O BESOURO ACUADO



A dúvida de Harry foi respondida na manhã seguinte. Quando o Profeta Diário da Hermione chegou ela o abriu, olhou atentamente por um momento a primeira página e deu um gritinho que fez todos na mesa a olharem.

- O que foi? - disseram Harry e Rony juntos.

Como resposta ela estendeu o jornal sobre a mesa na frente deles e apontou para dez fotografias em preto e branco que enchiam a primeira página, nove delas mostrando rostos de bruxos, sendo a décima de uma bruxa.

Algumas das pessoas nas fotografias estavam dando risadinhas silenciosas; outras estavam apertando os dedos na borda das fotografias, com olhar insolente. Cada foto tinha uma legenda com o nome e o crime pelo qual a pessoa havia sido enviada para Azkaban.



"Antonin Dolohov", dizia a foto de um bruxo com um rosto longo, pálido e desfigurado que estava olhando com desprezo para Harry, "Preso pelo assassinato brutal de Gideon e Fabian Prewett".

"Algernon Rookwood", dizia a legenda embaixo de um homem com uma cicatriz e cabelo oleoso, estava se inclinando contra o topo da moldura, parecendo chateado, "Preso por revelar segredos do Ministério da Magia Àquele-Que-Não-Deve-Ser-Someado".

Mas os olhos de Harry pararam sobre a foto da bruxa. O rosto dela se virou para ele no momento em que viu a página. Ela tinha um cabelo longo e preto que parecia despenteado e desalinhado na foto mas já o tinha visto cheio, liso e brilhante. Ela olhou fixamente para ele com suas pálpebras pesadas, um arrogante e desdenhoso sorriso na sua boca fina. Como Sirius, tinha vestígios de ser muito bonita, mas algo - talvez Azkaban - havia tirado a maior parte da sua beleza.

"Bellatrix Lestrange, presa pela tortura e incapacitação permanente de Frank e Alice Longbottom."

Hermione cutucou Harry e apontou para o título acima das fotos, que Harry, concentrado em Bellatrix, ainda não tinha lido.

"FUGA EM MASSA DE AZKABAN

MINISTÉRIO TEME QUE BLACK SEJA 'PONTO DE ENCONTRO' PARA OS ANTIGOS COMENSAIS DA MORTE"

- Black? - disse Harry bem alto. - Não é?

- Shhh! - sussurrou Hermione desesperadamente. - Não tão alto, apenas leia!

"O Ministério da Magia anunciou na noite passada que houve uma fuga em massa de Azkaban. Conversando com os repórteres em seu escritório privado, Cornélio Fudge, Ministro da Magia, confirmou que dez prisioneiros de segurança máxima escaparam nas primeiras horas da noite de ontem e que já informou ao primeiro ministro trouxa sobre a natureza perigosa destes indivíduos.

'Nós nos encontramos, infelizmente, na mesma situação de dois anos e meio atrás, quando o assassino Sirius Black escapou', disse Fudge na noite passada. 'Acreditamos que as duas fugas são relacionadas. Uma fuga desta magnitude sugere ajuda de fora e nós devemos lembrar que Black, como a primeira pessoa a escapar de Azkaban, seria ideal para ajudar os outros a seguir seus passos. Nós acreditamos que é provável que estes indivíduos, entre eles a prima de Black, Bellatrix Lestrange, tenham escolhido Black como seu líder. Estamos, contudo, fazendo tudo que podemos para encontrar estes criminosos e pedimos à comunidade mágica que permaneça em alerta e cautelosa. De maneira alguma se deve abordar estes indivíduos.'"

- Aí está, Harry - disse Rony -, é por isso que na noite passada ele estava feliz.

- Eu não acredito nisso - rosnou Harry -, Fudge está jogando a culpa da fuga no Sirius?

- Que outra opção ele tem? - disse Hermione amargamente. - Ele não pode dizer, "desculpe a todos, Dumbledore me avisou que isto poderia ocorrer, os guardas de Azkaban se juntaram ao Lord Voldemort". Pára de choramingar, Rony. "...e agora os piores comparsas de Voldemort escaparam também." Quero dizer, ele passou uns seis meses dizendo a todo mundo que você e o Dumbledore são mentirosos, não é?

Hermione abriu o jornal e começou a ler a reportagem enquanto Harry olhava em volta do Salão Principal. Não conseguia entender por que os outros estudantes não estavam assustados ou pelo menos discutindo a terrível notícia da primeira página mas poucos recebiam o jornal todos os dias como Hermione. Estavam lá, falando sobre lição de casa e quadribol ou quem sabe que outra bobagem, enquanto fora daquelas paredes mais dez Comensais da Morte aumentavam as fileiras de Voldemort.

Olhou para a mesa dos professores. Ali a história era diferente: Dumbledore e a Professora Minerva estavam conversando intensamente, ambos comum olhar extremamente grave. A professora Sprout colocou uma garrafa de ketchup em cima do Profeta Diário e estava tão concentrada lendo a primeira página que nem notou que estava caindo um pouco de gema de ovo da colher no seu colo. Enquanto isso, no outro lado da mesa, a professora Umbridge estava enchendo um prato de mingau. Pela primeira vez seus olhos de sapo não estavam varrendo o Salão Principal procurando por estudantes mal comportados. Ela franzia a testa enquanto comia e de vez em quando dava uma olhada repreendedora para a mesa onde o professor Dumbledore e a professora Minerva conversavam tão intensamente.



- Oh meu Deus! - exclamou Hermione, ainda olhando para o jornal.

- O que foi agora? - disse Harry rapidamente; estava se sentindo nervoso.

- É... Horrível - disse Hermione, parecendo abatida. Abriu o jornal na página dez e o mostrou para Harry e Rony.

"MORTE TRÁGICA DE EMPREGADO DO MINISTÉRIO DA MAGIA

O Hospital St. Mungus prometeu ontem à noite um inquérito completo após a descoberta da morte do empregado do Ministério da Magia Broderick Bode, 49, em sua cama, estrangulado por uma planta de vaso. Medi-bruxos enviados ao quarto não conseguiram reviver o Sr. Bode, que havia se machucado num acidente de trabalho algumas semanas antes de sua morte.

A medi-bruxa Miriam Strout, que estava encarregada do quarto do Sr. Bode no momento do acidente, foi suspensa e não foi encontrada ontem para comentar o assunto, mas um porta-voz do Hospital fez uma declaração:

'O Hospital St. Mungus lamenta profundamente a morte do Sr. Bode, cuja saúde estava melhorando intensamente antes deste trágico acidente. Nós temos normas que restringem as decorações permitidas nos quartos mas aparentemente a medi-bruxa Strout, ocupada por causa do período de Natal, não percebeu os perigos da planta na mesa do Sr. Bode. Como sua fala e mobilidade estavam melhorando, a medi-bruxa encorajou o paciente a cuidar da planta por si mesmo, sem perceber que não era uma inocente Flitterbloom, mas uma terrível visgo do diabo que, quando tocada pelo convalescente Sr. Bode, o estrangulou instantaneamente.'

O Hospital St. Mungus ainda não conseguiu explicar a presença da planta no quarto e conta com a colaboração de qualquer bruxo ou bruxa que tenha alguma informação."

- Bode... - disse Rony. - Bode. Me lembra de alguém...

- Nós o vimos - sussurrou Hermione. - No St. Mungus, lembram? Ele estava na cama do outro lado do Lockhart, apenas deitado lá, olhando para o teto. E nós vimos o visgo do diabo chegar. A medi-bruxa disse que era um presente de Natal.

Harry olhou de novo para a notícia. Um sentimento de pavor estava crescendo nele.

- Como nós não identificamos a visgo do diabo? Nós já a tínhamos visto... Nós poderíamos ter feito alguma coisa.

- Quem imaginariam que um visgo do diabo apareceria num hospital disfarçado de planta de vaso? - disse Rony imediatamente. - Não é nossa culpa, quem o mandou é que é o culpado! Ele deve ser um idiota, porque não checou o que estava comprando?

- Ora, vamos Rony! - disse Hermione, agitada. - Eu não acho que alguém colocasse um visgo do diabo num vaso e não percebesse que ele tentaria matar quem a tocasse? Isso... Isso foi um assassinato... Um assassinato inteligente... Se a planta foi enviada anonimamente como alguém vai descobrir quem a enviou?

Harry não estava pensando no visgo do diabo. Estava se lembrando de quando desceu até o nono andar do Ministério no dia da sua audiência e viu um homem com o rosto pálido que tinha chegado do átrio.

- Eu conheci o Bode - disse lentamente. - Eu o vi no Ministério com o seu pai.

A boca do Rony se abriu.

- Eu ouvi o papai falar sobre ele em casa! Ele era um inominável. Ele trabalhava no Departamento de Mistérios!

Eles se entreolharam por um momento, então Hermione puxou o jornal de volta para ela, analisou por um momento as fotos dos dez Comensais da Morte fugitivos na capa, depois se levantou.

- Aonde você vai? - perguntou Rony, assustado.

- Enviar uma carta - disse Hermione, jogando a mochila no ombro. - É... Bem, eu não sei se... Mas vale a pena tentar... E eu sou a única que pode.

- Eu odeio quando ela faz isso - lamentou Rony enquanto ele e Harry levantaram da mesa e saíam lentamente do Salão Principal. - Ela morreria se nos dissesse o que está tramando? Levaria mais dez segundos, hey, Hagrid!

Hagrid estava parado ao lado do portão de entrada do Salão, esperando um grupo da Corvinal passar. Ainda estava tão machucado quanto no dia em que voltara de sua missão dos gigantes e havia agora um novo corte no nariz.

- Tudo bem com vocês? - ele disse, tentando abrir um sorriso mas conseguindo apenas uma careta.

- Você está bem, Hagrid? - perguntou Harry, seguindo-o enquanto cruzava pelo grupo da Corvinal.

- Tudo bem - disse Hagrid com uma voz não muito convicta; acenou com a mão e quase acertou uma assustada professora Vector, que estava passando. - Apenas ocupado, você sabe, coisas de sempre. Aulas para preparar, algumas salamandras estão com as escamas apodrecidas E eu estou sob aprovação - murmurou.

- Você está sob aprovação? - disse Rony tão alto que muitos dos estudantes que passavam olharam curiosos. - Desculpe, quero dizer, você está sob aprovação? - sussurrou.

- Sim. Já esperava por isso, pra dizer a verdade. Vocês podem não ter percebido mas a inspeção não foi muito bem, sabe... Bem - ele suspirou profundamente. - É melhor ir embora e passar um pouco mais de pó de chili nas salamandras ou seus rabos vão começar a cair. Tchau, Harry... Rony...

Ele desceu as escadas de pedra em direção à orla da Floresta. Harry o assistiu indo embora, imaginando mais quantas más notícias poderia agüentar.

*

O fato de Hagrid estar sob aprovação virou notícia nos dias seguintes mas, para a indignação de Harry, quase ninguém parecia chateado com isso; na verdade algumas pessoas, especialmente Draco Malfoy, pareciam bastante animadas. Quanto à obscura morte do empregado do Departamento de Mistérios em St, Mungus, Harry, Rony e Hermione pareciam ser os únicos que sabiam ou se importavam. Havia apenas um tópico de conversa nos corredores: os dez Comensais da Morte fugitivos, cuja história finalmente se difundiu na escola pelos poucos que liam jornal. Apareceram rumores de que alguns dos presos foram vistos em Hogsmeade, que estavam escondidos na Casa dos Gritos e que invadiriam Hogwarts, exatamente como Sirius Black tinha feito.

Aqueles que nasceram em famílias de bruxos cresceram ouvindo os nomes destes Comensais da Morte e os temiam quase tanto quanto a Voldemort; os crimes que cometeram durante o reinado de terror do Lord das Trevas eram lendários. Havia familiares de suas vítimas entre os estudantes de Hogwarts, que se tornaram infortunadamente famosos e eram objetos de comentários enquanto passavam pelos corredores: Susan Bones, cujo tio, tia e primos foram mortos por um dos dez, disse tristemente na aula de Herbologia que agora ela tinha uma boa idéia do que era ser Harry.

- E eu não sei como você agüenta, isso é horrível - ela disse asperamente, colocando muito esterco de dragão na sua tigela de sementes de Screechsnap, fazendo-as gritar em desconforto.

Era verdade que Harry era o assunto de renovados sussurros e apontamentos no corredor nestes dias, porém detectou uma leve diferença no tom de voz dos sussurradores. Pareciam mais curiosos do que hostis agora e uma ou outra vez ouviu partes de conversa que sugeririam que não estavam satisfeitos com a versão do Profeta Diário de como e por que os dez Comensais da Morte conseguiram escapar de Azkaban. Na sua dúvida e medo, pareciam estar se virando para a única explicação razoável: aquela que Harry e Dumbledore vinham expondo desde o ano passado.

Não foi apenas o humor dos estudantes que mudou. Agora era comum cruzar com dois ou três professores conversando em vozes baixas e urgentes, parando no momento em que viam estudantes se aproximando.

- Eles obviamente não podem conversar livremente na sala dos professores agora - disse Hermione em voz baixa enquanto ela, Harry e Rony passaram pelos professores McGonagall, Flitwick e Sprout juntos fora da sala de Feitiços. - Não com a Umbridge lá.

- Acha que eles sabem de algo novo? - perguntou Rony, olhando por cima do ombro para os três professores.

- Se eles souberem nós não vamos saber de nada, não é? - disse Harry com raiva. - Não após o decreto... Em que número está agora?

Novas notificações apareceram na manhã após a fuga de Azkaban.

POR ORDEM DA GRANDE INQUISIDORA DE HOGWARTS

Os professores estão, a partir de agora, proibidos de passar aos estudantes qualquer informação que não seja estritamente relacionada com o assunto pelos quais são pagos para ensinar.

A informação acima está de acordo com o Decreto Educacional Número Vinte e Seis.

Assinado: Dolores Jane Umbridge, grande inquisitora.

Este último decreto foi motivo de um grande número de piadas entre os estudantes. Lino Jordan apontou para Umbridge que, pelos termos da nova regra, não podia punir Fred e Jorge por jogar snap explosivo no fundo da classe.

- Snap explosivo não tem nada a ver com Defesa Contra as Artes das Trevas, professora! Isto não é informação relativa ao assunto!

Quando Harry viu Lino as costas da sua mão estavam sangrando bastante. Harry recomendou essência de murtisco.

Ele imaginou que a fuga de Azkaban poderia ter afetado um pouco Umbridge, que poderia ter ficado um pouco abalada com a catástrofe que ocorreu bem embaixo do nariz de seu amado Fudge. Pareceu, contudo, que havia apenas intensificado seu desejo furioso de trazer todos os aspectos da vida em Hogwarts sobre seu controle pessoal. Parecia determinada ao máximo a demitir alguém e a única pergunta era se seria Trelawney ou Hagrid a ir primeiro.

Cada aula de Adivinhação e Trato das Criaturas Mágicas era agora conduzida na presença Umbridge e seu bloco de notas. Ela parou em frente à lareira da Torre fortemente perfumada, interrompendo constantemente a professora Trelawney com perguntas difíceis sobre oritmancia e heptmologia, insistindo que fizesse a predileção dos sonhos dos estudantes antes que eles a dessem e exigindo que demonstrasse sua habilidade com a bola de cristal, as folhas de chá e as runas. Harry imaginou que a professora Trelawney não agüentaria muito a pressão. Diversas vezes a viu nos corredores - fato estranho, pois normalmente ela permanecia na Torre -, murmurando consigo mesma, balançando as mãos e dando olhares aterrorizados sobre seu ombro, o tempo todo com um cheiro de perfume forte. Se não estivesse tão preocupado com Hagrid ficaria com pena dela. Mas se um deles teria que sair, somente havia uma escolha para Harry.

Infelizmente, Harry viu que Hagrid não estava se dando melhor que Trelawney. Parecia estar seguindo o conselho de Hermione e não tinha trazido nada mais ameaçador que um crupe - uma criatura muito parecida com um cachorro, exceto pelo seu rabo em forma de faca - desde antes do Natal, também parecia estar perdendo a paciência. Andava estranhamente distraído e nervoso durante as aulas, perdendo a noção do que estava falando, respondendo incorretamente as perguntas e o tempo todo olhando ansiosamente para Umbridge. Estava também mais distante de Harry, Rony e Hermione do que jamais estivera antes e os proibiu expressamente de visitá-lo após escurecer.

- Se ela pegar vocês serão todos os nossos pescoços - disse ele e, não querendo prejudicar ainda mais o emprego de Hagrid, eles pararam de ir a sua cabana à noite.

Para Harry, Umbridge estava tirando tudo que fazia sua vida em Hogwarts valer à pena: visitas à casa de Hagrid, cartas de Sirius, sua Firebolt e o quadribol. Fazia sua vingança da única maneira que podia - redobrando seus esforços com o ED.

Harry ficou satisfeito ao ver que todos, até mesmo Zacharias Smith, estavam se esforçando mais do que nunca depois que a notícia sobre os Comensais da Morte se espalhou mas ninguém melhorou mais do que Neville. A notícia sobre a fuga da Comensal da Morte que atacou seus pais causou uma estranha - e até alarmante - mudança nele. Não mencionou uma única vez seu encontro com Harry, Rony e Hermione em Sr. Mungus e, em contraponto, eles também não comentaram nada. Também não mencionou nada sobre Bellatrix e seus companheiros de fuga. Na verdade Neville mal conversava durante as reuniões do ED agora, apenas trabalhava silenciosamente em cada azaração ou contra-feitiço que Harry os ensinava, seu rosto rechonchudo fazendo careta de concentração, aparentemente indiferente aos machucados ou acidentes e se esforçando mais do que nenhum outro naquela sala. Estava melhorando tão rápido que foi estranho quando aprendeu o encantamento escudo - uma maneira de refletir azarações menores para que elas retornem ao oponente. Apenas Hermione aprendeu o feitiço mais rápido que Neville.

Harry gostaria muito de melhorar em Oclumancia tanto quanto Neville nas reuniões do ED. As sessões com Snape, que já não começaram bem, não estavam melhorando. Pelo contrário, Harry sentia que estava piorando a cada aula.

Antes de iniciar Oclumancia sua cicatriz doía ocasionalmente, geralmente durante a noite ou então através de estranhos flashes dos pensamentos ou humor de Voldemort que aconteciam de vez em quando. Agora, contudo, dificilmente parava de doer e muitas vezes sentia nervosismo ou alegria que não eram dele, eram sempre acompanhadas por uma particularmente doída pontada em sua cicatriz. Tinha a horrível impressão de que estava lentamente se transformando num tipo de antena que captava cada mudança de humor de Voldemort e tinha certeza que isto se iniciou no dia da primeira lição de Oclumancia com Snape. Além do mais, agora estava sonhando com o corredor de entrada do Departamento de Mistérios quase toda noite e sempre terminava com ele parando em frente de um portão negro.

- Talvez seja como uma doença - disse Hermione, olhando preocupada para Harry quando contou para ela e Rony. - Como uma febre ou algo assim. Tem que ficar pior para depois ficar melhor.

- As aulas com Snape estão deixando pior - disse Harry. - Estou cansado de sentir dor na minha cicatriz e não agüento mais andar naquele corredor toda noite - ele passou a mão na testa com raiva. - Eu apenas gostaria que a porta abrisse, não agüento ficar parado olhando para ela.

- Isso não é engraçado - disse imediatamente Hermione. - Dumbledore não quer que você tenha nenhum sonho sobre esse corredor ou ele não teria pedido para Snape te ensinar Oclumancia. Você apenas terá que se esforçar um pouco mais nas aulas.

- Eu estou me esforçando! - disse Harry nervoso. - Tenta você qualquer hora, o Snape tentando entrar na sua mente. Não é muito divertido, sabe?

- Talvez... - disse Rony lentamente.

- Talvez o quê? - perguntou Hermione.

- Talvez não seja culpa de Harry que ele não consegue fechar sua mente - disse Rony sombriamente.

- O que você quer dizer com isso? - perguntou Hermione.

- Bem, talvez Snape não esteja realmente tentando ajudar Harry...

Harry e Hermione o encararam. Rony olhava sombriamente de um para o outro.

- Talvez - ele continuou, numa voz mais baixa - ele na verdade esteja tentando abrir a mente de Harry um pouco mais... Deixar mais fácil para Você-Sabe...

- Cala a boca Rony - disse Hermione com raiva. - Quantas vezes você suspeitou de Snape e quantas acertou? Dumbledore confia nele, está na Ordem, isso deveria ser o suficiente.

- Ele era um Comensal da Morte - disse Rony teimosamente. - E nós nunca vimos provas de que ele realmente mudou de lado.

- Dumbledore confia nele - repetiu Hermione. - E se nós não podemos confiar em Dumbledore então não podemos confiar em ninguém.

*

Com tanta coisa pra se preocupar e tanto a fazer - quantidades gigantes de lição de casa que freqüentemente mantinha os quintanistas trabalhando até depois da meia noite, reuniões secretas do ED e aulas regulares com Snape - janeiro parecia estar passando alarmantemente rápido. Antes que Harry percebesse fevereiro chegou, trazendo um clima mais quente e o prospecto da segunda visita a Hogsmeade do ano. Harry teve poucas chances para conversar com Cho desde que combinaram de visitar o vilarejo juntos mas de repente percebeu que passaria o Dia dos Namorados inteiro com ela.

Na manhã do encontro se vestiu cuidadosamente. Ele e Rony chegaram para o café da manhã exatamente na hora da chegada das corujas. Edwiges não estava lá - não que Harry a estivesse esperando, mas Hermione estava pegando uma carta do bico de uma coruja marrom que não conhecia enquanto eles se sentavam.

- Já era hora! Se não tivesse chegado hoje... - ela disse, abrindo o envelope com excitação e tirando um pequeno pedaço de pergaminho.

Seus olhos voavam da esquerda para a direita enquanto ela lia e uma expressão de satisfação apareceu no seu rosto.

- Ouça, Harry - ela disse, olhando para ele -, isto é muito importante. Você acha que pode se encontrar comigo no Três Vassouras lá pelo meio-dia?

- Bom... Eu não sei - falou Harry sem certeza. - Talvez Cho esteja esperando que eu passe o dia inteiro com ela. Nós nunca conversamos sobre o que iríamos fazer.

- Bem, traga ela junto se for necessário - disse Hermione com pressa. - Mas você vai?

- Bom... Tudo bem, mas por quê?

- Eu não tenho tempo para te contar agora, eu tenho que responder isto rapidamente!

E ela correu para fora do Salão Principal, a carta numa mão e a torrada em outra.

- Você vem? - Harry perguntou a Rony mas ele balançou a cabeça, com um olhar carrancudo.- Eu não posso ir para Hogsmeade; a Angelina quer treinar o dia inteiro. Como se fosse ajudar alguma coisa; nós somos o pior time que eu já vi. Você deveria ver Sloper e Kirke, são patéticos, piores do que eu - ele deu um grande suspiro. - Eu não sei por que a Angelina não me deixa desistir.

- É porque você é bom quando está ligado, por isso - disse Harry irritado.

Ele achou muito difícil ficar ao lado de Rony porque ele mesmo daria quase tudo para jogar o próximo jogo contra Lufa-lufa. Rony pareceu ter notado o tom de voz de Harry porque não mencionou quadribol novamente durante o café e houve um leve tom frio na maneira em que se despediram pouco tempo depois.

Rony foi para o campo de quadribol e Harry, depois de tentar arrumar o cabelo pelo seu reflexo numa colher, foi sozinho para o Saguão de Entrada para encontrar com Cho, sentindo-se muito apreensivo e imaginando sobre o que diabos eles conversariam.

Ela estava esperando por ele ao lado da porta de carvalho, muito bonita com seu cabelo preso num longo rabo-de-cavalo. Os pés de Harry pareciam ser muito grandes para o seu corpo enquanto andava até ela e de repente se deu conta de como deveria parecer estúpido balançando seus braços de um lado para o outro.

- Oi - disse Cho, levemente sem fôlego.

- Oi - respondeu Harry.

Eles se olharam por um momento, então Harry disse.

- Bem, er, vamos?

- Ah, sim...

Eles se juntaram à fila de pessoas sendo sinalizadas por Filch, ocasionalmente trocando olhares e dando sorrisinhos mas não falando um com o outro. Harry se sentiu aliviado quando saíram para o ar fresco, achando mais fácil andar em silêncio do que ficar parado olhando sem graça.

Era um dia agradável e enquanto passavam pelo campo de quadribol Harry viu Rony e Gina passando em volta das arquibancadas, sentiu-se muito mal por não estar lá com eles.

- Você realmente sente falta, não sente? - perguntou Cho.

Ele se virou e viu que ela o estava olhando.

- Sim. Eu sinto.

- Você se lembra da primeira vez que nós jogamos um contra o outro no terceiro ano?

- Lembro - respondeu Harry, sorrindo. - Você ficava me bloqueando.

- E o Wood disse para você não ser um cavalheiro e me derrubar da vassoura se fosse preciso - disse ela, também sorrindo. - Eu fiquei sabendo que ele foi aceito pelo Pride of Portree, certo?

- Não, foi o Puddlemere United; eu o encontrei com na Copa Mundial, ano passado.

- Ah, eu também te vi lá, se lembra? Nós estávamos na mesma área de acampamento. Foi muito legal não acha?

E a Copa Mundial de Quadribol foi o assunto em todo o caminho até os portões. Harry não conseguia acreditar como era fácil falar com ela. Não mais difícil, na verdade, do que conversar com Rony e Hermione. E ele já estava se sentindo mais alegre e confiante quando uma grande turma de garotas da Sonserina passou por eles, incluindo Pansy Parkinson.

- Potter e Chang! - gritou Pansy, que se juntou a um coro de risadinhas. - Urgh, Chang, que falta de gosto... Pelo menos Diggory era bonito!

As garotas andaram mais rápido, conversando e gritando enquanto davam olhares exageradamente longos para Harry e Cho, fazendo os dois ficarem num silêncio embaraçoso. Harry não conseguia pensar em mais nada para conversar sobre quadribol, e Cho, levemente corada, estava olhando para os seus pés.

- Então... Aonde você quer ir? - perguntou Harry enquanto entravam em Hogsmeade. A rua principal estava cheia de estudantes de cima a baixo, olhando pelas vidraças das lojas e brincando uns com os outros.

- Ah... Tanto faz - disse Cho, encolhendo os ombros. - Hum... Vamos dar uma olhada nas lojas ou algo assim?

Andaram em direção a Dervish e Banges. Um grande cartaz foi colocado na janela e algumas pessoas de Hogsmeade o estavam olhando. Saíram de lado quando Harry e Cho se aproximaram, Harry se viu novamente olhando para a foto dos dez Comensais da Morte fugitivos. O cartaz, "por ordem do Ministério da Magia", oferecia um prêmio de mil galeões para qualquer bruxo ou bruxa que tenha informações que ajudem na recaptura dos presos.

- É engraçado, não é - disse Cho em voz baixa, olhando para a foto dos Comensais da Morte. - Você lembra quando aquele Sirius Black escapou e havia dementadores em toda Hogsmeade procurando por ele? E agora dez Comensais da Morte escaparam e não há dementadores em lugar algum...

- É verdade - respondeu Harry, desviando seus olhos do rosto de Bellatrix Lestrange para olhar a rua principal. - É, isso é estranho.

Ele não achou ruim o fato de não haver nenhum dementador por perto mas, pensando melhor, sua ausência era muito significativa. Não apenas tinham deixado os Comensais da Morte escapar como não estavam preocupados em procurar por eles... Parecia que estavam totalmente fora do controle do Ministério agora.

Os dez Comensais da Morte fugitivos estavam estampados em cada loja que passavam. Começou a chover enquanto passavam pela Scrivenshaft; gotas pesadas e frias estavam batendo no rosto e pescoço de Harry.

- Hum... Você quer tomar um café? - perguntou Cho enquanto a chuva começava a cair mais forte.

- Claro - respondeu Harry, olhando em volta. - Onde?

- Ah, tem um lugar bem legal logo ali; você já ouviu falar do Madame Puddifoo? - perguntou animadamente, levando-o a uma rua ao lado para uma pequena casa de chá que Harry nunca tinha visto antes. Era um lugarzinho cheio e esfumaçado que era decorado inteiramente com babadinhos e rendas. Harry se lembrou amargamente do escritório da Umbridge. - Bonitinho, não é? - perguntou Cho animadamente.

- Er... Sim - respondeu Harry sem muita convicção.

- Olha, eles fizeram uma decoração para o Dia dos Namorados! - disse Cho, indicando alguns coraçõezinhos que sobrevoavam cada uma das pequenas mesas circulares e que ocasionalmente soltavam confeite rosa sobre seus ocupantes.

Eles se sentaram na última mesa vazia do lugar, que ficava perto da janela esfumaçada. Rogério Davies, o capitão de quadribol da Corvinal, estava sentado a menos de um metro deles junto com uma linda garota loira. Estavam de mãos dadas. Esta visão fez Harry se sentir desconfortável, principalmente quando, olhando em volta do lugar, reparou que havia apenas casais, todos de mãos dadas. Talvez Cho estivesse esperando que ele segurasse a mão dela.

- O que vocês vão querer, meus queridos? - perguntou Madame Puddifoot, uma mulher bem corpulenta carregando um bolinho preto, espremendo-se entre sua mesa e a de Rogério Davies com muita dificuldade.

- Dois cafés, por favor - respondeu Cho.

Na hora que o café chegou Rogério Davies e sua namorada começaram a se beijar por cima da xícara de açúcar. Harry desejou que não se beijassem; pensou que Davies estava seguindo um padrão pelo qual Cho esperaria que ele seguisse. Sentiu seu rosto ficando vermelho e ficou olhando para a janela, estava tão esfumaçada que não podia ver a rua. Para adiar o momento em que teria que olhar para a Cho, começou a olhar para o teto como se estivesse examinado a pintura, e recebeu um montão de confete na cara que foi mandado pelo enfeite de coração.

Depois de mais alguns dolorosos minutos Cho mencionou Umbridge. Harry aproveitou o assunto com alívio e passaram alguns momentos engraçados, fazendo brincadeiras sobre ela, porém o assunto já tinha sido tão desgastado durante os encontros do ED que não durou muito tempo. Novamente a mesa ficou silenciosa. Harry estava bem consciente dos barulhos de beijo da mesa ao lado e começou a pensar desesperadamente em alguma coisa para dizer.

- Er... Olha só, você quer vir comigo ao Três Vassouras hoje na hora do almoço? Eu vou encontrar a Hermione Granger lá - Cho levantou as sobrancelhas.

- Você vai se encontrar com a Hermione Granger? Hoje?

- Vou. Bom, ela me pediu, então eu achei melhor ir. Você quer ir comigo? Ela disse que não teria problema se você fosse.

- Ah... Bem... Que legal da parte dela.

Mas Cho não soou como se fosse legal. Pelo contrário, seu tom de voz foi frio e de repente parecia ter se fechado. Alguns minutos se passaram em silêncio total, com Harry bebendo o café tão rápido que já estava quase precisando de um novo. Ao lado deles, Rogério Davies e sua namorada pareciam estar com os lábios colados.

Cho estava com a mão na mesa, ao lado de sua xícara de café, e Harry se sentiu pressionado a pegá-la. "Vai logo", ele disse para si mesmo enquanto um misto de pânico e excitação encheu seu peito, "vai logo e pega a mão dela". Era incrível como era mais difícil estender a mão vinte centímetros para pegar a mão dela do que pegar um pomo de ouro em pleno céu...

Mas no momento em que moveu sua mão para frente Cho tirou a sua da mesa. Ela agora estava olhando Rogério Davies beijando sua namorada com uma expressão de interesse.

- Ele me chamou para sair, sabe - ela disse com uma voz calma. - Algumas semanas atrás, o Rogério. Eu não aceitei, no entanto.

Harry, que pegou a xícara de açúcar como desculpa pelo seu movimento repentino de mão, não entendeu por que ela estava lhe contando isso. Se queria estar sentada na mesa ao lado sendo beijada por Rogério Davies, por que ela concordou em sair com ele?

Ele não disse nada. O enfeite de coração jogou mais confeite sobre eles; um pouco de confeite caiu no resto de café que Harry iria beber.

- Eu vim aqui com o Cedrico no ano passado - disse Cho.

Nos segundos que demoraram para Harry absorver o que Cho havia dito ele congelou por dentro. Não podia acreditar que ela queria conversar sobre Cedrico agora, enquanto casais se beijavam por todos os lados e enfeites de coração flutuavam sobre suas cabeças.

Cho aumentou o tom de voz quando falou novamente.

- Eu queria te perguntar isso há muito tempo... Cedrico... Ele... Mencionou meu nome antes de morrer?

Esta era a última coisa da Terra sobre o que Harry queria falar, e menos ainda com Cho.

- Bem, não - disse ele baixinho. - Não houve tempo para ele dizer nada. Er... Então... Você... Você viu muitos jogos de quadribol no feriado? Você torce pelos Tornados, certo?

Sua voz tinha um tom falsamente alegre. Para seu horror, ele viu que os olhos de Cho estavam se enchendo de lágrimas de novo, exatamente como acontecera na última reunião do ED antes do Natal.

- Olha - disse ele desesperadamente, inclinando-se muito para que ninguém mais pudesse ouvir -, não vamos falar sobre o Cedrico agora... Vamos falar sobre outra coisa.

Mas aparentemente isso não era a coisa certa a dizer.

- Eu pensei - ela disse, lágrimas escorrendo sobre a mesa. - Eu pensei que você entenderia! Eu preciso conversar sobre isso! Com certeza você também precisa! Quero dizer, você viu acontecer, não viu?

Tudo estava indo terrivelmente mal; até mesmo Rogério Davies se desgrudou de sua namorada para olhar para Cho chorando.

- Bom, eu já conversei sobre isso - Harry sussurrou -, com Rony e Hermione, mas...

- Ah, você conversou com a Hermione Granger! - disse ele com a voz aguda, seu rosto brilhando por causa das lágrimas.

Vários outros casais pararam de se beijar para ficar olhando.- Mas você não conversa comigo! Tá... Talvez fosse melhor se nós... Simplesmente p... Pagarmos e irmos embora para que você se encontre com a Hermione G... Granger, como você obviamente quer!

Harry ficou olhando para ela sem conseguir acreditar enquanto ela agarrava um guardanapo e enfiava o rosto nele.

- Cho? - disse ele baixinho, desejando que Rogério agarrasse e beijasse sua namorada para que ela parasse de olhar para ele e Cho.

- Vai logo embora! - disse ela, agora chorando no guardanapo. - Eu não sei por que você me convidou se vai ficar se encontrando com outras garotas depois de mim... Quantas mais você vai se encontrar depois de Hermione?

- Não tem nada a ver! - disse Harry e ele se sentiu tão aliviado por finalmente entender o porquê de ela ter ficado braba que deu uma risada, o que percebeu um segundo depois que também foi um erro.

Cho se levantou. O lugar inteiro estava em silêncio e todo mundo estava olhando para eles agora.

- A gente se vê por aí Harry - ela disse dramaticamente e correu para a porta, abrindo-a com força e indo para a chuva.

- Cho! - Harry a chamou mas a porta já tinha se fechado com um barulhão.

A casa de chá estava em silêncio total. Todos os olhos estavam voltados para Harry. Ele jogou um galeão na mesa,tirou o confeite rosa do cabelo e seguiu Cho para fora. Estava chovendo muito e não a achou em lugar nenhum. Simplesmente não entendia o que aconteceu; meia hora antes estavam se dando muito bem.

- Mulheres! - gemeu ele com raiva, cruzando a rua com as mãos no bolso. - Por que ela queria falar sobre o Cedrico? Por que ela sempre queria trazer um assunto que a fazia agir como uma torneira humana?

Ele virou à direita e começou a correr, em minutos chegou à porta do Três Vassouras. Sabia que era muito cedo para o encontro com Hermione mas pensou que ali poderia ter alguém com quem pudesse passar o tempo. Tirou o cabelo molhado dos olhos e olhou em volta. Hagrid estava sentado sozinho num canto, com uma cara triste.

- Oi, Hagrid! - disse ele enquanto se enfiava entre as mesas apertadas e puxava uma cadeira.

Hagrid deu um pulo e olhou para Harry como se mal o tivesse reconhecido. Harry viu que ele estava com dois cortes novos no rosto e vários outros machucados.

- Ah, é você Harry, tudo bem?

- Sim, tudo bem - mentiu Harry mas, se comparado ao abatido e machucado Hagrid, achou que não tinha muito do que reclamar. - Er...Você está bem?

- Eu? Ah sim, estou ótimo, Harry, ótimo.

Ele sorriu por cima de sua caneca, que era do tamanho de um grande balde, e suspirou. Harry não sabia o que dizer. Sentaram lado a lado por um momento. Então Hagrid disse abruptamente.

- Estamos no mesmo barco eu e você, não estamos, Harry?

- Er...

- Sim... Como eu já disse antes... Ambos intrusos - disse Hagrid, balançando a cabeça. - E ambos órfãos. Sim... Ambos órfãos - ele tomou um grande gole da sua caneca. - Faz uma grande diferença vir de uma família respeitável. Meu pai era decente. E seu pai e sua mão eram decentes. Se eles estivessem vivos a vida seria bem diferente, não acha?

- É... Acredito que sim - respondeu Harry com cautela. Hagrid estava agindo de modo estranho.

- Família - disse Hagrid tristemente -, não importa o que digam, sangue é importante...

E ele limpou uma lágrima de seu olho.

- Hagrid - disse Harry, não conseguindo se conter -, por que você está tendo todos estes machucados?

- Eh? - disse Hagrid, olhando assustado. - Que machucados?

- Todos estes! - disse Harry, apontando para o rosto do outro.

- Ah... são apenas cortes e machucados normais, Harry, meu trabalho é difícil.

Ele esvaziou sua caneca, afastou a mesa e se levantou.

- A gente se vê, Harry... Se cuida.

E ele saiu do bar parecendo acabado e desapareceu na chuva torrencial.

Harry o viu ir embora, sentindo-se mal. Hagrid estava infeliz e escondendo alguma coisa mas parecia determinado a não aceitar ajuda. O que será que estava acontecendo? Mas antes que Harry pudesse pensar mais sobre isso ele ouviu uma voz chamando seu nome.



- Harry! Harry, aqui!

Hermione estava acenando para ele do outro lado do bar. Ele se levantou e andou pelo bar lotado em direção a ela. Ainda estava a algumas mesas de distância quando percebeu que Hermione não estava sozinha. Estava sentada numa mesa com o par mais improvável de pessoas que ele pudesse imaginar: Luna Lovegood e ninguém menos do que Rita Skeeter, ex-jornalista do Profeta Diário e uma das pessoas que Hermione menos gostava neste mundo.

- Você chegou cedo! - disse Hermione, movendo-se para o lado para que Harry pudesse se sentar. - Eu pensei que você estivesse com a Cho, não estava te esperando por pelo menos mais uma hora!

- Cho? - disse Rita na hora, virando-se na cadeira para olhar avidamente para Harry. - Uma garota?

Ela abriu sua bolsa de pele de crocodilo e pegou algo.

- Não é da sua conta nem que Harry esteja com cem garotas - disse Hermione a Rita friamente. - Então você pode guardar isto agora.

Rita estava prestes usar sua pena-de-repetição-rápida no pergaminho. Com um olhar de como se tivesse que engolir uma bomba de bosta, ela fechou a bolsa.

- O que você está tramando? - perguntou Harry, sentando-se e olhando de Rita para Luna e Hermione.

- A senhorita perfeição aqui estava para me contar quando você chegou - disse Rita, tomando um grande gole de sua bebida. - Eu acredito que você vai permitir que eu fale com ele não é? - ela olhou para Hermione.

- Sim, eu acho que você pode - disse Hermione friamente.

O desemprego não fez bem a Rita. Seu cabelo, que antigamente era elaboradamente enrolado, agora estava solto e espalhado pelo seu rosto. As suas unhas de cor escarlate estavam lascadas e estavam faltando algumas pedrinhas do aro de seus óculos. Ela tomou outro grande gole de sua bebida e perguntou de canto da boca.

- Ela é bonita, Harry?

- Mais uma palavra sobre a vida amorosa de Harry e o acordo está acabado, estou te avisando - disse Hermione, irritada.

- Que acordo? - perguntou Rita, limpando a boca com a mão. - Você não mencionou o acordo ainda, senhorita perfeita, você apenas me disse para vir. Aí, um destes dias... - ela deu um grande suspiro.

- É, é, um destes dias você vai escrever mais histórias horríveis sobre Harry e eu - disse Hermione com indiferença. - Ache alguém que se importa, tá bom?

- Eles fizeram muitas histórias horríveis sobre o Harry sem minha ajuda - disse Rita, dando um olhar de lado para ele por cima dos óculos e depois perguntando num sussurro. - Como isso fez você se sentir, Harry? Traído? Mal entendido?

- Ele ficou com raiva, é claro - disse Hermione numa voz dura. - Porque ele disse a verdade ao Ministro da Magia mas ele é muito idiota para acreditar.

- Então você continua afirmando isso, que

Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado voltou? - perguntou Rita, abaixando os óculos e dando um olhar penetrante a Harry enquanto apertava os dedos no fecho da bolsa de crocodilo. - Você fica do lado de Dumbledore quanto a todas as baboseiras que ele tem dito sobre o retorno de Você-Sabe-Quem e você sendo a única testemunha?

- Eu não sou a única testemunha - resmungou Harry. - Havia uma dúzia de Comensais da Morte lá. Quer os nomes deles?

- Eu adoraria - suspirou Rita, enfiando a mão na bolsa novamente e sorrindo para ele como se fosse a coisa mais bonita que ela já viu. - Um título ousado: "Potter acusa..." Um sub-título, "Harry Potter diz quem são os Comensais da Morte ainda entre nós". E depois, embaixo de uma grande foto sua, "adolescente perturbado, sobrevivente do ataque de Você-Sabe-Quem, Harry Potter, 15, causou espanto ontem ao acusar respeitáveis e proeminentes membros da comunidade de bruxos de serem Comensais da Morte...".

A pena-de-repetição-rápida já estava na sua mão quando a expressão de felicidade no seu rosto desapareceu.

- Mas é claro - disse ela, baixando a pena e olhando braba para Hermione -, a senhorita perfeição não quer que esta história saia, não é?

- Na verdade - respondeu Hermione docemente - é exatamente o que a senhorita perfeição quer.

Rita ficou olhando para ela. Harry também. Luna, por outro lado, cantava "Weasley é o nosso rei" com sua voz sonhadora e mexia sua bebida de coquetel de cebola no palito.

- Você quer que eu divulgue o que ele disser sobre Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado? - perguntou Rita numa voz agitada.

- Sim, eu quero. A verdadeira história. Todos os fatos. Exatamente como Harry os dizer. Ele te dará todos os detalhes, dirá os nomes dos Comensais da Morte que viu lá, dirá qual é a aparência de Voldemort agora, ah, por favor - completou, jogando um guardanapo do outro lado da mesa porque ao som do nome de Voldemort Rita pulou tão alto que seus óculos caíram dentro do Firewhisky.

Rita limpou a frente de sua capa imunda, ainda encarando Hermione. Então ela disse secamente.

- O Profeta nunca publicará. Caso você não tenha notado, ninguém acredita nessa história maluca. Todo mundo pensa que ele é louco. Agora, se você me deixar escrever a história daquele ângulo...

- Nós não precisamos de outra história sobre a loucura do Harry! - respondeu nervosamente Hermione. - Já temos muitas destas, obrigada! Eu quero que você dê a ele a oportunidade de dizer a verdade!

- Não há mercado para uma história assim - disse Rita friamente.

- Você quer dizer que o Profeta Diário não publicará porque Fudge não deixa - disse irritada.

Rita deu a Hermione a um olhar longo e duro. Então, inclinando-se na cadeira em direção a ela, disse num tom de negociante.

- Tudo bem, Fudge está controlando o Profeta mas dá na mesma. Eles não publicarão uma história que mostre que Harry está certo. Ninguém quer ler sobre isto, vai contra o humor da população. Esta última fuga de Azkaban já deixou as pessoas preocupadas o suficiente. Ninguém quer acreditar que Você-Sabe-Quem retornou.

- Então o Profeta Diário existe para dizer as pessoas o que elas querem ouvir, não é?

Rita se arrumou na cadeira, suas sobrancelhas levantadas, e tomou o resto do seu Firewhisky.

- O Profeta existe para se vender, bobinha - disse friamente.

- Meu pai acha que é um péssimo jornal - disse Luna, entrando na conversa inesperadamente.

Bebendo seu coquetel de cebola, ela sorriu para Rita com seus enormes e ligeiramente loucos olhos.

- Ele publica histórias importantes que acredita que o público precisa saber. Ele não se importa com o dinheiro.

Rita deu um olhar desacreditado para Luna.

- Eu acho seu pai têm alguma estúpida revista local? Provavelmente, vinte e cinco maneiras de se misturar com trouxas e as datas da próxima feira de vassouras?

- Não, respondeu Luna, mergulhando sua cebola na bebida. -Ele é o editor do The Quibbler.

Rita grunhiu tão alto que algumas pessoas em mesas próximas olharam em volta preocupadas.

- Histórias importantes que ele acredita que o público precisa saber, é? Eu poderia usar aquela revistinha como adubo de jardim.

- Bom, esta é a sua chance de aumentar um pouco o nível, não é? - disse agradavelmente Hermione. - Luna disse que o pai dela aceitaria a entrevista com prazer. É assim que vamos publicá-la.

Rita olhou para ambas por um momento, depois soltou uma gargalhada.

- The Quibbler! - disse ela, rindo. - Você acredita que alguém vai levá-lo a sério se a matéria for publicada no The Quibbler?

- Algumas pessoas não - disse Hermione numa voz nivelada - mas a versão do Profeta sobre a fuga de Azkaban tinha alguns buracos. Eu acho que muitas pessoas devem estar imaginando por que não existe uma melhor explicação sobre o que aconteceu e se existir uma história alternativa, mesmo que seja publicada numa... - ela olhou de lado para Luna. - Numa... Bem, numa revista diferente... Acredito que elas fiquem interessadas em lê-la.

Rita não disse nada por um tempo mas fez uma cara feia para Hermione, sua cabeça pendendo para um lado.

- Tudo bem, vamos dizer por um momento que eu faria - disse ela abruptamente. - O que eu vou receber em troca?

- Eu não acredito que papai paga as pessoas para escrever para a revista - disse Luna com sua voz sonhadora. - Elas escrevem porque é uma honra e, é claro, para verem seus nomes impressos.

Rita Skeeter deu um olhar como se o gosto da bomba de bosta tivesse voltado enquanto se virava para Hermione.

- Eu devo fazer isso ou então?

- Bem, sim - disse Hermione calmamente, tomando um pouco de sua bebida. - Ou então, como você já sabe, eu informarei às autoridades que você é uma animaga não registrada. É claro, o Profeta pode te pagar muito mais por uma visão de como é a vida em Azkaban.

Rita deu um olhar de que nada mais agradaria a ela do que arrancar o guarda-chuvinha da bebida de Hermione e enfiar no nariz da menina.

- Eu não tenho escolha então, não é? - disse Rita, sua voz tremendo um pouco. Abriu a bolsa de crocodilo novamente, retirou um pedaço de pergaminho, e levantou sua pena-de-repetição-rápida.

- Papai ficará satisfeito - disse Luna animadamente. Um músculo da boca de Rita se contorceu.

- Ok, Harry? - disse Hermione, virando-se para ele. - Pronto para dizer ao público a verdade?

- Creio que sim - disse Harry, vendo Rita balançar a pena-de-repetição-rápida no pergaminho.

- Vamos lá então, Rita - disse Hermione serenamente, tirando um pedaço de cereja grudada nos óculos de Rita.

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