serpensortia



Capítulo quatroserpensortia

- Você só pode estar brincando! – reclamou Draco enquanto Harry tirava um molho de chaves dos bolsos ao lado de um pequeno, mas confortável carro negro.
- O que? Ele é simples, mas não é descartável... – murmurou o moreno. Destrancou o carro e abriu a porta do passageiro para que o louro entrasse – talvez querendo certificar-se de que ele não fosse fugir. Draco olhou-o e bufou irritado.
- Merlim deve estar brincando comigo... – disse, sentando-se. Harry fechou a porta e sorriu de leve, num misto de surpresa e satisfação. O garoto teimoso decidiu cooperar? Que eu me lembre, ele só faz o que quer..., pensou, dando a volta no carro e acomodando-se ao assento do motorista. Ligou o carro e acionou o dispositivo de invisibilidade e, logo depois, o de flutuação. O carro subiu no ar aos roncos e solavancos – a este ponto, Draco xingou baixinho – e passou a voar velozmente. O louro passou a examinar o carro, uma sobrancelha de desgosto teimando em arquear-se. Harry o observava, divertido.
- Nunca usou um deste, não é?
Draco mirou-o, franzindo o cenho, irritado.
- Olha, só porque você me livrou de Azkaban não quer dizer que somos amigos! – exclamou, seco.
- Nunca disse que somos. – retrucou Harry, aparentemente indiferente.
- Você nem faz bem o tipo dos meus amigos... – teimou o louro.
- Hmm... É mesmo. Eu ainda estou do lado de fora de Azkaban. – disse o moreno, desviando o olhar. Draco mirou-o, incrédulo.
- Ei, Potter! Meus amigos não estão em Azkaban! – defendeu-se. Aquilo era ridículo, Harry a acusar-lhe, mas o mais deplorável era estar se defendendo, como se o ponto de vista daquele ali fosse de alguma valia.
- Oh, perdoe-me. Confundi-os. São apenas os seus antigos colegas de trabalho... – provocou o outro, desagradável. Draco estava quase pulando no pescoço dele agora, a fim de esganá-lo.
- Se acha isso mesmo, deveria ter me deixado em Azkaban!! – berrou.
- Não poderia mentir... – Harry virou sua face ao louro. – Não fiz porque quis.
- Viu? Não há motivo para sermos amigos! Nenhum!! – disse o ex-sonserino, concluindo, ainda um pouco alterado. Eles ficaram em silêncio por algum tempo. O carro sobrevoava agora um grande e límpido lago. Harry deveria envergonhar-se por gostar tanto de provocar o Malfoy, mas não pôde resistir, e recomeçou:
- Estou curioso. – disse em fingida inocência. Dirigiria-se direto ao ponto. – Se você tem amigos fora de Azkaban, por que sou EU quem está te levando para casa? – Draco pensou por um tempo, seus olhos fitos através da janela.
- Talvez não soubessem da data do julgamento... – murmurou sem convicção. O moreno soltou um sorriso fraco, quase solidário. Quase.
- Abra o portas-luva. – o louro mirou-o, interrogativo. – Aquilo ali! – o apontou com um aceno de cabeça. Draco abriu-o. Ali havia um exemplar do Profeta Diário, que Harry costumava ler de manhã, enquanto o piloto automático dirigia. O Malfoy engoliu em seco e puxou-o para fora, passando seus olhos pela primeira página, perplexo.
O ÚLTIMO DEATH EATER: CULPADO OU “INOCENTE”?
Draco Lucius Malfoy, o último de uma série de Death Eaters (todos obviamente culpados) será julgado pela manhã de sábado no Ministério da Magia. Por fontes confiáveis, sabe-se que foi graças a ele que os seguidores d’Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado conseguiram invadir a escola de magia e bruxaria de Hogwarts na noite do assassinato a sangue frio do diretor Albus Percival Wulfic Brian Dumbledore.Também é de nosso conhecimento que ele esteve infiltrado no Ministério junto dos Death Eaters e de Vocês-Sabem-Quem. Recolhemos informações e elas apontam para que ele não tenha sido enfeitiçado pelo Imperio. Então, qual a duvida dos aurores, afinal? Aqueles que levam a Marca Negra podem não ser culpados? Existe alguma chance do sucessor Malfoy (cujos pais, ambos, estão presos) ser, de fato, “inocente”? (mais detalhes, pp 07)

Draco parecia estar entre um estado de choque ou um devaneio. Seus olhos haviam pousado sobre a foto de sua família, onde mostrava pai, mãe e filho, cuja legenda dizia: hereditariamente culpado?
- Acho que eles sabiam do julgamento. – disse o moreno, observando-o de soslaio. – Acho que todos sabiam. E eles não vieram, os seus amigos.
- E daí? – replicou o louco, socando o exemplar para dentro do portas-luva com raiva. Largou-se no seu lugar, murmurando palavras ininteligíveis.
- Bom... Talvez esteja na hora de deixar as pessoas certas entrarem na sua vida. – Harry soltou um sorriso discreto. Era engraçado como as coisas tinham se desenvolvido. No dia primeiro de setembro de dez anos atrás Draco Malfoy pedia para que Harry juntasse-se a ele...
- ...meu nome é Draco Malfoy. – virou-se para Harry. – Você não vai demorar a descobrir que algumas famílias de bruxos são bem melhores do que outras, Harry. Você não vai querer fazer amizade com as ruins. E eu posso ajudá-lo nisso. – ele estendeu a mão para apertar a de Harry...
Mas Harry nunca o permitiu fazê-lo. Agora, Harry era quem pedia para que o Malfoy permitisse-lhe aproximar-se. Talvez estivesse um pouco atrasado... Preso naquele carro, à sua própria vontade, com o louro fê-lo notar que, embora tivessem sido inimigos por quase uma vida, as finas linhas do destino deles teimavam em enroscar-se. Fora até culpa de Draco que Harry acabara descobrindo suas habilidades para o quadribol, que acabou por amar sem custo, e jogou tudo na cara do Malfoy, como bem se lembrava...
Acabava de explicar ao prof Filius Flitwick o modelo da vassoura que ganhara da profª McGonagall no primeiro ano.
- Uma Nimbus 2000, professor – informou Harry, lutando para não rir da expressão horrorizada no rosto de Draco. – E, para falar a verdade, foi graças ao Draco aqui que ganhei a vassoura – acrescentou.

Tantas coisas que passaram em sua antiga escola, sempre um contra o outro, que o moreno sentia-se até um pouco estranho por estar sentado ao lado do louro, como se fosse indecente. Harry, ISSO não é indecente..., pensou.
- Seria você? – interrompeu-o Draco, mirando seus olhos cinzentos no outro, a face séria, embora os lábios curvassem-se num meio sorriso de deboche.
- Eu o que? – Harry confundira-se em meio ao seu devaneio.
- Seria você uma dessas pessoas certas? – perguntou o homem. Harry ficou por uns minutos sem reação, os lábios entreabertos, prontos para dar a resposta a Draco, mas que ainda não fora processada.
- Talvez. – limitou-se a dizer. Virou-se à frente. Estou dirigindo, nada de distrações. Já bati o carro esse mês... Não posso correr o risco de ser detido... Ah, o que a bebida não faz... Não vi nem uma torre-relógio daquele tamanho..., pensava, tentando afastar seus pensamento do outro.
Draco arqueou uma das sobrancelhas, intrigado, e virou-se a sua janela. Sujeitinho cada vez mais estranho o Potter, mas sabia que já não o repelia mais como antigamente, nos tempos de escola. Ele salvou Harry Potter. E Harry podia dizer o que fosse sobre seus amigos, mas... “Ele não salvou a mim... Mas a todos vocês” Ele acreditara que Draco não era mesmo um Death Eater. Fora o único, mesmo ele, o maior prejudicado, o garoto que tentara rebaixar durante anos, fora ele quem acreditara em Draco sem nem mesmo falarem-se e era ele quem estava ali agora. O que quer que Draco Malfoy pensasse ou fizesse, uma coisa não mudaria: tinha algo com Harry. Não eram amigos, nem inimigos. Não conversavam sem provocar-se, tampouco tentavam destruir-se, apenas tentavam provar quem era o mais forte. Talvez esse fosse o motivo de sempre estarem em pólos opostos: eram ambos fortes. Mas, de alguma maneira... Os pólos opostos sempre se atraem.
Draco observou Harry pelo canto dos olhos, discretamente. O moreno mirava os céus pelos quais voavam, sério, decidido por detrás dos óculos redondos. Era algo mais em comum que tinham: o mesmo céu.
Besteira, pensou o louro e balançou a cabeça, afastando os pensamentos. A viagem seguiu calma e silenciosa. Draco perguntou-se quanto tempo mais demorariam para chegar; tão logo arrependeu-se. O carro soltou um ronco sibilante e despencou no ar. O Malfoy quase fora atirado pela janela aberta, não fosse Harry a segurá-lo e puxá-lo de volta para o assento. O carro bateu raivosamente contra o chão, num baque forte.
Harry estava bem. O cinto o manterá em sua posição. Não se podia dizer o mesmo de Draco, já que, tão acostumado estava, o moreno esquecera-se de alertá-lo sobre o uso do cinto de segurança. Ele o segurava próximo ao seu corpo enquanto caíam e lá mantinha-se o ex-sonserino, preso sob o seu braço, enquanto recuperava os sentidos vagarosamente, a cabeça sobre o peito de Harry, as pernas sobre as do moreno, respirando fracamente sobre o seu corpo.
Talvez, pensava o auror, eu devesse reconsiderar sobre o que eu chamaria de ‘lugar seguro’ para Draco... O ex-grifinório sacudiu-o de leve e o louro soltou um muxoxo fraco.
- Ai, desgraça... – murmurou, afastando-se preguiçosamente de Harry.
- Que foi? – perguntou o outro, verdadeiramente preocupado.
- Bati a cabeça no volante... – disse, levando uma das mãos à cabeça e massageando-a. – Já chegamos?
Ele olhou pelo pára-brisa e obteve uma ótima resposta: erguia-se a sua frente, monumental e imponente, a Mansão Malfoy, enorme, com todos os seus 23 aposentos cobertos de luxo exagerado, bem lembrava-se, as suas paredes branco peroladas por fora refulgindo às carícias do sol de depois do meio-dia, os jardins emoldurando a cena tão familiar a Draco.
- Bem vindo ao lar. – sussurrou Harry, sem querer desviar os olhos do louro do espetáculo. Draco tomou um susto. Quase esquecera-se de Harry – afinal, quando é que se via Harry Potter tão próximo da Mansão Malfoy assim? De fato, ele tomou consciência, estava perto demais do outro, suas pernas tocando-se de leve, numa visão inaceitável, ocupando o mesmo banco. Draco afastou-se ligeiro, levemente constrangido.
- Valeu pela carona. – disse, tentando digerir aquelas palavras que nunca sonhou em precisar pronunciar.
- Vou com você. Agradeça depois. – decidiu Harry.
- Não o convidei para entrar! – Draco franziu o cenho.
- Quem é que está com a chave, você ou eu? – brincou e saiu do carro em direção à Mansão Malfoy. O louro achou aquilo mais que indigesto, mais que insolente, mas... Não tinha muita escolha. Por fim, seguiu-o – achando quase intolerável fazê-lo, como se Harry fosse o Mestre e ele o seguidor assíduo.
- Você é desagradável, sabia? – provocou Draco ao alcançá-lo. Harry mirou-o e seus lábios formaram um arco de satisfação.
- Que bom, porque nunca quis agradar você.
Chegaram à porta da mansão. O moreno começou a remexer seus bolsos enquanto o louro esperava, impaciente.
- Anda logo, Potter! – ordenou irritado.
- Não está em posição de exigir nada, Malfoy. – afirmou o outro, simplesmente. A menção ao sobrenome fez Draco irritar-se ainda mais.
- Primeiro: não chame-me de Malfoy. Segundo: claro que estou! Eu salvei sua vida, está lembrado? Agora, anda logo! – disse pontualmente e cruzou os braços. Harry enfim encontrou a maldita chave e não deu ouvidos ao outro. Em poucos minutos, estavam no Hall. Draco, porém, não demonstrou satisfação alguma, apenas perplexidade.
Seus olhos cinzentos observavam, chocados, a grossa camada de poeira que acumulava-se junto ao chão e sobre o carpete vermelho-sangue da escadaria; escorregavam atônitos das teias de aranha dos vértices do recinto aos poucos – dos antes muitos – móveis que jaziam ali, empoeirados e vencidos pelo tempo; já recuperando a força e tomando a tão bem conhecida fúria Malfoy, notaram raivosamente os espaços vazios nas paredes, que antes suportavam quadros, e os móveis que faltavam. Depois, mirou Harry, quase bestial.
- Onde estão as minhas coisas?! – perguntou imperativo. Harry divertia-se ao vê-lo fora de si, embora não admitisse.
- Os aurores removeram da casa todo e qualquer artefato que possivelmente estivesse sob Magia Negra, e olha que não foram poucos... Viu-se que eram clientes assíduos da Borgin & Burkes...
- Aos infernos com isso! Quero tudo de volta, agora!! – esbravejou em ordem, agarrando o moreno pelos braços.
- Eu disse que não gostaria de vir... Você não quis me ouvir... – murmurou Harry e desvencilhou-se das mãos do outro. – Eles trarão suas coisas de volta dentro de alguns dias.
- O quê? Eu não tenho esse tempo! – protestou o louro. – Eu não vou ficar no meio dessa imundice!
- Não. Não vai. – o moreno interrompeu-o.
- Como assim...? Está ficando louco, Potter? – indagou Draco, confuso. Harry suspirou cansada e sentou-se num banquinho ao piano – um dos poucos móveis restantes -, ficando a mirar o enorme instrumento. Draco observou-o afastar a poeira do objeto suavemente, tão sereno que fez com que o próprio ex-sonserino abrandasse sua cólera.
- Eu não sabia que você toca piano.
- Eu não o faço. – disse o rapaz, distraído, aproximando-se alguns passos, ficando a menos de um metro de Harry.
- E por que não? Você tem o piano. – o outro pareceu surpreso.
- Lucius nunca gostou de piano. – respondeu Draco, simples.
- Não quero saber do que ele gosta. Pergunto de você. – retrucou o auror, arqueando uma das sobrancelhas, intrigado. O louro pareceu pareceu não compreender o que ele queria dizer. Ele parou um instante para refletir – Harry observava-o no seu silêncio, curioso – e tão logo entendeu, o doce desceu-lhe amargo. E daí que Lucius não gostava? Ele não era Lucius... Ou era? De fato, baseara a sua existência no pai, mas onde terminava Lucius e começava Draco? Era uma réplica do seu pai, a não ser por um detalhe: a sua relação com Voldemort e Harry Potter. Saiu de seu devaneio abruptamente, quando percebeu as duas esferas esmeraldas fitas em si.
- Oh... Ahn... Gosto. Mas não tenho paciência para tocar. – decidiu-se. Harry pareceu sorrir discretamente. Bem, talvez não.
- Eu só sei uma música... Lupin disse-me que minha mãe costumava ouvi-la. Daí, quis aprendê-la... – murmurou o homem, mais para si que para Draco. Tocou uma das teclas de leve e ela soltou um tinido fino e angustiado. Harry tocou então algo muito diferente do que Draco imaginaria que ele ao menos gostaria de ouvir, um som melancólico a propagar-se pelos grandes e vazios aposentos da Mansão, ecoando-se na escuridão. A cada toque um silvo escapava do enorme piano negro, como um grito que rogava pelo amparo que jamais fosse chegar. O moreno parecia concentrado por detrás dos seus óculos, embora os seus olhos estivessem mais vazios que o próprio aposento em que se encontravam. O louro notou a expressão dolorida do Menino-Que-Sobreviveu e viu-se a enternecer por ele. Foram anos de guerras e perdas... Não me surpreende que ele seja um pouquinho... Diferente, pensou o Malfoy. Harry parou de tocar de sopetão.
- Você não pode reclamar, eu não tenho um piano para treinar... – defendeu-se ele ao levantar-se, sorrindo (verdadeiramente?). – Então, vamos?
Draco subitamente lembrou-se do que perguntaria.
- Vamos? Para onde? – indagou. Harry não pôde deixar de sorrir ao dizer àqueles olhos azuis aparentemente inocentes (onde a inocência extinguia-se mesmo no aparentar) a sua resposta:
- Para o meu apartamento.
Aqueles mesmos olhos, agora mais cinzentos, dissecavam-no, como que desacreditassem. Harry estendeu-lhe uma das mãos.
- Vamos?
- Isso é algum tipo de piada? – arriscou o louro.
- Não. – o moreno sorriu, agora mais amigável. – Sou responsável por você, já que é “culpa” minha ter te tirado de Azkaban.
Draco soltou um muxoxo irritado – Bem do tipo deles, do Ministério... – e estendeu-lhe o braço, relutantemente, que Harry segurou ternamente. No momento seguinte, a sensação nauseante apoderou-se deles, como se rodopiassem com os pés fora do chão, a familiar sensação de desaparatar. No outro, estavam os dois sentados num pequeno sofá duplo. Draco esboçou uma expressão de reprovação.
- Não faça essa cara! Poderia ser pior... Poderíamos ter aparatado na poltrona. – disse Harry. – De qualquer forma, bem vindo ao novo lar.
- Temporário, diga-se de passagem. – reclamou Draco. – Por que não aparatamos direto para lá?
- Os aurores. Acharam melhor que ninguém bisbilhotasse por lá e aplicaram um feitiço anti-aparatação na propriedade. – explicou o rapaz.
- Eles sempre dificultam tudo... Acho que essa a sua especialidade, Potter... – disse Draco, irritado.
- E aí, quer almoçar?
- Espera... Você sabe cozinhar? – Draco pareceu incrédulo.
- Sei muito mais que isso. – afirmou Harry, sério.
- Ótimo. – disse, desinteressado. – Se for cozinhar, então vá logo. E cuidado com o que põe nessa comida. Se eu morrer, você será processado. – advertiu.
- Ah, é? E quem é que vai me processar por sua causa? – provocou Harry, fazendo Draco calar-se com uma careta engraçada. Sabia que o moreno tinha razão, uma vez que seus pais estavam presos e nem seu próprio advogado gostava dele.
- Muitas pessoas... – sibilou vencido. Harry levantou-se.
- Fique aqui. – disse para o louro e foi em direção à cozinha. Draco ficou parado por alguns instantes.
Isso é ridículo!, pensou, Eu estou no apartamento de Harry Potter, vou almoçar com ele, comer da comida dele que ele preparou e obedecerei as ordens dele! Seus olhos estreitaram-se perigosamente. Pois eu não!, concluiu e levantou-se do sofá. Checaria a área. Passou os olhos pela sala. Dois sofás duplos, uma poltrona de couro, tapete, mesinha de centro e lareira. Havia um objeto estranho à parede, uma caixa negra com tela e vários botões. Draco não sabia que porcaria era aquela, mas não deu importância. O curioso do apartamento de Harry era que não havia foto, quadro ou recordação alguma. Andou até um corredor estreito à esquerda da sala e encontrou três portas. Tentou abrir a que estava a sua esquerda, mas levou uma espécie de choque.
- Ouch! Infernos... – sibilou. Depois, tentou a da sua frente e esta abriu-se facilmente. Ele espiou para dentro do aposento. As paredes eram azuis, uma risca branca a cortá-las horizontalmente, as cortinas de mesma cor. Havia um belo – e caro – tapete aos seus pés e um grande baú à frente de uma casa de casal de dossel maior ainda, apinhada de almofadas e colchas, ainda desarrumada. Draco pegou-se a pensar sobre quem o ex-grifinório já tivesse deixado dormir ali junto dele quando algo assustou-o.
- Eu não falei pra ficar na sala? – disse Harry às suas costas, as palavras dançando suavemente à sua nuca acompanhadas pelo hálito quente do moreno. O louro olhou-o, as sobrancelhas arqueadas.
- Acho que você deve aprender, Potter, que ninguém manda em mim. – explicou. Harry riu da maneira como ele continuava agindo, infantil, mesmo com todo aquele tamanho. – Do que está rindo?
O moreno ignorou a sua pergunta. Sua obsessão fazia-o gostar de observar cada detalhe, cada reação do louro, e isso o proporcionava o deleite de “brincar” com ele, de uma forma que nunca imaginara poder fazê-lo. Indicou o quarto.
- Você gosta? – perguntou sereno. Draco mirou o quarto novamente. O vento soprava gentilmente para dentro do aposento, fazendo as cortinas dançarem. Era diferente da mansão em que sempre vivera, o clima sempre denso e gélido. O quarto era suave e morno. Antes de poder impedir-se, assentiu. Azkaban o debilitou... Ele tem lapsos de empatia..., pensou Harry. Sorriu.
- Pena. Esse é o meu quarto.
- E onde é que eu vou ficar? – indagou, levemente irritado. Harry tomou uma expressão ilegível.
- Onde quiser.
O louro olhou-o com ar de criança que entendeu e não gostou.
- Quero um quarto SÓ para mim.
Harry acenou a cabeça afirmativamente e, murmurando um “claro”, empurrou de leve a terceira porta do corredor. O quarto tinha as paredes creme, cortinas brancas, um enorme tapete salmão felpudo e uma cama de solteiro de dossel, ao lado de uma cômoda.
- Todo seu.
- Ótimo. – disse o Malfoy. Seus olhares se encontraram novamente. Draco tomava o ar teimoso de sempre, examinando o moreno minuciosamente. Estavam sintonizados, como se transmitindo a mesma coisa, mas o quê? Ficaram ali por sabe-se lá quanto tempo.
- Descanse um pouco. – falou o menino-que-sobreviveu, então. – O almoço ainda vai demorar.
Ele pousou uma de suas mãos às costas do louro e empurrou-o de leve para dentro do aposento. Draco entrou, surpreendentemente obediente. Harry sorriu de leve e fechou a porta. O Malfoy examinou novamente o quarto. Ali era tão calmo... Então por que estava tão nervoso? Deitou-se sobre o tapete salmão, sentindo-o contra a sua pele, como um cão que espera o seu dono. Andava tão esquisito... “Onde quiser”, soou a lembrança e ele sentiu um arrepio. Enfim, por que salvara Harry? Fora apenas a sua vingança contra Voldemort? E por que no ato ficara tão tenso? Cerrou os olhos. Talvez preferisse um futuro com Harry... Tão logo, abandonou os pensamentos, e adormeceu.
Harry ficara à porta, encostando sua testa à mesma, cerrando os olhos glaucos aflitos por detrás dos óculos redondos. Draco estava tão perto, perto demais... O fazia ansiar cada vez mais por diminuir a pequena distância, embora sua mente berrasse descontrolada para que não o fizesse. De fato, as mãos do moreno tremiam em volta da maçaneta, ameaçando atacá-la. Mas ele era forte. Poderia conter-se, a si e a sua obsessão, que o acompanhava anos a fio (lembrava-se tão bem de querer encontrar Voldemort – e Draco – e saber o que estava fazendo Voldemort – e Draco – e ansiar destruir Voldemort – mas não ter pensado nisso sobre Draco). Mas, por quanto tempo mais...?
Obrigou-se a se afastar dali e adentrou a cozinha, tentando ocupar os pensamentos, mas bem sabia que de onde o louro infiltrara-se nele, não poderia mais ser retirado.
A serpente sufocava sua alma num abraço, o seu veneno escorria e espalhava-se pelo seu corpo. Não, aquilo não era amor, era uma doença, uma doença maldita, uma doença querida, uma doença da qual já não podia mais se livrar.
Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n’alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei por quê.


N/A: mais denso que todos, mas importante. Espero não ter aborrecido muito. O poema acima de Luís de Camões... Lindo, não? Pois eu gostei, e aí está. Beijos e beijos e, para aqueles que lêem isto aqui, tentarei não desapontá-los!

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