A revelação parte II



Estou com tanto medo que mal consigo escrever. Alem disso, pessoas continuam a esbarrar no meu cotovelo e aqui é escuro, mas tanto faz. Tenho que escrever exatamente o que aconteceu. Senão, quando acordar de manhã, posso pensar que foi apenas um pesadelo.
Mas não foi um pesadelo. Foi REAL.
Não vou contar a ninguém, nem mesmo a Gina. Gina NÃO compreenderia. NINGUEM entenderia. Porque ninguém que conheço jamais esteve antes nesta situação. Ninguém foi dormir uma noite como uma pessoa e acordou na manhã seguinte descobrindo que era alguém inteiramente diferente.
Quando voltei para nossa mesa, depois dos soluços no banheiro das mulheres no Plaza, notei que os turistas alemães haviam sido substituídos por japoneses. O que era um avanço. Os japoneses são muito mais tranqüilos. Quando sentei, papai falava ao celular. Com minha mãe, descobri logo. Ele tinha aquela expressão que só usa quando fala com ela. E dizia:
- Sim, contei a ela. Não, ela não parece nervosa.
Olhou pra mim:
- Você está perturbada?
Eu disse:
- Não.
Disse isso porque realmente não estava... não naquele MOMENTO.
Ele continuou ao telefone:
- Ela disse que não. Você quer que sua mãe venha aqui pra me ajudar a explicar as coisas?
- Não. Ela tem que terminar aquela peça de vários estilos para a Kelly Gallery. A galeria quer a peça na próxima semana.
Papai repetiu essas palavras pra minha mãe. Ouvi ela resmungando alguma coisa em resposta. Ela sempre resmunga quando lembro a ela que tem que entregar quadros em uma certa data. Mamãe gosta de trabalhar quando as musas dão uma ajudinha. Uma vez que papai paga a maioria de nossas contas, isso geralmente não é problema, mas também não é uma maneira muito responsável de um adulto se comportar, mesmo que seja uma pintora. Juro que, se um dia for apresentada ás musas de minha mãe, dou uns chutes tão rápidos nas togas dele que elas nem saberão quem foi que bateu nelas.
Finalmente, papai desligou o telefone e me olhou:
- Está melhor?
- Estou.
- Você está entendendo realmente o que estou dizendo Mione?
- Você é o príncipe de Mônaco.
- Sim, sou...
Eu não sabia o que dizer, Então tentei:
- Vovô era o príncipe de Mônaco antes de você?
- Era.
- De modo que Minerva é... O que?
- A princesa-viúva.
Eu me encolhi toda. Uau. Isso explicava um bocado de coisas sobre Minerva.
Papai poderia dizer nesse momento que eu estava desnorteada. Ele continuava a me olhar, parecendo muito esperançoso. Finalmente, depois de tentar apenas sorrir inocentemente para ele durante um tempo, me afundei na cadeira, e perguntei:
- OK. E daí?
Ele pareceu desapontado.
- Mione, será que você não sabe?
Eu estava com a cabeça em cima da mesa. Ninguém espera que alguém faça isso no Plaza, mas eu também não havia notado que Ivana Trump estava olhando em nossa direção.
- Não... Acho que não. Saber o quê?
- Você não é mais Mione Granger, querida.
Por ser filha natural e minha mãe não acreditar no que chama de culto do patriarcado, ela me botou o nome de solteira dela, em vez do nome de papai.
Levantei a cabeça da mesa ao ouvir essas palavras.
- Não sou? Neste caso, quem sou eu?
E ele continuou a falar, bondosa e tristemente:
- Você é Hermione Mignonette Grimaldi Granger McGonagall.
OK.
O QUÊ? PRINCESA? EU???
É isso aí. Certo.
É assim que NÃO sou princesa. Tanto NÃO sou que quando meu pai começou a me dizer que eu era, comecei a chorar desesperadamente. Vi meu reflexo no grande espelho dourado, do outro lado do salão, e eu tinha o rosto todo inchado, como acontece na Aula de vôo, quando a gente joga quadribol e leva um balaço na cara. Olhei para meu rosto naquele espelho enorme, vi o que era e perguntei a mim mesma:
- Isso é cara de princesa?
Você devia ter visto com o que eu parecia. Nunca vi uma pessoa que parecesse MENOS princesa do que eu. Quero dizer, meu cabelo é muito ruim, nem liso, nem ondulado. É meio triangular, de modo com que tenho que corta-lo bem curto ou pareço um espantalho. E nem é louro nem escuro, fica no meio-termo, o tipo de cor que chamam de cor de rato, ou louro-água-suja. Atraente ahn? E tenho um bocão e tanto, nenhum peito, e dentes que me fazem parecer um coelho. Gina diz que meu único aspecto atraente está nos olhos, que são cor de mel, mas naquele momento estavam apertados e vermelhos porque eu fazia força para não chorar.
O que quero dizer é que princesas não choram, certo?
Nesse momento, papai estendeu o braço e começou a alisar minha mão. OK, eu amo papai, mas ele simplesmente não tinha idéia do que fazer. Continuava a dizer que sentia muito. Eu podia responder porque tinha medo de que, se falasse, ia chorar ainda mais. Ele continuou, dizendo que a situação não era tão ruim assim, que eu gostaria de morar no palácio em Mônaco com ele, e que eu poderia voltar quando quisesse para visitar meus amiguinhos.
Foi aí que eu não entendi mais nada.
Eu não era só uma princesa, mas teria que me MUDAR???
Parei de chorar quase imediatamente. Porque nesse momento fiquei realmente com raiva. Realmente furiosa. Eu não fico zangada com freqüência, porque tenho medo de briga e tudo mais, mas quando viro bicho é melhor sair da frente.
- Eu NÃO vou me mudar para Mônaco.
- Mas Mione, eu pensei que você havia compreendido...
- Tudo que compreendi, foi que você mentiu pra mim durante toda a vida. Por que eu deveria morar com você?
Entendi logo que esta era a coisa inteiramente errada para se dizer, e lamento não ter pedido desculpa. Levantei bem rápido, joguei a cadeira dourada para trás e sai correndo dali quase derrubando o porteiro metido a besta.
Acho que papai tentou me seguir, mas eu corro bem rápido quando quero.
De qualquer modo, sai correndo para a rua, passei por aquelas estúpidas charretes usadas por turistas, passei pela grande fonte com as estatuas douradas dentro, passei por todo o tráfego na porta da dicoteca e entrei no parque da cidade, que estava ficando meio escuro, frio, fantasmagórico e coisas assim, mas não me importei. Ninguém ia me atacar, porque eu era uma menina muito baixa, correndo com botas de combate e uma grande mochila nas costas com adesivos como APÓIE GREENPEACE e EU BRIGO PELOS ANIMAIS ou até do F.A.L.E (A Frente da Liberação dos Elfos domésticos).
Depois de algum tempo, cansei de correr e tentei passar aonde poderia ir, uma vez que não estava ainda na hora de voltar pra casa. Eu sabia que não podia ir para a casa da Gina. Ela é inteiramente contra toda forma de governo que não seja do povo, exercido diretamente ou através de representantes eleitos. Ela sempre diz que, quando a soberania é investida em uma única pessoa, cujo direito de governar é hereditário, perdem-se irrevogavelmente os princípios de igualdade por que o poder autentico passou de monarcas reinantes para as assembléias constitucionais, tornando figuras da realeza, como a Rainha Elizabeth, meros símbolos da unidade nacional.
Pelo menos foi isso o que ela disse um dia destes na prova oral de Runas Antigas.
E eu acho que concordo um pouco com Gina, especialmente sobre o Príncipe Charles – ele tratou mesmo Diana como se ela fosse lixo –, mas meu pai não é assim. Sim, ele joga pólo e tudo mais, mas nunca sonharia em sujeitar alguém a taxação sem representação.
Mesmo assim, eu tinha quase certeza de que o fato de o povo de Mônaco não ter que pagar impostos não ia fazer a mínima diferença para Gina.
Eu sabia que a primeira coisa que papai faria seria ligar para mamãe, e ela ficaria preocupada. Odeio causar preocupações à mamãe. Mesmo que ela possa ser irresponsável as vezes, isso só acontece com coisas como contas a pagar e compras no Beco Diagonal. Ela nunca é irresponsável comigo. Eu tenho amigas cujos pais, às vezes, nem se lembram de dar dinheiro para o trem. Tenho amigas que dizem aos pais que vão para o apartamento de fulaninha e que, em vez disso, vão encher a cara e os pais nem desconfiam porque não conferem com os pais da outra.
Mamãe não gosta disso. Ela SEMPRE confere.
De modo que eu sabia que não era justo sair correndo assim e deixa-la preocupada. Eu não me importava muito com o que meu pai pensava. Nesse momento eu estava com muito ódio dele. Mas eu simplesmente precisava ficar sozinha por algum tempo. Quero dizer, é preciso algum tempo para a gente se acostumar, para descobrir que é uma princesa. Acho que algumas meninas poderiam gostar disso, mas não eu. Eu nunca fui muito feminina sabia? Nunca botei maquiagem, usei meia-calça, essas coisas. Quero dizer, posso fazer isso, se tiver que fazer, prefiro não fazer.
Prefiro mesmo não fazer.
De qualquer jeito, não sei como, mas parecia que meus pés sabiam aonde estavam indo e, quando menos esperava, cheguei ao zoológico.
Ta. Mudando de assunto, eu NUNCA me acostumarei a ser a Princesa Hermione McGonagall! Nem mesmo sei quem ela é! Parece o nome de alguma linha cretina de produtos de maquiagem ou alguém de um filme da Disney que estava perdido e que acaba de recuperar a memória, ou coisa assim.
O que é que eu vou fazer? Eu NÃO posso me mudar para Mônaco, eu simplesmente NÃO POSSO!! Quem é que ia cuidar do Bichento? Mamãe não pode. Ela não lembra de comer, quanto mais de dar comida a um GATO.
Tenho certeza de que não vão deixar que eu tenha um gato no palácio. Pelo menos não um gato como Bichento, que pesa 13 quilos e come meias. Ele ia assustar todas as damas de companhia.
Oh, Deus, o que vou fazer?
Se Fleur Delacour descobrir alguma coisa sobre isso, estou ferrada.

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