Gigantes no Yule



Londres/Paris/Dijon/Genebra
(1973-1974)




A chama da vela pousada acima da grande escrivaninha de mogno iluminava uma pilha de pergaminhos e grossos livros .
Havia um mapa-múndi estendido sobre todo aquele amontoado confuso de desenhos, letras e símbolos impressos no papel, e ao redor dele três pessoas cochichavam sombriamente. Era bastante claro que aquelas pessoas, fossem quem fossem, estavam planejando algo.
E a julgar pela quantidade de malas e pacotes no canto a seus pés, eles estavam planejando uma viagem. E grande, porque o vulto mais alto dos três, um homem encapuzado e vestido de preto dos pés à cabeça, acabara de colar com um feitiço o enorme mapa na parede, e nele havia uma fina linha vermelha, que brilhava como fogo, ligando Londres a Genebra.

“Como faremos, Mestre?” – Perguntou timidamente a mulher à direita do homem alto e encapuzado.
“Atravessaremos de modo trouxa.” – Ele apontou com a varinha para a área oceânica do mapa entitulada “Canal da Mancha”. – “Depois aparatamos em Dijon, onde há uma reserva de Testrálios. Voaremos até aqui” – tornou a apontar com a varinha para um ponto na fronteira entre França e Suíça, cujo relevo acidentado era indicado por machas cinzas no mapa.
“Meio trouxa? Testrálios? Ora, por que não usamos vassouras?” – Pergunou o rapaz jovem do lado esquerdo da mesa, com um tom de voz irritado.
“Por maior, sem dúvida, que seja o seu talento com vassouras, e a sua disposição para exibi-los” – a voz de Lord Voldemort se tornou suave e letal – “Receio que nem todos aqui compartilhem de seus dons”
Voldemort encarou o rapaz, que deu de ombros e tornou a abaixar a cabeça humildemente. Então, sem dizer mais nada, deu dois toques com a varinha no mapa, e ele tornou a se enrolar e desaparecer no ar.

[...]

A brisa marinha ainda arrepiava os cabelos soltos ao vento e Bellatrix abotou a capa mais junto ao corpo. A lua crescente brilhava acima de sua cabeça adornada de brilhantes fios negros macios como cetim, quase cheia. Alguma coisa naquela paisagem a fazia sentir-se ligeiramente melancólica. Era como se realmente estivesse deixando alguma coisa para trás.

Reprimiu um suspiro cansado. Ela faria qualquer coisa por seu mestre. Se tivesse de caçar gigantes alpinos para provar sua utilidade e lealdade, então ela assim o faria.

Só não entendia o que Richard Benson estava fazendo ali. O homem era irritante e resmungão, sempre reclamando, sempre insolente. Talvez ele achasse que ser filho do Lorde das Trevas lhe dava o direito de trata-lo como bem entendesse. Bellatrix riu. A verdade era que ela era mais como uma filha para o Lorde das Trevas. E se sentia extremamente grata e orgulhosa com isso.

Lançou um segundo olhar à paisagem à sua volta. Estava numa pequena ilha artificial no meio de um rio, debruçada sobre a grade, observando as águas tranqüilas do rio correrem, escuras, quase negras, gélidas e profundas. Sentiu vontade de jogar-se ali. Nunca soube por quê.

A verdade é que nenhum trouxa tinha acesso àquela ilhota no meio do rio, contruída magicamente. Voldemort morara em Paris tempo suficiente para conhecer cada entrada para o Ministério, e sabia que aquela os levaria para o Departamento de Aparatação a Longas Distâncias, de onde poderiam aparatar com segurança até Dijon, na reserva de Testrálios.

Voldemort deu duas batidas com a varinha no muro às suas costas e um portal se abriu, permitindo a passagem dos três bruxos.

Estava muito escuro e quieto, como se tivessem adentrado em uma loja fechada. Mas o Ministério funcionava vinte e quatro horas, e assim que entraram, uma luz se acendeu acima de suas cabeça, e um bruxo jovem extremamente entediado abandonou as cruzadinhas com que se entretinha e voltou os olhos sonolentos para os três encapuzados.

Ministério da Magia, em que posso ajuda-los?
“Departamento de Aparatação à Longa Distância, por favor.” – Disse educadamente.
“Quarto andar, segunda porta à esq-...” – O rapaz parou por um momento, olhando fixamente para o mural à sua frente. – “Espere aí, você não é o... Pelas barbas de Merlin!” – Todo o sangue e a cor do rosto do funcionário sumiram de repente.
Bellatrix gemeu de frustração. Ricky sacou a varinha rapidamente. Voldemort virou-se; estava cercado de fotos de si mesmo. Seu eu fotográfica piscava tediosamente, os braços cruzados no peito, uma expressão de total desdém. Abaixo da foto, havia uma legenda de “Procurado Vivo ou Morto. Recompensa: 600 mil galeões”.

Voldemort ergueu uma sobrancelha. Não sabia que valia tanto.

“Oh-oh!” – Exclamou. Sorriu malignamente. – “Hoje é seu dia de sorte, Sr Montaigne. Pode escolher entre tentar levar minha cabeça e ganhar os seissentos mil galeões, e morrer de uma forma extremamente dolorosa, ou me ajudar, e nos levar até aquela reserva de Testrálios em Dijon”

O funcionário baixou a varinha até então erguida na altura da testa de Voldemort. Gaguejou alguma coisa.

Ainda mudo, Montaigne percorreu os corredores do Ministério, subiu ao quarto andar e entrou pela primeira porta à esquerda. Uma placa dizia “Departamento de Aparatação à Longa Distância”.

“Não há ninguém aqui à essa hora” – falou o funcionário apavorado – “Eu já posso ir?”
“Não, você fica. Vai nos levar até a reserva.”
O funcionário gemeu baixinho gemeu baixinho.
“Não faz diferença” – continuou Voldemort – “Nem sei o que vim fazer aqui. Se não tivesse esses incompetentes ao meu lado, teria aparatado direto... Mas do jeito que vocês são, principalmente você, Benson, não me surpreenderia se fossem parar no Nepal.”
“Senhor...” – Adiantou-se Bellatrix ofegante – “Não acho... Não acho que seja... Uma boa idéia... aparatar diretamente... Em Dijon” – e a cada frase, sua voz descia de tom, até que tornou-se nada além de um sussurro rouco.
“Não seja boba. Você está comigo. Agora, vamos.” – E sem aviso, agarrou Bella por trás e segurou-a firmemente. - “Quanto à você, Benson, você vai sozinho.”

Ambos mergulharam na horrível sensação de compressão.

Tinham aparatado em um vasto descampado cercado de arbustos baixos. O tempo estava ligeiramente mais quente e úmido ali.

Segundos depois, Voldemort e Bellatrix; os corpos já devidamente separados, ouviram dois estalos altos. O primeiro foi de Montaigne aparatando. O segundo, para total surpresa de Voldemort, era Ricky. Surpreendia-se, pois o julgava um jogador de quadribol descerebrado, incapaz de aparatar cem metros, quanto mais centenas de quilômetros.
Ponderou que talvez os genes do rapaz estivessem enfim se revelando.

“Muito bem” – falou o Lorde das Trevas delicadamente – “Agora nos mostre onde fica a bendita Reserva.”

Montaigne os guiou por uma trilha cercada de uma densa floresta de pinheiros durante quse uma hoa, até que, chegando do outro lado de um barranco particularmente lamacento, foi visivel uma espécie de picadeiro de cerca viva, dentro do qual imensos cavalos negros alados, os rostos terrivelmente descarnados, coiceando como búfalos impacientes, pastavam alguma coisa vermelha e sangrenta que de forma alguma lembrava vegetação.

“Eles são mansos?” – perguntou Ricky ao guia.
“Não sei, senhor” – respondeu Montaigne com a voz fininha e fraca.

Voldemort se adiantou corajosamente, antes que Ricky o fizesse, e tocou o corpo esquelético do animal. O cavalo revoltou-se; coiceou no ar , levantou as patas dianteiras, relinchou.
Apenas Bellatrix piscava confusa.
“Você não os enxerga?” – Perguntou Voldemort.
Bellatrix sacudiu a cabeça.
“Não seja por isso.” – E apontou a varinha para Montaigne – “Avada Kedavra. Agora você pode vê-los.”

[...]


Conforme o trio sinistro voava em direção ao leste, iam sentindo o frio tomar conta da atmosfera local. Logo, não haviam mais planíces de arbustos ou florestas de pinho visíveis centenas de metros abaixos de seus pés, mas picos de montanhas nevadas que se erguiam ameaçadoramente, ameaçando ferí-los. A neve eterna das montanhas era tão branca e pura, que tão logo o sol ascendeu de sua morada no leste, começando a seguir sua trajetória celeste diária em direção ao ponto oposto da abóboda , sua luz parecia se multiplicar, sendo refletida pelos floquinhos cristalinos e fazendo surgir uma nova Via Láctea lá embaixo.

Mas enfim chegou um ponto em que as montanhas eram altas demais, e os Téstrálios cansados não podiam mais continuar subindo. Ademais, os feitiços aquecedores perdiam rapidamente seus efeitos com o vento gelado e cortante dos Alpes. E foi então que, quando o sol já tornava a se pôr no Oeste, Voldemort permitiu a si e a seus servos um pouco de descanso.

Pararam num pequeno vale entre dois morros pedregosos, sob a sombra de uma última bétula desfolhada que lutava contra o peso da neve acumulada em seus galhos. Se se aventurassem a escalar qualquer uma daquelas elevações e olhassem com atenção para cima, veriam os vultos gigantescos que, ao contrário dos vultos mais escuros sempre onipresentes ao seu redor, que eram as montanhas mais altas; se mexiam.

“Vamos esperar a noite, e então partimos.” – Disse Voldemort tranqüilamente, descendo do cavalo. – “Os gigantes não podem nos ver ainda; têm muito medo dos bruxos.”
Ninguém respondeu. Belatriz estava longe; no alto do morro e espiava os vultos dos gigantes.
“Como é que os trouxas não os vêem?” – Ela sussurrou, perguntando mais para si mesmo.
“Ah, eles vêem” – Respondeu Voldemort, com um sorriso satisfeito – “Mas nunca sobrevivem para contar aos outros, não é? Veja só...”
Voldemort subiu, ficando lado a lado com Bellatrix. Apontou um amontoado sangrento que se destacava em meio à imensidão alva.
“Acidentes de alpinismo. Muito me admira que alguns ainda tenham coragem... Lembro que, no passado, Grindewald usou alguns, e os trouxas os reportavam como furacões ou bombas, sabe. Incrível o que eles não inventam para justificar os acontecimentos inexpliáveis, ao invés de simplesmente abrirem os olhos e perceberem que existe Magia. Quando eu era garoto...” – E parou abruptamente, antes de completar a frase. Por sorte, Bellatrix não parecia ter prestado atenção.
“Temos que ir.” – Falou, e deu as costas a Bella.

Ricky estava no vale sob a bétula, cuidando dos testrálios: ele parecia se dar muito bem com os bichos.
“Já vamos, Milorde?” – Perguntou, voltando sua atenção a Voldemort. – “Os animais estão cansados e com frio. Seria melhor irmos amanhã...”
“Vamos a pé. A essa hora alguém no Ministério Francês já deve ter dado conta o desaparecimento de seu funcionário, e avisado a Dumbledore.”

[...]

Quando que isso vai acabar?” – Resmungou Richard, mas o fez em língua de cobra.
Você veio porque quis, estúpido.” – Respondeu Voldemort do mesmo modo.
Bellatrix piscou irritada. Era a primeira vez que via Benson fazendo aquilo, mas sabia o que significavam aqueles sibilados esquisitos. Só não os comprendia.
O trio, porém, estava ficando extremamente mal-humurado. Caminharam durante a noite toda sob a intensa nevasca; os trechos mais rasos que percorriam cobriam até seus joelhos de neve. O sol não dava sinais de querer nascer; e Bella lembrou-se, num arroubo de infelicidade que coincidiu com uma brisa particularmente gélida que trouxe uma pelota de neve ao encontro de seu rosto, que eles estavam fim do outono e que os dias realmente começavam a ficar mais curtos naquela época.

“Chega, eu não agüento mais!” – Berrou Benson, parando de repente no meio do caminho, quando atolou uma das pernas num buraco cheio de lama.
“Chega de suas reclamações!” – Berrou Voldemort, furioso. O bruxo voltou o olhar furioso ao Comensal e seus olhos brilharam com um assustados fulgor vermelho. “Crucio!”

Richard berrou alto, muito alto, cindo com a cara na neve. Sua perna continuava atolada, e quanto mais se debatia, mais ele ficava preso no lamaçal.

Mas Voldemort, gelado, faminto, cansado e furioso como poucas vezes estivera na vida, não percebeu que amaldiçoar Ricky tinha sido um erro estratégico grave. Quando percebeu, era tarde demais...

Um palavrão pesado escapou da boca de cada um deles.

“Alguém está nos seguindo!” – Gritou Voldemort, protegendo a vista com os braços e tentando em vão enxergar além da névoa.
“Não tem ninguém nos seguindo, seu bruxo maluco!” – gritou Ricky, a perna ainda presa. O rapaz afastara a neve: sua perna direita estava enterrada até a coxa em um buraco estreito e uma pedra da montanha havia deslizado junto com toneladas de neve no princípio de avalanche que seus gritos de dor causaram.

Voldemort não deu atenção ao outro; puxou Bella pelo braço e se escondeu atrás de uma fenda na rocha. Richard continuava gritando e gemendo, puxando inutilmente a perna do buraco – sua varinha jazia muitos metros de distância de seu corpo, enterrada sob a neve.

“Milorde...” – Ofegou Bellatrix – “O Benson vai morrer se continuar ali...”
Ela fez menção de sair de seu esconderijo em direção ao corpo que se debatia cada vez mais afundado em neve, agora até a cintura, mas Voldemort a puxou de volta e tapou a boca da bruxa com sua própria mão.
“Tenho certeza de que há alguém nos seguindo.”
Mas só o que se ouviam eram os gritos desesperados de Richard. Seu instinto de sobrevivência tomara o controle da situação agora, e o rapaz puxava a perna atolada com determinação, como se quisesse arranca-la.

“Filho da puta; bastardo maldito!” – Urrou Richard. – “Eu sou seu filho, seu desgraçado!”
Richard despejou mais um jorro de palavrões. Bellatrix parecia cada vez mais aflita atrás de si.
“Você vai agir como uma Grifinória e arriscar a vida para salvar esse bastardinho mestiço?”
Isso pareceu ser suficiente para aquietar Bellatrix. E lentamente, os gritos de Richard foram morrendo, sendo substituídos por um choro fraquinho e infantil.

E então, como ele previra, apareceu: um outro bruxo vinha correndo, subindo a elevação, varinha na mão.

Tão previsíveis...

É claro que ele mordera a isca. Um homem de Dumbledore, esse aí, fosse quem fosse; Voldemort sabia. Jamais iria deixar alguém, não importando se fosse Comensal da Morte ou não, agonizar daquela maneira. Ele teria de vir salva-lo.

Voldemort distinguiu apenas a silhueta do homem que cavava, tirando a neve do corpo já inerte de Ricky. E então, quando já o carregava nos braços e se preparava para Aparatar, Voldemort apontou sua própria varinha para o espião:

Avada Kedavra” – E o homem caiu morto; o corpo ainda vivo de Ricky por cima do seu.
Voldemort abaixou-se; Bellatrix ao seu lado. Estendeu a mão e arrancou o fecho da capa da invisibilidade que o homem vestia antes de morrer: era dourado; uma fênix com as asas cruzadas e embaixo, os dizeres: “Ordem da Fênix”.
“Ora, vejam só. Já inventaram até uma Ordem da Fênix! Tsc, tsc, tsc...” – Voldemort sacudiu a cabeça negativamente, rindo – “Esperava mais de alguém que seguisse ordens de Dumbledore, sinceramente. E quanto à você...”
Voltou-se para Ricky, que agora liberto de sua prisão rochosa, gemia e tremia convulsivamente no chão.
“Está na hora de honrar o sangue. Veremos se você merece o pai que tem. Espero que encontre o caminho de volta. Caso contrário... Adeus, Richard.” – E cobriu o corpo trêmulo do filho com a capa da invisibilidade.

[...]

Quando o sol finalmente nasceu, Bella e Voldemort finalmente se deram ao luxo de pararem para descansar em uma das inúmeras cavernas que haviam por ali. Acenderam uma fogueira na entrada e puderam comer alguma coisa.

A dupla, no entanto, havia permanecido calada durante todo o percurso. Voldemort não sabia ao certo o porquê de sua Comensal estar agindo tão estranho. Sabia que ela não o suportava – mais de uma vez, nas vezes que Ricky ficara para trás – uniram as cabeças e desataram a falar mal dele. Pessoalmente, Voldemort não esperava que Richard voltasse vivo. Bem, isso resolveria a questão de manter ou não o rapaz vivo. Só o mantivera até então porque esperava que seu filho se revelasse excepcional como ele próprio. Então, novamente, unira o útil ao agradável: se por um acaso improvável Richard retornasse a Londres à salvo, se provaria competente o suficiente para fazer parte de seu círculo íntimo, até então formado apenas por Avery, Rookwood, Malfoy pai e o casal Lestrange – embora ainda relutasse em considerar Rodolfo como íntimo.

De fato, Rodolfo não era nem de longe tão poderoso quanto Bella. Mas ela parecia relativamente satisfeita com o casamento e nunca reclamava. Rodolfo obedecia as ordens da esposa sem hesitar, e talvez Bella gostasse de ficar sempre por cima.

Cygnus andava reclamando da falta de herdeiros, agora que a irmã mais nova, Andrômeda, tivera uma filha – mas obviamente, ela estava fora da árvore da família. Narcisa, pelo que ele sabia, estava tratando de seu próprio casamento com Lúcio Malfoy. Mas, sinceramente, não havia ninguém menos apto à maternidade do que Bella. Voldemort só podia imaginar o que Bella faria com um bebê chorão que lhe perturbase a paz.
Apesar de tudo isso, porém, Bellatrix parecia estar sempre feliz e contente. Principalmente ao seu lado. Ela era uma líder nata, excepcionalmente inteligente e poderosa – um tantinho sádica, é verdade – quase tanto quanto ele próprio. Talvez fosse por isso que se dessem tão bem.

Mais tarde o sol já estava à pino e o calor já até derretera uma parte da neve que interditava a trilha. Já era possível distinguir claramente as silhuetas dos gigantes. Moviam-se de um modo engraçado; pareciam dançar. Ou talvez lutassem.
Quando se aproximaram mais, puderam ter certeza de que eles estavam mesmo celebrando alguma coisa.

Gigantes festejando?” – Perguntou Bellatrix, meio risonha, meio exasperada.
“Estão celebrando o Yule” – Respondeu Voldemort, franzindo a testa. Aquilo era realmente inesperado. – “Se chegarmos agora, provavelmente vamos fazer parte do sacrifício.”
Bella encarava o horizonte, pensativa.
“Ou talvez não.” – Ela disse, por fim.
“Como assim?”
“Talvez achem que os sacrifícios é que são para nós.” – Voldemort sorriu.
“Você diz, como mensageiros divinos ou coisa assim?”
“Bem, é.” – Foi a vez de Bellatrix sorrir.
Um silêncio se abateu brevemente entre os dois.
“Essa idéia é realmente boa.” – Ele disse. Bella não respondeu. – “Mas vamos ter de esperar até amanhã, de qualquer maneira.
“Acho que vai ter outra nevasca hoje à noite.” – completou, por fim.

[...]

Quando a noite caiu – o que não tardou a acontecer naquela época do ano – Voldemort começou a achar que talvez tivesse dons de vidente, porque realmente uma nevasca infernal se abateu contra as montanhas. O vento chiava; as fendas nas rochas uivavam e a neve enregelante tomava conta de cada centímetro até da caverna mais profunda que Bellatrix e Voldemort puderam achar para passar a noite.
Pensaram em remover uma grande pedra para tapar a entrada, mas não havia como fazer isso sem chamar a atenção dos gigantes ou causar uma nova avalanche, então tiveram de se conformar em passar a noite apenas com os cobertores aquecidos magicamente – que diga-se de passagem não surtiam o menor efeito diante do vento arrebatador que varria a caverna.
Em dado momento, Bellatrix levantou-se e fez menção de acender uma fogueira.

“Nem pense nisso.” – Sibilou Voldemort – “Senão de mensageiros divinos passaremos ao status de banquete especial.”

Bella deu de ombros e tornou a se encolher em seu canto, cobrindo todo o corpo com o cobertor. Aquilo não pareceu fazer subir sequer um único grau da temperatura congelante de seu corpo. Ela começou a tremer.

Voldemort fez o mesmo – desejando que seu feitiço aquecedor fizesse efeito, embora a neve insistisse em tornar a gelar tudo que aquecia com magia. Por fim, desistiu e resignou-se com o fato de que aquela seria a pior noite de sua vida.

A escuridão aumentou ainda mais, embora nenhum dos dois achasse que isso era possível. A névoa cobrira o céu e apagara a lua e as estrelas. Antes das duas, todo o chão da caverna parecia coberto de um felpudo tapete branco. Então, ao mesmo tempo, embora estivesse cada um em um canto oposto do abrigo, Bella e Voldemort fecharam os olhos, buscando alguma coisa mais confortável para pensar que desviasse seus pensamentos do frio absurdo ou do chão duro em que tentavam, em vão, dormir. Antes das três, ambos começaram a sentir um imenso desconforto sem qualquer ligação com seu estado físico. Voldemort começou, sem saber porquê, a sentir vontade de fugir para bem longe da bruxa. Para bem longe... Ou para bem perto.

“Você está morrendo de frio” – Ele sussurrou, fazendo Bella sobressaltar-se.
“Eu estou bem” – ela resmungou, reconfortando o agasalho ao redor do corpo.
“Você não me servirá de nada se congelar. Preciso de uma Comensal, não de um bloco de gelo!”
Bellatriz tornou a resmungar alguma coisa incompreensível.
Voldemort afastou o cobertor do corpo dela, e então se enfiou junto; os corpos grudados, o calor enfim surgindo. Bella gemeu em resposta ao calor reconfortante que seu corpo achara de repente, e aninhou as costas de encontro ao peito do bruxo. Ele respondeu passando os braços ao redor do abdômen dela; as mãos espalmadas tocaram diretamente a pele quente e macia da barriga. Bella se aconchegou ainda mais. Agora não havia um único milímetro por onde o frio ou o vento pudessem penetrar. No entanto, fosse consciente ou inconscientemente, ambos continuavam a tentar se aproximarem ainda mais. Não havia mais frio, apenas o inexplicável calor escaldante que fluía tentadoramente entre os dois.
Voldemort se permitiu um longo inspiro e sentiu o prazeroso perfume de jasmim e especiarias que Bella sempre usava. Aquilo mais do que tudo é que o aquecera.

“Você sabe que não estamos fazendo certo.” – Ela disse, sussurando. – “É preciso proteger os órgãos vitais primeiro.”

Ele sabia que ela estava certa. No entanto, o órgão com que estava preocupado não era extamanete um órgão vital. Não virou-se. Bella não insistiu. Apenas segurou suas mãos junto às dela, procurando aquecer as próprias.

A neve ao redor deles havia derretido.

Mas o objetivo de Bella não era aquecer as mãos, como Voldemort logo ficou sabendo. Ela guiou ambos os pares de mãos até os próprios seios e as manteve lá. Ele sorriu maliciosamente.
“Isso não são órgãos vitais.”
“Nem isso aí atrás...”
“Não brinque com fogo, Bella, você pode se queimar.”
“Está bastante frio”
Seus lábios encontraram as costas alvas de Bellatrix e acariciaram a pele pálida. Voldemort viu cada um dos pequenos pêlos se arrepiarem e sorriu satisfeito.
Não continuou.
Tornou a erguer a cabeça e enterrou o rosto na massa de fios negros e pefumados. Adormeceram instantaneamente.

[...]

A vila dos gigantes não era realmente uma vila. Não haviam casas. Não havia qualquer coisa que sequer lembrasse vagamente um povoado humano. A exceção talvez fosse por uma grande fogueria em brasa já quase apagada, ao redor da qual restos do que fora um banquete sanguinário se espalhavam.

Ambos estavam sob um feitiço de fascinação. Se os gigantes os olhassem, veriam duas esplêndidas figuras douradas e atraentes. Aquele tinha sido o plano traçado durante a manhã após aquela noite compartilhando os mesmos cobertores – sobre a qual não tornaram a dar nenhuma palavra. Sentiam-se ligeiramente constrangidos.

O Gurgue em pessoa os recebeu. Olhava maravilhado para as duas figuras brilhantes na sua frente. O gigante falava um ínfimo de inglês, e pôde compreender o que Voldemrot e Bella lhe disseram:

“Somos mensageiros divinos” – Declarou Voldemort solenemente; o tom de voz grave mal disfarçando o riso – “Viemos repassar uma mensagem dos Deuses”
“A Deusa deu à luz ao Príncipe das Trevas e o mundo cairá em trevas muito brevemente” – anunciou Bellatrix. – “É seu dever se unir ao Lorde das Trevas. Ele deverá comandar o mundo, agora.”
Voldemort e Bellatrix se entrolharam. Faziam muito esforço para segurar o riso.
“A metade escura do ano chegou, e vocês a celebraram como deve ser e imploraram generosidade aos deuses. Do mesmo modo, vocês devem implorar generosidade do Lorde das Trevas.” – Continuou Bella. Parecia se divertir muito. – “Eu, como a representante da Deusa na terra, ordeno-lhes lealdade eterna!”

Voldemort olhou para Bellatrix, que parecia empolgada demais para notar a besteira que tinha falado.
Ele é que devia ser o representante do Deus na terra, e se Bella era a Deusa, isso os punha em pé de igualdade!
Não importava, de qualquer maneira; o Gurgue parecia estar caindo na esparrela.
“Deus?” – Grunhiu o gigante, apontando para Voldemort.
“Não, gigante.” – Respondeu Bella baixinho – “Ele é mais que Deus. Ele é o Lorde das Trevas”
Nesse momento Voldemort olhou para cima, e viu que Bellatrix irradiava um brilho estranho. Não era decorrente do feitiço de fascinação. Por um momento curto, Voldemort sentiu seu peito se encher de respeito pela bruxa.

Bella parecia, sim, a própria Deusa.

Mas afastou ligeiro esse pensamento da cabeça. Bella podia ser Afrodite em pessoa, mas ele era o Lorde das Trevas. Era mais que Deus. Era Lord Voldemort.

O Gurgue grunhiu alguma coisa incompreensível para um de seus companheiros. Um deles estendeu a mão gigantesca e agarrou Bellatrix pela cintura, erguendo-a até a altura do chão. Bellatrix se conteve e não gritou, ainda que tivesse repetinamente ficado muito pálida.

O Gurgue apanhou algo que em sua mão mais parecia um anel – uma guirlanda de azevinhos – e a coroou. Em seguida recolocou-a no chão. Bellatrix permanecia mortalmente pálida.

Uma pontada de ciúmes estava decididamente ferroando seu estômago; Voldemort sentia-o ardendo dentro de si.

Por que Bella estava recebendo tantas honras?

“Para a Criança Divina” – Grunhiu o Gurgue, e coroou Voldemort com uma coroa de folhas de ciprestes.

A fogueira atrás deles tornou a se acender magicamente.

Voldemort sentiu a mão fria e nervosa de Bella na sua, e percebeu que ela estava amedrontada. Ele próprio estava assustado; não sabia que sua pequena brincadeirinha iria tão longe.

E então uma roda incandescente emergiu das chamas da fogueira e passou voando pelo céu, quase ofuscando o sol. Bella gritou pela primeira vez e se abaixou; o objeto caiu a poucos metros de si.

“A hora está chegando.” - Gritou o Gurgue, no que foi acompanahdo pelos gritos e uivos de seus súditos.
“A Criança da Escuridão já nasceu!” – mais berros dos gigantes
“Ele virá para governar a escuridão!”
“Mas a luz já não tarda!”
“Não tarda! Não tarda!”
“A escuridão virá!”
“Mas a luz não tarda!”
“A luz não tarda!”

“Vamos cair fora daqui!” – Gritou Voldemort para Bella e a puxou para fora da roda dos gigantes que se fechava em torno deles.
“Não consigo aparatar!” – Ela gritou, sobrepondo a voz aos gritos dos gigantes.
Ele abaraçou-a e apontou a própria varinha. No entanto, sua tentativa de aparatação não surtiu efeito tampouco.
“É esse maldito ritual! Magia dos gigantes! Fortes demais, não podemos penetrar!” – Gritou em resposta.

Mais uma roda incadescente voou da fogueira; dessa vez ela caiu no local exato onde o pé de Voldemort estivera segundos antes.

E desataram a correr morro abaixo, mal se importando com o frio, com a neve que entrava por suas vestes molhando-os todo. Correram até que a montanha se tornou íngreme demais. Finalmente puderam Aparatar, estando quilômetros de distância dos gigantes. No entanto, ainda era possível ver a seqüência de fogueiras que eram acesas no alto da montanha.

Embora fosse extremamente perigoso aparatações à longas distâncias, nenhum dos dois ligou. Estavam assustados demais para isso.

Quando puseram os pés em Londres, no mesmo instante, ambos sentiram uma onda de tranqüilidade e alívio os invadir. Havia sido realmente amedrontadora, aquela cena.

Voldemort tinha certeza de que nunca ninguém havia falado nada sobre gigantes prevendo ou adivinhando coisas. Ou sequer celebrando sabbaths. Bem, não eram realmente muitas pessoas que sobreviviam para contar a história, no entanto, ainda assim aquilo tinha sido muito intrigante. Ainda levava a coroa de ciprestes na cabeça. Bella, no entanto, atirara a sua a um canto, e desabara assustadíssima na poltrona, ainda trêmula, ainda coberta de neve. Finalmente abriu a boca:

“O Mestre sabe o que isso significa, não?” – Voldemort confirmou com um muxoxo e sacudiu a cabeça.
“É bastante óbvio...” – resmungou.
“Então o senhor deveria estar feliz! Segundo a lenda, o Deus recém nascido da...” – Bella parou por um instante, como se temesse pronunciar a palavra. Mas continuou - “...Deusa, deverá governar a metade escura do ano, até o verão.”
“Você falou certo, Bella. Metade escura. O que me preocupa é a outra metade. Porque a partir daqui as Trevas vão virando luz. Os dias não mais encurtam; mas prolongam.”

Bellatrix parou por um instante e encarou seu Mestre. Realmente o Lorde das Trevas costumava levar muito à sério profecias e adivinhações bobas.
Talvez os gigantes simplesmente estivessem um tanto bêbados da noite anterior e ela tivesse se empolgado com toda aquela coisa de Deusa, e mensageira divina...

“Beltane” – Disse, por fim.
“Quê?” – Perguntou Bella, atordoada.
“O ciclo deve ser fechado. O Deus nasce da Deusa, cresce, torna-se seu consorte, a fertiliza, morre e nasce de novo. São antigas tradições pagãs bobas, mas... Eu não entendo...”
Espiou alguma coisa pela janela e massageou as têmporas. Seu cérebro parecia embaralhado.
“Se o ciclo for continuado, eu me manterei no poder. Mas... Haverá a morte... O exílio... Depois eu renascerei. E assim por diante. Ascenção, topo, queda; ascenção, topo, queda... Um círculo; uma roda. Acho que isso significa...”

Voldemort virou-se para Bella, muito sério. A Comensal assustou-se, mas nada disse.

“À partir de hoje começa minha ascenção, Bella.”


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Olá! Como vão meus amados leitores? Mais um capítulo para a série “Eu-juro-que-não-estava-drogada-quando-escrevi-isso”, acho hehe...
Espero que tenham gostado de mais essa aulinha tosca de mitologia. Em parte isso é culpa da Morgana, que com a fic dela, me fez retomar meu antigo gosto por paganismo :D
Na verdade eu fui neófita (estudiosa que não se iniciou ainda) da Wicca durante dois anos. Acabei não me iniciando, mas ainda mantive o gosto pela coisa, como dá pra perceber pelos capítulos da Cruz de Hórus, por exemplo... Bem, se vocês quiserem saber mais sobre a tradição pagã, tente este link:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paganismo
É beeem resumo, mas dá pra ter uma noção da coisa. Também dá sempre pra ir no google e tacar “Wicca” e ver no que dá.
E vocês notaram que eu fiz o Voldie super cruel este capítulo? É que eu acabei de receber meu DVD do CdF e vi as entrevistas e especiais sobre o Voldemort e pensei: “Putz, o cara é mau mesmo, eu to deixando ele muito bonzinho!” E eu prometi ser realista... E por falar nisso, que tal a cena quase-quase-quase NC-17 entre Bella e Voldie? Meu shipper preferido, sorry, não resisti hehe...
Fala sério, o Voldie é muito bom né? Muito gostoso? Bem que eu queria ser a Bella nessas horas Hauhauhauhauhauhauhau =PPP
Agradecimentos aos comentários da: Morgana (já disse que te amo hoje?), do Kurt Black (é, Alpes suíços são românticos mesmo... Imagina só o Hagrid e a Máxime lá? Será que não rolou uma cena parecida com a minha Voldie/Bella, hein? >D); Nina (Que isso? Desde quando comment é incômodo? Comments são a razão do meu viver hehe… Obrigada mesmo, muié!), a Nia (prometoque entro no MSN esses dias ;)) E todos os outros que comentaram. Estou feliz; finalmente cheguei na casa dos 1000 views! Só gostaria que minha média subisse um pouco hewhewhewhew...

Beijos,

Lillith R.

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