Capítulo 2



2


Tariq abriu os olhos acordando de um sonho bom sobre o início das aulas em Hogwarts. Estranhamente percebeu que estava dormindo em pé, no alto de uma torre, a mais alta torre de um castelo daqueles históricos que visitou durante uma estada na Espanha, talvez. Olhando o horizonte, apenas encontrou vales e montanhas cobertas de pinheiros e clarões de verdes variados. O céu era um cinzento manchado de sangue, um final de tarde sem lua e uma brisa gelada que corria por sua face sem pudor.

Um barulho atrás de si o fez virar encontrando a porta de uma cela. Aproximou-se tentando abrir a fechadura quando tudo começou a acontecer aceleradamente. Algo atacou a grade rosnando e latindo e mordendo fazendo Tariq tropeçar nos próprios pés batendo com as costas no parapeito da torre. A fera continuava a latir e atacar, mas a grade estava trancada à chave ou à magia, não saberia dizer, mas agradecia imensamente.

Como se alguém, de humor muito duvidoso, tivesse lido sua mente, a cela começou a ceder a cada investida da fera. Levantou apoiando-se nas pedras. Olhou para os lados procurando uma saída, mas não a encontrou. Olhou para trás quando percebeu que não havia mais passos para recuar. Abaixo, metros e mais metros o separava do chão seguro em queda livre. Fechando os olhos pediu mais de uma vez para que aquilo não passasse de um sonho ruim.

Ouviu uma explosão e ferro batendo com força na pedra. Virou-se e viu a fera saltando para cima de si. Gritou.

-Tariq! Tariq! -Uma voz feminina e forte chamava o garoto segurando seus ombros com firmeza. -Acorda filho! Volte Tariq!

O rapaz abriu os olhos atordoado olhando para todos os lados sem entender o que aconteceu ou onde estava. Sentia-se e realmente estava perdido, seu corpo tremia, a garganta arranhava, lábios secos. Sentia-se cansado.

-Tariq, sou eu, sua mãe. Wyrnie. Você está em casa, certo? Tariq? -Chamava segurando o rosto do filho forçando que ele a mirasse. -Você está em casa? -O garoto balançava a cabeça afirmando atordoado passando a reconhecer o lugar. -Seu quarto. -Disse novamente e ele encontrou o olhar preocupado da mãe. -Você teve uma visão. Foi só uma visão.

-Mãe... -Sussurrou num fio de voz com alivio e se percebeu deitado em sua cama, com o corpo molhado de suor, a roupa gelada pela umidade e o vento frio que entrava pela janela. Sua mãe estava sentada à beira da cama segurando seus ombros com força, os cabelos tocando seu rosto emoldurando a face preocupada e, de certa forma, intrigada.

-..muito bem. -disse soltando o filho. -Nunca leve uma visão tão a sério. Não se entregue a ela.

-Água... -pediu

-Aguamenti. -conjurou água num copo que havia na cabeceira da cama e o entregou ao filho que o esvaziou depressa por mais outras duas vezes seguidas antes de respirar fundo e dizer que estava pronto para contar o que viu.

-Uma torre. Sonho com ela sempre. -Começou olhando fixamente o fundo do copo.

-Você sonha com essa torre desde os seis anos, Tariq. -Contou Wyrnie.

-Sim. Normalmente estou lá em baixo observando a torre, outras vezes é como se eu estivesse sobrevoando essa torre.

-E em outras você pula dela num ato suicida. -Disse recebendo um olhar de reprovação do filho. -Desculpe. -sorriu de canto de boca.

-É verdade, mas dessa vez foi diferente das outras. Havia uma cela com alguma coisa lá dentro. Uma fera que tentava me atacar. Estava preso, mas o ferro cedeu e quando me virei dei de cara com os olhos da fera. Olhos negros e parecia humano. -Tariq olhou para a mãe que permanecia séria ouvindo a visão do filho. -E então eu acordei.

-Você viu o rosto dele?

-Não. Só o brilho dos olhos.

-Como soube que era humano?

-Não sei... Algo... uma sensação de que era... quase humano.

Ele se sentia envergonhado. Não queria que sua mãe achasse que estava louco falando de bestas que o atacavam, e também não queria mentir. Estava intrigado, impressionado, e acima de tudo, estava assustado. Foi real demais sentir aquela angústia de não ter para onde correr, as patas da fera, ou seriam mãos?, pesando em seus ombros e a solidez áspera da pedra da torre em suas costas fazendo com que ficasse curvado entre o parapeito da torre e a fera sobre si.

-Já está quase na hora de ir para a estação de Trem. Então não fará mal se começar a se arrumar mais cedo. Tome um banho e tente esquecer essa visão até quando for hora de lembrar.

-Como assim?

-Só tome seu banho e se arrume. O malão já está pronto? -Tariq concordou com a cabeça. -Vista roupas normais. No trem é que deverá mudar para o uniforme. -Depois que o garoto concordou com um tímido 'sim', Wyrnie se levantou e andando até a porta lhe deu uma última olhada, dessa vez mais afetuosa. -Tariq, fez bem em contar e acredito no que viu. Se isso te deixa mais tranqüilo, tudo vai se esclarecer quando você chegar em Hogwarts.




Na Estação o Expresso Hogwarts esperava soltando fumaça e dando ao lugar um clima agitado e quente. Tariq observava de um lado para o outro as pessoas que passavam e os alunos que se apressavam em conseguir uma cabine vazia. Wyrnie estava logo atrás do rapaz o conduzindo para a porta de um dos vagões.

-Cheio, infernal, absurdamente quente... não mudou muita coisa. -Comentou a mulher entre dentes. -Tariq, é aqui que te deixo. -Disse virando o filho e arrumando o cabelo, a roupa, e mais o que pudesse. Tariq ria enquanto tentava se livrar da mãe.

-Pára mãe, eu to bem. -Falava entre risos. -Mãe, eu sei me arrumar.

-Mas o vento desarrumou seu cabelo.

-Está ótimo Dª. Wyrnie.

-Não se esqueça de me escrever assim que for selecionado. Não quero receber nenhuma reclamação sua. Ouviu Tariq? -Wyrnie puxava o filho pelo ombro da camisa numa tentativa frustrada de ter sua atenção.

-Pode deixar mãe. Vou ser um bom aluno. -Sorriu Tariq vendo um grupo de meninas de série mais avançada entrando num dos vagões. -Mãe, antes de ir posso te fazer uma pergunta? -estranhando a mulher fez um gesto afirmativo, e Tariq continuou. -Tenho o direito de saber quem é meu pai, não tenho?

Seu pai. E novamente o garoto vinha com aquele assunto, não havia como desistir. O que falar e o que fazer? Era impossível mentir para ele. Era a cara do pai, logo alguns dos professores de Hogwarts notaria a semelhança. Talvez McGonagall ou o próprio Dumbledore, visto que era um freqüentador assíduo das salas de ambos. Pobre Tariq, será que agüentaria saber o que seu pai era capaz de fazer?

O primeiro apito da locomotiva retirou Wyrnie de seus devaneios e observar ao redor. Quase todos os alunos estavam agora escolhendo suas cabines.

-Sim Tariq, saberá sobre seu pai lá. Se souber como procurar. -Respondeu preocupada em perderem o trem com aquela conversa fiada. -precisa ir menino.

-Antes, me diz por onde começar! -pediu enquanto era empurrado para dentro do vagão. -Não tenho nada sobre ele! A não ser que era um Gryffindor.

-E já é o suficiente. Deixe que tudo ocorra naturalmente. Você estará em Hogwarts para estudar e não revirar túmulos! -disse sendo avisados de mais um apito da locomotiva. Estava claramente incomodada em tratar daquele assunto, falar sobre ele a irritava profundamente. -Deixe que os enigmas venham até você! Eles querem ser descobertos, mas tudo ao seu tempo rapaz!

Tariq queria argumentar mais, tentar conseguir algo menos filosófico, mas o tranco da locomotiva o calou e viu sua mãe se afastar devagar. Logo que fizeram uma curva e a Estação não pode mais ser vista, o rapaz entrou no vagão de vez ávido em procurar alguma cabine onde pudesse pensar no que sua mãe disse por último.

Na Estação Wyrnie ficou até que não pôde mais ver seu filho debruçado entre um vagão e outro. Fez uma nota mental de pedir a alguém que ficasse de olhos em Tariq por ela, sabia o quão teimoso o rapazinho poderia ser quando começava a se empolgar com um assunto, alias, com um tabu criado por ela mesma acerca do pai. Merlin! Fazia tanto tempo que não tinha contato com o mundo mágico de seu passado! Será que ainda seria lembrada por ele? Por aquele que teve como um amigo durante os sete anos em Hogwarts?

Com um movimento quase felino, Wyrnie desaparatou de volta à Paris. Tinha muito que fazer em casa, incluindo resgatar antigos contatos.

Não sabia, mas de longe era observada por um par de olhos cinza, normalmente frios e calculistas, mas que naquele momento se deu ao luxo de expressar um mínimo de assombro, como se o que visse fosse impossível e logo desaparecesse quase da mesma forma que a viu, de repente, como uma ilusão.




Continua...


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