Sobre Ela



- Bellatrix! - disse a senhora Black ao vê-la descer as escadas, trajando vestes negras, sem muitos detalhes além das rendas verdes, trançadas ao entorno da cintura e um decote em “vê” ligeiramente avantajado - Você está perfeita!

- Obrigada, titia. - a moça respondeu, curvando levemente a cabeça, mas sem esboçar sentimento algum. Vestia-se para seu casamento, a ser celebrado dali a dois dias. Porém se não fosse pelo pequeno diadema prateado que ela usava nos longos cabelos tão pretos quanto o vestido, jamais acreditariam tratar-se de uma noiva. A moça parecia muito mais velha, com as unhas vermelhas e aquelas pestanas caídas e baixas que a faziam mal precisar de maquilagem.

Outras mulheres, sua mãe e uma irmã desta, concordaram com Walburga sobre a perfeição de Bellatrix. Apesar de tudo que acontecera, a cerimônia sairia nos conformes, como fora planejada. Está certo que a matriarca dos Black tivera que tomar as rédeas da situação, tivera que ser dura... Mas tratando-se de Bellatrix, ela podia ser um pouco mais indulgente, ele sempre fazia a coisa certa. Ela sabia o que era certo. Não era questão de convencê-la, nem precisaria disso. Mesmo que quase tenha bandeado-se para junto daquele... Bem, fora como dissera: no fim, tudo sai nos conformes.


Perfeita por natureza
Ícone de auto indulgência
Tudo que precisávamos
Mais mentiras num mundo que...
Nunca foi nem nunca será
Você não tem vergonha, você não me vê
Você sabe que fez todos de tolos

É começo de Inverno e lá fora está muito frio, assim como dentro de mim... É como se todo meu sangue estivesse parado e morto, incapaz de transitar vida através de meu corpo. Sou uma pessoa vazia. Isso não me incomoda.

Meu nome é Bellatrix Black, tenho 17 anos e amanhã eu vou casar com um homem que não amo. Mas novamente sou indiferente, pois a causa que esse casamento abarca é o que realmente importa. Estou escrevendo isso por escrever, para passar as horas solitárias enquanto minhas tias e minha mãe planejam uma cerimônia pequena e discreta... Para o circulo fechado, dos nossos.

É por isso que caso-me de bom grado... “Os nossos” - Uma causa maior. O significado de eu estar aqui, entende? Obviamente que não... Ou talvez tenha sido por aquela pequena rata albina que chamo de irmã ter-me delatado. Ia acontecer de qualquer jeito, mas não esperava que fosse tão cedo. Voou rápido esse último Verão... Parece que Julho foi ontem e eu estava deitada em minha cama e ainda havia algum sinal de Vida em mim.

Naquele dia eu acordei com o coração pesado (Intuição feminina? Talvez, mas nunca me liguei nessas coisas) e sentindo frio. Os raios solares que entravam pela janela que eu esquecera aberta não eram suficientes para me aquecer. Tudo que quis foi voltar a dormir e mergulhar na irrealidade dos sonhos. Só que isso não me era possível... Tinha que ir a um ridículo "curso de noivas bruxas" para saber como me portar com meu futuro marido. A diretora do curso, uma maga velha, cujo cheiro lembrava roupa guardada, ensinava a mim e minha colegas, estas umas mocinhas extremamente burras, somente duas coisas: a servir xícaras de chá e a ser passiva. Ambas duas eu sabia e aceitava. Se eu fosse fria e aceitasse Rodolfo Lestrange sem reclamar teria uma vida perfeita e rica, como eu sempre tivera. Melhor ainda se parisse uns dois ou três sangue-puro para aumentar a tapeçaria da titia. Aliás era essa minha utilidade: como uma égua ou uma cadela de raça, deveria dar continuidade à linhagem. Se engravidasse "indevidamente" deitava fora o embrião. Só de pensar em gravidez sentia vontade de vomitar – É uma dessas peças que o destino nos prega - Foi com pensamentos tão agradáveis quanto estes que me arrumei e sai para ir ao maldito curso. Sair... Essa é uma palavra que rareava no meu vocabulário.
Em casa, era como se eu e minhas irmãs fossemos jóias preciosas, e portanto deveríamos ficar guardadas em nossa redoma. E eu... Eu ansiava por liberdade, se querem saber. Tinha vontade de sair por aí, sem normas e leis, solitária e sombria. Destilando sobre as ralés meu poder de coerção.
Lá fora, na escola, que fosse, estava a um passo dessa possibilidade, mas mesmo lá me garantiam um séqüito de eterna e irritante companhia...


Olhe, lá vem ela agora.
Curvando-se e com o olhar pensativo.
Oh, quanto nós a amamos
Sem defeitos quando está fingindo
Mas agora eu sei que ela...

Como eu detestava o grupinho de garotas que andavam comigo na escola... Não podia chamar nenhuma de amiga, eram um bando de garotinhas mimadas que só sabiam me imitar! Eu sempre fui popular, rodeada de garotos atenciosos e "amigas" que não sabiam viver por conta própria. E a conversa dessa gente? Eu adoraria falar sobre as matérias, sobre o mundo, sobre idéias, mas elas só queriam debater quem era o "gato" do ano, que roupa usariam no baile ou na festa de sábado a noite e o pior era que eu me acostumei com a futilidade e quando percebi, era que nem elas e era a líder!

Nunca foi e nunca será.
Você não sabe como me traiu
De alguma forma, você faz todos de tolos.

O tempo me fez achar que gostava disso tudo, mas talvez fosse por que não conhecia outro modo de caminhar, o outro lado da moeda, que seja. E esse outro lado teve nome: Sirius Black. Meu primo, o rebelado, o chato, o garoto mais exibido de Hogwarts. Evitava encontrar com ele pelos corredores da escola, não queria ninguém lembrando que éramos parentes, mas o acaso cruzou nossos caminhos, e por causa dele vi que minha vida era de mentira, apenas aparência, para ocultar o lodo em que estávamos todos afundados.

Mas no fim, tudo muda. Não quis o avesso de ambos os lados - esse que era dos oportunistas foi o escolhido pela minha irmã mais nova, a Narcisa. Era tampouco o lado que seguiram Sirius e Andrômeda, tão tolos... - Eu escolhi a Morte. Vou me casar amanhã com ela, mas o que virá depois me trará a Vida que sempre desejei.

Porém é algo que fica claro somente agora, talvez se tivesse visto antes teria sido mais fácil, não para mim, mas para algo mais interno que ainda insistia em estar em mim, algo que teve seu último grande momento naquele Verão de 1976.

Como contava, fui ao maldito curso de manhã, e quando voltei, embora o sol brilhasse intensamente, sentia mais frio do que de quando acordara. Eu estava triste, irremediavelmente triste. A minha vida era tão perfeita e eu querendo chorar de soluçar! Não conseguia entender. Mal cheguei, me tranquei no meu quarto, o mais alto da casa. Afundei o rosto nos travesseiros, mas as lágrimas não vinham. Eu queria muito chorar, mas era impossível! Alguém, provavelmente meu primo Régulos, do outro lado da porta, disse que estavam todos saindo para visitar nossos parentes Malfoy, mas antes que ele terminasse de falar gritei um "Não vou!"decidido. Queria ficar só, com minha tristeza.

Sem a máscara onde você vai se esconder?
Não poderá encontrar-se perdida na própria mentira.

No meio dessa infelicidade ainda encontrei ódio, muito grande, não sei até hoje do que. Queria gritar, fugir do mundo, sumir, morrer! Morrer... A morte me era uma ilustre desconhecida até então, mas já sabia como causá-la, embora nunca tivesse feito. Morrer... Como um vulto negro, a palavra debruçou-se sobre mim, ressoando em meus ouvidos. "Morrer" era diferente de "Morte", era algo incontrolável e tão mais deprimente e grandioso...!

Foi como se eu estivesse me vendo em um penseira. Levantei, andei até cômoda, abri a gaveta. Encontrei o que queria: um punhal afiado para abrir cartas. Será que iria doer muito? Será que iria demorar muito? Meu sangue iria escorrer até que eu morresse? Aproximei a faca do peito. Senti o frio da lâmina. Aí eu me vi no espelho, no enorme espelho perto da janela. Eu não consegui continuar o que estava fazendo. Eu era Bellatrix Black e esse não era o fim determinado a mim! Joguei o punhal longe e saí do meu quarto, assustada. A casa estava silenciosa. Lembrei que eles tinham saído. Como se quisesse me afastar do quarto, desci as escadas correndo. Não conseguia pensar, nem ver o caminho. Só correr, ir para longe de tudo, mesmo sabendo que isso era impossível. No meio do caminho esbarrei em alguém. Sirius Black. "Aquele idiota!" Era fácil detestá-lo. Ordenei a ele, frisando meu desagrado:

- Saia da frente, Sirius!

Ele ficou me olhando com aquele sorriso estúpido:

- Não seja grosseira, priminha!

Eu odiava quando ele se fazia de irônico, deveria ignorá-lo, mas gritei:

- Vá pro inferno!

Então ele parou de sorrir e simplesmente passou por mim, dizendo, dessa vez realmente irônico:

- Já estou nele, Bellatrix.

Quase compreendendo o sentido das palavras dele, continuei minha descida, sem olhar para trás. Andei a esmo pela sala, pela cozinha, pelo hall, pela biblioteca... Nenhum lugar parecia servir para abrigar minha dor. Onde eu poderia ficar em paz quando os outros voltassem? Então lembrei de um lugar onde ninguém ia... A laje da casa! Dava para subir lá pelo sótão. O sol brilhava convidativo, em oposição aos meus sentimentos... Fui lá em cima para curtir minha depressão, doce ironia, só que quando cheguei na laje, já havia alguém lá...

Eu sei a verdade agora
Eu sei quem você é
E eu não te amo mais

Mas Bella não terminou de contar o que aconteceu, pois teve que sair para experimentar o vestido de noiva e acabou jogando o pergaminho fora... Ela estava se tornando indiferente ao que tinha acontecido, embora nunca tenha esquecido de fato.

Nunca foi nem nunca será

Agora experimentava suas novas vestes: nem um pouco apropriada para um casamento. Olhou-se no enorme espelho perto da janela, estava com a mesma expressão vazia daquela manhã em que... Mas não era a mesma coisa, lá fora um prenúncio da tragédia e agora caia a cortina na cena em que um único ator contemplava um ponto qualquer acima da platéia, sem nenhuma palavra a dizer, ou gesto conclusivo. Era o fim. E só.

Você não é real e não pode me salvar

Esperava mesmo que ele viesse e a arrastasse de lá? Seria tola a esse ponto? Odiava quando vinham a tona tais sentimentos. Em dois dias e não haveria mais Verão algum em seu passado. Bella encarou o espelho mais uma vez e tocou o ventre. Uma onda de ódio espalhou-se por seu corpo. Desgraçado. De certa forma havia um quê de vingança pessoal, quando ela se levantou decidida a ir até o fim desse enlace e deixou o quarto, indo mostrar os trajes ás parentas.

De alguma forma, agora você é a tola de todos.

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