Capítulo II
Capítulo II - Algum lugar na Escócia
Sasha acordara cedo no dia seguinte. Quando o sol começava a se apresentar em finos feixes que cortavam e ilimitavam a janela e sua cortina bruxuleante, esta já se encontrava em pé, em frente à penteadeira, encarando o próprio reflexo no espelho.
Tivera uma ótima noite de sono, apesar da conversa que terminara no meio da madrugada. Nesta, ela contou, ocultando detalhes secretos, todo o percurso da sua vida até ali; como seus amigos trouxas e bruxos eram incrivelmente diferentes de todos ali, como seus pais haviam morrido cedo demais para ela, como ela se empenhara a vida toda para obter e conhecer o máximo possível. Mas ela não contara que isso havia sido uma forma rápida e complexa de mentalizar um plano.
A garota do espelho piscou três vezes para ela. Aflita, fechou os olhos e, ao abri-los, seus cabelos estavam azuis e espetados. Sorriu para si mesma. Desde que descobrira de sua magia, fazia isto todas as manhãs para elevar seu nível de alegria, que sempre acordava pouco disposto. Colocando, concentrada e de olhos fechados, os dedos indicadores e médios grudados em cada têmpora, apagou mentalmente a imagem de si mesma e dos cabelos azuis escuros. Ao abrir os olhos e abaixar as mãos, seus cabelos já eram negros e compridos novamente.
- Já está acor... acordada? - Lílian disse entre um bocejo, apoiando-se no braço enquanto se levantava.
- Você acha que eu devia amarrar ou soltar meus cabelos? - ela quis saber, notando que não havia mais assunto entre as duas.
Lílian sorriu, com o rosto ainda inchado e sonolento.
- Amarrar. Tenta prender essa franja pra trás, destaca mais seus olhos. - ela aconcelhou, jogando-se novamente contra o travesseiro branco e fofo.
- E você? Vamos, menina, levantando.
Sasha se ergueu e espiou Lílian deitada. Ergueu as sobrancelhas ao notar seus cabelos muito bagunçados.
- Céus... Lily, como você consegue arrumar seus cabelos? Estão muito embaraçados! Se quiser eu tenho um antídoto que comprei quando fui para o Japão, para desembaraçá-los. - informou, apontando para os fios muito vermelhos da amiga que se espalhava pelo travesseiro.
- Você já foi pro Japão? - perguntou.
Sasha não respondeu. Deu as costas e abriu o próprio malão, jogando tudo que encontrava pela frente para fora do objeto.
- Estava por aqui... - ela murmurava.
Enfim, segurou com firmeza entre os dedos um frasco muito verde e com um adesivo descrevendo a fórmula de preparo e o nome em letras grandes e garrafais. "GrandTakei", leu Lily.
- Eu não vou passar essa gosma verde no meu cabelo. Vai demorar horas para sair depois!
- Querida, sou eu quem conhece os efeitos colaterais de cada um desse montoado de frascos e, acredite, são muitos. Agora fique quietinha que damos um trato nesses nós em um minuto!
Lílian notou que o tempo que passara cuidando dos cabelos fora incrivelmente curto comparado ao que passava antes. E não pôde deixar de admitir que também haviam ficado mais brilhosos após passar o produto. Sorriu ao notar o quanto a outra demorava para arrumar os cabelos que escorregavam pelos cantos da presilha, ao tentar amarrá-los.
- Você não me parece muito hábil com os cabelos. - ela riu, ajudando a morena.
- Obrigada. Droga... eu não sei onde foi parar a minha varinha. Eu jurava que estava entre meu uniforme.
- Perdeu sua varinha? - indagou a ruiva, fingindo indignação.
- Qualquer um perde a varinha, ok? Eu me distraí... - falou, enquanto procurava pelas gavetas da penteadeira.
- Espera. Ninguém perde a varinha quando se pode precisar dela a qualquer momento.
Sasha deu os ombros.
O grande saguão do Salão Principal agora substituía as quatro extensas e polidas mesas das casas por centenas de mesinhas redondas e pequenas, um vaso com flores no centro de cada uma delas. Dumbledore sempre fora criativo com suas idéias de tirar os alunos da rotina, mesmo que numa terça-feira cheia e cansativa como aquela seria. Porém, após todos os alunos saberem da idéia do diretor, o espírito de ânimo fora agradavelmente elevado.
Sasha e Lílian acabaram por escolher uma das mais afastadas. Sozinhas e com as mochilas em cima da mesa, desfiavam conversas e se concentravam em olhares lunáticos.
- Meu fogo... - Tiago Potter carregava sua mochila no ombro. Atrás dele vinham Remo e Sirius.
- Meu encosto... - retrucou a ruiva, observando os outros se sentarem na mesma mesa em que as duas se encontravam - quem chamou vocês?
- Então você admite que sou seu, não é? - completou Tiago, ignorando completamente a última pergunta de Lílian.
- Só se eu tivesse as pernas amarradas para o ar e sem respirar. - replicou, e, virando-se para Sasha, continuou: - não acha melhor procurarmos uma mesa menos... idiota? - e já ia se levantando e pegando sua mochila, antes de ouvir a amiga responder:
- Lily... espera. Esquece o Tiago, você sabe como ele é. Mas ainda tem o Remo e o Sirius, eles são legais...
Apesar de Remo saber que seu nome era um meio de elogiar Sirius, ambos sorriram. Tiago, incrédulo, erguera a sobrancelha. Lílian estancou e pareceu pensar por um momento.
- Ok, Sasha... mas é porque você está pedindo.
Tiago havia aberto um de seus mais chamativos e irresistíveis sorrisos. Respirando fundo, a ruiva retornou ao banco onde antes estava e jogou a mochila na mesa novamente.
- Café forte e sem açúcar, duplo acompanhado de cereais da Patagônia.
Imediatamente o pedido surgiu em sua frente e ela, calma, começou a comer sem prestar atenção no que os outros falavam. O ato de Lílian, no início, confundira Sasha, mas a garota entendeu que devia fazer o mesmo. Sirius cruzara os braços e deitara na mesa, e Potter encarava Lílian, que sentia seu olhar e estava completamente no limite e corada, ele expremia um riso se esforçando para não gargalhar.
- Eu também estou aqui, Mills. - avisou Rabicho.
- Você estava escondido, Pettegriw. - ela resmungou em voz baixa, notando que se esquecera completamente do garoto.
- Será que podia lembrar que eu não sou um completo insignificante? - ele prosseguiu com a discussão, parecendo ter prazer em fazê-lo.
Sasha imediatamente sentiu uma antipatia crescer dentro de si ao lembrar-se do nome Rabicho, Pedro, ou qualquer outro atalho que lhe lembrasse o pequeno e gorducho garoto à sua frente.
- E você não é? - ironizou.
Sirius levantara a cabeça para olhar para os dois, tentando raciocinar como começara realmente a troca de insultos. Tiago parara de encarar Lily e encarava os dois. A ruiva tinha um sorriso nos lábios, mas parecia não acreditar no que ouvia.
- Você se acha muito importante só porque veio de um país grande e não precisava ficar trancada numa escola.
- Eu não sabia que estava amaldiçoado a viver eternamente nesse lugar.
Rabicho contorceu o rosto, mas Sasha descobriu depois que ele tentava levantar a sobrancelha como Sirius e Tiago costumavam fazer a todo momento.
- Você sabe demais para uma garotinha de 16 anos. E sabe que não viverá por isso. - ele falou com a voz repentinamente calma.
Sasha arregalou os olhos. Não... ele não podia saber. Se soubesse, tudo estaria jogado no lixo! Todos estes anos bolando furiosamente teriam sido inúteis, e isso não lhe agradava. Estreitou os olhos, sentindo o rosto queimar de raiva.
- Eu ainda não cheguei no nível loucura, sabe, querido. Estamos no começo da briga, então não enlouqueça.
De repente, ele pareceu estancar. Olhou para os outros que permaneciam imóveis e voltou a comer alegremente. Franzindo o cenho, Remo quis saber:
- O que ele quis dizer com isso?
Só então ela percebeu que teria que dar uma explicação, e não seria algo como "Nada, esquecem". Conhecia bem aquele grupo pelo pouco que conversaram e seria a prova viva de que nenhum sairia dali sem querer explicações bastante complexas. Mas ela não podia revelar o segredo que a atormentava durante os longos e desastrosos anos! Simplesmente sua primeira opção era mentir. Não que tivesse tantas opções.
- Isso é ridículo. E eu achando que vocês estavam acostumados à essas crises de loucura deste rato fedorento.
Tiago correu as mãos livremente pelos cabelos negros, a expressão se distorcendo, e ela se assegurou de que pelo menos ele se esquecera do assunto. Sirius, Remo e Lílian trocaram uma série de olhares curiosos e estranhos entre eles, ela e Rabicho, que Sasha captou, mesmo tentando inutilmente disfarçar que estava mais interessada em sua rala comida do que no assunto pendente.
Aquele longo mês de setembro esvaía-lhes pelos dedos; o calor coloria os campos e a Floresta Negra, formando um tapete verde e claro em toda a extensão dos terrenos de Hogwarts à Hogsmeade, e despejava uma chuva torrencial na madrugada, retornando à rotina climática logo após.
A sensação de ter alguém incluído à própria rotina não atrapalhou Lílian, pelo contrário. Não que não tivesse uma amiga sequer, antes de Sasha chegar. Alice, namorada do Longbotton, às vezes conversavam timidamente, mas nada que chegasse aos pés do que ela e Sasha faziam. Conseguiu notar, em uma das aulas de Defesa Contra as Artes das Trevas, uma troca furiosa de olhares entre Sasha e Sirius. Olhares maliciosos...
- Perdeu alguma coisa ali, Sasha? - ela perguntou discretamente, num sussurro, fingindo continuar a ouvir o imenso discurso do professor.
A amiga pareceu acordar da hipnose e deu-lhe um sorriso. Lílian fingiu acreditar que ela voltava sua atenção ao professor e tentou fazer isso.
- Aquele dever de Transformações é absurdamente patético! Imagina só...
- ... alguém ter que escrever trinta e cinco centímetros de como se livrar dos Forcs. Eu sei, Pontas, já é a décima vez que repete o quanto odiou a idéia da professora. - completou Sirius tediamente, enquanto fingia ler indagosamente os títulos de seus grossos livros, os quais com certeza não havia lido nem tocado desde o primeiro dia de aula.
Cruzaram o corredor. Era bem típico milhares de alunos estarem no lugar àquela hora, mas naquele dia, a agitação parecia ser escrupulosamente maior. Um grupo de garotas do quinto ano deram risadinhas abafadas quando os três pararam para observar o tumulto.
- ... e da próxima vez que eu ouvir, ou ficar sabendo de alguém que anda espalhando palhaçadas pelos corredores de Hogwarts sobre mim e aquele exibicionista idiota do Potter, ahhhh... AÍ ESTARÃO REALMENTE ENCRENCADOS!!! - era a voz raivosa e estressada de Lílian Evans que feria seus ouvidos e de mais muitos alunos. Um grunhido, mais risadinhas, e passos fortes. Vindos na direção deles.
Do tumulto, abriu-se um pequeno corredor para a passagem de Lily; os alunos rindo e cochichando, enquanto a garota saía pisando firme e seu rosto enrusbecido se contorcia uma raiva fogosa. Segurando livros grossos, logo atrás da ruiva, surgiu Sasha, que se apressou em acompanhá-la e deu uma olhadela para Sirius ao passar pelo trio.
Remo olhou de Tiago para Sirius, que mantiam uma expressão intrigada, enquanto o tumulto se desfiava pelos demais corredores.
- Eu não sei quanto a vocês - Aluado começou, massageando a nuca folgadamente - mas tem alguma coisa acontecendo aqui.
- Não, querido Aluado, o espetáculo que acabamos de presenciar foi uma demonstração de amor da Evans ao Pontas. - retrucou perigosamente Sirius, notando a expressão radical que Tiago mantia. - algum problema, Pontas?
Tiago primeiro assanhou os cabelos castanhos, depois sorriu, radiante:
- Elas brigam por minha causa. - informou, jogando os cabelos para trás - mas, como tem Tiago para todas, vou atender o pedido da minha doce Lily. - e saiu caminhando na mesma direção em que a ruiva e a amiga passaram minutos atrás.
- Como você é modesto! - acrescentou Remo com sarcasmo, antes de segui-los.
- Não precisa se estressar por causa de um boato absurdo, Lílian. Você tem que saber o que é verdade e o que não é. - aconselhou Sasha, que quase corria para acompanhar a amiga.
- Por que diabos eles tem que se meter na minha vida quando eu passo o mais longe possível da deles? Qual é o problema comigo?
Sasha abriu a boca. Estava pronta para falar o quanto Lílian confundia as coisas, era muito orgulhosa, e costumava não acompanhar seus sentimentos - mas uma voz respondeu por ela:
- Sua boca está longe demais da minha.
A ruiva estancou e virou-se abruptamente para encarar Tiago Potter. Aproximou-se rapida e perigosamente, o dedo indicador apontado ameaçadoramente para ele - parou a centímetros dele.
- Além de essa cantada ser a mais velha das suas, Potter, eu quero que fique bem claro que o meu nome, na língua afiada desses alunos idiotas, tem que passar bem longe do seu! - ela ameaçou, arfando.
Sasha temia o que viria a seguir - talvez um belo e sonoro tapa no rosto macio de Tiago; talvez uma resposta tão sarcástica que a ruiva se empolgue e iniciasse uma fervorosa e sedenta briga. Julgando pelas sobrancelhas erguidas de Tiago e pela maneira como estaria prestes a sorrir, talvez a primeira opção se realizasse. Porém:
- Do que é que está falando, Evans? - seu tom saiu inocente e sério, o que a ruiva não esperava.
- Vai dizer que não sabe, Potter! - bradou.
- Não sei, ruivinha. - afirmou com um sorriso visivelmente falso.
- Ele não sabe tudo como fala que sabe, Evans. - murmurou Sirius, uma das sobrancelhas erguidas.
Um sopro de vento frio entrou pela janela e os sobressaltou. Se entreolharam e, de repente, notaram estar no corredor mais movimentado da escola, completamente sozinhos. Sasha sentiu a coceira alérgica no pescoço se ativar mais que rapidamente, e levou as unhas no lugar imediatamente. Com uma careta, murmurou para a ruiva:
- Vamos Lily, eu preciso ir na enfermaria antes que ataque...
As marcas das unhas compridas de Sasha faziam um rastro vermelho por onde passavam e Sirius engoliu seco.
- Algum problema, Sasha? - a ruiva quis saber, virando-se de costas para os Marotos.
- Eu tenho alergia à petúnias. Não sei o que esse vento trouxe, mas com certeza não é nada bom. Se eu ficar mais de uma hora em contato com isso... eu incho feito um balão... vamos, por fav...
Mas não pôde terminar. Surgindo do outro lado do corredor, um grupo da Sonserina passou por eles, com expressões tão sombrias ao encarar Sasha que seria impossível saber o que eles pensavam naquele instante. Franzindo o cenho, ela os olhou atenta. Passaram por ela e ogo desviaram o olhar.
- Eu tenho alergia a sonserinos. Se ficar em contato com eles por mais de...
- Severo? - Sasha interrompeu, virando-se para o grupo, ainda coçando o pescoço que fazia uma encruzilhada de caminhos vermelhos.
O grupo estancou - e o mais odiado dos sonserinos virou-se para encará-los. Severo Snape. De início, pareceu maravilhado com a idéia de Sasha Mills ter proferido algumas palavras com aquele tom doce de quem reconhece alguém que não vê há anos - mas essa expressão mudou rapidamente ao tentar esboçar um sorriso, que pareceu uma careta. Pareceu lembrar de algo.
- Achei que havia se esquecido dos seus antigos amigos, Victoria. - Snape murmurou no tom mais frio e assombroso possível, como nunca ousara falar com nenhum grifinório.
- Quem é Victoria? - quis saber Tiago, que estava atento a cada movimento dos sonserinos atrás de Snape, que pareciam petrificados.
- Coisa de trouxa, segundo nome. Sasha Victoria. - respondeu, sem desviar os olhos de Snape - mas, Severo, a quanto tempo! Seis anos, certo?
- Queria que fosse bem mais, Mills. - balbuciou seguramente, jogando os cabelos negros e lanzudos para trás - ou melhor - completou ameaçadoramente: - queria que eu nunca tivesse conhecido você.
Qualquer sinal de felicidade pelo reconhecimento de um antigo conhecido esvaiu completamente do rosto fino da garota. Lílian hesitou em entreolhar-se com Potter e dar falsos sinais de um início de aceitação e compreendimento, já que ele era o único que estava a seu lado, os demais logo atrás.
- É bom não se meter com Sasha, Ranhoso. - vociferou com sarcasmo Sirius, que havia se mantido atento até o momento.
- Por favor, me deixem resolver isto sozinha. - ela pediu, dando uma olhadela para trás, encontrando os olhos de Sirius; seus olhares se pregaram por um momento e ela rompeu a ligação, voltando a encarar Snape, estreitando os olhos por um momento, e depois deu um sorrisinho - ainda tem ciúmes daquilo? Achei que tivesse superado.
Um forte rubor tomou conta do rosto oleoso de Snape. Suas têmporas estremeceram e ele cerrou os punhos, mas Sasha conhecia perfeitamente o garoto e sabia que tais atos eram previsíveis vindos dele.
- Sujando seu sangue... andando com grifinórios... - Snape comentou nervosa e raivosamente, balançando a cabeça negativamente.
- Talvez eu tenha que andar com grifinórios pois sou da Grifinória, Severo, querido. - informou a garota com sarcasmo.
A face de Snape tornou a corar com o "querido" que a garota adicionara à frase. Céus! Como estava mudada! Há seis anos ela era só uma criança de atitude que queria viver feliz ao lado da família... e agora era uma adolescente incrivelmente bonita e cheia de energia. Mas a determinação e a atitude ainda permanecia nos olhos fúcsia da garota. Droga... por que diabos ela não vivia a vida dela? Por que tinha que se meter? Pelo menos ela, que passara tantas tardes de verão brincando e sorrindo com as piadas idiotas e maldosas que ele fazia, com seu vestido tradicional de flores amarelas. Ah... sim, ele se lembrava do vestido, e das flores bruxuleantes pela brisa macia, formando um lindo horizonte colorido, enquanto ela tentava alegrá-lo de qualquer maneira.
- Mudamos muito, não foi? - ela perguntou, percebendo que pelo silêncio e expressão pensativa que ele lançara.
Snape foi, então, acordado repentinamente dos fantasmas do passado. Estava cansado de reviver os momentos especiais que tivera na infância com sua única e mais fiel amiga, e agora ela simpatizava coma s pessoas que mais o irritava e conseguia tirá-lo do sério. Ergueu os olhos negros novamente e murmurou:
- Éramos inocentes demais naquela época, e agora você percebe o porquê de eu tentar te afastar sempre dele. Agora eu também estou metido nessa! - disse isso em voz alta e virou-se bruscamente, entrecortando o grupo que o esperava e andando o mais rápido possível, sumindo pelo outro lado do corredor.
Sasha franziu o cenho. Não acreditava que ele tinha feito isso com ele. Sabia que ele era especial demais para ela, para que pudesse suportar qualquer dano que seja. Mas não havia volta, não havia retorno. Preferia omitir o fato de que aquele sangue maligno corría-lhe nas veias.
Um vento forte soprou com violência, mas não era mais das janelas - e sim, de algum lugar atrás de todos eles. A capa do uniforme esvoaçou, os cabelos antes soltos agora teimavam em voar em todas as direções, uma corrente prateada que estava pendurada em seu pescoço tentava se libertar - o pingente se abriu e foi possível ver seu interior: uma garotinha pequena de cabelos negros e olhos azuis, entre uma mulher de cabelos muito escuros e pele muito clara, e um homem de olhos muito azuis e cabelos louros. E foi com essas lembranças repentinas, que os corredores antigos e surrados de Hogwarts deram lugar à um outro país - um cenário que não via há anos...
A cidade antiga, pequena e tradicional jazia enfeitada pelos sinos de Natal entre duas montanhas muito verdes. Os escoceses tinham o costume e tradições que não mudavam há séculos ou milênios - e, num campo afastado da cidade, próximos à um lago que serpenteava entreas plantações e hortas muito bem cuidadas, uma garotinha de pelo menos sete anos corria entre as flores coloridas.
Uma brisa leve soprou seus cabelos muito negros e compridos, que esvoaçaram em torno do rosto redondo e da boca vermelha cheia de dentes. Fechou os olhos e alargou ainda mais o sorriso feliz - que podia esbanjar na época. O céu estava azul anil, sem nuvens, e os raios de sol radiavam com intensidade. Saboreava cada instante daquele momento infinito.
Olhou para a esquerda com solenidade. A orla da floresta de carvalho que pertencia aos Mills estava muito próxima - estava perto o suficiente para sua mãe berrar-lhe e enfurecer-se, alegando que já avisara-a mais de milhares de vezes que ela estava terminantemente proibida de entrar, e que muitas criancinhas já haviam se aventurado entre as sombras medonhas e nunca mais retornado, muito menos sabiam onde poderiam ter parado.
Há anos seu pai fechara a antiga madeireira, antes mesmo de Sasha nascer. Os moradores do pequeno viralejo haviam espalhado histórias assombrosas o bastante - incluindo assassinatos, torturas e bruxarias - para que nenhuma fábrica ou empresa bem-informada quisesse associar-se à ele - e as mal-informadas eram realmente poucas. Mas ela ainda estava hesitante em entrar, afinal seu instinto lhe alertava que Severo, que havia entrado há quase uma hora atrás de Collie, corria perigo. Corria perigo. Seu melhor amigo estava na situação desesperadora que a mãe tanto lhe alertara para evitar.
- Severo? - ela chamou pela primeira vez.
Ao entrar no emaranhado de troncos e gravetos, ele pedira que não o chamasse. Mas ela sabia o quanto ele gostava de ser arrogante e esnobe, mesmo sabendo que ela não ligava a mínima para a sua personalidade forte e sólida.
- Severo Snape, isso não tem a menor graça. - falou novamente.
Eram incontáveis as vezes em que ele declamava esta frase. "Sasha Mills, isso não tem a menor graça." E ela respondia com um sorriso largo e um "Pra mim tem, sim". Porém a frase não veio, e tudo voltou ao mesmo silêncio sombrio e pesado. Franzindo o cenho, estreitou os olhos para tentar captar qualquer sinal de movimento dentro do lugar. Não agüentava mais aquele silêncio torturante. Queria ajudar o amigo!
Deu um passo, fechou os olhos. Não acreditava que já estava maluca o suficiente para adentrar perigosamente na floresta. Mas também não quis complexar o assunto e acabar desistindo da idéia de ajudar o amigo. Um arrepio percorreu-lhe a espinha: tinha que ajudá-lo. E para não continuar na hesitação, caminhou de passos largos em direção à floresta.
Ao adentrar pelo menos três pernadas, seu trauma começou a agir: uma brisa gélida e um assovio fino, que mais parecia um lamento terrível. Mais um arrepio. Atenta, tentou observar cada milímetro do sombrio local: as árvores tinham troncos escuros que colaboravam com a sombra na formação eternamente assustadora do lugar; gravetos pequenos e velhos em meio à folhas secas e apodrecidas, que camuflavam o chão e rangiam ao tocá-los; não havia um único sinal de vida, nem mesmo insetos ou camundongos famintos.
Conhecia Severo Snape, ele também temeria ao entrar em um lugar pelo menos parecido com aquele - mesmo ao tentar manter um orgulho idiota e erguer a cabeça para a sobriedade das sombras e do clima arrepiante. Uma sombra de medo ainda brotaria nos olhos negros dele. Na esperança de poder ver novamente essa sombra, continuou a caminhar.
Era estranho afirmar que estava na tão assustadora floresta, que assombrava suas noites de pesadelo - tão estranho quanto afirmar que andava sem sentir qualquer sinal de perigo, mesmo com tantos alertas e histórias pavorosas. Após andar consideravelmente, decidiu arriscar a própria garganta:
- Severo, ou você responde, ou eu juro que te amaldiçoarei até o úl... - mas foi interrompida por um lamento alto.
Mas dessa vez ela tinha certeza de que não era o vento - era Snape. Aguçou a visão e pôde ver, mais à frente, o fim da estrada. O fim da floresta - não exatamente. As árvores se inclinavam e desciam, num tapede intensamente verde, no que devia ser um abismo - ou algo muito, muito parecido. Na orla deste, agachado e encolhido, se encontrava Severo. Mas ele não era, de longe, o Severo que Sasha conhecia - seus olhos estavam vermelhos e inchados, e tremia da cabeça aos pés, assustado; mirava tenebrosamente lá em baixo, e seus olhos tinham, de fato, a sombra de medo que ela quisera identificar no início - mas muitíssimo mais claro. Seu rosto liso se contorcia em uma dor sombria, e as lágrimas pesadas se seguravam para não deslizar na face.
- Severo... - balbuciou, hesitante - Aconteceu... aconteceu alguma coisa?
A cabeça dele virou-se demoradamente para ela, seus lábios carnudos ainda tremendo, e finalmente uma lágrima solitária escorregou entre sua bochecha rosada e sumiu, antes que ele abraçasse as próprias pernas e não agüentasse mais um segundo de aflição interna - desabando em lágrimas e soluços, parecendo desesperado.
Sem se importar com qualquer birra ou rejeição que Severo fizesse com sua aproximação, ela postou-se ao seu lado e afagou seus cabelos negros, murmurando em voz doce:
- Severo, será que eu podia saber o que aconteceu? Acho que talvez se eu soubesse, eu podia te ajudar... hum?
Mas ele continuou soluçando e não respondeu, apenas ergueu um dos dedos esguios e trêmulos e apontou diretamente para o fim do abismo - uns trinta metros de barranco e pedras, sólido e firme. Franzindo o cenho, aproximou-se da beira da erosão. Não podia ser...
Estatelado em uma rocha lisa, um montoado de cabelos brancos jazia, manchado de vermelho - vermelho sangue. Era Collie. Seu enorme cachorro peludo e branco, cujas brincadeiras e latidos felizes preenchiam suas tardes desanimadas, e corria em sua direção após uma cansada e repentina viajem para fora do país, arfando alegremente. Estava só ali. Caído no chão, trinta metros abaixo de seus pés, sem poder lutar pela sobrevivência.
Abraçou Severo e afagou seus cabelos, mas não pôde evitar as lágrimas que teimavam em escorrer rapidamente pelo seu rosto, enquanto os dois soluçavam copiosamente.
- N-não foi mi-minha culpa... - o garoto tentou se explicar, se agarrando mais ainda no corpo frágil de Sasha, que estava trêmulo e vacilava entre os soluços.
- Cla-claro que n-não foi... - soluçou em resposta, ofegante, quase num sussurro.
- E-eu estava atrás de-dele e... e quando eu ví ele... ele es-estava... caíndo... - balbuciou ele novamente, num fio de voz.
Era a primeira vez que os dois se ajudavam mutuamente. Sasha não queria que o melhor amigo se sentisse culpado pela morte do seu segundo melhor amigo - apesar de sentir uma anorme falta e um receio horrível de que dali por diante nada mais seria como antes. Um cachorro. "Um cachorro fedido e idiota, que só sabe pular pra lá e pra cá", como dizia seu pai, "mas que trouxe um brilho mágico para dentro desta casa", ele completava ao notar Sasha presente e ouvidos atentos, e esta sorria, feliz. Droga, ele estava morto. E Snape se sentia culpado. Por que diabos não esperara por Severo do lado de fora da floresta, sentindo a brisa de verão soprar em seu rosto, corando-o ainda mais? Por que ele não inventara que o cachorro voltaria, cedo ou tarde, e não estaria chorando em seu ombro mais desesperadamente do que de costume? Isso a enfraquecia mais, qualquer vestígio de força para superar a morte de Collie iria para o ralo!
- Sasha... não quer ir à enfermaria? - uma mão pousou em seu ombro lentamente, uma voz doce e real feriu seus tímpanos.
Foi o bastante para se dar conta do que acontecia. Estava parada no corredor de Hogwarts, os Marotos e Lily atrás de si. O vento havia parado de soprar estranhamente e seus olhos estavam vermelhos, as lágrimas prontas para transbordar. Já havia superado a morte de Collie, mas a lembrança lhe veio tão intensamente viva que ela se sentiu novamente na Escócia, entre as flores, e até a brisa em seu rosto... Percebeu, então, que a alergia a petúnias continuava a agir, e o pescoço de Sasha se encheu de bolinhas vermelhas que coçavam perigosamente, mas seus sentidos reais foram anulados com as lembranças do passado.
Secou os olhos com as pontas dos dedos - quanto tempo teria ficado ali parada? Afirmou com a cabeça, mas uma lágrima solitária escorreu pelo seu rosto e ela caminhou limpando o rosto, enquanto Lílian dava um último olhar aos garotos e seguia com ela.
Lílian era apreensiva, isso ela tinha que admitir. A garota andava ao seu lado sem questionar nem querer saber de nada, ou o por quê de ela ter paralisado daquela maneira. Os corredores - antes calorosos e acolhedores - pareceram mais frios e surrados quando ela se lembrou dos tempos felizes no verão, em Selta Montain.
- Se tiver algo que eu possa fazer... - ela disse. E esperou uma resposta, que não veio.
Havia algo que ela realmente pudesse fazer? Sasha nem sabia por quê se sentia tão mal! Era só uam lembrança infeliz, entre todas as outras dos dias felizes de sol, ou de chuva, ou de festas... mas ela estancou e enterrou as mãos no rosto, soluçando, sem conter as lágrimas que vieram a seguir. Sentiu o abraço de Lily e se agarrou a ele, temendo o mundo e a todos.
- Shhhhh... - ela acalmou-a, afagando seus cabelos negros - calma... não precisa ficar assim... era só Snape... - apressou-se em explicar.
- N-não era, não... definitivamente não era o Severo Snape que eu conhecia.
Soltaram-se. Era difícil explicar quem era o Snape que Sasha conhecia - mas que não era aquele, disto ela tinha certeza. Ele com certeza ainda era muito arrogante e com um orgulho tremendo, mas o brilho dos olhos dele haviam evaporado... Lílian continuou a olhar para ela, apreensiva, pronta para qualquer ajuda.
- O Snape que eu conheço está em algum lugar da Escócia...
Disse isso e não quis mais tocar no assunto. Era horrível ter que admitir que, uma pessoa que ela tanto amara e tanto precisara, agora mudara radicalmente e jogava toda a culpa de sua torturante escolha nela, quando esta o defendia bravamente em milhares de erros tolos e inúteis que ele costumava cometer sempre - pelo menos naquela época, quando ele ainda conseguia sorrir.
N/A: É... e eu pensando que finalmente conseguiria demorar para postar nessa jossa... e quem disse que eu aguento?? shuauhsuhashuhuas...
Rhina: Seus comentários foram os mais perfeitos!! (ou os únicos??) buááááááá... mas vou arrecadar mais... tomara o_o'
;* continuem lendo e comentemm...
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