Sobre o Fim da Estação
Abrir os olhos parecia algo complexo demais para Sirius Black. Ele sentia a cabeça latejar de tal forma que nada era mais desejável que a escuridão das pálpebras cerradas.
- Merda de Firewhisky! – o rapaz murmurou, revirando-se numas das poltronas macias da sala dos Potter.
De véspera tinha sido o enterro do tio Alphard. Não podia ter sido pior: Sirius tivera a feliz idéia de beber para melhorar um ânimo abalado e é claro que o efeito fora terminantemente oposto: terminara brigado com Bellatrix – ela sequer o olhou depois de sair enfurecida da estufa – e ainda teve uma prelação da Walburga, por não ter apresentado logo a nova “herdeira do Alphard”, a tal Morgana Fay. A Sra. Black mostrou-se interessadíssima na nova parenta, mas a garota não era nada boba e percebeu logo qual era a dos vários parentes que se juntaram ao redor dela, perguntando se já havia recebido a herança. A gota deve ter sido quando Tiago começou a rondá-la, com seu mais que batido olhar de conquistador: a moça simplesmente foi embora com o ar de quem fora tremendamente ofendida. Não que ela não tivesse toda a razão, mas Sirius achou que ela deveria ser ótima pessoa apesar do pouco que conversaram e merecia um troféu por simplesmente ter dado as costas para Walburga, quando essa veio com mais perguntas sobre a herança.
Assim que a cerimônia deu-se por encerrada e as pessoas começaram a se dispersar, Sirius escapuliu da vigília da mãe e junto com Tiago, foi recostar-se nuns túmulos velhos e abrir mais uma garrafa do “velho fire”. Somente quando o dia cinzento deu lugar a um chuviscar fino e ininterrupto, os dois rapazes resolveram ir embora, cantando em altos brados uma melodia desconexa e ultrajante.
Mas Sirius tinha uma maldita consciência que apesar de não ter sequer se manifestado na vez em que incitara certo colega a vasculhar o Salgueiro Lutador, o impedia de não pensar em Bellatrix e agora que os efeitos do destilado haviam passado, o rapaz deu-se conta de que sequer dera uma explicação a ela.
Abrir os olhos seria um bom começo.
A sala dos Potter era ampla, tinha uma lareira ricamente entalhada, cujo console estava coberto com porta-retratos (em alguns deles o próprio Sirius aparecia, fazendo pose ou brincando com Pontas, Aluado e Rabicho). A mobília era sóbria e elegante, mas extremamente convidativa, com almofadas alaranjadas. A luz solar entrava livremente pelas vidraças voltadas para o jardim. Sirius terminantemente adorava aquela casa e várias vezes perguntou-se por que não aceitava logo os convites da Sra. Potter para vir morar com eles. Suspirou e afastou uns fios de cabelo que lhe caiam sobre os olhos. Olhou em volta: aquele alcoólatra juvenil chamado Tiago Pontas Potter estava ferrado no sono, enroscado no tapete felpudo em frente à lareira e com uma garrafa vazia debaixo do braço. Seus óculos estavam tortos, uma das lentes quase soltando. Sirius riu pensando no que faria Lílian Evans se visse aquela cena. Então, a mesma consciência que o despertara, fez com que a têmpora do rapaz latejasse fortemente, avisando que era hora de voltar para o Largo Grimmauld.
Pegou as chaves da moto que haviam escorregado pelas dobras da poltrona e deixou a casa dos Potter com a sensação que não ia demorar-se a voltar.
- Você está encrencado, Edgar!
Sirius fez um barulho semelhante a um rato sento esmagado ao ouvir seu segundo nome, ainda por cima pronunciado pela voz detestável de Narcisa.
- Não enche, Druella Junior.
Mal chegara em casa, Sirius correu para o quarto de Bellatrix, no final da escadaria. Agora batia inutilmente na porta da prima. Não demorou em concluir que não havia muita gente em casa, inclusive porque tinha sido fácil demais chegar lá em cima sem ninguém – ou seja, Walburga – tê-lo parado e o repreendido por ter passado a noite fora sem o menor aviso, mesmo que isso não fosse novidade alguma. Será que afora os elfos e, agora Narcisa, não havia mais ninguém na propriedade? Coçou a cabeça e encarou a prima, que o observava atentamente, esperando que ele lhe dirigisse a palavra.
- Ok, pode me dizer onde eles foram?
Narcisa estreitou os olhos claros, e alfinetou:
- Eles ou ela?
- Só responda!
- Puxa, você está com moral pra quem passou a noite sumido, hein? – Ciça caçoou, mas logo se arrependeu, diante da expressão de Sirius – Estão todos na casa do Lestrange, menos o Regui. Eu não o vi desde ontem, quando chegamos em casa.
- E te deixaram aqui? – o rapaz perguntou, desconfiado.
- Eu vou sair com o Lucius, não tenho mais pai, tenho que cuidar do meu futuro – ela explicou cheia de si, sem nem perceber como soara grosseira sua frase. Então ela completou – Se bem me lembro, você está me devendo uma coisa.
- Ainda isso? – Sirius deu as costas ao quarto de Bella e passou por Ciça como se ela não existisse – Você não se enxerga, né magrela?
- Lucius gosta! – ela respondeu, como se resolvesse tudo.
- “Lucius, Lucius” – ele arremedou. Sentia-se frustrado em saber que Bella estava na casa daquele Lestrange nojento, nada melhor do que extravasar a raiva em Narcisa, ela tinha nascido com anti-aderente de qualquer forma, não teria problema em aborrecê-la um pouquinho – Só sabe dizer isso?
Como Sirius esperava, ela riu e com um rodopio entrou na frente do primo:
- Não, eu sei dizer também que seu romancezinho com minha irmã está por um fio. Você conseguiu irritá-la Sirius... E ela sabe que o Lestrange é a melhor opção, hoje de manhã ela foi para casa dele sem sequer pestanejar. Ela se divertiu com você, mas cansou de você e da sua mania de vitima. Está acabado e eu nem precisei contar nada!
- Você não sabe de nada! – Sirius estava se esforçando ao máximo para não demonstrar o efeito que aquelas palavras tiveram sobre ele, mas era muito difícil, ainda mais com a cara debochada de Narcisa rindo para ele.
- Espere para ver... Ou tome logo uma decisão decente!
Sirius torceu o nariz. Repentinamente deixara de fazer sentido:
- Ciça, você quer que eu e Bella... fujamos?
Ela revirou os olhos:
- Tem sempre que te explicar tudo, né Edgar? Olha, pensa comigo, não tem mais Andie, se não tiver mais Bella, sabe quem vai ser a única irmã Black, brilhando, sozinha, lá no topo?
Sirius riu. Era isso, então. O grande problema de Narcisa: ela não suportava ser obscurecida pelas irmãs mais velhas e nessa disputa criada por sua mente provavelmente defasada, qualquer coisa era válida para livrar-se da enorme sombra que Bella projetava sobre ela; até instigar uma fuga, um jeito da irmã ser apagada da família. Era a lógica mais torpe que Sirius já vira alguém usar - se ela não estivesse mentindo - mesmo assim lhe fizera pensar a respeito de muitas coisas, a começar que realmente tinha que tomar uma decisão decente. Narcisa saiu, descendo as escadas em direção ao hall, onde Lucius parecia ter acabado de chegar. No meio do caminho ela ainda parou e disse:
- Não tenha dúvidas, se você mostrar decisão, ela vai com você!
Mal retribuindo o beijo de despedida de Rodolfo, Bella se esgueirou para dentro da limusine negra que agora pertencia a Druella – É claro que todos ali podiam aparatar, mas aquele carro comprido, de chassi imponente era tão mais elegante – sorriu um sorriso irônico para sua imagem refletida no vidro, então massageou os maxilares, doloridos, depois de terem passado o dia todo tensos. Ela sabia que Rodolfo a vira no corredor da mansão Malfoy e usara de toda sua dissimulação para que ele não percebesse o quanto isso a abalara. E agora, no dedo anular dela faiscava uma aliança fininha, uma pequena serpente cujos olhos eram jades brilhantes. Noiva. E não parava de pensar em Sirius, aquele desgraçado inapto. Com certeza ele devia ter ficado com a consciência pesada e voltado para casa – grifinório previsível – e aquela fofoqueira da Narcisa já devia tê-lo encucado com aquela história estúpida que enfiara na cabeça da irmã antes de sair. Algumas vezes durante esse verão, Bellatrix não havia se reconhecido, mas ontem, alguma coisa naquela cena na saleta da mansão Malfoy que presenciara, despertara seu velho e habitual eu. Mesmo assim... Não conseguia regorjear-se um pouco que fosse com a sensação de vingança. Lestrange de novo. O dia todo ele a encarara friamente, menos quando lhe sorria, o sorriso não era frio, era cheio de um desejo sinistro. O estômago de Bella revirou algumas vezes, pensando na possibilidade de sexo com aquele homem. Ele não era feio, mas não a atraia. Teria que estar muito alcoolizada para dormir com ele. Sirius era um amante tão dedicado e meigo, a fazia sentir-se uma rainha e dizia com maior sinceridade do mundo que a amava. Agitou a cabeça, não era agora que ia dar-se a essas comparações românticas. E ainda estava brava com Sirius, ele não tinha o direito de sumir a noite toda sem dar-lhe alguma explicação!
- É sim, uma vergonha para a família! – a voz estridente de Mifula Rosier, a irmã de Druella, acordou Bella de seus pensamentos – Aquele menino não tem respeito por nada!
“Ah... Falando no Siriuzinho...!”
As horas correram quase tão lentas quanto o balançar do pêndulo do relógio de carrilhão posto no escritório da casa dos Black. Ainda assim, Sirius presenciou algo raro: ficar sozinho em casa. Quer dizer, Monstro estava lá, rondando os aposentos com um espanador a tiracolo, mas isso não contava muito. Com toda aquela mobília escura, maçanetas esculpidas em prata e retratos forrando as paredes, aquela casa era extremamente melancólica. Parecia demais com uma casa assombrada, não por fantasmas, mas por “vivos mortos” inescrupulosos, digladiando-se uns com os outros. Mas assim, vazia... Era melancólica e Sirius tinha certeza que se alguém ficasse lá, sozinho e sem poder sair por muito tempo, acabaria enlouquecendo. Ainda assim, restos de luz solar entravam pelos vitrôs verdes monocromáticos e frestas imprimindo no chão figuras diáfanas. Era como uma igreja sem missa ou um colégio sem alunos. Inspirava a tristeza egoísta de quem chora a própria sorte.
Sirius parou de repente, seus passos o tinham levado à sala da tapeçaria, com suas poltronas de veludo raro e prateleiras forradas de fotografias e “tesouros”. Nenhuma das fotos eram espontâneas ou divertidas, como eram as dos Potter; pelo contrário, os ocupantes dos retratos eram todos arrogantes, sisudos e de aparência cruel, até mesmo nas poucas fotos em que Sirius estava presente, seu ar era de arrogância, apesar de seu eu fotográfico sempre manter-se distante dos outros. Com as mãos nos bolsos, caminhou até a parede principal e lá estava a enorme árvore genealógica do clã. Não podia ser mais detestável, além do espacinho que pertencera a Andie, havia um novo pontinho carbonizado: Alphard também fora excluído. Não era difícil de adivinhar o que acontecera – Irada com o desenrolar do funeral de Órion e Alphard, a Sra.. Black subira até a sala e detonara o nome do cunhado que em vida lhe fora um eterno desafeto. Com certeza Alphard não se importaria, fora ele que defendera Sirius uma vez que o garoto se referira à tapeçaria como “o capacho dos Black”. Até hoje o rapaz não conseguia compreender o que havia de tão especial naquele pedaço de pano, parecia que era algum certificado de pedigree ou uma redoma que os tornava acima dos demais, imunes aos males do mundo... “mas não ao próprio veneno” o rapaz pensou, antes de dar as costas à tapeçaria, as mãos ainda mais enterradas nos bolsos.
Cadê você Trix?
Uma sensação muito inconveniente remexia-se no interior de Bellatrix. Não... Tinha sido toda aquela conversa com Rodolfo e os outros, embora sempre usando meias palavras e metáforas, a garota não tinha mais dúvidas quanto à estreita relação deles com a ordem secreta formada pelas famílias puro-sangue e um líder aparentemente poderoso. De todo não estavam errados. Uma onda de raiva trespassou o corpo dela ao pensar em Sirius: depois que começaram com isso de... (nem sabia como chamar o que havia entre eles) toda sua vida certa e perfeita parecia ruir. Maldito Sirius, ele chegara-se a ela num momento em que se sentia fraca e solitária e agora... Ele jamais entenderia - Agora Bella sabia, mais que ele, o significado de pertencer à família... Como fazê-lo entender que não havia outra maneira? Que era maior que ela e tão importante? A velha vozinha, semelhante à de Andie, que habitava as profundezas de sua mente sussurrou que se realmente quisesse, podia ir-se com Sirius. Uma fuga... Já cogitara sim essa possibilidade e seria uma vida de aventura e risco, isso a atraia muitíssimo, mas... Seria também uma vida de incerteza e teria que abandonar tudo aquilo que sempre acreditara, teria que quebrar todas as regras, agir contra sua natureza fria e calculista. Algo como fazer haver outro Verão depois deste.
Amaria Sirius o bastante? Ou como todo Black, amava somente a si mesma? Olhou novamente as velhas parentas, fingindo ouvir a conversa enfadonha: qualquer destino que tomasse, não seria que nem elas.
Mal ouvira o som de pedrinhas esmagadas pela roda de um carro, Sirius viu a porta de seu quarto escancarar-se e Bellatrix entrar correndo, e sem qualquer precaução, atirar-se nos braços do primo. Logo em seguida desferiu vários tapas sobre os ombros dele.
- Sirius, seu maldito, onde você estava?
- Sua maluca! – Sirius desvencilhou-se da prima e segurou os braços dela, prendendo-a com a maior facilidade. – Você não tinha cansado de mim?
Ela ofegou e sentou sobre as pernas dele, com um sorriso malicioso:
- Espero que a conversa fiada da Cicinha tenha te mantido a tarde inteira desesperado.
Sirius encarou a prima, fazendo uma expressão de incredulidade. Então tinha sido tudo realmente uma armação de Bellatrix? Como se já não soubesse... De alguma forma, sentiu-se ofendido: ela não precisava ter feito isso... só por vingança!
- Espero que você tenha ficado a tarde inteira imaginando onde eu passei a noite...
Olho por olho, era o que diziam, não era?
Os dois se encararam. Não havia necessidade de desculpas e Bella esqueceu-se momentaneamente o que realmente fora fazer no quarto do primo. Beijaram-se. Azar se alguém abrisse a porta, o que ela queria, naquele exato momento, era sentir todas as energias do corpo do primo sendo empurradas contra ela através de seus lábios. Ele apertava-a fortemente pela cintura. Um beijo cheio de raiva, extremamente passional e melhor do que todos até então. Um beijo que poderia empurrar os dois amantes à eterna perdição.
- Como eu te odeio, Sirius – ela disse, encostando a testa à dele.
O rapaz riu.
- Vamos embora, agora mesmo.
Bella afastou-se bruscamente, como se atingida por um raio de racionalidade.
- Não, não podemos.
O rapaz dessa vez ficou realmente confuso:
- Ora, é claro que você pode... E vai!
- Não, não! – Bellatrix repetiu, agora dando voltas pelo quarto. Sirius notou que ela ficara repentinamente tensa, tentando esconder alguma coisa na mão esquerda.
- O que é isso?
- Shiu!
Sirius cruzou os braços e observou a prima olhar o corredor e tornar a fechar a porta do quarto. Podiam ouvir Walburga perguntando para Monstro se ele vira Bellatrix subindo.
- E então? – ele insistiu, enquanto ela se escorava no batente da janela.
- Eu...
- E não venha me dizer que foi tudo diversão e que o Lestrange te chamou à realidade depois do funeral, que eu não acredito.
Pesarosa, Bellatrix fechou seus grandes olhos escuros. Ergueu a mão esquerda para que Sirius visse o pequeno anel em seu dedo anular. Sirius deu de ombros:
- Dá para tirar!
- Não dá para tirar Sirius... – ela deu um suspiro cansado e escorregou alguns poucos centímetros na lateral da janela. O funeral, a visita ao Lestrange, todo o “nervoso” que vinha passando deviam tê-la deixado abatida e ainda por cima tinha que explicar ao primo que o mundo não era uma grande piada – Por que não é só o casamento em si...
Sirius se levantou, indo até ela, sem entender:
- O que é, então? O que está acontecendo, Trix? Se você não quer fugir, se tem medo da Walburga, a gente tem Hogwarts... E depois, temos a herança do meu tio.. E ano que vem, você vai ser maior, vai receber a do seu pai e...!
Bellatrix fechou os olhos. Repentinamente parecia que havia borboletas vivas em seu estômago, prontas para sair.
- Não é isso – ela murmurou, antes de desfalecer nos braços no primo. No mesmo instante Walburga, acompanhada da irmã e das parentas, abriu a porta do quarto, seus olhos se arregalando num misto de desentendimento e ira.
- Acorda Bella! – Narcisa chamou a moça profundamente adormecida. Pouco depois a outra abriu os olhos, tentou sentar-se, mas sua cabeça estava pesada e dolorida. Narcisa fê-la engolir ume poção reanimadora. Ainda estava no quarto de Sirius, mas ele não estava lá.
- O que...?
- Acabou... Ele, o Sirius foi... – a garota tomou fôlego para dizer a palavra tabu.
Continua...
Autora: Sim, eu sou má, boba, feia e chata :D Moças minhas queridas leitoras... desculpem essa demora toda, mas do final do ano passado pra agora tem sido um caos, vestibular, então mudança pra são paulo, faculdade e todas as coisas implicitas... Mas eu escrevi a primeira parte do Final e não consegui deixar de postar *sim, está acabando* e o clima de desgraça paira sobre as cabeças dos jovens Six e Bella... Eu pretendo acabar ainda esse ano pelo menos essa fic... Eu fico muito chateada de não terminar o que comecei, mas acho que eu tinha perdido o tesão de escrever, coisa que agora está voltando ^^ É que minha inspiração vive fugindo pela janela, a safada... =D
Bom... vou agradecer os comentários, principalmente a Lisi e a Ana F. ^^ Thanks e se não fosse a insistência de vocês eu já tinha desistido ¬¬
E muito thanks para minha dear-sistah-sócia Morg, que betou a budega... e deu o ar da graça na fic ^^ ha-ha!!!
Abraços e beijinhos e até breve *espero*,
A. H. B.
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