Desenterrando o passado (1)
Harry, Ginny, Ron e Hermione estavam sentados no chão, à volta da mesinha pequena da sala de Godric's Hollow. Comiam bolo que tinham trazido do casamento e bebiam sumo de abóbora. Harry e Ginny lançavam olhares furtivos um ao outro entre cada dentada. Ginny corava, mas Harry não podia deixar de pensar que aquela fora a primeira noite bem passada nos últimos tempos: sem pesadelos, sem insónias, apenas dormira na paz celestial de alguém que atingira o equilíbrio pleno.
Ron por seu lado parecia imensamente despreocupado, como sempre, atafulhando-se de bolo e sumo, como se o mundo acabasse em meia hora e ele tivesse que aproveitar os últimos momentos com o seu sistema digestivo. Já Hermione fitava o chão, pensativa. De vez em quando surgia um sorrisinho tímido no canto da boca dela que fazia Harry pensar na terrível cena que ela tinha presenciado apenas minutos antes. Estaria Hermione a sorrir do ridículo todo da situação?
Na verdade, Hermione sorria da lembrança de ver Ron todo embaraçado ao olhar para ela e aperceber-se de que estava em calças de pijama e tinha a camisa aberta. Não podia evitar contrair-se para disfarçar um sorriso mais largo ao pensar na visão do tórax do ruivo, tão bem definido pelos treinos de Quidditch. De facto, Ron não era mais um rapazinho. Estava alto, o maxilar mais largo, bem como os seus ombros. Tinha deixado crescer um pouco mais o cabelo, o que lhe dava um ar mais descontraído que o habitual. Hermione teve que se controlar para não soltar uma gargalhada ao pensar que Lavender lhe chamava Won-Won quando "namorava" com ele. Como podia ela chamar-lhe algo tão descabido? E para já ela não podia chamar à marmelada daqueles dois no sexto ano, "namorar". Era demasiado animalesco e infantil. Mas, estaria outra vez Hermione com ciúmes de Ron e Lavender? É certo que quando os viu juntos, parte de si estalou, como se fosse de vidro. Hermione pensou que fosse o estômago, de náusea, mas tinha vindo a descobrir que tinha sido outra parte de si: o coração.
Os bolos desapareceram rapidamente da mesa e enquanto Ron resmungava que ainda tinha fome ("Ron, tu comeste o dobro do bolo que qualquer um de nós!" - resmungou Hermione) os quatro levantaram-se e, por momentos, fitaram-se uns aos outros.
- Er... Harry? - Hermione parecia hesitar. - Por onde começamos?
- Hum... - Harry murmurou, pensando na melhor resposta. - Pelo início. A entrada de Voldemort aqui. Vamos para o Hall.
Encaminharam-se todos para fora da sala e dirigiram-se para a porta. Harry inspeccionou atentamente a porta: não havia nada de anormal. Estava apenas a descascar, tinha um puxador dourado e uma fechadura. Dirigiram-se para a pequena mesa da entrada e esta também não tinha nada de especial: uma mesa de madeira velha e sem grandes decorações. Então dirigiram-se às escadas e entraram pelo lado, numa espécie de beco ao lado das escadas e aí descobriram que havia, tal como na casa dos Dursleys, uma despensa debaixo das escadas. Harry abriu o trinco e puxou a porta que rangeu ao girar nas dobradiças, como se já não fosse aberta havia séculos. Estava escuro e Harry apalpou a parede interior, à procura de um interruptor. Como não o encontrava, tirou a varinha do bolso de trás dos jeans e proferiu "Lumos". De imediato o compartimento ficou iluminado e Harry pode ver que era bem diferente da despensa de Privet Drive. Não tinha uma cama, mas, em vez disso, tinha caixotes empilhados, uns em cima dos outros. Havia uma vassoura a um canto e uma estante encostada na parede do fundo, cheia de pó e com os manuais antigos de escola dos seus pais. Harry foi à estante e tirou um livro de Transfiguração. Abriu na primeira página e, numa letra fina e bonita, estava escrito: "Este livro pertence a Lilly Evans". Então aquela era a letra de sua mãe! Pegou no outro livro de Transfiguração na prateleira de cima, e fazendo o mesmo, viu a letra desordenada mas cheia de carácter do seu pai, que nele tinha escrito "Bem-vindos à segunda aula mais aborrecida depois de História da Magia. Votem no Prongs: prometo abolir todas as disciplinas e instaurar o Quidditch como curso obrigatório!". Harry sorriu. Aquele livro era do terceiro ano. Pousou os dois livros nos respectivos lugares e tirou um livro de Poções do sétimo ano. Era outro do seu pai. Ao abrir a lombada deparou-se com algo bem diferente: em vez das suas assinaturas, James tinha escrito "Este livro pertence a James Potter, mas Lilly também pode escrever nele.". Por baixo, Lilly tinha escrito "Também podes escrever no meu." e tinha desenhado um pequeno mas gracioso coração. Harry folheou o livro e viu que este estava cheio de pequenos comentários dos dois, um para o outro. Pelos visto deviam ficar juntos naquela aula. Ao chegar à página da Poção do Amor, James tinha escrito: "Lilly, não precisas de aprender esta..." e Lilly tinha respondido: "Tu também não!". Harry achava aquilo muito bonito. De alguma forma, comparava-se aos pais. Ele era tão parecido com o seu pai. Ginny era ruiva como a mãe...
- Harry! - Hermione chamou Harry com uma excitação evidente na voz. - Tens que ver isto!!!
Harry aproximou-se e viu o que Hermione tinha nas mãos. O queixo caiu-lhe até ao peito, deixando-o com um ar cómico.
- Hermione, isso é...isso é... - Harry nem podia falar de tanta emoção.
- É a snitch do teu pai! - completou Ron, percebendo de que se tratava e ficando também com um ar espantado.
- Estava pousada em cima destas caixas... - Hermione apontou para os caixotes.
- É a snitch que eu vi no Pensatório. O meu pai passava a vida a brincar com ela. Usava-a para impressionar a minha mãe... mas ela não ficava muito convencida. - ao dizer isto sorriu divertido e aproximou-se para pegar na snitch e olhou-a demoradamente. - Vou ficar com ela.
Meteu-a no bolso das calças e olhou para os caixotes empilhados.
- Vamos ver o que esses têm dentro? - perguntou Ginny, adivinhando o pensamento de Harry.
- Vamos. Levamos um caixote cada um para a sala e vamos abrindo e ver o que encontramos.
De imediato, todos eles pegaram num caixote e levaram-no para a sala. sentaram-se no chão e abriram os caixotes.
- Este tem um montão de cartas!!! - disse Hermione. - Do teu pai para a tua mãe e da tua mãe para o teu pai! - abrindo uma sorriu de leve. - Cartas de amor!
- E este tem equipamentos de Quidditch! - disse Ron. - Tem tudo! Luvas, protecções para os braços, óculos de protecção contra a chuva, botas, um manual de Quidditch! - Os olhos de Ron abriram-se de avidez e ele abriu o livro, folheando e sorvendo cada imagem em que pousava os olhos.
- Hum... estranho. Este caixote tem roupas velhas e... - Ginny calou-se de repente enquanto vasculhava as roupas mais para o fundo. - Oh! Não pode ser!
- Que foi Ginny? - Harry debruçou-se para a caixa à frente de Ginny e arregalou também os olhos.
Ginny tirou do meio de todas as roupas um lindo vestido branco e levantou-se para o mostrar melhor. Era manifestamente um vestido de noiva, dos mais bonitos que vira. Harry não pode deixar de se emocionar ao ver Ginny segurando o vestido de noiva que fora da sua mãe. Tinha até a altura certa para ela. Era um vestido longo, simples, de um tecido acetinado branco puro. O decote em barco e uma cintura bem marcada, tendo depois muitos folhos na parte da cintura para baixo. Parecia um vestido de princesa.
Hermione vasculhou a caixa e tirou uma tiara de diamantes e umas luvas até ao cotovelo, brancas e acetinadas como o vestido.
- Uau! - ofegou. - A tua mãe teve direito a um vestido de princesa...
- E um casamento também! - Ron tinha aberto a caixa que Harry trouxera e segurava um álbum de fotografias do casamento dos pais de Harry. Harry via, de onde estava, uma foto dos pais a dançar, num grande salão. O pai de fato preto, muito elegante, e a mãe com o vestido que Ginny segurava agora. Os convidados pareciam todos muito felizes e entre eles Harry viu os avós maternos e paternos, iguaizinhos aos que vira no Espelho dos Invisíveis no seu primeiro ano em Hogwarts. Também tem aqui o fato do teu pai. E os sapatos dos dois. Parece que guardaram tudo! - disse Hermione.
Harry nem tinha palavras para tudo aquilo. Ter ali todas as coisas dos seus pais, era como ter agora toda a infância roubada de volta. Parecia encontrar a sua identidade. Inconscientemente, Harry pôs a mão no bolso e acariciou a snitch. A snitch do seu pai.
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