Nagini e a caverna



A nossa história começa no verão de 1937. Um verão frio e nublado, é verdade, mas ainda assim era decididamente um verão.
As ondas batiam insistentemente contra os rochedos, e já haviam coberto quase toda a estreita faixa de areia em que os órfãos estavam sentados, tentando fazer um piquenique, enquanto protegiam a si mesmos e a seus sanduíches do vento que trazia a areia cortante.
Mas Tom, Amanda e Denis não estavam ali. Caminhavam distantes do grupo, num trecho de mar raso, encarando um grande paredão de rocha escura.
- O que você quer me mostrar afinal, Tom?
- Um lugar...
Denis não insistiu. O rosto de Tom tinha uma expressão vaga; ele encarava o nada, mas continuava no que parecia ser o caminho certo.
- Ali. Ali na frente.
- Onde?
- Vamos ter que subir e depois escorregaremos para dentro...
Amanda e Dênis decidiram não tornar a perguntar. Já estavam amargamente arrependidos de terem seguido Tom até ali. Afinal, ele era um garoto muito esquisito...
- É impossível subir aí.
As coisas aconteceram muito rápidas a partir desse ponto. Tom agarrou Amanda e Denis pela camisa e sentiram como se algo os puxasse de cima, e quando deram por ver, estavam em cima do penhasco.
- OK, agora vamos mergulhar. Você sabe nadar?
Mas Tom não estava nem um pouco preocupado se qualquer um deles sabia nadar realmente. Tanto que soltou uma risada quando viu que Amanda caíra no choro convulsivo, e as calças de Denis estavam molhadas, mas não de água do mar.
Ainda assim Tom os puxou pela camisa novamente e eles caíram no mar revolto. O garoto parecia flutuar e as ondas desviavam dele, para quebrarem longe... Amanda e Denis sabiam que isso não era possível, não, de algum modo isso podia ser explicado... Simplesmente não era possível.
E Tom parecia se divertir um bocado. Ele ria das tentativas frustradas de Amanda de sair do lugar quando esta mal se mantinha na superfície. A garota batia as pernas de qualquer modo, jogando água para cima e bebendo mais um bocado dela quando tentava respirar e chorar ao mesmo tempo.
Finalmente chegaram na caverna. Apesar das ondas fortes a maré ainda estava baixa de modo que os três puderam facilmente entrar no grande salão de rocha. A escuridão tomava conta do lugar, e embora ainda fosse dia, era quase possível toca-la. De tal forma que Amanda e Denis rapidamente chegaram à conclusão que aquela não era uma escuridão normal; era densa demais. Ao mesmo tempo em que se sentiam em pânico, suas intuições gritavam que saíssem dali imediatamente, ou coisas horríveis iriam acontecer...
Tom estava ali na frente, controlando-se para não dar gargalhadas que denunciassem sua presença. Queria se divertir mais um pouquinho. Era tão bom sentir que alguém o temia. Tom não gostava muito da escuridão, mas aquela caverna era sua velha conhecida, não havia problemas. Ele gostava de ouvir o choro baixinho de Amanda e pensou ter ouvido Denis rezar também. Perguntou-se se não deveria estar sentindo pena deles. Com certeza deveria, mas ele não sentia. Era estranho, não era, como as coisas aconteciam à sua volta e todos o culpavam? Como quando o coelho estúpido de Carlinhos resolveu se enforcar na grade do telhado. Tom não fizera aquilo, ele simplesmente deu uma forcinha... Levitou o coelho, sabe Deus como, mas foi o bicho que realmente se enforcou...
Estava na hora de mostrar a seus “amigos” as coisas que ele realmente sabia fazer. Tom não se importava muito de ser esquisito, diferente. Era legal. Não gostava de ser comum; tinha verdadeiro horror à mediocridade que o circundava. Também não tinha amigos. Considerava esse tipo de relação hipócrita e falsa. Como duas pessoas sem qualquer vínculo podiam gostar-se mutuamente sem querer nada em troca? Ah, mas elas sempre queriam... Tom observava muito. Amigos sentiam ciúmes. Amigos apegavam-se demais. Amigos metiam-se demais na sua vida. As garotas chegavam ao cúmulo de acompanharem suas amigas até ao banheiro. Amizade exigia uma reciprocidade; mas como, se ele era diferente demais de todos? Amigos? Não, obrigado, ele se bastava. Era só e estava bem assim.
Finalmente resolveu revelar-se. Tirou uma vela e uma caixa de fósforos do bolso. Assim como ele, estavam secos. Ainda não conseguia iluminar um lugar sozinho, mas se se concentrasse durante um bom tempo, era capaz de ler um livro no total escuro debaixo de suas cobertas, à noite. Acendeu a vela, que quebrou a escuridão, mas não parecia iluminar e sequer formavam-se sobras contra a parede ou o chão.
- Tom, pelo amor de Deus, tire a gente daqui! Nós não contaremos a ninguém, nada...
Amanda estava ajoelhada diante de Tom, chorando. Decididamente era muito bom ter alguém ajoelhando-se a seus pés, alguém que dependesse de sua piedade.
- Ah, Amanda, você não veio aqui só pra admirar esta bela caverna... Não... Eu tenho que mostrar para vocês. Levanta.
Ainda rindo, caminhou até um nicho na parede e começou a emitir silvos e bufos. Amanda voltou ao seu lugar e continuou agarrada a Denis, que também já estava chorando copiosamente. Quando Tom sentiu as cobras acalmarem-se, meteu a mão no nicho e agarrou uma Naja muito colorida.
- Vocês sabem, estou certo, que essa cobra não é nativa de nossa ilha. A Naja é nativa da Ásia. Não faço a menor idéia de como esta veio parar aqui, mas desde que a descobri venho fazendo-lhe constantes visitas. Seu nome é Nagini e, sabe, ela tem um papo muito interessante.
Tom começou a emitir mais silvos e bufos e a Cobra parecia responder. Em dado momento, Tom encerrou a sua conversa com a cobra e ela recolheu-se ao seu nicho. Tom deu mais uma risadinha e disse:
- Acho que por hoje já chega não é?
E puxando Denis e Amanda pela camisa ensopada, entraram novamente no mar.

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