Sem Volta



DISCLAIMER: Não é meu! É tudo da J. K. Rowling.

BETA READER: Nandda, Fernanda Xuxu e Shey Snape – muito obrigada!

N. A.: Capítulo vinte e nove! A repercussão da palavra com P, e a adaptação de Nathan fora da terra dos sonhos.



Capítulo 29: Sem Volta

— Pai!

A pequena palavra alcançou os ouvidos de Severo, viajou pelo seu cérebro, mas só encontrou morada quando chegou ao seu coração, que parou por um instante. A rigidez de sua postura não combinava com as mãos na cabeça e nas costas de seu filho – um movimento trazido não só por reflexo aos braços do menino ao seu redor...

Severo lembrou que era importante respirar.

— Eu fiz funcionar, Pai.

Severo teve que fechar os olhos desta vez por pelo menos um breve momento. Ouviu o ofego de Hermione ao seu lado, sentiu uma estranha constrição em seu peito. Respire, velho.

Tirando os braços que o envolviam, Severo segurou o filho pelos ombros. O sorriso brilhante, ainda mais brilhante que aqueles olhos satisfeitos, era para ele e mais ninguém. Aquilo fez Severo quase esquecer onde eles estavam, quem estava ali com eles e o que ele deveria estar fazendo. — Descanse agora — instruiu, levando o menino de volta ao travesseiro.

— Mas eu acabei de acordar! — Nathan protestou.

— Você não estava dormindo — Severo insistiu, uma urgência crescendo dentro dele. Ficou quase insuportável quando ela, Hermione, se inclinou sobre Nathan para tirar o cabelo dele da testa e colocou uma mão entre os ombros de Severo, prendendo-o ali.

— Eu acabei de acordar, Mãe. — O protesto era mais como um lamento agora.

Ainda incapaz de fugir, Severo foi obrigado a sentir, pelo peso quente da mão dela, o tremor do fôlego que ela tomou.

— Escute seu pai, querido. Durma; descanse agora.

Ele não podia ficar ali por mais nem um momento sequer. Severo recuou da cama, forçando a mão dela a deixá-lo com uma trajetória ardente como um raio, esperando que a distância transformasse a tempestade de trovões num céu calmo de inverno. Respire devagar. Suas feições já recuperavam a postura congelada.

Granger sussurrou palavras de conforto para Nathan, Papoula voltou trazendo poções, e as costas de suas pernas encostaram na cama ao lado.

Pai.

Só de lembrar como a palavra soara era como uma rajada de vento açoitando as nuvens negras, perturbando seu céu estagnado de inverno. Ele não estava distante suficiente; não estava isolado suficiente. Papoula olhava de relance para ele enquanto Hermione sussurrava algo por sobre o Nathan para ela. Ele olhou para o rosto do filho, confirmando que ele caíra no sono, naturalmente desta vez.

— Vou preparar um lote novo — Severo lhes disse aparentemente do nada, percebendo que estivera realmente ouvindo a conversa delas: Poção Reanimadora para seu filho.

Ele se retirou imediatamente, andando depressa, parando apenas quando cruzara o batente baixo da porta de seus aposentos nas masmorras. Severo caiu pesadamente no sofá, segurando a cabeça nas mãos.

Por que fingir que haveria distância física suficiente para apagar o que ouvir seu filho lhe chamar de Pai fez com seu coração, que ainda doía com o golpe? Admitindo a derrota, ele tirou o frasco achatado do bolso e acariciou a superfície lisa com um dedão. O calmo conteúdo azul esverdeado o aqueceu, derretendo o restante de seu frágil inverno.

— Sim, você fez funcionar, Filho. — Fechando a mão ao redor do frasco, ele desejou: — Sonhe com os anjos, meu menino.

~o0oOo0o~


Ele despejou o líquido vermelho nos pequenos frascos e não tirou os olhos da tarefa quando a porta se abriu, ecos de passos chegando mais perto e então cessando.

Severo encheu outro frasco.

— Estou indo embora esta noite.

Ele usou a concha para pegar o máximo possível da poção restante; havia um último frasco a ser preenchido.

Um frasco que deveria estar na bancada ao lado esquerdo do caldeirão, mas não estava. Severo olhou em volta pela mesa, procurando. Ele foi finalmente forçado a erguer os olhos e olhar para ela, e lá estava o frasco, balançando entre os dedos dela. Hermione lhe ofereceu o frasco e um sorriso.

— Queria lhe agradecer, Severo — ela lhe disse, olhando diretamente em seus olhos.

Ele pegou o frasco da mão dela, voltando à tarefa de despejar a Poção Reanimadora nele. — Pare de me agradecer por tudo que eu faço.

— Devo lhe agradecer sempre que fizer algo maravilhoso como salvar a alma de nosso filho. Você já deveria estar acostumado com isso agora — ela lhe disse trivialmente, sobrepondo o som da concha atingindo o frasco de vidro gentilmente e depois o caldeirão vazio. Ele conseguia sentir o sorriso antes mesmo de vê-lo estampado no rosto dela. Ela estava reclinada contra a borda da bancada, olhando presunçosamente para ele, e ele não teve tempo de impedi-la de acrescentar um divertido: — Pai.

Ele bufou, e foi um som estranho até para ele. O que ela esperava conseguir com aquilo? Hermione inclinou a cabeça, estudando-o, pelo que parecia. Severo levou o caldeirão sujo para ser lavado, esperando que ignorá-la passaria por dispensa. Eles não tinham nada para discutir.

— Eu não sei o que aconteceu entre vocês dois enquanto estavam inconscientes, mas sinto que esse simples obrigado não é suficiente por tudo que conseguiu.

Ele franziu a testa para o caldeirão que enchia de água, esperando para saber o que ela diria em seguida.

— Parabéns, Severo.

Ele suspirou com gravidade, virando de modo acusador para...

— Nem comece — ela antecipou. — Já passamos claramente deste ponto agora, você há de concordar. Apenas... — Ela sorriu afetuosamente, aproximando-se dele. — ...aproveite.

Severo congelou numa falta de reação apenas por um breve momento. — Ah, eu vou aproveitar as detenções que ele vai servir comigo. — Ele recorreu ao sarcasmo para se recompor.

Hermione revirou os olhos, mas não pareceu desconcertada. — Tenho certeza que a orelha dele ainda está ardendo do sermão que fiz ele ouvir quando finalmente acordou. Eu ainda não consigo acreditar que ele se amaldiçoou daquele jeito. O que ele estava pensado?

— Ele claramente não estava pensando.

— Porém, acredito que as coisas tenham mudado. O que quer que tenha levado ele a fazer o que fez já está resolvido agora. Ele pareceu feliz em estar de volta; era todo abraços e sorrisos, e você é finalmente “Pai”.

Ignorando a lembrança, Severo comentou: — Ele tem diferenças com o meu afilhado. — Talvez Hermione fosse capaz de forçar um pouco de bom senso na cabeça teimosa do Nathan.

— Você é padrinho de alguém? — Hermione perguntou.

— Ah, o tom de surpresa — ele zombou.

— Eu... É surpreendente, sim. Nathan nunca comentou nada sobre isso.

Bem, ele não estava surpreso com isso. Severo saboreou a tensão que seu silêncio causou; ele sabia que ela queria perguntar, podia sentir a curiosidade quase incontida dela. Ela abriu e fechou a boca algumas vezes. — Se está de saída, adeus — ele finalmente disse, deleitando-se com o modo como a boca dela se decidiu por ficar aberta.

Ela se recuperou rápido demais e franziu a testa com indignação. — Quem é o seu afilhado?

— Devon Malfoy — ele respondeu despreocupado, organizando os frascos numa caixa para transporte enquanto apreciava o som do ofego dela.

— Malfoy?!

— Não é nenhum segredo de onze anos — ele bateu. Não foi tão satisfatório como se ela estivesse realmente prestando atenção, e os olhos arregalados e parados dela lhe diziam que ela claramente não estava.

— Isso explica muita coisa. Todas as brigas, as detenções, as palavras odiosas... — Ela finalmente olhou de volta para ele. — Você deveria ter me contado.

A indignação dela o irritou. — Melhor não voltar ao mérito do que deveria ou não ter sido dito, Granger. Você não tem como ganhar esta discussão.

Para sua decepção, ela apenas suspirou. Decepção... Ele se irritou quando analisou sua própria reação à falta de reação dela com seus comentários. Decepção com o quê? Como se provocá-la fosse algo que ele fizesse por diversão.

— Vou conversar com ele sobre o Malfoy — ela lhe disse, e depois evidentemente segurou a língua, mas não foi embora. Ela suspirou novamente, desistindo e perguntando assim mesmo: — Tem mais alguma coisa que eu deva saber antes de conversar com o Nathan sobre isso?

— A detenção será amanhã às sete. — Agora vá embora, Granger — ele pensou, mas não disse.

Ela revirou os olhos. Ele pegou a caixa de frascos de poções e andou em direção à porta. Se ela não ia embora, ele iria.

Ela o parou com uma mão em seu braço.

— Você acha que isso é uma boa idéia? — ela perguntou. Ele olhou para ela, para os olhos ansiosos dela; ali ele viu que ela sabia que Devon estaria dividindo a detenção com Nathan. — Severo, quais são seus planos?

— Levar essas poções para a Papoula. — Ele olhou intencionalmente para a mão em seu braço. — Se me dá licença. — Quando ele mostrou intenção de sair novamente, ela apertou seu braço.

Ele a encarou nos olhos. — O Sr. Malfoy servirá no mínimo uma semana de detenções pela peça estúpida que pregou na biblioteca. Todos os envolvidos serão disciplinados, incluindo Wood, Brown e seu pequeno Granger — ele explicou.

— O que espera conseguir juntando-os deste jeito depois do que aconteceu? — ela insistiu.

— Espero que eles ajam como jovens bruxos civilizados. Não pode ser pedir demais, especialmente com a punição para lembrá-los de parar de serem cabeças-ocas estúpidos! — Ele esperou que a veemência mostrasse à mulher que a punição dos pirralhos não era negociável.

Ela hesitou antes de soltar seu braço. Ele saiu imediatamente, esperando que Hermione estivesse longe do castelo antes da noite chegar.

~o0oOo0o~


— Ele terá que tomar uma dose de Poção Revigorante todo dia por mais três dias, mas isso é só uma medida de precaução. Ele está se recuperando rápido.

— Obrigada, Madame Pomfrey — Hermione disse. — Você tem sido realmente compreensiva durante esses dias, e sinto a necessidade de me desculpar...

— Não tem nada, querida — a medibruxa garantiu à Hermione com um tapinha no braço. — Por que não leva ele à sala comunal? — Ela gesticulou com a cabeça na direção onde Nathan estava sentado na cama, balançando as pernas numa demonstração clara de impaciência. — Tenho certeza que ele está pronto.

Hermione sorriu para a matrona. — Obrigada. — Ela foi até Nathan, então, seus pensamentos voltando ao que Severo lhe revelara.

— Madame Pomfrey diz que você pode deixar a Ala Hospitalar. — Nathan pulou da cama. — Não com tanta pressa! — Hermione o parou. — Quero conversar um pouco com você.

Os ombros dele cederam, provavelmente esperando outro sermão, ela presumiu. Bem, ele estava quase certo com relação a isso.

— Falei com o seu pai mais cedo sobre suas diferenças com o afilhado dele — ela lhe disse, enfatizando seu novo conhecimento sobre quem Devon Malfoy realmente era, e esperou.

— O que tem ele? — Nathan resmungou como resposta, obviamente desconfortável com a escolha de assunto.

— É por isso que você faz de tudo para causar problemas para vocês dois? Por que ele é afilhado do seu pai?

— Eu não faço de tudo para causar problemas para mim — foi a resposta dele.

— Nathan... — ela disse como aviso. Apegar-se a rancores infantis nunca foi saudável.

— Ele já era maldoso e desrespeitoso comigo mesmo antes de eu saber que o Prof. Snape era meu pai, tá? Ele é quem está sempre me causando problemas. — Ele cruzou os braços petulantemente sobre o peito.

— Olha o tom — Hermione repreendeu de leve, pensando na melhor forma de abordar o assunto. — Você percebe que, ele sendo afilhado do seu pai, vocês terão que encontrar uma maneira de se entenderem, não é? — Nathan não deu nenhum indicativo de que responderia, então ela perguntou novamente: — Não é, Nathan?

— Ele me odiou primeiro.

— E agora você o odeia de volta, é isso que está me dizendo?

Nathan finalmente olhou para ela. Ele mordeu o lábio inferior, obviamente pensando em como se safar mesmo dizendo “sim”.

Hermione suspirou e recostou o quadril na cama que Nathan acabara de desocupar. — Isso não pode continuar, Nathan. Você pode imaginar como seria se você, a Lílian e o Sirius se odiassem? Como Harry, Gina e eu ficaríamos devastados?

— Não dá apenas para escutar toda a merda...

— Olha a boca.

— ...que o Malfoy fala o tempo todo e deixar por isso mesmo. Todo mundo vai achar que o que ele diz é verdade e que eu sou um covarde. E mesmo se o que ele diz não for totalmente mentira, o jeito como ele fala comigo – e com todo mundo, na verdade – é definitivamente errado.

— Seu pai vai falar com ele. — Hermione garantiria isso.

Nathan deu um riso curto, e Hermione não gostou do tom de descrença. — Não vai mudar nada. Não mudou até agora, de qualquer forma. Tudo que Malfoy precisa é fazer uma cara de dó, choramingar, e está tudo perdoado.

Hermione franziu a testa. — Tenho certeza que não é assim, Nathan. Seu pai não deixaria se levar por nada disso.

— Mas, Tio Severo — Nathan choramingou numa imitação jocosa do outro menino. — Dá até ânsia, Mãe — ele acrescentou.

O menino Malfoy parecia ser o mesmo estereotipo de sonserino que ela lembrava que os pais dele foram, mas ainda era difícil de acreditar que Severo deixaria se enganar daquela forma. Embora Hermione se lembrasse como Severo sempre fora condescendente no que dizia respeito ao Draco, de volta ao tempo em que ainda eram alunos. Ela achava que tinha algo a ver com a guerra, e mesmo assim, Hermione tinha desejado ser tão respeitada por Severo quanto o sonserino parecera ser. Ah... Ela finalmente entendeu. — Você está com ciúmes — Hermione apontou.

— Não estou — Nathan negou com fogo no olhar. — Por que eu estaria com ciúmes daquele pomposo... albino... idiota?! — Era definitivamente ciúmes, Hermione tinha certeza agora. Ela esperou pacientemente pela admissão de Nathan. — É só que... — ele começou. — O Prof. Snape sempre acaba chamando ele de Devon ao invés de Sr. Malfoy, e tudo está resolvido. Eu, por outro lado, sou sempre Sr. Granger. Não tem como ganhar disso. Malfoy nunca será punido. — A voz morreu na frustração e decepção dele.

Hermione sorriu; eles eram tão parecidos às vezes. — Como você pode esperar que ele lhe chame de Nathan, quando você também não deixa as formalidades de lado? Já tentou “Pai” ao invés de “Prof. Snape”?

— A Grifinória nunca ganharia a Taça das Casas novamente, Mãe — Nathan disse com toda seriedade.

O sorriso de Hermione se abriu para mostrar os dentes com as bobeiras de seu filho.

— Nenhum ponto foi tirado nas duas últimas vezes que ouvi você chamando o Severo de Pai — ela destacou.

Um olhar distante cruzou o rosto de seu filho enquanto ele, sem dúvida, se lembrava dos momentos que compartilhara com Severo depois de acordar da influência do feitiço. Ele era jovem e cheio de sonhos... Hermione se lembrou das vezes que discutiram o futuro – uma conversa temida por causa do rumo que sempre tomava: o pai desconhecido. Agora que ela não tinha que temer os sonhos de Nathan, agora que Hermione estava livre para sonhar também, deixando os fantasmas do passado no lugar deles... Ela queria que Nathan sonhasse o mais alto que quisesse. Ela sorriu e o abraçou de lado. Sim, era hora de olhar para frente e lutar pelos sonhos. — Vamos, querido. Podemos conversar enquanto vamos para a Torre.

~o0oOo0o~


Hermione não conseguiu segurar o sorriso quando Severo se assustou ao entrar na sala e encontrá-la ali.

— Bom dia — ela cumprimentou com mais alegria que de costume.

— O que diabos está fazendo aqui?

Seu sorriso se contorceu e ganhou malícia como nos que ele às vezes lhe concedia. — Sentiu minha falta? — ela perguntou, apreciando a irritação dele talvez um pouco demais. Não era todo dia que ela tinha a oportunidade de pegar o bruxo de surpresa.

— Imensamente — ele zombou e finalmente entrou no escritório. — Pensei que já estaria livre de você agora. Você já foi uma mulher de palavra, Granger. — Ele se acomodou atrás da mesa sem dispensar sequer um olhar em sua direção, o que era até bom, porque o sorriso aberto de Hermione o teria irritado ainda mais, ela sabia.

Ela permaneceu em silêncio, esperando.

Ele finalmente rosnou, dando-lhe total atenção. — O que você quer?

— Pensei que tivesse sido clara na última vez que me perguntou isso, Severo.

Ele apenas olhou feio para ela, e a diversão de Hermione se dissolveu aos poucos em seriedade.

— Estava pensando em tudo que aconteceu na última semana, e... eu preciso de você comigo, Severo, ao meu lado. — Essas confissões eram sempre desajeitadas, ou era assim que a faziam se sentir. Talvez fosse pior para Hermione porque ela estava admitindo a necessidade dele para ele, como se sua tenacidade até agora fosse uma fachada. Ela queria viver a vida como esta semana: com Severo. Seria um crime?

— Ao seu lado? O que é isso, uma aposta de quadribol onde eu preciso escolher um lado?

É claro que ele tornaria a tarefa impossível para ela.

— Estou falando sério, Severo. Os últimos dias, eu... — Hermione suspirou. — Ficar sozinha era mais fácil quando... — Ela estava tentando. — Antes, eu só tinha as memórias de trabalhar com você, uma lembrança distante, facilmente tirada de proporção, mas agora... Agora, Severo, nós estamos criando Nathan juntos. — Ela esperou que o modo como ela ergueu o queixo o intimidasse a manter a negação só para ele, de modo que o assentir firme de cabeça concordando a surpreendeu.

— Já o tomei como minha responsabilidade, e acredito que podemos concordar na maior parte do que diz respeito ao Nathan.

Ela mordeu o lábio. — Mas isso não é tudo — Hermione lhe disse, precisando que ele entendesse o que havia nas entrelinhas.

— Sim, é só isso mesmo, Granger.

— Por que, Severo? A idéia da minha afeição por você é tão repulsiva assim? — Ela soube bem ali, naquele momento, que arruinara tudo. A expressão dele a respondeu, e Hermione se levantou para que pudesse sair enquanto ainda restava um pouco de dignidade. — Não responda — ela lhe implorou, sem encontrar o olhar dele.

— Eu não entendo você — ele disse. — Por que insiste nessa insanidade, Hermione?

— Não, você não entende — Hermione concordou, cansada de se justificar para ele, envergonhada por ter o coração ali, exposto daquele jeito. Ela se sentiu repentinamente aliviada por não haver um encontro em família planejado para aquela noite. Ela deveria ir para casa, como prometera na noite passada. — Tenha uma boa semana, Prof. Snape. — Ela acenou formalmente com a cabeça, depois saiu apressadamente antes que o desconforto no fundo de seus olhos se condensasse em lágrimas.

~o0oOo0o~


Severo suspirou quando a porta clicou ao fechar. Por que Hermione tinha que insistir nisso? Se Severo não soubesse, ele realmente acreditaria em suas próprias acusações sobre a insanidade dela. Ela não era insana, é claro, então o quê era isso? Uma convicção religiosa? Um complexo de culpa? Impulsos masoquistas? O quê?

Talvez fosse tudo um esforço pelo Nathan – o que Severo chamara um dia besteira de família. Mas ele não pensava mais assim, e como ele poderia depois de Nathan chamá-lo de Pai? Eles eram uma família, seu filho e ele, mas isso não incluía Hermione. Severo franziu o cenho. A família de Nathan incluía Hermione, mas a de Severo não. Poderia haver algo assim sem hipocrisia?

Ele fechou o diário de pesquisa e se reclinou na cadeira, olhando para a porta fechada, contemplando a mulher que acabara de sair.

Eles interagiriam, não havia como evitar, e com toda sinceridade, contanto que ela se mantivesse no assunto – o que significava Nathan – ele não podia classificar isso como um problema. Uma amizade, então? Severo acreditava que isso era aceitável; Nathan valia à pena. Eles também dividiam interesses de trabalho; ela conseguia manter uma conversa interessante de vez em quando…

Ele bufou. Quem Severo estava tentando enganar? Ela era a única que havia realmente tentado ter qualquer tipo de relacionamento com ele, além dos Malfoy. Severo supunha que poderia viver com a presença dela. Ela era quem estava fazendo sacrifícios afinal de contas, não ele.

Se ao menos ele entendesse por quê...

Severo reabriu o diário de pesquisa. Haveria muito tempo para analisar a Granger, ele estava certo disso. Ele não achava que ela se afastaria tão cedo.

~o0oOo0o~


Hermione aparatou no beco perto de seu apartamento. Ela chorava como uma adolescente boba, seguindo cegamente o caminho bem conhecido até seu prédio, subindo as escadas o mais rápido que conseguia. Ela teve uma luta irritante com as chaves e quase usou magia para abrir a porta – quase. Ela respirou fundo, suficiente para estabilizar as mãos e permitir que ela entrasse no apartamento. Qualquer controle que tinha se rompeu no momento que soube que estava seguramente sozinha para se afundar em auto-piedade.

Hermione começava a acreditar em Severo quando ele dizia que ela estava louca. Como alguém poderia ser rejeitada várias e várias vezes como ela fora e continuar voltando para mais? Que tipo de mulher doente faria isso? Que doentio!

Doentio e doloroso, como perder o chão, caindo sem parar. Quando foi que ela colocara Severo num lugar tão importante em sua vida que agora dependia dele para respirar direito?

Uma batida soou na porta.

Hermione limpou as lágrimas, lutando por controle mais uma vez.

Outra batida na porta.

Mais fôlegos calmantes. Isso é ridículo. Ela estava fazendo uma tempestade num copo d’água.

— Hermione?

Era Érica, a vizinha de Hermione.

— Hermione, você está bem?

Hermione se levantou do sofá e abriu a porta para a amiga. Ela deveria estar uma visão perturbadora, porque Érica arregalou os olhos no momento em que a viu. — O que aconteceu? O Nathan está bem?

Hermione quase começou a chorar novamente à menção do filho; filho deles. Será que ela fizera tanto esforço porque Severo era pai do Nathan? Se ele não fosse, será que ela teria ido tão longe com sua... súplica? Um soluço lhe escapou, e os braços de Érica surgiram ao seu redor, guiando Hermione de volta para o sofá. — Nathan está... está bem — ela lhe disse em tons engasgados.

— Ah, graças a Deus. — Sua amiga suspirou de alívio, sempre correndo círculos nas costas de Hermione. Ajudava. — Seu amigo William veio lhe procurar, e ele me disse que você tinha sido chamada por que havia algo de errado com o Nathan, e de repente você está de volta depois de dias, chorando... Eu achei... Eu nem sei mais o que eu achei.

Hermione estava mais calma agora. Ela fungou sob o carinho da amiga. — Nathan estava doente. Eu estava com ele.

— O que aconteceu? — Érica inquiriu.

Hermione deixou o sofá. — Chá? — ofereceu. Ela conhecia bem Érica e tinha certeza que podia confiar nela, mas velhos segredos morriam com dificuldade...

— Eu vou fazer o chá. Você vai jogar uma água no rosto e colocar algo mais confortável. — Érica a tocou da sala, e Hermione podia ouvir barulho de metal tocando metal na cozinha enquanto passava pelo quarto e entrava no banheiro.

Olhar-se no espelho a fez fechar os olhos; só um banho de banheira faria qualquer coisa por aquilo, ela pensou. Hermione jogou água no rosto assim mesmo. A água a ajudava a limpar a mente, se não os olhos inchados. Ela voltou para o quarto e colocou algo mais quente, mesmo que ainda tremesse. Ela respirou fundo uma última vez antes de encontrar Érica novamente.

Uma xícara de chá foi empurrada para ela enquanto se acomodava no sofá. Hermione tomou um gole e fez uma careta.

— Eu sei que prefere com açúcar, mas acho que a bebida forte vai lhe fazer bem neste momento — Érica justificou. — Está mais calma agora?

Hermione assentiu com a cabeça e depois colocou a xícara na mesinha baixa em frente ao sofá. — Obrigada.

Érica se sentou ao lado dela no estofado e a olhou com expectativa. Hermione sabia que sua amiga queria saber o que a afligira tanto, mas estava pouco à vontade para perguntar. Hermione suspirou, deixando os olhos se fecharem brevemente.

— Estou louca — confessou.

Depois de algum silêncio, Érica perguntou:

— O que quer dizer com isso?

— Perdi minha sanidade e, com ela, qualquer senso de orgulho e respeito próprio — Hermione elaborou. — Ah, e eu deveria mencionar meu coração, essa coisa. Estou culpando esse estúpido por toda a confusão que levou a minha insanidade.

— Homens? — Érica questionou.

Hermione bufou. — Será ele um homem, me pergunto? Poderia tal criatura sem coração, feita de aço e gelo ser chamada de humana? — Ela fez uma careta antes de desistir e deixar a cabeça cair no estofado atrás dela. — Severo — ela disse, derrota colorindo sua voz.

— Soa como um nome de homem para mim — sua amiga comentou. — Um que nunca ouvi de você antes, mas um nome de homem, estou bem certa disso.

A cabeça de Hermione rolou para o lado, e ela abriu os olhos para olhar para Érica antes de dizer:

— Ele é o pai do Nathan.

Os olhos de Érica se arregalaram por um momento. — Ele fez...? Ele tentou...? Você estava chorando. Ele…

— Nunca. Ele não é desses. — Hermione desviou o olhar do de sua amiga. — Eu sou uma boba.

— Eu... Eu sinto muito, não sei o que pensar.

— Não tem problema — Hermione garantiu. — Ele é um bastardo de carteirinha, só que não desse tipo.

— Hermione.

Quando Érica parou no seu nome, Hermione suspirou e se endireitou no sofá, alcançando o chá forte. Depois de um gole e uma careta, ela começou:

— Eu só o reencontrei depois que Nathan começou no colégio interno; ele é professor lá. Foi complicado, como você pode imaginar, especialmente depois que ele descobriu sobre o Nathan.

— Ele não sabia?! — Hermione baixou o olhar para a xícara ao tom de acusação de Érica. — Desculpe. Quero dizer, eu suspeitei que fosse algo complicado assim, mas... Ah, mas que inferno — Érica amaldiçoou, falhando em sua tentativa de se desculpar.

— Eu sei. É um completo desastre. Nathan está sofrendo, Severo está sofrendo, e é tudo culpa minha. — Hermione disse aquilo e sofreu por eles três. Doía ainda mais, porque falar sobre isso para alguém fazia seus sentimentos por Severo parecerem ainda mais descabidos, ou fora de hora, no mínimo.

— Eles estão se dando bem agora — Hermione continuou, tentando encontrar o lado bom disso tudo. — Nathan chamou Severo de Pai. — Ela tentou sorrir.

— Você o ama? — Érica perguntou, e o coração de Hermione se contorceu no peito, lágrimas se formando no fundo dos olhos.

— Estou maluca — foi sua resposta entrecortada.

— Ah, minha querida. — Érica tirou a xícara de sua mão e a puxou para um abraço. Hermione soluçou no ombro da amiga e deixou a frustração reinar e vazar pelas lágrimas; estúpidas, porém libertadoras. Mas elas secaram eventualmente, deixando Hermione vazia, mas em paz.

— Então, ele é um professor — Érica disse depois que o silêncio se tornara confortável suficiente para ser quebrado. — Não posso dizer que estou extremamente surpresa.

— Ele se parece muito com o Nathan: inteligente, teimoso...

— E eu que pensei que o Nathan tinha herdado essas características de você.

Hermione não conseguiu conter o sorriso quando ele cresceu, puxando os cantos de sua boca. — O cabelo escuro, os olhos, as mãos graciosas... — ela continuou. — Nathan é definitivamente filho de Severo — Hermione resumiu. — Não que eu jamais tenha duvidado disso — ela se apressou a acrescentar, percebendo como a última declaração podia ser mal interpretada.

Érica sorriu, aceitando a certeza de Hermione. Érica era uma boa amiga; ela nunca julgaria Hermione, mesmo se a identidade do pai de Nathan fosse completamente desconhecida. Aquilo fazia Hermione imaginar o que Érica acharia de Severo. Érica e ela eram próximas em idade; sua amiga sempre fora uma fonte de apoio nos assuntos do coração, ajudando Hermione com suas inseguranças e medos a cerca de relacionamentos que teve no passado. Será que ela poderia ajudá-la a acessar seus sentimentos por Severo, essa massa de confusão, dor e leveza que tomara seu coração e não queria ir embora?

Hermione percebeu que Érica estivera observando-a de perto, sem dúvida curiosa sobre Severo. Hermione decidiu que as coisas não podiam ficar piores do que já estavam.

— Desde que o vi novamente, perdi o controle dos meus pensamentos, sonhos... É como se eu estivesse esperando toda a minha vida por esse momento em que encontraria Severo e... despertaria para... — Era mais difícil de explicar do que Hermione pensara.

— Amor à primeira vista? — Érica ofereceu.

— Eu pensei que sim, mas não estou mais tão certa disso. Estou perdendo a cabeça, Érica. Ele diz que estou louca, e estou começando a achar que ele está certo.

— Ele está errado. O amor não é lá muito racional, Hermione. Você não está louca — sua amiga repreendeu. — Talvez você já o amasse desde antes. Talvez você nunca tenha deixado de amá-lo, nem mesmo depois de todos esses anos que ficaram separados.

— Eu... — Como Hermione poderia explicar que não houvera amor envolvido na concepção do Nathan? — Não existe antes, Érica — ela começou. — Severo e eu nunca fomos um casal. Nathan... Nós passamos uma noite juntos, e Severo nunca mais falou comigo, não até recentemente.

— E você ficou sem dúvida magoada com o comportamento dele — Érica assumiu.

Não, ela não ficara. Ela foi quem fugira do mundo bruxo – dele. — Eu nunca o procurei, também. Não havia nada entre nós.

— Certamente, havia algo entre vocês — Érica discordou. — Não consigo imaginar você passando a noite com um homem que não conhecia.

— Nós trabalhávamos juntos; eu era assistente dele em alguns trabalhos. — Hermione hesitou, o rosto queimando antes de acrescentar: — Ele foi meu professor antes disso.

Os olhos de Érica ganharam um brilho malicioso.

— Não foi nada disso — Hermione disse, revirando os olhos. — Eu não tinha uma paixonite por ele enquanto estava na escola, ou coisa do tipo. Professor errado — ela resmungou a última parte. — Eu admiro Severo por ser brilhante, pela inteligência, integridade. Ele é muito respeitado como homem e em seu campo de atuação. Ele é um professor exigente, e duvido que seja o favorito de qualquer aluno... Embora Nathan sempre tenha gostado mais das aulas dele — Hermione acrescentou, pensando melhor, e depois tentou lembrar por que não vira o brilho de Severo desde o começo.

Ah, sim. Ele fizera de tudo para ser odioso com Harry e amigos, incluindo ela.

— Ele não me suportava como aluna, e eu o ressenti por isso — Hermione admitiu. — Não foi até eu deixar a escola e trabalhar com ele que comecei a realmente entender por que ele era um bastardo como professor.

— E então você se apaixonou por ele, dividiu sua cama, e... — Érica parou no meio da frase, como se um quebra-cabeças se completasse na cabeça dela. — Ele é casado, não é?

— Não! — A energia de Hermione em sua negação tomou até ela de surpresa. — Quero dizer, não, ele é solteiro. Suponho que não tenha havido muito tempo para relacionamentos na vida dele na época, e Severo é muito reservado, não se socializa muito. — Ela nunca considerara qualquer vida amorosa passada que Severo possa ter tido. Nem pensara muito sobre a vida dele longe de Hogwarts. Ele parecia nunca deixar o castelo, embora ele devesse sair ocasionalmente. O fato de Severo ter um afilhado de quem ela não estava ciente provava que ele tinha uma vida social fora daquelas paredes de pedra.

Hermione franziu a testa. Seria ele casado? Divorciado? Ela riu de repente. Ele não era, senão teria usado o fator esposa para mandá-la embora.

— Qual é a graça? — Érica perguntou claramente confusa.

— Severo com uma esposa — Hermione respondeu ainda sorrindo, depois ficou séria. — Ele é um solitário que mantém qualquer pessoa tentando entrar em sua vida bem longe. — Hermione se lembrou das muitas discussões que tiveram com relação ao Nathan a esse respeito. — Eu não acho que ele se considere digno de afeto.

— E você gosta dele.

— Mas ele não gosta de mim. Ele já deixou isso muito claro mais de uma vez.

— Você tem certeza? Você é uma mulher tão adorável, Hermione...

Ela sorriu com o elogio. — Tenho certeza sim, Érica. Ele disse com todas as palavras. — Hermione olhou para as xícaras vazias na mesa baixa, seu coração se constringindo no peito. — Aceitarei os desejos dele e seguirei em frente.

~o0oOo0o~


Nathan mal saíra da Ala Hospitalar, aproveitando a alegria de estar de volta deste lado do mundo, mais uma vez capaz de interagir com seus amigos, e já era esperado no escritório de seu pai para uma detenção. Pelo menos, não seria só ele desta vez – Kevin e Andy também estavam convocados.

— Não consigo entender por que deveria cumprir detenção também — reclamou Andy. — Tudo que eu fiz foi dizer a vocês que estavam se metendo em encrenca. Agora, vocês se meteram em encrenca, e eu tenho que pagar por estar certo.

— Pare de agir como um lufa-lufa chorão e ande mais rápido, Andy. Não vai ajudar em nada se chegarmos um segundo atrasados — Kevin lhe disse.

— Não é tão ruim assim — Nathan garantiu ao amigo perturbado. — Serão só algumas horas.

Nathan se sentia responsável pela detenção dos amigos, mas não havia nada que pudesse fazer agora. Ele não sabia com que humor encontraria o professor amargo, e não ter que encarar o homem sozinho era tudo que Nathan conseguia pensar no momento. Ele não vira o pai desde que acordara, e podia lembrar muito bem como se agarrara ao homem, incapaz de se manter longe do pai repentinamente carinhoso.

Como seu pai o receberia agora? Será que eles voltariam ao Sr. Granger e Prof. Snape? Nathan tivera pouco tempo para pensar sobre tudo que acontecera durante sua permanência fora do corpo, e para ele, muita coisa tinha mudado – sua alma mudara.

Eles chegaram à porta do escritório, que estava aberta. A ansiedade de Nathan em encontrar com o pai novamente foi rapidamente substituída por irritação instantânea.

Malfoy estava lá.

Nathan e seus amigos entraram, juntando-se ao sonserino em frente à mesa do Prof. Snape. Um aceno de mão do homem, e a porta se fechou atrás deles. O mestre de Poções deixou seu assento e começou um círculo ao redor dos quatro alunos.

— Vocês estão aqui esta noite por causa da sinistra incompetência em entender e seguir regras; alguns de vocês após serem lembrados delas constantemente. — Aquela última parte foi dita bem perto do ouvido de Malfoy. Prof. Snape fez uma pausa ali e depois começou a andar novamente. — Infelizmente, a falta de juízo de vocês não pode ser negligenciada quando chega a proporções fatais. — Desta vez, as últimas palavras foram ditas diretamente no ouvido direito de Nathan. Depois de uma pausa significativa, Prof. Snape parou encarando os quatro. — Há vários caldeirões sujos esperando por vocês na sala de aula. Já que a inteligência e o julgamento de vocês não são de confiança, não posso permitir o uso de varinhas. Trabalho manual e burro parece muito mais apropriado, não concordam? — Ele ergueu uma sobrancelha.

Ninguém sentiu vontade de responder aquela pergunta.

— Os caldeirões não vão se limpar sozinhos! — Prof. Snape vociferou, e os meninos seguiram em direção à porta todos ao mesmo tempo. — Sr. Granger — o homem chamou, e Nathan ficou para trás, parado perto da porta. Não foi até os outros saírem que seu pai chamou: — Nathan, venha até aqui.

O uso de seu nome fez os ombros de Nathan perderem um pouco da rigidez. Ele andou de volta à mesa de seu pai e esperou.

— Como está se sentindo?

A pergunta foi agradavelmente surpreendente. — Estou bem — Nathan respondeu.

Seu pai o observou com intensidade, e provavelmente, atestando a veracidade de sua resposta curta, assentiu com a cabeça e alcançou um frasco de poção vermelha na mesa.

— Beba isso — o homem instruiu, entregando-lhe o frasco já destampado. — É Poção Reanimadora, e você a tomará uma vez por dia nos próximos três dias.

Vapor escapou pelos ouvidos de Nathan como um efeito da poção. Seu pai assentiu sua aprovação novamente.

— Você será esperado em meu escritório todas as noites antes do jantar para tomá-la.

Nathan assentiu. — Obrigado... — Ele quase acrescentou um “Pai” depois de seu agradecimento, mas não o fez. A nova situação ainda o fazia se sentir um pouco embaraçado, incerto sobre como agir perto do homem, independente do que sua mãe lhe dissera. Primeiro ele era chamado de idiota e estúpido, e depois era tratado com preocupação paternal. Com quem ele estava lidando, Prof. Snape ou seu pai? A quem ele deveria se dirigir?

— Venha — seu pai disse, livrando-o do dilema e guiando-o em direção à porta com uma mão gentil. — Você ainda tem um caldeirão para limpar.

Eles andaram juntos até a sala de aula de Poções. Nathan suspirou assim que viu que seria obrigado a pegar o caldeirão que estava na mesma bancada que o de Malfoy. Nathan não queria desapontar sua mãe, nem seu pai, mas ainda odiava Malfoy por tudo que ele tinha feito. O menino loiro não tirou a atenção da tarefa enquanto ele se aproximou, e assim era melhor para o Nathan.

Ele se pôs a trabalhar também, tentando se isolar em seus pensamentos, e embora estivesse bloqueando Malfoy com sucesso, o mesmo não podia ser dito sobre seu pai. Nathan queria olhar para frente da sala de aula, onde encontraria o pai. A gentileza de como fora tratado mais cedo o fez sentir saudades de seu pai: a alma livre dele. Ele queria conversar com aquele Severo Snape novamente; queria que as coisas fossem como na Torre de Astronomia, sempre. Nathan esfregava o caldeirão e repassava as muitas perguntas que não fizera naquela ocasião, que queimavam na ponta de sua língua agora.

Paciência: foi o que a alma do homem lhe pedira. Foi também o que sua mãe pedira antes de ir embora, mas o pedido dela dizia respeito a outro bruxo. Nathan arriscou um olhar de relance para Malfoy. Será que ele conhecia seu pai – o homem por trás do exterior áspero? Nathan esperava que não. Ele queria aquela parte de Snape só para ele.

Nathan fez uma pausa para descansar os braços cansados. Ele olhava para o pai quando o homem ergueu o olhar algum tempo depois e encontrou o seu. Ele parecia cansado, Nathan achou, e se sentiu instantaneamente responsável. Ele recomeçou a esfregar o caldeirão para terminar a detenção mais rápido, para seu pai poder descansar. Meu pai. Nathan sorriu afetuosamente.

Não muito mais tarde, uma cadeira raspou o chão, mas Nathan continuou com sua tarefa, despreocupado. Ele sentiu o movimento parar ao seu lado e percebeu que Malfoy havia repentinamente parado de trabalhar, e aquele fato exigiu sua atenção. Nathan ergueu a cabeça em tempo de ver o olhar suplicante que Malfoy direcionou ao Prof. Snape, e ele ficou feliz em não encontrar nenhuma simpatia refletida no olhar de seu pai.

Nathan esfregava distraidamente e observava a cena se desenrolando diante de si. Seu pai olhou feio para o afilhado; Malfoy baixou o olhar e começou, vagarosamente, a esfregar novamente. Nathan sorriu com malícia e imediatamente ouviu o pai suspirar. Logo, o homem estava parado diante da bancada, bloqueando a luz.

— Estamos aqui esta noite porque vocês não conseguem ser civilizados um com o outro — Prof. Snape lhes disse.

Nathan, dando uma última longa olhada nos olhos cansados de seu pai, sentiu sua culpa crescer de novo e desviou a atenção para outro lugar.

— Vocês percebem que nada que fizerem vai mudar a situação, não percebem?

Nathan viu Malfoy assentir com a cabeça pelo canto do olho. Ele focou o olhar na orelha esquerda de seu pai, incapaz de encará-lo nos olhos, e também assentiu.

— Nathan é meu filho, Devon, e gostaria que o tratasse como tal — seu pai disse ao sonserino.

— Sim, Tio Severo — o menino concordou numa voz pouco mais alta que um sussurro.

— Nathan, Devon é meu afilhado, e gostaria que o tratasse de acordo — seu pai lhe disse então.

— Sim, professor — ele respondeu obedientemente.

Aparentemente, obedientemente demais para desconfiar, se o olhar fixo e intenso de seu pai lhe dizia alguma coisa. Nathan mordeu o lábio inferior quando incerteza lhe assomou novamente, deixando-o ansioso.

— Estou falando sério, Nathan — o homem reafirmou.

— Eu sei, professor. Eu entendo — ele tentou lhe garantir, sentindo as bochechas aquecerem. Ele queria que seu pai voltasse para a mesa para que o embaraço fosse embora. Nathan voltou rapidamente ao trabalho, mantendo os olhos no caldeirão. Ele não percebera como a sala de aula ficara silenciosa até o barulho dos outros trabalhando voltar a envolvê-lo. Nathan puxou o lábio entre os dentes, esfregando com mais força.

Depois do que pareceu uma eternidade, ele terminou a tarefa, aproximou-se da mesa de seu pai e disse:

— O caldeirão está limpo. Posso ir, professor?

A atenção de seu pai pesou sobre ele. Nathan escondeu as mãos nos bolsos, mexendo o pé sobre a divisão entre duas pedras do chão e pondo-se a observá-lo.

— Está se sentindo bem?

A pergunta congelou os movimentos de Nathan. — Estou um pouco cansado, eu acho.

— Muito bem — seu pai concedeu. — Pode ir.

— Obrigado, professor.

Nathan nem pensou em esperar pelos amigos, e para ser honesto, só se lembrara deles quando entrou no dormitório que dividiam. Ele respirou exasperadamente, achando-se estúpido por agir como um bebê lá nas masmorras. Prof. Snape e seu pai – ele conseguiu ver os dois no homem esta noite, e sua cabeça doía. Nathan tirou os sapatos com o pé, arrancou as vestes e logo estava pronto para deitar.

Dormir, desta vez felizmente inconsciente, o faria se sentir bem.

E sonhar poderia levá-lo até seu pai. Nathan sorriu e se deixou carregar para a terra dos sonhos.

~o0oOo0o~


Com o tempo, as coisas voltaram a certa normalidade. Nathan decidira que seguiria o que seu pai fizesse e veria como seria. Ele o chamaria de Prof. Snape ou professor sempre que fosse chamado de Sr. Granger, e o chamaria de... nada sempre que seu pai usasse seu primeiro nome.

Fazia sentido.

Algumas vezes, especialmente antes de dormir, Nathan debatia sobre substituir “nada” por “pai” e lidar com as conseqüências.

As conseqüências... Ele podia imaginar estar nos braços do pai, envolto em amor e aceitação. Ele podia imaginar ser mandado embora para nunca mais ser chamado de outra coisa a não ser Sr. Granger, para sempre. Era muito arriscado. Seu pai lhe pedira paciência por alguma razão.

Ele fora paciente na primeira semana, encontrara seu pai obedientemente por três dias para tomar a poção, compartilhara um jantar estranho com ambos os pais no domingo, e passara pela aula de Poções sem nenhum incidente. Malfoy se manteve na dele, provavelmente horrorizado demais com a idéia de limpar mais caldeirões, e Nathan não estava nem aí para ele.

Na quarta-feira depois disso, Nathan encontrara o pai para um chá e conversa formal. Naquela noite, ele desejou ansiosamente uma chance de estar com seu verdadeiro pai novamente e dormira com a esperança que seus sonhos tomassem aquele rumo e que ele fosse abençoado com a lembrança do encontro na manhã seguinte.

Nathan aceitara aquilo como a nova normalidade de sua vida, mesmo depois de acordar sentindo-se vazio por muitas manhãs. Ele tentara preencher o vazio brincando com os amigos e se correspondendo com as pessoas que amava. Seu padrinho fora excelente em evitar o assunto Snape, assim como o Tio Rony. Aquilo não ajudara muito, Nathan percebera. Ele queria alguém com quem pudesse falar sobre seu pai. Ele fora até o escritório do Prof. Lupin.

— Prof. Lupin, o senhor está aí? — A porta não estivera trancada. Nathan espiara dentro do que parecia ser uma sala vazia. Ele decidira entrar, mas naquele exato momento, uma porta se abriu do lado oposto da sala, e o Prof. Lupin entrara, só que estivera acompanhado do pai de Nathan.

— Nathan? — Prof. Lupin dissera, visivelmente surpreso com sua presença ali.

— Olá, Prof. Lupin — ele cumprimentara, e depois assentira com a cabeça para o pai. — Oi.

Seu pai devolvera o aceno de cabeça, e os dois professores esperaram Nathan revelar por que estivera ali.

— Er... Eu estava... fazendo a tarefa, e... tinha uma dúvida sobre ela.

Seu pai o observara com intensidade, e Nathan soubera que se mexia no lugar, nervoso. Por que seu pai tinha que estar no escritório do Prof. Lupin bem na hora que ele decidira procurar seu Chefe de Casa? Aquilo irritara Nathan então, e ainda o irritava agora.

— Posso perguntar amanhã na aula, professor. Boa noite.

Ele fugira antes que qualquer um dos bruxos pudesse objetar. Nathan não era um covarde; não, ele estava bem certo desse fato. O que ele fizera foi simplesmente provar que ainda podia ser paciente e esperar. Ele tinha saído e voltado para a Torre da Grifinória, e no dia seguinte, preparara uma pergunta para o Prof. Lupin sobre a tarefa requerida.

Na sexta-feira, ele abraçara a mãe por mais tempo que o normal. Ela beijara sua testa, e seus olhos se fecharam de leve.

— O que foi? — ela perguntara, preocupada.

— Nada — ele lhe dissera. — Senti saudades de você.

— Está tudo bem entre você e seu pai?

A palavrinha o magoara, mas Nathan conseguira sorrir. — Está.

Ela parecera satisfeita com a resposta e deixara de lado qualquer outra especulação sobre suas emoções que ela pudesse ter tido em mente.

O jantar em família naquele fim de semana parecera ainda mais desconectado da realidade que o anterior. Fora quando ele sentira sua mãe escapando do comportamento normal dela também e pensara, não pela primeira vez, que talvez ele tivesse acordado para uma vida em outra dimensão. Ele era Nathan Granger, mas o mundo ao seu redor pertencia à outra versão dele, como nos filmes. Aquilo explicaria por que o jantar nos aposentos do Prof. Snape fora um evento tão ordinário naquele final de semana. Ali ou no Salão Principal, a experiência seria a mesma, do ponto de vista de Nathan.

Nathan observara a mãe com atenção, então. Estaria ela escondendo alguma coisa? O silêncio dela geralmente significava isso... Ou talvez ele não estivesse se comportando como o Nathan desta dimensão, e eles o confrontariam a qualquer momento. Ela fora educada, como sempre, mas quieta demais, e a noite toda se passara com seus dois pais alternativamente o questionando sobre as coisas mais mundanas. Será que eles estavam tentando descobrir se ele era quem ele dizia ser?

Isso não era nenhum filme fantástico.

O que estaria acontecendo...?

— Não poderei visitá-los na semana que vem — sua mãe anunciara depois que os pratos sumiram.

— Por que não? — Nathan perguntara, sua apreensão crescendo.

— Há uma conferência em Madri na próxima semana — ela lhe contara e sorrira. — William e eu temos algumas apresentações para fazer.

— Ah. — Nathan não quisera que ela fosse para longe, mas não pensara em nada melhor para dizer ou protestar na hora.

Seu pai, por outro lado... — Todos os outros lhe deram um bolo?

Ela ignorara a pergunta estranha, mantendo o olhar no Nathan. — O que eu posso trazer para você da Espanha?

— Hmmm. Uma espada? Uma espada real. — Ele sorrira, confortando-se com a familiaridade da tradição. Toda vez que sua mãe tinha que viajar para alguma conferência e deixá-lo para trás, ela lhe perguntava o que seria sua compensação por ser um bom menino enquanto ela estava fora. Ele tinha uma coleção de chaveiros de todos os cantos da Europa por causa disso.

— Uma espada real? — Ela fingira espanto. — Essa vai ser uma tarefa difícil. Presumo que saiba que uma espada real não pode ser comprada? Posso ter que desafiar o próprio rei para um duelo!

Nathan sorrira com as gracinhas da mãe. Ele estivera a ponto de retrucar quando seu pai o fizera primeiro.

— Nada aconselhável se sua escolha de cavaleiro é um trouxa.

— William pode ajudar a escolher a espada, Mãe. Ele sabe qual comprar — Nathan dissera à mãe e recebera um sorriso ofuscante em resposta.

Seu pai ficara mudo depois daquilo e permanecia distante desde então. Durante o chá daquela semana, ele estivera formal e mais frio do que antes, se possível. Isso fez Nathan pensar... Mas por mais que pensasse, ele não conseguia entender o que ele poderia ter feito para merecer aquilo. Tinha algo acontecendo, e ele não conseguia nem começar a imaginar o quê. Aquele último jantar em família fora o mais longe que sua mente viajara, e aquilo não ajudara muito. Nathan não tinha feito ou dito nada para irritar seu pai – pelo menos, ele achava que não tinha; ele nunca sabia com o Prof. Snape.

Talvez ele estivesse irritado porque sua mãe não viria no próximo final de semana. Era uma possibilidade, porque no domingo seguinte, Nathan se aproximara do pai na Mesa Principal durante o almoço.

— Devo lhe encontrar no seu escritório ou ir direto para os seus aposentos esta noite? — ele perguntara. Não soubera o que fazer sem sua mãe para acompanhá-lo para o encontro.

— Para quê? — seu pai retrucara, franzindo a testa.

Nathan franzira a testa de volta. — Para jantar — Nathan o lembrara, irritado.

— Sua mãe não está aqui.

— Mas eu ainda estou aqui — ele assinalara. — E você está aqui também. — Agora, pensando melhor, aquilo fora um jeito um tanto rude de colocar as coisas, mas francamente, as palavras escaparam antes que Nathan pudesse pensar melhor.

De qualquer forma, ao invés de uma resposta brava, Nathan recebera apenas um olhar mais mitigado do homem. — Meus aposentos, se souber o caminho.

— Eu sei — Nathan dissera antes de voltar para a Mesa da Grifinória.

Ele pensara em não ir ao encontro depois daquilo, mas fora no final. Silêncio – estranho, pesado – definiu a noite.

Em retrospecto, desde que se enfeitiçara, as coisas foram na direção oposta da que Nathan esperara que fossem. Ilusão, mas ele quisera sorrir para seu pai, brincar, agir como alguém que não tinha nada com o que se preocupar. Este ano estava começando a ficar tão ruim quanto o anterior.

Para provar que não estava errado em suas conclusões, Nathan fora ao escritório do pai mais cedo hoje para o chá habitual e se arrependera no momento que vira o homem inclinado sobre a mesa, quase escondido pelos pergaminhos e livros.

— Se está ocupado demais, podemos deixar o encontro de hoje para lá — Nathan oferecera. Tinha doído então, e ainda doía agora, que seu pai havia visivelmente considerado a oferta. Ele não queria ser uma obrigação na agenda do homem.

— Vou fazer um intervalo — fora a resposta atrasada. Ele andara até os aposentos de seu pai, e chá fora servido, como de costume.

Nathan tentara manter viva uma conversa de verdade, mas tudo o que conseguira de seu pai foram resmungos e respostas monossilábicas. Seu pai não estivera ali nem por um instante – e seu pai de verdade menos ainda. Ele não estava em lugar algum, completamente fora do alcance de Nathan.

Ele deveria ter voltado para a sala comunal, mas Nathan escolhera um caminho diferente. Ele pretendera ir para a Torre de Astronomia, mas também não conseguira chegar até lá. Seus passos foram perdendo velocidade, até seus pés pararem por completo.

Porque seu verdadeiro pai não estaria na Torre de Astronomia.

Seu verdadeiro pai era um prisioneiro no corpo de seu “pai” e estava naquele momento nas masmorras.

Nathan olhou em volta e percebeu que estava parado do lado oposto do corredor àquela janela grande com a vista mais bonita dos jardins, da floresta e da vila de Hogsmeade. Era seu lugar favorito no castelo, aonde sempre vinha para pensar sem ser incomodado. Ele se sentou no parapeito e olhou o vento soprar as árvores, balançando folhas pesadas de neve na noite fria.

Paciência, paciência. Ele estava enjoado de ser paciente. O que poderia ser tão difícil assim? Nathan sabia que seu pai podia ser maravilhoso se quisesse; era quem ele era por dentro! Não pela primeira vez desde que acordara, Nathan pensou em lançar o feitiço para libertar sua alma novamente, só por uma noite, e correr de encontro ao seu verdadeiro pai, para dizer-lhe para se apressar, encontrar uma maneira de tomar o controle, porque Nathan não podia mais esperar.

Ele não tinha mais paciência.

Esperar era uma perda de tempo, e eles já haviam perdido tempo demais. Ser paciente não os levava a lugar nenhum. Nenhum!

Ele tocou a testa no vidro que mantinha a maior parte do frio do lado de fora e observou sua respiração embaçar a vista dos jardins lá embaixo.

Nathan estava cansado.

Ele deixou uma perna solta, balançando contra a parede de pedra.

Nathan estava cansado de expectativas. Ele estava cansado de tê-las desmanteladas, provadas infundadas.

Nathan estava simples e francamente exausto.

~o0oOo0o~


Severo suspirou pesadamente. — Estou começando a achar que você gosta de limpar caldeirões. — A perna do menino cessou o movimento pendular em reação às suas palavras, mas vagarosamente começou a balançar novamente.

Severo se aproximou, dizendo: — Tenho certeza que sabe que não deveria estar aqui. — Seu corpo bloqueou a luz que vinha da tocha acesa na parede oposta. A perna parou mais uma vez. — Então, tudo que resta saber é por que você está aqui mesmo assim.

— Mais nenhum professor patrulha os corredores? — Nathan finalmente ergueu o olhar para ele para acrescentar: — Por que tem que ser sempre você?

As sobrancelhas de Severo se aproximaram uma da outra, irritado com a rebeldia do filho. — O que está fazendo aqui, Sr. Granger?

— Olhando as luzes de Hogsmeade — o menino respondeu, voltando a olhar para fora da janela mais uma vez. — Professor.

— Por quê? — ele exigiu.

— Porque sim — Nathan respondeu, balançando a perna novamente.

Quando o menino ficou quieto, a paciência de Severo se esgotou, e ele urrou:

— Porque sim o quê?

— Só porque sim.

Menino impertinente! — Severo pensou. — Não teste minha paciência, Sr. Granger.

Seu filho tirou a cabeça da janela e se sentou de frente para ele com o que parecia ser um grande esforço. Cada movimento arrastado que Nathan fazia era claramente uma afronta, e Severo não estava gostando nada disso. Olhando-o na cara com olhos que traíam a calma dos movimentos, Nathan disse: — Você é paciente demais, professor. — Levantando-se, ele acrescentou: — Eu não tenho mais paciência nenhuma. — Ele tentou fugir, mas Severo o pegou pelas vestes.

— Não tão rápido. — Severo agarrou Nathan pelo braço, então, e o fez virar para olhar para ele novamente. — Quando eu lhe pergunto alguma coisa, eu espero uma resposta! Não ache que está acima das regras desta escola ou que tem liberdade para agir como quer. — Ele fez uma pausa, procurando o rosto do filho pela reação dele. — Não vou tolerar sua má criação, menino! Sou seu pai, e você me deve respeito!

Nathan se soltou de sua mão. — Agora você lembra? — Severo observou as narinas de Nathan pulsarem. — Quando você quer que eu lhe obedeça e seja todo respeitoso e amigo do seu afilhado, aí então você é meu pai?

Severo queria lhe dizer para tomar cuidado com o tom com que falava, mas prendeu os lábios ao invés disso. — Você não está sendo razoável. Nós acabamos de passar horas juntos, não foi? Você está...

— Você nem estava lá! — o menino berrou. — Nós não temos uma conversa desde...

A dor no olhar de Nathan retirou o ar que existia ao redor de Severo, e de repente, as janelas para a alma de seu filho se fecharam atrás de pálpebras pesadas. O menino abaixou a cabeça, provavelmente tentando reinar em suas emoções, e tudo que Severo conseguia pensar era... por quê? Por que seu filho estava sofrendo? O que ele fizera agora para machuca o menino?

— Nathan...

Olhos brilhantes olhavam fixamente para ele, grandes e abertos.

— Por favor, Pai. Por favor — Nathan implorou num sussurro apressado, o olhar nunca deixando o de Severo, derretendo completamente suas defesas.

— O que foi? — Severo perguntou com urgência enquanto se aproximava do menino perturbado. Braços surgiram ao seu redor, parando seu avanço com o impacto, segurando-o no lugar, firmes.

— Eu tenho sido paciente. Eu tenho! Eu estava esperando, como disse que esperaria, mas eu não acho... Pai, eu simplesmente não posso esperar mais. Por favor, não vá embora.

Severo trouxe as mãos para os cabelos de Nathan, e aquilo parecia relaxar a força mortal que o menino tinha sobre sua pessoa. Severo não entendera o que Nathan estava tentando dizer com o que tagarelara, mas percebeu que o menino precisava de tempo antes que estivesse coerente e pronto para ser questionado novamente.

Ele esperou. Imóvel por fora, mas frenético por dentro, ele esperou. Mover-se significaria ir-se, e Nathan implorara para que ele não fosse embora – aquilo ele entendera perfeitamente bem, mas e todo o resto, sobre esperar e ter paciência? Ele não se moveria e nem deixaria os braços de seu filho, mas como aquilo ajudaria Nathan? Severo não era quente suficiente, nunca fora.

Ele segurava o menino no silêncio e esperava que estivesse fazendo a coisa certa. Ele podia apenas ter esperança.

Nathan virou a cabeça da esquerda para a direita em seu peito, mas não fez nenhum movimento de soltá-lo. Severo tomou o movimento como um sinal para soltar suas perguntas.

— O que está acontecendo, Nathan?

— Sinto sua falta, Pai — seu filho respondeu. Severo não conseguia entender o que ele queria dizer com aquilo.

— Como pode sentir minha falta? — ele tentou.

— Porque eu não esperava que fosse lhe perder; achei que você estaria aqui quando eu acordasse, mas depois, foi como se você nunca tivesse ido lá na Torre de Astronomia.

Severus enrijeceu numa reação impotente à menção daquele lugar. Ele não queria que Nathan soubesse sobre os eventos que mudaram sua vida e que aconteceram lá. Seu filho não podia saber. Não havia nenhum calor em si; Severo queria que o menino tirasse as mãos dele. Ele não precisava que seu filho fizesse parte da frieza.

Ele empurrou Nathan pelos ombros, mas só conseguiu colocá-lo longe suficiente para encontrar o olhar dele.

— Podemos conversar? — o menino perguntou.

Não! — Severo pensou imediatamente. A resposta deveria estar evidente em suas feições.

— Você não se lembra mesmo, não é?

Como eu posso esquecer...

— Você estava dormindo. Eram só nossas almas. Você não se lembra de me tirar da Ala Hospitalar? Nós fomos para a Torre de Astronomia depois.

Severo franziu a testa, incapaz de conectar esses eventos que seu filho narrava com aqueles da noite em que Alvo...

— Você foi o melhor. — O menino sorriu. — Nós ficamos no vento. Você me contou histórias sobre quando era aluno do primeiro ano. Contou sobre voar e sobre aquela vez que entrou no meio dos galhos de uma árvore porque perdeu o controle da vassoura na aula de vôo, e sobre como teve que passar a noite na Ala Hospitalar por causa de uma perna quebrada.

Os olhos de Severo se arregalaram enquanto o filho se ria atipicamente em silêncio. — Quem lhe contou isso? — ele exigiu, alarmado pelo conhecimento de Nathan de tal episódio de sua infância.

Nathan parou de rir, mas manteve um sorriso fechado. — Você me contou, mas não lembra, não é? — O sorriso dele morreu vagarosamente. — Você estava dormindo. Para você, foi tudo apenas um sonho, só que não foi. Sua alma estava lá com a minha. Nós estávamos lá, e eu consigo me lembrar de tudo, porque não estava dormindo; era o feitiço. Eu me lembro de tudo. Não foi um sonho.

Severo começava a captar um pouco de sentido no que Nathan falava, mas ainda havia muitas coisas destoantes em tudo isso. — Minha alma estava com a sua, mas nós nunca deixamos a Ala Hospitalar.

— Não, não quando você estava lá através do feitiço, mas nós saímos quando você estava dormindo — Nathan lhe disse. — Foi você quem me explicou. Quando o corpo dorme, a alma fica livre. Mamãe também estava lá, mas ela não foi conosco para a Torre de Astronomia.

Teorias baratas. O que Nathan lhe dizia eram apenas teorias criadas e seguidas por pessoas da laia de Sibila Trelawney. Severo abriu a boca para chamar atenção para aquele fato, mas desistiu antes de dizer qualquer coisa quando sua lógica foi desafiada.

Como Nathan saberia sobre o acidente de vassoura no primeiro ano?

— Não estou mentindo — Nathan garantiu. — Você estava lá comigo, enquanto dormia.

— Eu... — Severo começou. Como ele poderia acreditar nisso? Como ele podia duvidar? — Já passa das nove horas. — Ele precisava de tempo. — Deveríamos deixar essa discussão para uma hora mais apropriada. Você deveria estar na sua cama.

— Eu tinha esperança que você lembrasse. — Desapontamento: pairou no ar entre eles, que esfriou quando ele perdeu o abraço do filho. Os olhos de Nathan estavam tão frios quanto o ar do castelo à sua volta. Nathan lhe deu as costas e perguntou: — Quando vai ser a detenção, professor?

Um sentimento total de perda se alojou no coração de Severo. Ele suspirou alto no silêncio do corredor. — Eu não quero lhe dar mais detenções, Nathan. — Ele olhou fixamente para as costas da cabeça do filho, tentando decifrar o que ela continha. Ele queria entender o que tinha dado errado, por que Nathan se sentia tão perdido, mas agora não era hora.

— Dez pontos a menos para a Grifinória — ele resmungou. — Vou levar você até sua sala comunal. — Colocando a mão entre os ombros de Nathan, Severo o coagiu a obedecer, encaminhando-o pesadamente pelos corredores vazios.

O que Nathan descrevera era de fato uma vida de sonhos. Por mais que Severo quisesse acreditar que todos os momentos que compartilhou com seu filho em sua mente desejosa tinham realmente acontecido, que Severo fora capaz de fazer seu filho rir, era surreal.

Ele olhou para o menino andando ao seu lado. Severo sonhara que podia rir com seu filho, e por mais que ele quisesse tornar seus sonhos realidade, o homem que ele fingia ser em seus sonhos nunca seria real – ele não sabia como ser aquele homem.

Severo estava quebrado, algo que ele aceitara há muito tempo. Nada poderia consertá-lo; não havia redenção para ele, e ele tinha que viver sua vida em penitência.

Ele observou Nathan entrar na Torre na Grifinória, os ombros pesados e a cabeça baixa, e foi como um chute no estômago.

Severo estava quebrando seu filho, como soubera que faria, e Nathan não fizera nada para merecer tamanha punição. Entretanto, era o que acontecia com aqueles que tentavam fazer parte de sua vida. Enquanto andava sozinho pelos corredores, Severo percebeu que estava vazio, porque seu coração ficara para trás, à mercê das pequenas mãos de seu filho.

Mais tarde, revirando-se na cama, incapaz de encontrar paz quando toda vez que seus olhos se fechavam, outro par de olhos desapontados invadiam sua mente, Severo soube que não conseguiria descansar enquanto a angústia permanecesse.

Soubera desde o começo que este momento chegaria, e lutara com toda força contra este poder esmagador. Severo chegara a um ponto sem volta, onde sua vida dependia da habilidade de seu filho em ser feliz. A luta acabou. Não havia como voltar atrás, e Severo sabia disso.

Ele respiraria para ver Nathan respirar. Ele morreria para fazê-lo feliz, ou, que Merlin o ajudasse, viveria tentando.



N. A.: Calma, calma, Severo. Vai dar tudo certo. Você está apenas começando a se deleitar com a paternidade. :0P

Preciso agradecer Annie Talbot, que segura minha mão enquanto escrevo os capítulos. Não tenho nem como agradecer, Annie! :0)

No próximo capítulo… Severo toma uma decisão que mudará sua vida – e a de outros – irrevogavelmente.

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