infantil. – ela sentiu que ele apertava suas costas com a ponta dos dedos, e então abraçou-o também, com a mesma firmeza.
- Sirius... eu estou chorando nos seus braços como se alguém tivesse quebrado meu brinquedo favorito. – ela riu – vamos apostar quem está mais infantil agora?
Sirius riu, mas a sua respiração continuou pesada no pescoço de Sasha. Ficaram assim por mais um longo momento, e Sasha extraiu tudo o que podia deste. Desde o cheiro avassalador dos cabelos negros e brilhosos do maroto até os toques e as carícias que ele fazia em suas costas delicadamente, e ao mesmo tempo quente. Só Sirius tinha esse poder. Agarrou-se ao corpo dele para não cair, pois sabia que não tinha forças nas pernas.
Então, delicadamente, Sirius afastou seu rosto do pescoço dela, para poder olhá-la nos olhos. Os dele também estavam úmidos, embora as lágrimas não estivessem em seu rosto, e isso tornava seus belos olhos mais brilhantes ainda. Notou que os olhos dele pareciam mais claros, uma imensidão azul e cinza na qual ela mergulhava sem se perguntar se tinha ao menos condições para isso... E ele novamente brincou com um tufo de cabelos negros enquanto estava pensativo. Voltou seus olhos aos dela novamente. Parecia estar escolhendo o momento perfeito.
Os olhos deles se grudaram novamente em uma viagem à outro universo, um mergulhando na intensidade das cores, do brilho, dos significados e nos segredos do outro... e então, a voz de Sirius saiu, para dizer apenas três palavras roucas:
- Eu amo você.
Foi o suficiente para Sasha desabar. Suas pernas fraquejaram de um modo que não pôde mais se segurar no abraço de Sirius, e quase caiu, a não ser pelos braços fortes que a envolveram em seguida. Enquanto Sirius lhe dissera aquilo, ela havia acabado de concluir que era o mesmo que sentia por ele. Pois nada se comparava ao que eles faziam, juntos. Nada podia ser tão agitado e feliz como o íntimo dela, quando ele a tocava, fazendo sua pele pegar fogo. Nada disso podia ser algo além daquela explicação. Novamente, um calor imenso subiu para o seu rosto, quando ele sentou-a no sofá, os olhos atentos e compreensivos.
- Tinha medo da sua reação. – ele falou, agitado – eu sei que não sente o mesmo, e era exatamente isso. Mas você quase desmaiar... não é exat...
- Shhh... – Sasha pousou o dedo indicador levemente sobre os lábios de Sirius.
Não sabia de onde encontrara força nos braços para poder fazer aquele movimento, e notou que tremia muito. Sua fraqueza repentina era inexplicável, mas talvez fosse o fluxo mais que intenso de emoções e sentimentos que a exaltavam.
Com outro movimento sem forças, Sasha aproximou seu corpo do de Sirius, sem suavizar o contato entre seus olhos, enquanto contornava os lábios dele com o dedo levemente. Levou essa mão para a nuca para puxar a cabeça dele contra a dela, e beijou-o ternamente.
Fora o beijo mais apaixonado que já dera ou recebera de Sirius. Sentiu-se reparada por dentro, como se as ultimas duas semanas não tivessem a machucado nem um pouco. Em suas veias, o sangue correu quente e rápido, e ela pôde sentir um palpitar em seu coração desenfreado. Pensou, por um momento, em não desgrudar os lábios dos dele por um bom tempo. Ou nunca. Mas sabia que tinha que dizer a ele que ele não precisava temer nada... estava tão claro agora. Com um esforço sobre-humano, separou-se dele para abraçá-lo fortemente. Falou rente ao seu ouvido:
- Preste atenção: - e beijou levemente seu pescoço antes de continuar – o meu céu está em seus olhos, meu amor...
O rosto dele afundou no pescoço dela e seus braços fortes a agarraram com força. Por ela, não se soltariam tão cedo. Talvez nunca seria suficiente. Ficar nos braços de Sirius era tão... indescritível.
- Eu me senti sem o chão e o céu enquanto você estava longe. – ela continuou, a voz ainda falhando. Percebeu que as lágrimas corriam livremente pelo seu rosto.
- Prometo que eu não vou te deixar mais. – ele disse, afagando os cabelos dela docemente.
Em seguida, afastou-se para segurar a mão da garota entre as suas. Como ele se preparava para dizer algo, Sasha esperou, enxugando as lágrimas com a ponta dos dedos.
- Sasha...
- Sim?
- A versão Sirius Criança Covarde voltou.
- Oh, não. Desastres à caminho. – ela riu.
Ele fitou seus olhos longamente, apreciando seu brilho enquanto ela ria.
- Fica comigo. – pediu, a voz calma. – quer dizer, só comigo.
Sasha sorriu.
- Posso pensar? – ela fingiu mordendo o lábio inferior.
- Só se você puder me beijar no tempo que pensa. – respondeu, aproximando-se dos lábios dela novamente.
- Hum... – Sasha inclinou-se para pousar os seus lábios nos dele rapidamente – assim?
- Não... – ele reclamou antes de se inclinar para sugar seus lábios inferiores avidamente, e soltou-os depois, dizendo – mais ou menos assim.
- Então... acho que eu já sei a resposta. – ela falou, desnorteada.
- Então...
- Óbvio que sim.
Sirius mordeu o lábio inferior sedutoramente, encarando os dela com um sorriso torto leve.
- Sabia que não ia resistir.
- É um motivo de força maior. – ela explicou-se rapidamente.
- Juro que não vai se arrepender. – ele murmurou, antes de puxá-la para mais um beijo.
E dessa vez, suas mãos perderam-se no corpo um do outro, enquanto se beijavam calorosamente. Sentiram-se em outro universo, ainda mais distante agora. Estavam oficializados, e melhor ainda: estavam bem um com o outro. Fizeram valer a pena todo o tempo me que seus lábios não ficaram unidos. Quando se separaram, foi somente alguns centímetros no rosto, mas o resto do corpo ficou colado devidamente no mesmo lugar. Então, seus olhos se encontraram, e não havia o que dizer ou motivos para fazê-lo. Eram um do outro.
Lílian desceu as escadas, ligeiramente atordoada. Acordara às duas da manhã e a cama de Sasha estava feita como se alguém nunca tivesse dormido ali. Mas não podia imaginar o tipo de tarefa que o professor passaria ao trio, então se despreocupou. Mesmo assim, não conseguiu voltar a dormir.
E era óbvio que ninguém menos que Thiago Potter tinha que estar deitado em um dos sofás, os olhos fechados em um sono leve, a boca minimamente entreaberta. A ruiva apoiou-se no encosto do sofá no qual o maroto estava deitado e sorriu. Pensou que deveria acordá-lo para que ele pelo menos trocasse de roupa e subisse para a maciez da cama. Ou então somente para repreendê-lo por estar fora da cama uma hora daquelas.
Mas a sua expressão era tão serena, e uma paz repentina envolveu-a ao observá-lo. Talvez devesse deixá-lo ali mesmo. Ele não parecia que ia acordar tão fácil.
Lílian não conteve um impulso de dar a volta no sofá e sentar-se ao lado dele. Acariciou seus cabelos e seu rosto, por um momento. “Eu não devia estar fazendo isso”, pensou, enquanto puxava a mão rapidamente. Mas então, os lábios dele a prenderam. A cor deles era um cereja suave, e isso fez com que ela mordesse o lábio inferior. O perfume do garoto estava intenso no ar, e isso fez a ruiva suspirar.
Mal percebeu quando inclinou-se para segurar aqueles lábios entre os seus, mas quando os seus tocaram os dele, uma onda de eletricidade percorreu todo o seu corpo, colando-a ainda mais firmemente à ele. Durante alguns segundos, apreciou o toque, mas depois percebeu que tinha que se soltar. Que diabos estava fazendo? Era tarde demais. Sentiu que os lábios de Thiago começaram a pressionar os dela também.
Afastou-se rapidamente, espantada. Os olhos verdes do garoto estavam magníficos, brilhando de desejo, e ainda mais ressaltados pela ausência dos óculos. Conforme ela ficava com a postura mais ereta, lançando um olhar indignado consigo mesma para ele, quase sem acreditar, Thiago levantava o próprio tronco sobre os braços, apoiando-se no sofá, para não perder a proximidade de seus rostos. Levantou uma mão e acariciou a nuca de Lílian.
- Porque parou? – a voz rouca dele saiu acompanhada de um hálito quente que bateu em seu rosto, deixando-a mais perturbada que antes.
- Porque isto é loucura. – respondeu fracamente, sem afastar-se dele.
- Loucura foi você ter parado.
E puxou sua cabeça para um beijo caloroso. Lílian não sabia se era o sono ou o cheiro dele, mas não estava conseguindo resistir. E diabos, o seu desejo mais ardente era sair correndo dali. E então, porque continuava a responder as carícias de Thiago? Não podia desejá-lo mais do que sua vontade de sair. Simplesmente... merda. Thiago mordeu seu lábio inferior levemente, e a ruiva sabia que não conseguiria sair dali tão fácil.
Quis saltar da janela, ao constatar que os beijos de Thiago não eram horríveis, melosos e estressantes. Era exatamente o contrário disso.
- Me dá uma chance, ruivinha... – ele sussurrou, os lábios ainda roçando nos dela.
Lily suspirou e abaixou a cabeça pensativa, afastando-se dele. Thiago acariciou o seu rosto carinhosamente, e beijou sua testa.
- Só uma chance... se eu estragá-la, terá todo o direito de me expulsar da sua vida para sempre.
Então, ela ergueu os olhos e mordeu o lábio inferior, pensando. Seus olhos deslizaram para os lábios de Thiago e ela tornou a abaixá-los para resistir ao impulso de beijá-lo.
- Eu sei que você quer. – ele falou em seu ouvido, e ela arrepiou-se.
- N... – começou, mas não terminou.
- Diga que não quer. – desafiou o garoto – olha nos meus olhos – ele colocou os dedos em seu queixo para puxar seu rosto, e grudou seu olhar no dela – e me diz que não me quer. Diz que nem em mil vidas, como você sempre diz.
Lílian deu um sorriso torto, e disse:
- Nem em mil vidas.
E depois separou-se dele repentinamente, para levantar-se e subir as escadas do dormitório sem ao menos olhar para trás. Um sorriso muito maroto dançou nos lábios vermelhos de Thiago, enquanto ele encarava a lareira, muito pensativo, o fogo brincando em labaredas em seus olhos castanhos muito brilhantes. “Essa ruivinha ainda me mata”.
Sem surpresa, a novidade do relacionamento Sasha e Sirius ferveu na língua das invejosas e fofoqueiras de plantão de Hogwarts, mesmo que não fosse tão inesperado. Nas poucas vezes que Sasha conversou com Skeeter, ela quase havia lhe feito um interrogatório sobre como era a vida amorosa dos dois, sem ao menos admitirem estarem juntos – e agora tinha que fugir da garota. Franciny Turner parecia grunhir ou soltar uma espuma pela boca cada vez que a via com Sirius. Alice brincava que agora Lílian teria que começar a sair com Thiago logo, já que suas amigas estavam todas com alguém.
- Eu já disse e vou repetir até a minha morte, e vai estar escrito em minha sepultura: Potter só em mil vidas.
- Na sepultura? – Alice juntou as mãos, forçando uma melosidade - tããããaoo romântico!
Sasha riu.
- Ela não consegue negar mais, está vendo Alice?
- Vocês estão me irritando... – a ruiva cantarolou.
- O que elas estão fazendo, Lily? – Gloria aproximou-se com uma penca de livros nos braços. Sasha perguntou-se como ela agüentava-os.
- Gloria, nomeamos Lily como nossa amiga solteirona. – a morena a abraçou de lado, fazendo cócegas nela.
- Sim, eu sou a solteirona... – ela falou, semi cerrando os olhos para todas – mas quando brigarem com os namoradinhos de vocês, é pra mim que irão correr!
Seu drama fez todas as três rirem, mas ela continuou muito vermelha, embora sua expressão não fosse raivosa.
- Falando nisso, Lily... – Gloria sentou-se ao lado da ruiva, colocando a mão sobre a dela, fazendo uma cara de cachorro-sem-dono – acho que estou com problemas com Remo, sabe...
- Não me enche!
Elas soltaram gargalhadas, mas logo ficaram sérias. A professora McGonagall se aproximava do grupo, atravessando o pátio em direção à elas.
- Senhoritas... – ela cumprimentou-as com um sorriso – Senhorita Evans, o seu turno de amanhã pode ser alterado para o sábado?
- Claro que sim, professora... – ela gaguejou um pouco para responder. – mas porque?
- Amanhã ficará um professor responsável, o professor Takashighi. E agora, no sábado, uns engraçadinhos estão dando um jeito de pegar as vassouras para voar lá fora. – e quando falou isso, sua face ficou lívida e muito corada.
- Minha nossa, professora, com tantos perigos! – emendou Gloria, mordendo o lábio.
Todas sabiam muito bem quem eram os engraçadinhos, então todas seguraram a risada diante da exclamação de Gloria. Os marotos estavam treinando à noite haviam algumas semanas, quando Remo mostrou que estava tão sentimental que mal conseguia dar uns passes arriscados que antes conseguia habilmente – Thiago enlouquecera com isso.
- Sim, querida, me parece que há criaturas muito corajosas nesta escola. Aliás... gostaria que ficasse de olho na torre da Sonserina. – sua voz foi misteriosa. – há algum tempo estou notando uma certa... agitação por lá.
Lílian franziu a testa, e ia bombardear a professora de perguntas, mas ela despediu-se antes que a ruiva pudesse fazê-lo.
- Torre da Sonserina? – arrepiou-se – é a mais escura.
- Sabe onde são as entrada dos dormitórios da Sonserina? – os olhos de Alice brilharam.
- Sim, todos os monitores sabem – ela mexeu-se desconfortavelmente no banco de pedra.
- Então, sabe também da...
- Não vou te dizer como entrar no quarto de Frank, Alice. – Lílian disse.
- Eu não ia perguntar isso. – ela arregalou os olhos.
- Claro que ia. – Sasha e Gloria disseram quase juntas.
- Ah, ia mesmo, mas era só de curiosidade. – ela cruzou os braços – não é safadeza!
Nenhuma delas disse nada sobre isso, mas trocaram um longo olhar significativo para constranger a amiga, que ficou repetindo “é sério” várias vezes, até se cansar – ou até avistar Frank vindo em sua direção com um imenso sorriso de todos os dentes.
- Frank, estávamos falando exatamente de você! – Gloria disse quando ele se aproximou e beijou Alice levemente nos lábios.
- De mim? – ele sorriu para cumprimentar todas elas.
- Sim, Alice... – Lily ia começar, mas Alice jogou-se encima do namorado, levando-o embora dali, e virando-se para lançar um olhar muito significativo à elas.
- Chiclete. – praguejou a ruiva.
- E isso tudo é saudades de um moreno... – suspirou Sasha.
- Por Merlin, pare! – pediu à amiga.
- Acho que... a gente precisa de uma festa. – Gloria suspirou.
- Não se preocupe... se ganharmos o jogo no sábado que vem, o que já está quase certo, haverá festa no salão comunal – Sasha piscou para ela.
- Sim, no salão de vocês... no da Corvinal terá somente tristeza e lamentações. – ela torceu o nariz – é incrível como os meninos podem se abater tão profundamente com o fracasso em um jogo... é uma coisa tão estúpida! – ela afirmou.
- Concordo plenamente! – Lily sorriu largamente – quadribol é o esporte mais idiota que um bruxo poderia ter inventado, não é mesmo?
- Ah... porque vocês duas não fazem uma liga anti-quadribol?
- Ah, Sasha, você é a torcedora oficial, não é mesmo? – a ruiva riu.
- Não. – ela sorriu – só que também não sou inimiga mortal.
- Claro... Sirius é batedor. – Lílian piscou.
- Então você deveria amar quadribol... Thiago é capitão! – Gloria disse.
A ruiva fez uma careta para ela e cruzou os braços.
- Tontas. Não tem nada a ver com Thiago. Só não gosto.
Antes que alguém pudesse dizer faca, um trio de garotos apareceu. Não é preciso dizer quem eram. Sirius beijou a bochecha de Sasha, sentando-se em seu colo, e Remo abraçou Gloria por trás. Thiago jogou-se ao lado de Lílian, passando o braço por trás dela, no encosto do banco, folgado.
- Falavam sobre mim, garotas? – ele perguntou, dando um enorme sorriso-de-todos-os-dentes para elas.
Lily revirou os olhos, mas ninguém pareceu perceber.
O sol brilhava forte no topo do céu, mesmo que o vento frio cortasse o rosto dos estudantes que desciam o gramado muito verde em direção ao campo de quadribol, que ficava logo abaixo da colina. Era Lufa-Lufa versus Sonserina, e uma mancha verde coloria um lado das arquibancadas, gritando exaltados e furiosos; e do outro lado, uma mancha amarela e preta se espalhava aos gritos e cantigas. Era o primeiro jogo de quadribol que acontecia aquele ano, e o primeiro de Hogwarts que Sasha presenciava. Sentiu-se extasiada com a alegria dos alunos e os sorrisos, as cantigas de torcida que pairavam no ar, e as apostas.
- Aposto vinte galeões na Lufa-Lufa! – riu Gloria.
Todos estavam mais que certos do resultado do fim da partida, com a vitória da Sonserina, pois eram muito mais fortes e ágeis, além dos resultados dos anos anteriores; mas Thiago repetia – com seu jeito de entendedor de táticas e equilíbrio de time - que com a troca de capitão, muita coisa podia mudar.
Arrumaram um lugar no alto da arquibancada, de onde tinham uma visão plena dos dois lados do campo, bem próximos aos três arcos onde o goleiro da Lufa-Lufa jogaria. O vento rodopiou alegremente entre eles, gelando-os. As garotas avistaram os marotos lá embaixo, e Sasha comentou que Thiago parecia um tanto... revoltado, gesticulando muito enquanto falava com a professora McGonagall, que se mantinha calma. Depois, Sirius disse algo à ela e eles sumiram. Alguns minutos depois apareceram na arquibancada com elas, com expressões sombrias e muito quietas para marotos.
Sirius sentou-se no banco embaixo de Sasha, entre as pernas dela. Ela inclinou-se para conversar com ele:
- O que aconteceu?
Ele deu um sorriso torto para ela, olhando-a.
- Garota observadora. – murmurou.
Sasha sorriu e olhou para o campo, onde os jogadores começavam a entrar, os olhos protegendo-se do sol forte.
- Eu não sei direito – ele continuou – parece que será um narrador da Sonserina. Não que isso seja totalmente ruim... é que escolheram Snape. – terminou com a voz muito fria e irritada.
- Snape? – o coração de Sasha deu um pulo, e ela o procurou com os olhos na arquibancada dos professores, e encontrou o amontoado de cabelos gordurentos segurando o aparelho que ampliaria sua voz.
- Sim... parece que foram os jogadores que o escolheram. Thiago ficou muito nervoso. – a última frase foi sussurrada para que o amigo, que estava ao lado de Sirius com uma expressão muito raivosa, não escutasse.
- Isso é ridículo. – ela respondeu, sabendo que a raiva que Thiago sentia era justa – é tão óbvio que irão roubar.
- Queremos colocar um narrador da Grifinória no próximo jogo. – Sirius falou – e estamos pensando em Gloria – murmurou baixinho outra vez, para que ninguém mais ouvisse – ela é muito inteligente.
- Vingancinha? – sorriu a morena.
Sirius não respondeu, mas virou-se para lançar um sorriso de-todos-os-dentes que a deixava abalada. O sol brilhou nos olhos dele e pareceu mais perfeito do que nunca, ali tão próximo à ela. Suspirou, e voltou sua atenção ao jogo.
No início fora apenas um jogo com poucas reclamações da parte dos meninos, que estavam muito atentos aos movimentos dos jogadores. Quando o capitão da Lufa-Lufa, que também era apanhador, um menino chamado Gregorio Davies, mergulhou no ar, aparentemente sem motivo nenhum, Thiago entendeu o que ele fazia e gritou:
- Essa é sua, Davies!
Todos se aglomeraram na arquibancada para observar os movimentos do garoto. Agilmente, ele movia a vassoura entre os jogadores atrás de algo, que só ele via. Sasha franziu a testa:
- O que ele está fazendo?
Sirius soltou uma gargalhada alta, e depois respondeu:
- Ele é o apanhador do time, Sasha. Está atrás do pomo de ouro.
Mas o riso do garoto cessou, quando uma das bolas acertou Davies em cheio, fazendo-o cair da vassoura para o chão em um vôo triunfal muito rápido. Por um momento, Sasha pensou que ele seria esmagado no chão com a queda, mas algo invisível pareceu segurá-lo, fazendo-o pousar levemente no chão; Sirius apontou-lhe Dumbledore que, num gesto silencioso e meticuloso, estava com a varinha apontada para o garoto, da arquibancada.
Davies ficou em pé de um salto e começou a ter um acesso de fúria, gritando muito, e apontando freneticamente para um dos jogadores da Sonserina para a treinadora, que tentava se concentrar. Então, se inclinaram na arquibancada para ouvir o que ele berrava, e todos ficaram em silêncio para isto.
- Espere aí, você não viu o que ele fez agora? – a voz dele pôde ser ouvida, tão alta que parecia vir do fundo de sua garganta, como um grunhido. – aquele sonserino estúpido trapaceou! De novo!
- Veja como fala, Davies – não foi a voz da treinadora, e sim a de Snape do amplificador, calma e serena – acho que deveria expulsá-lo por falar asneiras, professora... – aconselhou, e todos se revoltaram.
- Por favor, façam silêncio! – pediu ela, e segundos depois os alunos se acalmaram; ou apenas fizeram silêncio para escutar, como Thiago – Davies, não pode ofender os alunos de outra Casa desta maneira.
- Cale a boca, seu maldito, não se intrometa! – o aluno gritou muito revoltado apontando para Snape.
- Davies, se disser mais uma palavra contra os sonserinos terei que expulsá-lo. – a treinadora avisou, ríspida.
Davies amarrou a cara e voltou para a sua vassoura. Sasha notou que Dumbledore permaneceu encostado na beirada da arquibancada, com seus olhos serenos fitando atentamente cada sonserino que voava com leveza.
Após a demonstração de fúria de Davies, ela pensou que ele buscaria forças que ele mesmo nem sabia que existiam dentro de si para conseguir vencer aquele jogo; mas não foi exatamente o que aconteceu. Meia hora depois, ele ainda voava em círculos, lançando olhares furiosos aos batedores da Sonserina, que faziam piadinhas e caíam na gargalhada. Então, Malfoy pegou o pomo de ouro, e Sasha pôde saber o porquê de este ser tão importante: o jogo acabava, Snape berrava feliz no amplificador a vitória da Sonserina, e uma mancha verde espalhou-se lentamente pelo campo, comemorando com os jogadores.
Os grifinórios desceram as arquibancadas devagar, sem trocar palavras. Thiago bagunçava os cabelos furiosamente, arrumando os óculos da mesma maneira. Murmurou:
- Sonserinos patéticos... acham que tem chance contra a gente.
Sirius concordou com a cabeça e crispou os lábios. Retornaram ao salão comunal e terminaram os deveres. Lily e Sasha notaram que os garotos pareciam ligeiramente tensos, e mesmo assim animados. Segundo Sirius, a Corvinal tinha um time fraco e a vitória estava garantida no sábado. Thiago e os meninos só sabiam fazer planos para quebrar a cara “sem-querer” dos sonserinos.
A partir deste dia, Sasha começou a buscar as lembranças de seus momentos com Snape, na infância. Apesar de lembrar-se de poucos e bem foscos, ainda eram de um sentimento forte. Temia que ele estivesse mesmo do lado negro da guerra... e que viesse buscá-la. Não sabia quando deveria acreditar ou não no sonserino, pois apesar de tudo, ele fora seu melhor amigo. E mesmo depois de tanto tempo, melhor-amigo não é alguém de quem a gente realmente se esqueça.
...
anúncio
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!