A câmara secreta
Tom Riddle (ou, como preferia ser chamado, Voldemort) sentiu a água congelante envolvendo seu corpo, agora dotado de guelras e membros anatomicamente projetados para nadar. Mas não sentiu frio; pelo contrário. Sentiu-se bem e livre como nunca se sentira na vida. Nunca havia conseguido ficar mais de um minuto embaixo da água, e agora, segundo calculava, dispunha de aproximadamente três horas embaixo da água.
Era extremamente escuro ali embaixo e mesmo com a varinha acesa não conseguia enxergar além de dois palmos adiante. Nadou decidido a encontrar a entrada da Câmara. Tinha certeza que todos os canos do castelo de algum jeito iam parar ali, no fundo do lago. Então viu um profundo barranco, provavelmente o sopé do morro onde o castelo estava encarrapitado. Desse barranco saia uma profusão de canos, alguns finos como calhas, outros gigantescos por onde até uma baleia poderia entrar. Alguns canos despejavam num fluxo lento e continuo os dejetos do castelo acumulados na fossa durante o dia todo, outros pareciam desativados há muito tempo, pois corais já começavam a ser construídos nas bordas externas.
Voldemort escolheu o maior deles, um cano grosso de chumbo envelhecido, dos que já estavam desativados, pois não lhe agradava a idéia de nadar no esgoto da escola. O cano grande por onde entrou era o único que não vinha de cima ou subia para o castelo, mas parecia descer serpenteando num túnel escuro até os redutos mais profundos e subterrâneos do castelo.
O rapaz nadou durante uma hora e meia, cano abaixo, lentamente com a varinha iluminando o caminho e tateando em busca de algum sinal. Por duas vezes topou com uma bifurcação, e escolheu o caminho que continuava descendo. Quando achou que já deveria ter descido mais de quatro quilômetros abaixo da superfície, e a pressão da água tornava-se insuportável mesmo para seu corpo adaptado magicamente, percebeu que o nível da água começava a baixar e o cano foi se enchendo de ar ao invés de água. Por fim, coincidindo com o fim do efeito do guelricho em seu corpo, pôde se levantar e andar pelo cano imenso totalmente em pé, com água pelo tornozelo.
Um portão circular de ferro escuro e maciço, esculpido em alto-relevo com a figura do deus grego Posêidon, que tinha uma cobra preste a dar o bote saindo da boca, e dois tridentes cruzados contra o peito tapando caminho, como o fim do túnel. Excitado, Voldemort falou:
“Abra”.
Nada aconteceu. Tentou novamente:
“Abra”
Dessa vez falou na língua das cobras. A imagem do Deus Grego dos mares pareceu criar vida, então descruzou os tridentes e deixou livre a passagem, abrindo o portão.
Ali estava ela, a Câmara Secreta.
Um grande e úmido aposento, iluminado por tochas de fogo eterno azul-metálico, com o chão de pedra igual ao de Hogwarts. Uma grande escultura de Salazar Slytherin dominava a parede à sua frente, onde no lugar de seus olhos havia um belo par de grandes esmeraldas.
À esquerda da escultura um buraco fora toscamente aberto. Na entrada do buraco dezenas, talvez centenas de ratos mortos jaziam no chão, de onde vinha um cheiro nauseabundo de matéria orgânica em decomposição e algo podre que Voldemort não se lembrava de ter sentido igual.
Ainda empunhando a varinha, já sabendo o que encontraria dentro, andou até o buraco escuro.
Era uma legítima toca de cobra, porém aberta na pedra. Mais corpos de ratos havia ali, e uma massa de pele escura e grossa enrolada dormia no chão.
Voldemort se aproximou cuidadosamente do ser, mas não ousou toca-lo. Receoso, murmurou na língua das cobras:
“Acorde.”
As palavras baixas sussurradas do rapaz pareceram bastar para o basilisco despertar de seu sono milenar. O monstro moveu-se preguiçosa e lentamente num movimento fluido como se Voldemort o encantasse com uma flauta, então virou-se para encara-lo.
Voldemort fechou os olhos imediatamente, mas abriu-os lentamente após lembrar-se de que o basilisco não lhe faria mal.
Era uma serpente gigantesca, de couro escuro e escamoso, com uma mancha branca na testa. Devia medir em torno de quinze metros de comprimento e pelo menos dois de diâmetro. Bem, isso explicava o tamanho do cano e a quantidade de ratos mortos.
“Bem vindo, Herdeiro de Slytherin”- Sibilou o basilisco.
Voldemort assustou-se, dando um salto. Não esperava que a cobra falasse com ele.
“Fui designado para cumprir a missão de purificar a escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts”- Continuou a grande serpente - “O que devo fazer primeiro?”
O rapaz pensou rapidamente, sem saber como se portar diante da criatura. Seria ela seu servo ou seu mestre?
“Eu não sei... Talvez... Talvez devesse... hum... Dar uma volta e hum... analisar os alunos...?”
O basilisco concordou com um meneio da cabeça gigantesca. Depois passou deslizando pela saída de sua toca do lado de Voldemort, que teve de se espremer contra a parede para não ser atropelado, tão grande era a criatura.
O bicho foi serpenteando até o cano submerso por onde o garoto entrara nadando, e desapareceu, trancando o portão atrás de si.
Voldemort ficou parado no lugar sem se mexer, com um pouco de medo o tomando. Respirava rápido e superficialmente, correndo os olhos pelo local.
Havia um outro cano na parede oposta, bem menos grosso, que não permitia a passagem do basilisco, mas por onde uma pessoa podia facilmente escorregar.
Concluiu, então, que aquela deveria ser a passagem para Hogwarts que deveria ter usado, ao invés do cano do lago, a saída do basilisco. Começou a escalar a saída lentamente, então. [...]
Riddle encontrou todos na Sonserina dormindo um sono profundo. Mudou a roupa molhada e deitou-se na cama, embora se sentisse agitado e sem sono. Já passavam das três da manhã e ninguém, exceto ele mesmo e seu basilisco que essas horas deveria estar passeando pelos encanamentos farejando por alunos que fossem nascidos-trouxa ou mestiços, estava acordado.
Permaneceu acordado encarando o teto, fazendo uma lista mental dos nascidos trouxas que conhecia. Quem seria o primeiro?
Haviam aproximadamente trezentos alunos em Hogwarts. Calculava que pelo
menos metade era mestiça ou trouxa – seria um árduo trabalho eliminar todos.
Não sentia o menor resquício de pena pelos colegas que teria de matar. Abominava, sim, essa raça impura e indigna! Como certos bruxos tinham coragem de se relacionar com trouxas? Ah, trouxas! Seu maldito pai era trouxa, ele sabia... Aquele pai imundo de quem herdara o nome... Mas que fim levara, afinal? A Sra.Cole lhe dissera, certa vez, que ouvira Mérope jurar vingança durante o complicado parto de Tom. Provavelmente eram alucinações, a velha diretora do Orfanato dissera. Mas Mérope Riddle gritara muito, mesmo para uma mulher em trabalho de parto; e dizia coisas sem nexo. Acusava o marido de tê-la abandonado. Foi só isso que pôde entender. E então, antes mesmo que pudesse ver o filho, disse que seu nome seria Tom, como o pai e Servolo como o avô. Ah, e que esperava que o menino fosse bonito como o pai. E morreu, abandonando a criança aos cuidados do orfanato.
Então crescera acostumado a ser diferente. Era sempre excluído, mas sentia-se e realmente era, mais poderoso que os colegas. Depois descobriu que era bruxo, mas manteve a preferência por sentir-se mais poderoso e diferente da maioria. E passou a alimentar um profundo ódio por tudo aquilo que o ligasse ao mundo comum, ao mundo trouxa. Depois passou três anos investigando nomes em listas de monitoria, registros nas salas de troféus e até registros de detenções. Interrogou professores e até fantasmas, mas ninguém conhecia nenhum Tom Riddle. Teve de admitir a si mesmo que seu pai nunca havia pisado em Hogwarts e era, portanto, trouxa. Passou a odiar então seu nome. E agora havia criado um novo nome para si.
“Vôo da morte” lhe parecia muitíssimo adequado. De fato, uma coisa com que nunca havia se conformado era com que bruxos morressem. Como podia ser se eles dispunham de tantos e tão maravilhosos poderes? Bruxos deveriam estar acima daquilo. Quando Dumbledore viera lhe buscar para leva-lo a Hogwarts, ele não acreditara que sua mãe fosse bruxa justamente por isso. Parecia loucura quando pensava, mas não podia evitar achar que morrer era tão comum!
E agora ele estava ali, com uma missão para cumprir: eliminar os indignos de estudarem Magia...
[...]
No sábado seguinte houve um passeio a Hogsmeade. Voldemort reuniu-se a seus colegas na saída, agrupados sob um grande relógio, enquanto Slughorn gritava que se apressassem.
Nem Avery nem Augusto nem Evan sabiam do que tinha acontecido. Tom lhes dissera que usara guelricho para fazer investigações referentes à Câmara no fundo do lago, mas que não chegara a nenhuma conclusão. Andaram até o vilarejo que não ficava longe, mas foi uma caminhada cansativa, devido ao forte vento que os fustigava. Então, assim que chegaram foram se refugiar no bar Três Vassouras onde ordenaram quatro cervejas amanteigadas. Avery, Evan e Augusto sondaram o local e então o primeiro disse, rindo debochadamente:
“Olha quem está ali, pessoal. Hagrid... ”- E indicou o meio-gigante que estava sentado sozinho três mesas à frente, bebendo de uma caneca do tamanho de um balde.
Avery riu e gritou:
“Hei, Hagrid! Como vai o ovo?”
O garoto ficou vermelho e escondeu a grande cara no copo. Avery continuou a rir alto, e a gritar para o gigante:
“Foi você que chocou? Será que nasceu uma galinha gigante?”
“Pára com isso, Avery” – Advertiu Riddle.
Mas ele continuou:
“Mas até um ovo de hipogrifo quebraria se você tentasse sentar em cima, e olha que eles são feitos de ouro...”
“Avery, pára!” – Sussurrou Voldemort novamente.
Mas já era muito tarde para Avery parar. Hagrid tinha se levantado de sua cadeira e se dirigido até a mesa onde os quatro sonserinos estavam e levantado Avery pela gola da camisa com uma facilidade surpreendente, e encostado o garoto contra a parede.
“Você me enganou, Nott” – Falou Hagrid, raivoso.
“É claro que eu enganei, seu estúpido, ou você achou que aquilo realmente fosse um ovo de dragão?” – Respondeu Avery sarcasticamente.
Hagrid fechou o punho e recuou o braço para acertar no rosto contraído do outro. Mas antes que pudesse acerta-lo, Hagrid sentiu foi impedido pelo feitiço lançado por Voldemort.
“Impedimenta.”
Hagrid paralisou imediatamente. Era pelo menos duas vezes mais alto que qualquer um deles, mas Riddle continuou apontando a varinha para ele, agora paralisado no chão. O bar inteiro os observava.
“Você não pode atacar um colega na frente de um monitor, Hagrid”. – Falou Voldemort com um sorriso falso.
“Deixe-me pôr as mãos em um de vocês, seus nojentos...” – Hagrid falava com muito esforço.
“Você já se esqueceu de que tem uma varinha? Se quiser duelar com Avery, vá em frente, não vejo porque proibir uma saudável competição...”
Mas Slughorn acabara de entrar no bar, ofegando como se tivesse corrido uma maratona.
“Brigando, rapazes? Espero que não...” – Falou o Professor, sorrindo
“Claro que não, professor.”- Respondeu Avery, falsamente; Hagrid continuava a resmungar imobilizado.
[...]
Mais tarde, à noite, após a aula no clube de Slughorn, Voldemort saiu do salão Comunal dando novamente a desculpa de sua ronda noturna, mas tomou o caminho do banheiro feminino por onde saíra da câmara secreta alguns dias antes.
Ali estava a pia que nunca tinha funcionando. Havia uma cobrinha minúscula gravada ali.
Então Voldemort deu dois passos para trás e encarou a pia com determinação, dizendo:
“Abra”
Imediatamente a pia se afastou abrindo uma larga passagem por onde ele escorregou cada vez mais para dentro durante dez minutos, até cair ajoelhado chão de pedra fria da câmara úmida.
Levantou-se e espanou a poeira das vestes com a mão livre. Com a outra, empunhou a varinha e iluminou seu caminho até a toca do basilisco.
A criatura continuava dormindo enrolada como se nunca tivesse desperto de sua hibernação. Porém sua grossa pele estava sangrando, cheia de feridas, e muitas penas marrons cobriam seu corpo. Penas de galo.
“Acorde” - Falou.
O basilisco remexeu-se e virou para encarar seu mestre.
“Já tenho um trabalho para você. O nome dela é Murta Shwnizer, a sangue-ruim.”
O basilisco assentiu com a cabeça, obediente. Mas antes que ele pudesse ir, Riddle pensou melhor e disse:
“Não ataque agora; espere minhas ordens. Enquanto isso vou cuidar dos galos. Eles estão lhe ferindo.”
O basilisco concordou e tornou a se enrolar, entrando num sono profundo.
[...]
No domingo seguinte haveria um importante jogo de quadribol entre Lufa-Lufa e Grifinória. Os sonserinos haviam lotado uma das quatro arquibancadas, mas não agitavam bandeirinhas para nenhum dos times. Se por um lado não suportavam os grifinórios, certamente não apoiariam os Lufa-Lufas, que na opinião geral, era a pior casa de Hogwarts.
Riddle estava sentado entre os colegas de seu ano, que discutiam calorosamente a respeito dos times e novas táticas de quadribol.
“...Estou lhe dizendo, Evan, o Puddlemere United vai ser campeão da liga este ano, não tem como...”
“Pois eu digo que com o Plumpton de apanhador, não vai dar nada além de Tornados, veja só o que ele fez naquele último jogo contra os Wasps, foi fabuloso! E você, o que acha, Tom?” – Perguntou Augusto Lestrange.
“Não o chame mais de Tom, Augusto. Ele agora é Lord Voldemort...” – caçoou Evan Rosier.
“Um nome que um dia todos irão temer!” – Bradou Voldemort, e então se retirou furioso da arquibancada, deixando seus colegas pasmos.
Andou a esmo pelos terrenos da escola, chateado. Estava cansado daquele poço de futilidade e mediocridade que o cercava. Rosier, Nott e Roockwood eram insuportavelmente vazios e estúpidos! Mesmo que só os mantivesse como amigos por interesse, às vezes se cansava das besteiras que eles diziam vinte e quatro horas por dia... Será que ninguém ali entendia o quão especial era possuir todo aquele poder dentro de si? Mas desperdiçavam os raros dons em besteiras como quadribol, enquanto discutiam idiotamente como qualquer trouxa de quinta categoria! Era, afinal de contas irônico, como ele, mestiço filho de um trouxa, era tão superior mesmo àqueles do mais puro sangue... Como se não bastasse, ainda havia aqueles que nascidos trouxas, se tornavam bruxos sabe se lá porquê, e ainda requeriam o direito de estudar ali, aprender aquilo que não é seu direito! Sentia-se subitamente revoltado; não era sua culpa ou de sua falecida mãe que seu pai fosse um trouxa nojento!
Enquanto andava em direção aos portões da entrada, cruzou com Dumbledore que corria atrasado para as arquibancadas. Mas o velho professor parou ao ver o monitor da Sonserina voltando para dentro do castelo, e disse-lhe, sorrindo:
“O que está fazendo aqui, agora, Tom? Você deveria estar no campo assistindo o jogo com seus colegas. Eu mesmo estou indo para lá.”
Esse velho enxerido..., pensou.
“Não estou me sentindo bem, senhor. Acho que vou para a Ala Hospitalar descansar”.
Encararam se por uns instantes. Riddle lembrou de fechar sua mente. Aquele velho desgraçado vivia lhe vigiando, espreitando... Aparecia nos lugares mais inusitados, parecendo adivinhar o que ia fazer, e como se não bastasse, era o único professor que não o tratava como os outros, ainda que nunca lhe tivesse destratado... Ao mesmo tempo tentou se concentrar em ler a mente do professor, sem sucesso. Ele provavelmente era muito hábil em oclumência também. Por fim, Dumbledore apagou o sorriso do rosto, deu de ombros e falou:
“Espero que esteja bem, então. Melhoras.” – E se afastou, sem olhar para trás, em direção à arquibancada.
Voldemort retomou seu caminho, mas estava sem vontade de voltar ao Salão.
Mais adiante, onde era cultivada uma vasta horta, na margem da floresta, haviam alguns cercados onde alguns porcos e galinhas eram criados e abatidos especialmente para os banquetes, antes dos quais eram engordadas magicamente, dobrando de tamanho. E ao lado do cercado das galinhas, ele viu.
Uma criação de galos de penas marrons. As mesmas penas que ele havia reconhecido grudadas nas feridas do basilisco. Na verdade, eram a única coisa que os basiliscos temiam e aparentemente o seu tinha tido graves problemas com o canto dos galos de Hogwarts. Certificando-se de que não havia ninguém por perto, aproximou-se do cercado, apontou a varinha para um dos galos que ciscavam calmamente, e disse:
”Avada Kedavra”
E um por um, os galos foram sendo mortos.
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