Capítulo Seis – Filhos Afortun
Capítulo Seis – Filhos Afortunados
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- Olá, pai – disse Draco.
Lúcio Malfoy lentamente abaixou o livro que estava segurando, embora ele não se levantasse para cumprimentar seu filho. Ele parecia o mesmo, pensou Draco. Mesmo na prisão, Lúcio havia conservado muito da sua dignidade sarcástica; ele parecia limpo e elegante em suas vestes cinzas bem engomadas.
- Draco – disse seu pai, inclinando a cabeça.
- Eu não pensei que eles me deixariam entrar – disse Draco, em uma voz mais contida.
- Eu deixei instruções para que eles deixassem você entrar quando chegasse – disse seu pai. – O nome Malfoy ainda conta para alguma coisa, apesar do que você e sua mãe fizeram para arruiná-lo.
- Então você os subornou – disse Draco. – Típico.
Lúcio olhou para ele. Draco se perguntou brevemente o que seu pai viu, embora ele não parecesse nada diferente.
- Eu me pergunto às vezes – disse Lúcio – será que eu criei um filho que é ingrato, ou simplesmente estúpido? – Ele inclinou sua cabeça para o lado, seus olhos fixos em seu filho. Draco viu que suas mãos estavam firmemente entrelaçadas no seu colo. – O que acha, Draco?
- Quais eram as alternativas mesmo?
Lúcio estreitou os olhos.
- Eu havia me esquecido – disse ele – o quanto você se acha engraçado. É por isso que você veio aqui? Para me impressionar com a sua sagacidade?
- Não – disse Draco no mesmo tom de voz – eu só esperava que nós pudéssemos continuar nossa tradição familiar de tristeza avassaladora e abuso verbal. Me diga: ia matar você, só dessa vez, dizer ‘Oi filho, sobre o que você queria conversar?’.
A expressão de Lúcio não mudou, mas ele se encostou e cruzou seus braços sobre seu peito. Ele chutou severamente com seu pé esquerdo, acertando a cadeira oposta com um pontapé e mandando-a para o outro lado do aposento na direção de Draco, que teve que desviar para evitar ser acertado. A cadeira caiu no chão aos seus pés.
- Sente – disse Lúcio.
Lentamente, Draco se abaixou e colocou a cadeira de pé. Ele se sentou, mantendo um olho vigilante em seu pai.
Qualquer pessoa que os olhasse teria ficado alarmada, primeiro por causa da semelhança entre eles: as mesmas feições fortes, refinadas e pálidas, apesar dos olhos de Lúcio serem pretos; e segundo, pela hostilidade que pairava entre os dois como descargas elétricas.
- Então, filho – disse Lúcio Malfoy – sobre o que você queria conversar? Você queria me perguntar se eu estou adorando este lugar? A companhia adorável, a comida excelente, o tratamento gentil?
- Não – disse Draco. - Eu queria perguntar algo sobre nossa família.
Lúcio levantou uma sobrancelha.
- Você disse a Harry que havia um histórico de loucura na nossa família – disse Draco. – Eu queria saber... que tipo de loucura? Há quanto tempo vem acontecendo?
Os olhos de Lúcio traíram-no mostrando um momento de surpresa que logo se transformou em indiferença.
- Você acha que está ficando louco?
- Não tenho certeza.
Lúcio olhou para seu filho e por um momento viu o rosto pálido e familiar despido de suas defesas, viu a dor e o pânico por trás dos olhos. Ele pensou na sua mulher, que deu ao filho deles seus incríveis olhos prateados e sua tendência de sentir as coisas com intensidade. E ainda assim. Desde que seu filho tinha quatro anos, ele nunca tinha chorado. Pelo menos não que Lúcio se lembrasse. Estranho, sua mulher havia dito, uma criança que não chora.
Draco levantou-se de repente, e colocou as mãos nas costas da cadeira. Ele parecia tão jovem.
- Eu tenho tido... sonhos. Não são sonhos meus. São de outra pessoa. Há batalhas, muito sangue e matança. Uma mulher. Às vezes ela é Hermione, às vezes não é. Uma bandeira com um dragão nela...
- Olhando para a esquerda – disse Lúcio. – Um dragão prata em um fundo preto.
Draco piscou os olhos.
- Você sabe de quem são esses sonhos – ele disse – não sabe?
Lúcio estava examinando suas unhas.
- Eles são o seu destino, garoto – ele disse, parecendo entediado.
- Meu destino? – bradou Draco. – Eu não tenho um destino. É Harry, ele é quem tem um destino.
- Pelo contrário. – Lúcio estava olhando para ele agora, mas também não era um olhar muito bom. – Você certamente possui um destino, Draco. Na verdade, eu posso ir mais longe e dizer que este possui você.
- Sobre o que você está falando?
Lúcio sorriu.
- Deixe eu te dizer uma coisinha, garoto. Quando um homem se junta aos Comensais da Morte, ele se dá ao Lorde das Trevas. E o Lorde das Trevas, em troca, tira algo dele. Para ser aceito nesse círculo, você deve oferecer algo que é puramente seu. Pode ser uma memória específica, ou um dom com línguas, uma habilidade em esportes. A escolha é dele. Quando eu me juntei a ele, ele me pediu você.
O rosto de Draco estava branco de incredulidade.
- Mas eu nem era nascido! Você tinha dezesseis anos!
- Não, você não era nascido. Mas ele sabia que você ia nascer. Nós estamos entre as últimas famílias que possuem o que restou do sangue de Slytherin, e você... o timing era perfeito. O Lorde das Trevas me mostrou como fazer alguns feitiços e encantamentos perigosos e difíceis para ter certeza que você nasceria como ele havia lhe projetado. Com algumas qualidades. Poderes de Magid. Perversidade e charme. Falta de empatia. Competitividade. Crueldade... você seguiria os passos dele, e eu...
Draco o interrompeu.
- O que aconteceu? Os feitiços não funcionaram?
- Ah, eles funcionaram – disse Lúcio – mas foi quando o Lorde das Trevas foi derrotado. Você ainda não tinha nem um ano de idade. E não havia ninguém para direcionar sua criação, para continuar os feitiços e as poções e o treinamento. Só havia eu. E eu fiz o que podia, mas de alguma forma você escapou de mim. Você foi feito com um propósito, mas eu não sei que propósito é esse. Eu acho que nunca soube. Quando o Lorde das Trevas retornou ao poder, ele se recusou a me dizer. Ele disse que eu saberia na hora apropriada... – Lúcio encolheu os ombros – Eu acredito que agora seja a hora certa.
Draco ficou branco, encarando-o.
- Pense nisso como um despertador – disse seu pai, encostando-se na cadeira. – O que quer que você carregue dentro de você esteve dormindo, até agora. Até que seus poderes de Magid começassem a funcionar, até que você estivesse quase crescido, até que você achasse a espada.
- A espada? – Draco ecoou.
- A espada é a chave – disse Lúcio, brandamente. – O Lorde das Trevas a deu para mim quando você nasceu. Claro, eu não podia tocá-la – ele adicionou, soando ligeiramente amargo – então, eu nunca me senti... tentado. – Ele olhou para seu filho – Ela te dá visões?
- Pesadelos - disse Draco, em uma voz contida.
- Visões - disse seu pai novamente. – Você vê o que quer, o que você precisa, o que foi e o que será.
- Ela não me mostra o que eu quero! – exclamou Draco, revoltado. – Ela me mostra... coisas horríveis...
Lúcio sorriu.
- A primeira vez que você a viu – ele disse – você queria, não queria? Você a tirou de Harry, a manteve perto de você, e resistiu a todos os esforços para se privar disto. Você a leva onde quer que vá... Você está com ela agora. Você não suporta se separar dela. – Ele olhou para seu filho. – É seu futuro, garoto. E você não poder correr dele.
- Eu posso – disse Draco, cuja boca havia ficado seca.
- Você não pode – rugiu Lúcio, levantando-se de repente de sua cadeira. – Você foi feito, não consegue entender isso? Você foi construído para atingir um propósito. Até seu nome... – ele parou e voltou à sua cadeira, parecendo cansado. – Até seu nome foi escolhido pelo Lorde das Trevas. O dragão...
Draco se sentou imóvel. Sem olhar para seu pai, disse:
- E isto estava tudo bem por você?
Lúcio não disse nada.
Draco levantou sua cabeça.
- Seja lá o que mais eu for, eu sou seu filho. Do seu sangue. Eu me pareço com você. Eu tenho o nome da nossa família. E você me trocou com Lorde das Trevas por um pouco de poder?
- Poderia ter sido um poder imenso – corrigiu Lúcio. E olhou para longe – Eu nunca quis um filho – ele disse. – Foi tudo parte do Plano.
Draco olhou para suas mãos onde elas se agarravam uma a outra.
- Nos meus sonhos – ele disse, rouco – ele me diz que eu tenho que matar Harry.
- Então mate Harry – disse Lúcio. – É para isso que você foi feito.
******
- Uma poção do amor?
Hermione ouviu a voz de Rony como se viesse de muito longe. Ela olhou para cima, cansada. Todos estavam a encarando, exceto Harry: Sirius, apoiando-se na estante com um olhar de descrença no rosto, Lupin, com um leve embaraço, Rony, que parecia chocado, e Gina. Ela parecia preocupada. Em algum momento durante o que pareceu a Hermione como uma explicação interminável sobre a poção do amor e suas conseqüências (menos a cena com Draco na clareira - aquilo, ela pensou, ela contaria a Harry mais tarde) Gina colocou seu braço em volta da cadeira de Hermione, pegou sua mão, e a apertou. Hermione continuou a apertar firmemente a mão dela enquanto falava, e estava muito agradecida pelo contato.
Harry estava sentado na mesa, com seus braços cruzados em seu peito, olhando fixamente por cima de todas as cabeças para um dos vitrais na janela. Até agora, ele tinha estado inteiramente calado.
- Eu sempre pensei que poções do amor fossem uma piada – Rony continuou, cheio de surpresa. – Irreais.
- Elas são reais – disse Lupin, que parecia bastante abalado. - E são ilegais, é claro.
Sirius estava balançando sua cabeça.
- Isso não faz sentido - ele disse. – Eu estava pensando nisso antes, e agora...
Agora Harry olhou para ele.
- Para Slytherin querer Hermione como sua Fonte. Somente um Magid pode ser Fonte de outro Magid. O dreno nela poderia tê-la matado.
- Rowena era uma Magid – disse Hermione. – Acho que ele presumiu que se ela era, eu poderia ser uma também.
- Uma suposição que poderia ter sido o seu fim – disse Sirius, parecendo tenso.
- Eu preferiria ter morrido – disse Hermione, com uma voz baixa mais forte – a estar apaixonada por aquele... aquele demônio...
- Ah, mas estar apaixonada pelo Malfoy não faz mal? – interrompeu Rony, balançando sua cabeça.
Agora Harry falou, e ao tom de sua voz calma, todos se assustaram, como se uma bomba tivesse explodido.
- Deixe-a em paz, Rony – disse ele.
Todos ficaram surpresos, Hermione mais que qualquer um. Ela tentou pegar seu olhar para lhe dar um sorriso grato, mas ele não olhou pra ela. Ele estava olhando para Sirius, e suas mãos estavam entrelaçadas em seu colo.
- Existe algum meio de reverter isso? – disse ele. – Existe um contra-feitiço?
Foi Lupin quem respondeu.
- Eu tenho certeza de que deve haver, Harry – ele disse, apesar de que sua voz não soar nada certa.
- Todo feitiço é reversível – disse Hermione, com uma voz aguda.
- Não – disse Lupin, calmamente. – Nem todo feitiço.
Todos olharam para ele.
- Mas a maioria é – ele acrescentou rapidamente. – Hermione – ele abriu a gaveta da mesa, e tirou de lá uma pena e um pergaminho, entregando a ela. – Eu vou precisar que você escreva tudo se lembrar sobre a poção: como parecia, que gosto tinha, como lhe faz sentir, qualquer coisa que nos ajude a identificá-la. Desse jeito podemos descobrir mais rápido se é ou não, de fato, reversível.
Hermione pegou o pergaminho e o colocou em sua frente, e ecoou fracamente:
- Como... eu me sinto?
- Anh... sim – disse Lupin, e fez um gesto nebuloso à pena que ela estava segurando. - Escreva, você não precisa nos dizer.
Inadvertidamente, todos olharam para Harry, que corou e virou o rosto novamente. Hermione curvou sua cabeça e começou a escrever com a pena.
Lupin olhou de soslaio para Sirius, que olhou de volta. Era evidente que essas novas informações sobre as intenções de Slytherin para Hermione deu-lhes muito no que pensar. E era igualmente evidente que eles estavam longe de estarem dispostos a discutir isso na frente de Harry e Hermione. Especialmente Harry, que estava começando a parecer que quase não estava agüentando. Gina e Rony transferiram seus olhares preocupados para ele.
A porta da biblioteca abriu e Narcisa entrou, parecendo corada e um pouco preocupada.
- Sirius... – ela começou, e parou, uma vez que Harry pulou da cadeira como se tivesse sido baleado, encarando-a com um olhar vazio, e anunciou – Eu tenho que ir. – Ele correu para fora do aposento, passando por Narcisa, e batendo com força a porta atrás ele.
Hermione começou a se levantar, olhando para onde Harry havia ido.
- Eu deveria...
Um som de explosão abafada veio do corredor. Rony agarrou o braço de Hermione e a puxou de volta.
- Porcaria! – disse Sirius com finalidade. – Poderes de Magid. Eu quase havia me esquecido disso.
Narcisa olhou para todos com os olhos arregalados.
- Que raios está acontecendo?
Rony continuou a segurar o braço de Hermione enquanto Sirius, com admirável concisão, explicou. Seu discurso foi pontuado por sons de explosões ocasionais de fora da biblioteca, cada um fazendo Hermione retrair-se.
- Uma poção do amor? – Narcisa ecoou com descrença, quando ele terminou.
Todos concordaram com a cabeça.
- Certo – disse Narcisa, e levantou seu queixo. Naquele momento, pensou Hermione, ela se parecia muito com seu filho: determinada, desafiante, até mesmo um pouco arrogante. – Eis o que vamos fazer. Rony – ela disse, virando-se para ele. (Rony corou. Era a primeira vez que ela falava diretamente com ele.) – Vá atrás de Harry. Assegure-se de que ele está bem. Se as coisas começarem a voar, agarre-o.
Rony piscou e concordou com a cabeça.
- Sirius – ela disse, voltando-se para a mesa. – Eu quero que você escreva para Severo Snape.
O queixo de Sirius caiu.
- Snape?
- Ninguém no mundo sabe mais sobre poções do que ele – disse Narcisa. – O próprio Lorde das Trevas costumava chamá-lo para assistência, quando ele era um Comensal da Morte. Se a poção é reversível, Severo saberá.
Agora Narcisa se virou para Hermione, que estava suportando Rony segurando seu braço com pouca graça. Ela estava, de fato, encarando-o. O que na verdade estava bem, uma vez que se qualquer um no mundo poderia ficar olhando-a no olho, era Rony; eles estiveram praticando isso por cinco anos.
- Hermione – ela disse, mais gentil. – Eu quero que você venha comigo.
A cabeça de Hermione virou-se pra ela, e ela disse rapidamente:
- Eu tenho que falar com Harry...
- Não – disse Narcisa. – Você não pode.
- Mas...
- A última coisa que ele precisa – disse Narcisa, calmamente – é ficar mais bravo. Ele obviamente nunca feriria você, mas se seu temperamento ficar fora de controle, ele pode se tornar um perigo para si mesmo assim como para objetos quebráveis ao redor dele.
Hermione empalideceu, mas concordou.
Narcisa se virou para Lupin.
- Faça Sirius escrever aquela carta. E enquanto ele a escreve, você pode continuar traduzindo aquele livro. Concorda?
Lupin levantou uma sobrancelha.
- Sim, sem dúvida.
Narcisa estendeu sua mão para Hermione, que olhou para Rony. Ele relutantemente a soltou, e, com Narcisa segurando seu braço, elas foram embora.
Assim que a porta se fechou, Gina soltou um suspiro exasperado.
- E eu? – ela disse, virando-se para Lupin e Sirius. – Eu não recebo ordens também? Ou eu não sou útil?
Sirius colocou sua cabeça nas mãos.
- Gina... – disse ele, cansado. – Agora não...
- Oh, tudo bem! – ela disse irritada, se levantou e saiu da sala, batendo a porta atrás dela.
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Logo depois que Gina saiu da sala, Sirius virou-se para Lupin.
- Agora me diga a verdade – disse ele, olhando duramente para ele. – Você acha que essa poção do amor é reversível?
- Eu não sei – respondeu Lupin, que estava pegando um grande número de livros das prateleiras e colocando-os na mesa.
- Eu vi a sua expressão mudar. Você sabe de algo.
Lupin pegou um livro cuja espinha estava estampada com letras douradas: Poções Muy Potentes (O quê? Você pensou que só havia uma cópia?).
- Eu não sei de nada ao certo – disse ele, irritado. – Mas o que eu sei é que poções do amor não são exatamente magia benigna. Há uma razão pela qual elas são ilegais.
- Por que elas são muito, muito irritantes? – perguntou Sirius, pegando o pergaminho que Hermione esteve escrevendo e examinando as poucas linhas que ela escreveu.
- Qualquer magia que contradiz a natureza essencial de alguém é magia negra por definição – disse Lupin. – Poções do amor são simplesmente uma variação da Maldição Imperius. Um encantamento que submete a vontade do alvo...
Sirius sacudiu sua cabeça.
- Hermione é uma garota teimosa.
- É com isso que eu estou preocupado – disse Lupin, virando as páginas do Poções Muy Potentes ao acaso. – Você já viu o que acontece com quem tenta resistir à Maldição Imperius. Loucura... se tiver sorte...
- Não – interrompeu Sirius, esfregando as costas de sua mão nos seus olhos. Ele pegou um pedaço de pergaminho, levantou sua pena e o encarou carrancudo.
- O quê? – disse Lupin, olhando para o topo da cabeça dele.
- Snape – disse Sirius, melancolicamente.
- Sim, o que tem ele?
- Ah, por favor, Aluado! Se eu escrever pra ele pedindo um favor, você realmente acha que ele vai topar? Ele me ODEIA!
- Provavelmente pela lembrança de que você bateu nele por cinco anos seguidos quando nós estávamos na escola – disse Lupin, os cantos da sua boca estremecendo.
- Sim, ele é meio rancoroso assim – concordou Sirius. Então seus olhos brilharam de repente e ele sorriu.
Lupin lhe deu um olhar muito suspeito.
- Algo acabou de lhe ocorrer, não foi?
- Bom – disse Sirius, com um sorrisinho em sua boca. – Snape não me faria um favor... nem a você, porque vamos admitir, ele te odeia também – e ele preferiria ter sua perna comida por um explosivim do que fazer um favor a Harry, mas tem uma pessoa de quem ele gosta...
- Draco – disse Lupin, e fez uma pausa. – Mas ele não está aqui. Hermione disse que ele saiu para ficar sozinho.
- Não posso culpá-lo – disse Sirius. – Como eu tenho certeza que ele não vai me culpar por isso – e pegou uma pena, começando a escrever furiosamente.
- Você está forjando uma carta do Draco? – perguntou Lupin, com um suposto interesse.
- Sim – disse Sirius – Me dê o carimbo da família Malfoy, está na terceira gaveta...
- Isso é um tanto desonesto – disse Lupin, dando-lhe o carimbo.
- Não é, não – respondeu Sirius, escrevendo loucamente.
- Você está se passando por outra pessoa, é essa a definição do dicionário para desonestidade.
Sirius jogou a pena na mesa e encarou seu amigo.
- Você tem uma idéia melhor?
Lupin pensou por um momento.
- Na verdade, não.
- Você viu a cara de Harry, não viu? E Hermione... Não é justo, eles são só crianças, eles não deveriam ter que...
- Sirius – interrompeu Lupin, puxando a pena da mão de seu amigo. - Sua...
- Aluado! – protestou Sirius, irritado. – Eu vou mandar essa carta, e nada do que você disser...
- Sua mão está tremendo, era isso que eu ia dizer. Me dê o pergaminho, eu conheço a letra de Draco da época que eu lhe dava aulas. Deixe-me fazer isso.
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- Eu não posso – disse Draco.
A boca de Lúcio se apertou.
- Você é fraco – ele disse. – Isso é parte minha culpa.
Draco não respondeu. Sem ter percebido, ele tinha recuado pra longe de seu pai, até estar com as costas contra a parede.
- O que acontece se eu não fizer nada? – ele disse finalmente, em uma voz seca. – Eu enlouqueço?
- O que você acha? – disse Lúcio. Ele começou a andar na direção do seu filho, bem devagar, parecendo pensativo. – Assim como você sabe sobre ele, Slytherin agora sabe de sua existência. Ou você se junta a ele, ou ele te mata.
Ele estava bem perto de Draco – perto o suficiente que Draco podia ver a luz em seus olhos. Ele sabia o que essa luz nos olhos de seu pai significava, e nunca era bom. Ele olhou para baixo, mas era muito tarde: a mão de Lúcio pegou seu queixo, forçando sua cabeça para cima.
- Existe um mecanismo elaborado dentro de você, garoto – disse ele. – O Lorde das Trevas fez você como as engrenagens de um relógio e o colocou nesse caminho. Poderia ser um caminho para o sucesso. Essa poderia ser sua segunda chance. Nossa segunda chance. É pra isso que você foi projetado. Quantos homens podem dizer que nasceram com um propósito? Mas você...
- E se eu lutar contra isso? – disse Draco, sua voz adotando um tom levemente rebelde. – O que acontece?
- O que acontece com um relógio quando você o gira para trás? – respondeu Lúcio. – Quebra.
Draco respirou fundo como se ele tivesse levado um soco no estômago.
Lúcio nem notou.
- De qualquer forma, por que você iria querer lutar contra isso? – ele exigiu, ainda encarando seu filho. – Está tentando ser bom?
Lúcio tinha seu jeito único e especial de falar a palavra bom; não como se fosse um adjetivo, descrevendo um bom garoto, ou um bom cachorro, mas certamente como um substantivo: Bom, e nada de agradável nesse substantivo. Draco, é claro, sabia exatamente o que ele quis dizer.
- Não – disse Draco, rapidamente, e logo depois – Eu não sei. – Ele encarou seu pai – Eu só quero ter uma escolha.
- Você acha que você tem uma escolha agora? Você não tem escolha. Você é um escravo do que você acha que quer, como todo mundo. Você acha que eu não vi o seu rosto, na Mansão, quando você olhou para eles, e para ela, e o rosto dela quando ela olhou para vocês dois? Você quer arriscar seu destino pela amizade de um garoto que nunca irá gostar de você e por uma garota que não lhe ama? Para se aliar a pessoas que nunca vão lhe encarar com nada mais que suspeita e desconfiança? Eles não são o nosso tipo de gente, e nunca irão ser. Você nunca será aceito entre eles.
Enquanto ele falava, Lúcio assistia a mudança de cores no rosto de seu filho – primeiro branco, depois muito vermelho, depois branco de novo. Ele percebeu que Draco estava lutando pra esconder o que estava sentindo, e com isso, pôde ver que estava machucando-o. O que era exatamente como deveria ser. Ele era seu filho, seu filho para ajudar ou para machucar como ele achasse apropriado.
- Você não pode mudar o que você é, Draco. – disse ele, sua voz mais calma e menos insistente. – E eles sabem disso. Dumbledore, Sirius Black, até mesmo seu novo amigo Harry Potter... Eles sabem que existe algo que eles tem e você não, algum átomo essencial faltando em sua alma que faz com que você seja diferente. Chame de moralidade ou o que quiser. Mas você não pode mudar isso. Você nunca será como eles. Você pode vestir o disfarce de moralidade, mas por dentro você é o que eu fiz você ser.
Por um momento, Draco contemplou o rosto de seu pai sem se mover. Então seus olhos escureceram, e ele puxou sua cabeça, retirando a mão de Lúcio de seu queixo.
- Me largue – disse ele.
Eu o perdi, pensou Lúcio, surpreendido, enquanto seu filho, sem olhar em seus olhos, deslizou pela parede pra longe dele. Eu quase o tive. Teve algo que eu poderia ter dito, algo que teria funcionado, que o faria ceder. Mas eu o perdi.
Decepção e raiva tornaram sua voz dura quando ele falou:
- Eu deveria ter lhe matado quando tive oportunidade.
Draco parou de se movimentar pra longe de seu pai e fez uma pausa. Ele ainda estava encostado contra a parede, e algo sobre o jeito que ele estava encostado fez Lúcio pensar se a parede era a única coisa que estava mantendo-o ereto.
Ele levantou sua cabeça e olhou para seu pai. Medo e dor e raiva fizeram seus olhos ficarem quase pretos, e por um momento, os dois realmente se pareciam.
- Você me quer morto? – disse Draco. – Tudo bem. – Ele levou sua mão e pegou o Feitiço Essencial que estava pendurado em seu pescoço, e, sem um momento de hesitação, retirou-o e jogou para seu pai. Por reflexo, Lúcio Malfoy levantou sua mão e pegou o objeto brilhante e circular no ar. E olhou para ele. E o encarou.
- Para você, Pai – disse Draco. – Vá em frente. Quebre-o. Esmague-o. Eu estarei morto antes que o guarda entre aqui. – Lúcio não se moveu. Somente encarou seu filho, que o encarou de volta com olhos brilhantes e sussurrou – Do que você tem medo? Você já vai ficar aqui para o resto da sua vida. Eles nunca te deixarão sair. Vá em frente – faça!
- Não – disse Lúcio, fechando sua mão ao redor do pingente gentilmente.
Draco encarou-o.
- Eu não o quero morto, garoto. – disse Lúcio, com um pequeno sorriso. – Mudei de idéia. Eu quero a satisfação de saber que você está vivo e sofrendo. De que você cresça e sofra, sabendo o que você fez para destruir nossa família e como você me condenou a apodrecer neste inferno. Espero que tudo isso o coma vivo. – Ele encarou seu filho. – Agora saia daqui. Estou cansado de olhar pra você.
Draco se afastou. Então, ele se virou e bateu na porta da cela. Ele parou por um momento, esperando, de costas para seu pai. Então, enquanto ele ouvia as barreiras mágicas do outro lado da porta sendo destrancadas, ele se virou bem devagar e olhou para Lúcio.
- Esse não é o Inferno, Pai – ele disse. – Quando você chegar no Inferno, eu acho que você vai achar muito mais gente do ‘nosso tipo’ por lá.
Então a porta se abriu, e Draco foi embora.
******
Se Rony estava preocupando-se em encontrar Harry, suas preocupações foram logo dissipadas assim que ele deixou a biblioteca. Isso se mostrou ser apenas uma questão de seguir os sons de quebra e explosões. Rony andava nervosamente pelos corredores cheios de curvas, parou em frente a uma larga porta de carvalho com dobradiças de metal – através da qual ele agora podia ouvir o que soava como vidro estilhaçando, respirou fundo – e a empurrou.
Seus olhos encontraram uma visão bizarra. Por um segundo, ele pensou que estava de alguma maneira, impossivelmente, nevando no aposento. O ar estava cheio de formas brancas flutuantes; ele podia ver Harry em pé no centro do aposento, uma fina sombra escura em meio a um tornado branco cheio de plumas. E ‘cheio de plumas’ estava certo, ele percebeu, caminhando mais pra dentro do quarto. Eram penas; penas de pelo menos uma dúzia de travesseiros, os quais Harry havia de alguma maneira conseguido rasgar em pedaços. Restos de fronhas estavam espalhados pelo aposento e muitas pequenas penas brancas estavam presas no cabelo escuro de Harry.
- Harry – disse Rony, indeciso entre simpatia e surpresa. – O que você fez?
- O que você acha? – disse Harry, cruzando seus braços sobre o peito como um rebelde de cinco anos de idade.
Rony olhou em volta com suspeita e lento reconhecimento. Eles estavam obviamente num quarto. Havia uma cama de quatro colunas e um enorme guarda-roupa empurrado contra a parede oposta.
- Em que aposento nós estamos? – ele perguntou.
- O quarto do Malfoy – anunciou Harry, com uma satisfação sombria.
- Foi o que eu achei – disse Rony.
- Eu estou redecorando – anunciou Harry, e Rony assistiu em assombro enquanto um par de castiçais de vidro flutuava pelo aposento e se partia completamente na parede oposta.
- Sirius vai matar você – ele disse, boquiaberto.
- Bom – disse Harry – Uma morte rápida e indolor soa como o que o médico receitou agora mesmo.
- Harry – disse Rony, tomando vantagem da pausa momentânea na tempestade para deslizar um pouco mais para perto de Harry, apenas para o caso de precisar agarrá-lo. Apesar dessa idéia lhe parecer extremamente desagradável, muito em parte por causa da enorme quantidade vidro quebrado no chão. – É só um feitiço! Ela não tem nenhum sentimento real por Malfoy!
Harry apenas olhou para ele.
- Ok – disse Rony de má vontade. – Talvez ela tenha algum, muito leve, na verdade extremamente adolescente, sentimento por ele. Mas nada significante.
- Você viu o rosto de Lupin. – disse Harry, tirando penas de seus cabelos. - Ele não acha que há um contra-feitiço. Eu percebi.
Rony estava chocado.
- Claro que existe um contra-feitiço.
- Não, não existe – disse Harry, soando resignado. – Ela vai passar o resto da vida apaixonada por Malfoy... e eu posso tanto tentar mantê-la comigo e vê-la desejar que estivesse com ele, ou apenas deixá-la partir com ele e eles irão se casar e ter crianças de cabelos loiros e cacheados, e eu serei o ‘Tio Harry’ e talvez eles irão até nomear uma das suas horríveis crias com o meu nome e...
- HARRY! – Rony interrompeu desesperadamente. – Por favor, esteja ciente de que o subtexto aqui está rapidamente se tornando um texto.
Bang! Um dos fofos travesseiros na cama subiu rapidamente no ar e explodiu, espalhando penas em tudo.
- É só um feitiço – disse Rony, de novo, melancolicamente tirando as penas de seu ombro. – Não significa nada.
- Então porque ela não me contou? – disse Harry, encarando Rony, as penas, e tudo mais no aposento. “Ela poderia ter contado, mas escolheu não fazê-lo. Ou ela não me contou porque ela não queria que eu soubesse, então ela poderia aproveitar toda a experiência de estar apaixonada por Malfoy, ou ela não confia em mim o bastante para saber que eu poderia lidar com isso, o que é ridículo.
- Certo – disse Rony, incapaz de evitar o comentário – porque você está lidando com isso TÃO BEM agora mesmo.
Os olhos de Harry se estreitaram.
Naquele momento, a porta se abriu. Era Gina. Ela parecia irritada, e seus olhos se iluminaram imediatamente em Rony, e ela franziu as sobrancelhas.
- Eu não sou inútil... – ela começou.
- Gina! – interrompeu Rony, meio chocado. – Eu estou um pouco ocupado agora!
- Mas... – Gina olhou de Rony, para Harry, para a multidão de penas flutuantes e seus olhos se arregalaram em choque. – Eu pensei... – ela começou, incerta.
- Gina, saia daqui – continuou Rony, nervosamente.
Mas agora Harry estava olhando para ela com olhos estreitos.
- Não – ele disse. – Fique. Por que não? Você gosta de mim, não gosta, Gina?
- Uh... - disse Gina, alarmada. – Claro que eu gosto de você, Harry...
- Você quer sair comigo?
A boca de Gina formou um pequeno “O” de surpresa.
- O quê?
- Você quer sair comigo? – gritou Harry, que agora estava tão coberto em penas que parecia como se ele havia sido atacado por pombos em época de troca de penas.
- Tudo bem, já chega! – anunciou Rony e, num clássico gesto usado por irmãos mais velhos através da história, deu um passo à frente e firmemente fechou a porta do quarto na cara da sua irmã. Depois ele se virou para Harry, e olhou para ele severamente.
- Você está bêbado. – ele disse.
Harry olhou para ele.
- Eu não estou bêbado.
- Sim, você está – disse Rony sobriamente - Bêbado de poder. – Ele apontou para a cama. – Sente-se, Harry.
Muito para a surpresa de Rony, Harry se sentou.
- Aquilo não foi muito legal da minha parte, foi? – ele disse, carrancudo, fitando o chão.
- Não – Rony concordou, andou até a cama, e se sentou próximo a Harry. – Você deve desculpas à Gina. Mas isso é para mais tarde. Agora, eu acho que você se sentiria melhor se não pensasse sobre Malfoy...
- Eu não estou tão chateado assim com Malfoy – disse Harry.
Rony, percebendo que sua boca estava aberta, fechou-a apressadamente.
- Bem, se você não está chateado com Malfoy, com quem você está tão zangado?
- Hermione – disse Harry, entre dentes.
Rony desviou a cabeça enquanto uma jarra de vidro com uma asa esculpida na forma de uma cobra passava depressa adiante de sua cabeça e se despedaçou contra a parede oposta.
- Putz, Harry – ele disse, com admiração relutante. - Aquilo foi maneiro!
- Sim, se ao menos eu pudesse fazer esse tipo de coisa quando eu não estivesse totalmente irado! – gritou Harry, enquanto a porta do guarda-roupa rachou aberta e as roupas dentro explodiram para fora como uma explosão de fogos de artifício.
Elas voavam pelo ar como pássaros maníacos e Rony olhou para baixo quando alguma coisa se chocou contra seu ombro. Era uma pilha de meias e roupas íntimas de Draco.
- Bem – ele disse. – Eu acho que isso responde a eterna questão ‘cuecas ou samba-canção?’, não é mesmo? – Ele sorriu largamente para Harry. – Lilá e Parvati ficarão tão satisfeitas em saber que Malfoy veste...– ele observou atentamente a etiqueta –...Samba-Canção Calvin Klein para Bruxos. Quem diria?
Ele olhou para Harry, que parecia tanto furioso quanto como se estivesse tentando não rir.
- Vamos lá, Harry, solte um sorriso; não vai te matar. – Ele deixou a samba-canção de lado, e olhou para o seu amigo. – Eu sei que você disse que não está irado com Malfoy, mas você escolheu o quarto dele para ter seu acesso de raiva, não foi?
Agora Harry sorriu – um pouco relutantemente, como se machucasse.
- Sim, bem, eu não disse que eu exatamente tinha sentimentos fofos e quentinhos pelo cara, disse?
Rony não respondeu.
Harry encarou-o curiosamente, e assustou-se. Rony estava olhando, com um olhar fixo de alarme, para um ponto vago no outro lado do quarto.
- O que...? – Harry começou a falar, mas Rony, com reflexos surpreendentemente rápidos, colocou a mão em sua boca.
- Shh – ele murmurou, desnecessariamente. – Olhe para o guarda-roupa.
Harry olhou. O guarda-roupa, uma larga e pesada peça de mobília do tamanho de três Hagrids, estava balançando para trás e para frente em seus quatro pés entalhados. Harry olhou rapidamente para Rony.
- Tem alguma coisa ali – Rony murmurou.
Harry concordou com a cabeça.
- Ou alguém... – ele tentou falar, por trás dos dedos de Rony.
Rony tirou a mão da boca de Harry.
- O que você acha...?
O guarda-roupa deu outra, forte chacoalhada, quase como se pudesse virar.
- Varinhas a postos – sussurrou Rony, ficando de pé e atrapalhando-se com suas vestes. Harry o seguiu, pegando sua própria varinha e segurando-a na sua frente.
Movendo-se tão silenciosamente quanto podiam, eles margearam através do aposento, Rony apenas levemente à frente de Harry, e pararam na frente do guarda-roupa. Rony, parado na frente, levou a mão a uma das portas. Ele olhou de lado para Harry, que, se sentindo muito bobo – o que possivelmente poderia estar lá? – concordou com a cabeça.
Rony abriu as portas.
Por um momento, nada aconteceu.
Depois alguma coisa explodiu para fora do guarda-roupa com a força de uma bala de canhão, e se jogando sobre Rony, levou-o ao chão. Sua varinha voou de sua mão e ele gritou de dor, jogando seus braços para cima para proteger seu rosto do intruso, o qual, Harry viu, tinha pele cinzenta e semelhante a couro, olhos vermelhos e tempestuosos, e dedos longos e espatulados que estavam ao redor da garganta de Rony.
Era um demônio.
******
Furiosa, Gina andava a largos passos descendo o corredor, encontrou as escadas, e desceu batendo os pés, fazendo tanto barulho quanto era possível ao arrastar os sapatos na pedra. Não que houvesse alguém em volta para ouvi-la. Inútil, ela pensou. Todos eles pensam que eu sou inútil. Até Rony, fechando a porta na minha cara; Sirius e Lupin, me dizendo pra ir achar o que fazer...
E ainda tinha o fato de que Harry a havia convidado para sair. Bem, certo, ela tinha que admitir, não havia sido uma oferta sincera. Mais como um trágico apelo por ajuda. Não que ela se importasse; ela estava surpresa em descobrir isso, que na verdade ela não ligava nem um pouco, fosse o pedido sincero ou não.
Ela cruzou a larga, vazia sala de desenho, andando (sem saber disso) sobre o alçapão que levava às masmorras. Ela não tinha uma meta particular em mente, ela sabia; pelo menos, não uma meta material. Ela estava simplesmente esperando ver Draco; esperando que se ela virasse outra esquina, ele poderia estar lá, parecendo alto e pálido e irritante, mas talvez aberto a aceitar desculpas? Porque agora ela queria muito se desculpar com ele por tê-lo chutado nas costelas. E se tivesse sido eu, um ano atrás, ela pensou, e tivesse sido Harry quem tinha bebido a poção do amor e aparecesse à minha porta de repente. Eu seria capaz de mandá-lo embora por amizade a Hermione?
Ela duvidava muito disso.
Ao deixar a sala de desenho, o som de vozes prendeu sua atenção. Ela estava no corredor do lado de fora da sala de jantar, e virando sua cabeça, ela pôde ver Hermione e Narcisa sentadas à enorme mesa, sob a tapeçaria do escudo da família Malfoy. Hermione estava brincando ansiosamente com uma xícara de chá, e Narcisa estava olhando para ela com simpatia.
- Eu apenas sinto muito, mesmo. – Hermione estava dizendo, numa voz amortecida. – Eu deveria ter contado logo a verdade ao Harry. Eu só pensei que poderia lidar com isso sozinha. Eu me sinto horrível sobre o que ele deve estar pensando agora. E Draco... – ela olhou acima para Narcisa preocupadamente. – Não deve ter sido agradável para ele, também.
Oh, boa percepção, pensou Gina, irritadamente.
- Ele deve se importar bastante com você – disse Narcisa – para ter lhe dado isso. – e ela apontou para o Feitiço Essencial ao redor do pescoço de Hermione.
Hermione pareceu infeliz. E Gina, sentindo-se igualmente infeliz agora, virou-se e sumiu pelo corredor.
******
Draco voou como nunca havia voado antes, fazendo sua vassoura correr através de aglomerações de nuvens, contra um céu lentamente escurecendo até a cor de carvão. Se Harry pudesse tê-lo visto, teria ficado surpreso, até impressionado – não era apenas que ele voava rápido, mas indiferentemente e com precisão, tocando os topos das árvores, passando levemente sobre a superfície de lagos, virando sua vassoura de lado, ficando de cabeça para baixo simplesmente porque ele podia. Até que ele reduziu a velocidade finalmente, e mergulhou na direção do chão, derrapando numa parada.
Ele estava no terreno da Mansão Malfoy de novo, à margem do Abismo Sem Fundo. O céu estava da cor do ferro, riscado com marcas desbotadas de carvão como as marcas no interior de uma concha, e o Abismo esticado à sua frente, fundo, negro e sem fim. Ele andou até a beira, se ajoelhou, e violentamente, e muito inesperadamente, vomitou. Quando as convulsões em seu estômago pararam, ele se afastou e levou a mão, sem pensar, à espada atrás de seu ombro.
Ele havia posto um feitiço nela, para mantê-la invisível. Parecia improvável para ele que até mesmo a um Malfoy fosse permitido entrar sem ser convidado numa instituição mental carregando uma enorme espada. E agora, sem pensar, ele correu sua mão esquerda pelo objeto, tirando o feitiço. A espada saltou à vida sob suas mãos, prata brilhante sob o crepúsculo, as pedras preciosas do punho brilhando como olhos.
Você a quis desde o momento que a viu, que a tocou, você sabe o que é: é o seu futuro, e você não pode fugir disso.
É o que você é.
Draco rolou para o lado, ainda segurando a espada em suas mãos, e deslizou sua mão pelo punho, até a lâmina, e apertou forte, sentindo o fio da espada, afiado como um sussurro, cortando sua pele e o sangue começando a escorrer. Só doeu um pouco, mas o bastante fazê-lo ficar de pé.
Ele andou até a margem do abismo, olhou para baixo, viu apenas escuridão. Ele levantou a espada com sua mão esquerda e segurou-a na sua frente...
Visões do que foi, do que é agora, do que será se você assim quiser...
... E a jogou.
Obviamente, não houve barulho enquanto desaparecia na escuridão, virando de ponta a ponta, brilhando e virando e sumindo, engolida pelo Abismo.
Sentindo-se extremamente cansado, ele deu as costas ao Abismo e caminhou até a sua vassoura. Quando ele se inclinou para apanhá-la, viu alguma coisa brilhando na grama.
Não.
Era a espada, lampejante, brilhante e perfeita. Draco estava com a mão esticada para sua Firebolt. Agora a espada sussurrou, tremeu e pulou em suas mãos, repousando lá. Como se ali fosse seu lugar.
Você não pode fugir disso.
É o que você é.
******
- Rony! – gritou Harry, e tentou correr até seu amigo, mas ele escorregou no vidro quebrado e nas penas e caiu para frente em suas mãos. Uma dor aguda passou por suas mãos ao fazerem contato com o chão coberto de vidro. Sua varinha escapou de suas mãos, rolando pelo chão de pedras. Eu não preciso dela mesmo, ele pensou, levantando-se rapidamente.
Rony estava conduzindo uma boa briga. Ele havia rolado de costas com o demônio em cima dele, e estava chutando-o com os pés. Suas mãos estavam na sua garganta, tentando afrouxar o aperto na sua traquéia. Ele havia derrubado a varinha, Harry viu...
Sem pensar, Harry levantou a mão direita e apontou para o demônio.
- Impedimenta! – ele gritou.
Uma luz branca saltou de seus dedos e atingiu o demônio no peito, arremessando-o para trás. Rony imediatamente se jogou para o lado, rompendo o aperto na garganta, e levantou-se, andando de costas na direção de Harry. Uma de suas mãos estava em sua garganta, que estava coberta com lívidas marcas vermelhas.
Harry olhou de lado para ele.
- Você tá legal?
Rony acenou com a cabeça, aspirando o ar em ofegos.
Harry se virou e fitou o demônio, que estava se ajoelhando no chão, olhando para eles por olhos vermelhos e tempestuosos. Ele soube imediatamente que esse não era o mesmo demônio que havia invadido o quarto dele e de Draco na escola – como Harry sabia disso, ele não sabia dizer. Mas era certamente um da mesma raça. Tinha os familiares dedos longos e espatulados, cada um acabando em uma unha fina e pontuda, e os mesmos olhos vermelhos.
- Harry Potter – disse, e a voz era como a voz do outro demônio, um som estalante de fogueira.
Os olhos de Harry se estreitaram.
- Você sabe quem eu sou?
O demônio fez um som sibilante.
- Logo você irá morrer, Harry Potter – anunciou.
Os olhos de Harry se arregalaram.
Rony pareceu indignado.
- O que você está querendo dizer? - ele exigiu numa voz rouca, massageando sua garganta.
Os olhos do demônio pararam em Harry.
- Você sabe – sibilou.
- Não sei, não – disse Harry, numa voz desagradavelmente calma. – E eu sugiro que você explique, ou eu irei redecorar essa parede atrás de você numa interessante nova cor chamada ‘Nuance de Cérebro’.
O demônio olhou para eles.
- Sem senso de humor – disse Rony, sacudindo a cabeça.
De uma só vez, o demônio deu o bote em Rony, suas mãos esticadas. Rony desviou para o lado, e o demônio aterrissou de quatro, virou e encarou-os.
- Harry Potter...
- Cale a boca! – gritou Harry, colocando-se entre a criatura e Rony. Ele sentiu uma onda de raiva – cada grama de raiva que ele havia sentido nas últimas horas cristalizando numa lâmina fina e gelada que se torcia violentamente dentro de seu peito. Ele sentiu algo se libertar; algo dentro dele se desamarrar, uma coisa importante. Ele jogou sua varinha de lado, apontando sua mão para a criatura que estava ameaçando-o; e então, o que quer que fosse isso dentro dele que esteve crescendo, se libertou. Ele sentiu isso passar rasgando pelo seu sangue, suas veias e sua mão e lançar-se de seus dedos como um jato de luz branca.
O raio de luz atingiu o demônio no peito. Ele deu um grito choroso e surpreso ao voar para trás e bateu forte na parede com um desagradável barulho de esmagamento. Debilmente, caiu no chão e ficou lá como um monte de trapos.
Mas Harry não havia terminado. Ele ainda podia sentir a luz branca queimando em suas veias e ele queria fazer alguma coisa; algo destrutivo, algo violento, algo...
Seus olhos brilharam em direção ao guarda-roupa. O guarda-roupa, na verdade, no qual ele havia encontrado Hermione beijando Draco. Grande, pesado, feito de carvalho, pelo menos 3 metros de altura.
Ele se virou e direcionou suas mãos a ele, e o armário levantou alguns centímetros do chão. Ele sentiu o enorme peso do armário em algum lugar dentro dele mesmo, como se ele estivesse puxando numa roldana.
Vá, ele pensou. Vá.
Com um rangido insistente que ele podia sentir dentro de si, o guarda-roupa voou pelo ar, e agora estava fora de seu controle, como se ele houvesse lançado-o de uma catapulta. Lançou-se pelo quarto, colidiu na parede oposta, virou-se e aterrissou em cima do corpo imóvel do demônio com um barulho final.
- Harry! – ele ouviu Rony gritando, como se fosse de uma grande distância. – Chega!
Ele sentiu as mãos de Rony em seus ombros, sacudindo-o, e abaixou as mãos. Ele repentinamente não parecia conseguir ar suficiente, e cambaleou para trás, quase caindo na cama.
- Harry... – Rony fitou seu amigo, que parecia branco e esgotado, seu cabelo e roupas ensopadas em suor, como se ele tivesse acabado de correr uma maratona. Ele estava respirando em grandes ofegadas de ar, se inclinando para frente, com as mãos nos joelhos. Vagamente ciente que alguém estava batendo na porta do quarto, se inclinou para baixo para olhar para o rosto de Harry. – Harry, você está bem?
Harry concordou com a cabeça sem olhar para cima.
- Respire – Rony o instruiu, e depois imaginou se isso era um bom conselho. Harry não parecia estar tendo problemas em respirar, na verdade ele parecia estar respirando demais; hiper-ventilando. – Vamos lá, se acalme, Harry – ele disse. A batida na porta estava ficando mais forte. – Você vai ficar bem?
Naquele momento, a porta, que havia estado sacudindo nas dobradiças, se abriu com um som como estalos de fogo de artilharia.
Sirius, Narcisa e Lupin entraram, Hermione atrás deles. Ela parou no vão da porta, uma mão sobre a boca, enquanto os adultos corriam até Harry e Rony.
- Que diabos aconteceu? – perguntou Sirius, pondo uma mão no ombro de Harry.
- Havia algo no guarda-roupa... alguma coisa... – disse Rony. - Me atacou.
- Eu bati nele – disse Harry brevemente, ainda tentando controlar sua respiração.
- Com o quê? – disse Sirius, fitando com os olhos arredondados os destroços.
- Com a parede – disse Harry.
- E depois com o guarda-roupa – disse Rony, utilmente. – Foi muito legal! – ele emendou, e então, pegando o olhar dominante de Sirius, adicionou apressadamente. – Num modo mau, destrutivo, e provavelmente ilegal.
- Era um demônio – disse Harry, ainda soando engasgado e ofegante.
Todos eles olharam na direção do corpo do demônio. Apenas um braço de couraça estava visível, protuberante debaixo dos destroços do guarda-roupa semidestruído.
- Bem, eu acho que você o matou – disse Rony. – Bom pra você, Harry!
- Se isso foi um demônio – apontou Lupin – Então tecnicamente, já estava morto.
- Bem, ele o matou mais morto – disse Rony, olhando para Lupin como se pensasse que ele estava sendo um desmancha-prazer.
- Não, ele não fez isso – disse Sirius. – Seus dedos estão se movendo.
Muitas coisas aconteceram de uma vez.
Narcisa virou-se. Lupin, parecendo repentinamente ansioso, pegou sua varinha. Rony virou para olhar o guarda-roupa atônito. E Harry de repente se endireitou, fitou os destroços do guarda-roupa e o braço estremecente do demônio, ficou de uma cor esverdeada delicada e não sem-graça, e anunciou:
- Eu vou desmaiar, eu acho.
Sirius, pulando para trás, chegou a tempo de pegá-lo enquanto ele caía.
******
Hermione viu Sirius correr para segurar Harry e pegá-lo em seus braços. Ela havia estado em pé congelada no vão da porta, mas a visão de Harry caindo foi como uma descarga elétrica, e ela correu para dentro do quarto, quase tropeçando em fragmentos destroçados de guarda-roupa em sua pressa para chegar a Harry. Ela viu Sirius pegá-lo em seus braços, Harry repentinamente parecendo muito pequeno e muito mais jovem, e o depositá-lo na cama de Draco, se curvando sobre ele, Lupin e Narcisa ao lado dele, e quando eles a fecharam da visão de Harry, uma mão veio sobre seu braço e ela ouviu uma voz dizer:
- Hermione, não.
E depois ela estava sendo arrastada para o corredor, e a porta do quarto de Draco bateu com um agudo barulho e final. Ela se virou e viu quem a tinha pelo braço: Rony.
- Deixe-me ir – ela sibilou, tentando puxar seu braço, mas ele a segurou.
- Não, Hermione – ele disse.
- Você tem que me deixar! Eu tenho que ver se ele está bem!
- Ele está bem, você não ouviu Lupin, ele disse que ele estava bem, apenas gastou muita energia levantando aquele guarda-roupa...
- Eu não ouvi nada! – ela guinchou.
- Porque você não está escutando! – ele gritou de volta. – Você está histérica! E é por isso que você não pode entrar lá!
Eles estavam parados apenas a centímetros de distância, gritando um com o outro. Hermione teve um repentino flashback para as muitas, muitas vezes que eles haviam feito isso antes. Reconhecimento, entretanto, não abrandava seu temperamento; ela se sentiu completamente cheia de raiva, da vida mais que de Rony, mas aqui estava ele.
- Quem é você para me dizer o que posso fazer? – ela disse a ele.
- Depois de todas as coisas estúpidas que você tem feito ultimamente, você deveria se considerar sortuda em ter alguém para te dizer o que fazer! Porque você obviamente não tem o mínimo entendimento de si mesma!
Hermione sentiu suas mãos se fecharem em punhos.
- Eu odeio você! – ela gritou a ele.
Rony rompeu em gargalhadas.
Hermione pôs as mãos em sua boca.
- Oh, meu Deus – ela disse. – Eu realmente disse isso?
- Você viu meu ponto de vista – ele disse, ainda rindo.
- Me desculpe - ela disse, sua raiva se esvaindo para ser reposta por um absurdo desejo de chorar. Rony olhou para ela, e um pequeno sorriso tremeu no canto de sua boca. – Ok – ele disse. – Venha aqui.
Ele estendeu um braço, e Hermione quase tropeçou em sua pressa de chegar perto dele; ele pôs seus braços em volta dela e a abraçou, e ela o abraçou em resposta, sentindo sua presença sólida e quente e extremamente confortante. Ela podia ouvir o coração dele, batendo uniformemente debaixo da camisa de algodão usada que vestia.
- Você me promete – ela disse – Lupin disse que Harry está bem?
- O Garoto Anão está bem – disse Rony. – Eu juro.
Ela inclinou sua cabeça para cima e olhou para ele.
- Eu tenho que falar com ele.
- E você pode – disse Rony. – Mais tarde.
- Eu não quero esconder nada dele. Eu tenho que contar tudo pra ele. Eu tenho que...
Rony soltou os ombros dela e colocou suas mãos em suas orelhas.
- Não me diga! – ele ganiu. – Eu não quero saber algo sobre você que Harry não saiba. É nesse caminho que está a loucura, e mobília voadora.
Hermione quase sorriu.
- Oh, tudo bem. – Um olhar pensativo passou pelo seu rosto. – Rony?
- Sim?
- Nós somos exatamente parecidos ou totalmente diferentes, você e eu?
Ele pareceu estar pensando sobre essa pergunta ridícula, o que ela apreciava.
- Nós somos parecidos – ele disse finalmente. – Porque ambos passamos nosso tempo seguindo Harry, nos preocupando com ele, e depois o apanhando e limpando a sujeira quando ele faz coisas estúpidas e quase se mata.
- É isso que você esteve fazendo? Limpando a sujeira dele?
Rony franziu as sobrancelhas para ela.
- Mais como colando os caquinhos dele – ele disse. - Hermione...
- O quê?
- Nada. – Ele inclinou sua cabeça para trás, contra a parede. – Por que tinha que ser Malfoy? – ele disse, falando para o ar sobre sua cabeça. – De todas as pessoas no mundo você poderia ter visto naquele momento, por que ele?
Ela quis contar a ele que na sua opinião era destino, alguma coisa determinada, algo sobre o qual ela não tinha uma escolha, algum tipo de punição, contudo se era uma punição para ela ou para Draco, ela não tinha certeza. Em vez disso, ela apenas disse, numa voz abafada na camisa dele:
- Ele não é tão ruim. Você não pode julgar um livro pela capa, Rony.
- E você não pode confundir Malfoy com um livro – disse Rony. – Pra começar, um livro tem espinha.
Ela o acertou levemente no ombro.
- Nada legal. - Depois ela se soltou dele, dando um passo para trás, e olhou na direção da porta do quarto.
- Hermione... - ele disse preventivamente.
- Eu não vou entrar. – ela disse, endireitando sua blusa. – Eu estava pensando numa coisa que Narcisa me contou.
- O quê?
- Que eu seria mais feliz sendo útil – ela disse. – Útil para o Harry. - Ela deu a Rony um sorriso fraco. – Suponho que eu sempre tenha sido mais feliz quando o estava ajudando de algum modo. Até mesmo se ele não souber disso. Você sabe o que eu quero dizer?
Apoiando-se contra a parede, Rony sorriu para ela.
- Raramente, se alguma vez eu soube.
Ela mostrou a língua para ele, virou-se e começou a afastar-se pelo corredor. Rony a assistiu ir, meio divertido, e meio exasperado.
- Onde você está indo? – ele chamou atrás dela.
- À biblioteca! – ela gritou de volta, sem se virar. – Se quiser ser útil, você poderia vir e me ajudar.
Rony sacudiu sua cabeça, e começou a segui-la.
- Mas é claro.
******
Draco aterrissou no jardim, antes do portão decorado com os desenhos de serpentes e M’s. Ele desmontou de sua vassoura, apoiou-a contra o muro, e olhou em volta.
Havia começado a chover: não forte, mas uma garoa fina e delicada. O terreno da Mansão Malfoy estava prateado-escuro com o luar nebuloso. Mesmo na escuridão Draco podia ver os sulcos negros ao longo do chão onde plantas mágicas e venenosas haviam sido arrancadas, e de onde objetos pesados haviam sido retirados. Era esquisito estar no terreno e não ter que lembrar como enganar as dúzias de azarações, bruxarias e horríveis feitiços-surpresa letais que haviam um dia cercado o lugar como uma cerca mágica invisível. Sem eles, o lugar parecia desconhecido. Estranho.
Eu não pertenço a esse lugar, também.
Deixando sua vassoura inclinada contra a parede, ele andou na direção da casa, desviando-se dos ramos úmidos das árvores (ao menos eles não haviam colocado estas abaixo). Ele passou pela clareira onde uma vez havia uma família de aranhas gigantes, atravessou a ponte em forma de dragão que uma vez fora equipada com Feitiços Explosivos, virou a esquina da casa, e quase gritou quando uma mão saiu da escuridão e agarrou sua manga.
Anos de prática de esgrima e Quadribol haviam dado-lhe reflexos rápidos. Ele se virou, apanhou o braço, e usou-o para arremessar o intruso, que decididamente pôs muito pouca resistência, no chão.
O intruso aterrissou na grama com um lamento indignado e amortecido. O capuz caiu para trás, revelando um rosto pálido emoldurado por cabelos prateados, olhos azuis escuros oblíquos e uma boca familiar, brava.
- Fleur? – Draco disse, descrentemente. À medida que a adrenalina se esvaía de seu corpo, suas pernas começaram a tremer, e ele se encostou contra a úmida parede de pedra. – Você não deveria ser tão gatuna com as pessoas assim – ele completou, severamente. – Você deveria bater os pés, ou cantar, ou algo assim.
Fleur continuou a contrair os lábios.
- Você me jogou no chão – ela disse. – Isso não foi muito legal.
- Eu não sabia que era você – ele argumentou. – Se você começar a ficar à toa nos jardins dos outros, em vestes com capuz e parecendo misteriosa, suas razões serão mal-interpretadas. É algo que costuma acontecer.
Agora ela sorriu para ele. Pingos de chuva se prendiam em seu delicado cabelo prateado e enfeitavam as pontas dos seus cílios. Era um efeito encantador. Ela estendeu uma mão para que ele segurasse. Mesmo estando sentada no chão numa poça de lama, ela conseguia parecer imperiosa.
- Me ajude a levantar – ela ordenou.
Ele pegou sua mão e a ajudou a se levantar. Ela olhou para suas vestes prateadas enlameadas, franziu as sobrancelhas, e passou sua mão direita por elas.
- Abstergo! – ele a ouviu murmurar, e em um momento, suas vestes estavam brilhando de tão limpas.
- Bom trabalho – ele disse, com admiração genuína. – Mas por que você está aqui?
Ela levantou o olhar para ele e sorriu.
- Eu acho que você sabe - ela disse. Ele sacudiu a cabeça.
- Não, realmente não.
- Eu acho que sim. Você se lembra? – ela adicionou sugestivamente. – Você e eu... no meu quarto... havia borboletas em cores bonitas...
Ele franziu as sobrancelhas.
- Isso deveria ser algum tipo de jogo de palavras? Porque eu odeio eles. Esse é aquele com o anão e o bloco de gelo?
Fleur bateu o pé.
- Agora você está sendo deliberadamente estúpido – ela disse.
- Na verdade não, mas eu estou lisonjeado por você pensar assim.
Ela fez beiço.
- A escola é muito chata sem você.
- Eu tenho certeza de que isso é verdade, mas...
- E você me deve um favor – ela disse.
Aquilo o alertou.
- Eu o quê? - Então ele se lembrou. Borboletas multicoloridas, Fleur batendo forte no seu ombro e dizendo, Você me deve, Draco Malfoy.
Oh, não.
- Como você acha que eu te encontrei? – ela adicionou. – Isso é magia antiga. Você me deve um favor, isso forma uma conexão entre nós. Eu posso te achar em qualquer lugar.
Draco esfregou as costas de suas mãos contra seus olhos.
- Agora realmente não é uma boa hora, Fleur. Eu tive um dia muito, muito ruim.
Ela sacudiu a cabeça.
- Não, não – ela disse. – Você não escolhe quando vai pagar favores, Draco. Essa não é a natureza dos favores. Você me deu sua palavra.
Ele a olhou de esguelha. Era fácil de esquecer que uma inteligência bastante inquieta vivia atrás dos olhos grandes e do beiço decorativo, mas ele sabia que era verdade.
- Você nunca teria encontrado aquela garota sua se não fosse por mim – Fleur argumentou.
- Ela não é minha garota – ele disse, automaticamente. Então ele pensou duas vezes, e a encarou. – Como você sabia sobre isso?
- Lembra das veelas no jardim da torre?
- Sim, vividamente.
- Aquelas eram minhas primas.
- Aquelas veelas? Elas eram suas primas? Como você sabe?
Fleur encolheu seus elegantes ombros.
- Elas me contaram que te conheceram. – ela sorriu. – Elas gostaram muito de você.
- Estou emocionado em ouvir isso. Como elas sabiam quem eu era?
- Eu contei a elas sobre você, é claro! – disse Fleur, abrindo seus olhos azul-escuros bem arregalados. – Eu havia pedido à minha prima Flora para checar a árvore genealógica da família Malfoy. Eu queria ter certeza de que você e eu não éramos muito... proximamente relacionados.
- Muito ‘proximamente relacionados’ pra quê? Casamento? – ele disse, com sarcasmo. Depois, vendo a expressão dela, ele se alarmou. - Casamento? Você está louca? Eu tenho dezesseis anos!
- Não para sempre.
- Na verdade, eu provavelmente não viverei para ter dezessete do jeito que as coisas vão indo, então de alguma forma eu terei dezesseis para sempre, mas isso é meio depressivo, então vamos seguir em frente. Você quer dizer que aquelas veelas me deixaram ir porque elas sabiam que você queria se casar comigo?
- Sim – disse Fleur, com uma incrível simplicidade.
Draco esbugalhou os olhos para ela.
- Isso é ridículo!
- Não há nada ridículo em relação a casamento – disse Fleur, parecendo brava.
- Você ainda quer casar comigo?
Ela sacudiu a cabeça.
- Destino ou não, acontece que nós somos primos muito distantes. Então isso não daria certo.
- Isso é tão ruim – ele disse, com imenso alívio.
- De qualquer forma – ela disse, parando repentinamente e se virando para pôr uma mão no ombro dele – nós ainda podemos fazer sexo. Contanto que ninguém saiba disso.
Ele quase tropeçou numa raiz de árvore.
- O quê?
- Ainda existe o pequeno detalhe de que você me deve um favor.
Draco piscou os olhos.
- Você quer que eu transe com você? Como um favor?
Fleur sorriu para ele, deu de ombros e acenou com a cabeça.
- Sim.
- Você... tem certeza? – ele disse, em descrença. – Digo, você poderia me pedir qualquer coisa. Qualquer coisa. Dinheiro? Eu tenho montes de dinheiro.
Em resposta, Fleur cruzou seus braços e olhou para ele com uma expressão fechada. Ele não tinha muita certeza, mas parecia que ela estava batendo o pé impacientemente no chão.
- Eu não quero dinheiro – ela disse. – Eu quero você.
Draco olhou para ela em completa descrença.
- Agora? Aqui?
- Sim. Por que não?
- Oh. – ele piscou os olhos. Ela era muito bonita na meia-luz, e isso era bastante lisonjeiro, e bem, ele tinha dezesseis anos.
Ele deu de ombros.
- Então tá, tudo bem.
******
Já consciente, Harry acordou repentinamente, com uma sensação de como se estivesse sufocado. Ele ofegou por ar, e imediatamente, havia mãos em seus ombros e uma voz feminina lhe dizendo que se deitasse novamente, e respirasse. Uma mão fria tocou sua testa, penteando seus cabelos para trás. Ele piscou com força, incapaz de enxergar sem seus óculos.
- Hermione? – ele disse fracamente, contudo ele soube imediatamente que não era ela, ele conhecia o toque da mão dela de cor, essa era outra pessoa.
- É Narcisa – disse a voz, gentilmente. – Deite-se de volta.
- Não – disse Harry, amotinado. Ele se esforçou em ficar na vertical e se encostou contra a cabeceira, piscando.
Narcisa o assistiu com preocupação. Ele parecia bem, mas muito pálido. Ela podia sentir que ela estava se segurando para não fazer o que queria, que era pôr seus braços em volta desse garoto – que a lembrava de seu filho apesar do fato de que ele não parecia e nem soava em nada como ele – e confortá-lo e ajeitar seu cabelo. Mas fazer isso seria fazer dele uma criança, e ela podia ver apenas ao olhá-lo que ele quase não era mais isso.
Mesmo nas duas das três semanas desde que ela havia o visto pela primeira vez – relutante, mas determinadamente enfrentando Voldemort e uma multidão de Comensais da Morte na sala de esgrima de Lúcio – ela podia ver mudanças em seu rosto. Suas feições haviam começado um processo de refinamento que, quando acontecia, acontecia tão rapidamente, e iria transformá-lo de criança a adulto dentro de um ano. Ele já não era mais uma criança e, enquanto ela poderia ter abraçado e beijado uma criança, ela certamente nunca teria abraçado um homem que não conhecia. Então ela se conteve de tocar Harry, apenas pegou seus óculos e os colocou gentilmente em sua mão.
- Você pode se sentar?
- Sim – ele disse, empurrando seus óculos em seu nariz e piscando. – Eu estou bem. – Para demonstrar, ele se sentou, empalidecendo apenas levemente ao fazê-lo. – Eu me sinto bem – ele disse, novamente. – Onde está Sirius?
- Nas masmorras – ela disse trivialmente. – Ele e Lupin foram examinar aquela coisa que lhe atacou. Estão pondo proteção mágica em uma das celas agora.
- Ele não morreu?
Narcisa sacudiu a cabeça.
- Não morreu, mas está inconsciente. Sirius espera que quando Dumbledore chegar aqui, ele possa ajudá-los a descobrir o que é.
- Eu posso ajudá-los a descobrir o que é – disse Harry, fazendo um movimento para se levantar. – Eu já vi um antes.
Agora Narcisa o tocou – ela pôs uma mão em seu ombro e o empurrou gentilmente contra os travesseiros.
- Apenas descanse um minuto, Harry. Você precisa conseguir seu vigor de volta. Depois do que você fez...
Ela parou quando os olhos dele se arregalaram, e ela o viu olhando ao redor do aposento, notando os incríveis escombros do cômodo: o guarda-roupa esmagado, os castiçais e garrafas estilhaçados, os travesseiros rasgados.
- Eu... – ele começou, parecendo estupefato. – Eu pagarei por tudo isso, eu tenho dinheiro, eu posso...
- Não, você não vai – disse Narcisa, firmemente. – Esta é sua casa, Harry. Não que eu esteja dizendo que você pode sair por aí quebrando toda a mobília, e Sirius provavelmente irá te fazer desgnomizar o jardim até o Dia do Juízo Final, mas não haverá nenhum pagamento. Entendeu?
Harry acenou com a cabeça, parecendo levemente confuso.
- De qualquer forma – ela adicionou – Eu acho que você se puniu o suficiente. Você entende porque desmaiou, não é?
Harry sacudiu a cabeça.
- Para fazer o que você fez... gastar tanta mágica de uma só vez... bem, essa energia tem que vir de algum lugar. É parte do propósito de uma varinha; a maioria dos bruxos não tem mágica suficiente neles mesmos para fazer feitiços sem algum tipo de ajuda. Varinhas também te ajudam a focar energia. O que você fez foi apenas derramar magia de você mesmo, e sem ao menos uma varinha para canalizá-la, ela simplesmente fluiu de você... drenou sua energia. Se você tivesse continuado, você poderia ter se nocauteado, ou se matado. Você tem que ser cuidadoso, Harry.
Harry olhou para baixo, juntando suas mãos nervosamente.
- E você tem que ensinar meu filho a ser cuidadoso também – ela acrescentou, num tom menos controlado.
Harry olhou para cima rapidamente, parecendo atônito.
- Malfoy? – ele disse, e se corrigiu. – Digo... ele já é muito cuidadoso. Ele é uma das pessoas mais... cuidadosas que eu já conheci.
- Você não gosta dele – ela disse.
- Claro que gosto – disse Harry, fracamente. – Eu acho que ele é...
- Um idiota convencido – disse Narcisa imparcialmente. –Tudo bem. Algumas vezes ele é.
Ela sorriu para Harry, que olhava para ela, boquiaberto.
- Há alguém no corredor que esteve esperando você acordar – ela continuou, baixando a voz.
Harry pareceu como se imediatamente soubesse exatamente quem ela queria dizer: Hermione, é claro. Ele fechou a boca, e a apertou os lábios em uma linha fina.
- Eu não quero vê-la.
Narcisa olhou para Harry, que levantou o queixo desafiadoramente. E naquele momento, ela pensou, ele realmente parecia, de alguma forma, com Draco. Em sua teimosia, se nada mais.
- Nem mesmo por um minuto?
- Não.
- Você terá que vê-la eventualmente...
- Não sozinho.
- Ela te ama.
Harry agora parecia terrivelmente desconfortável.
- Eu não penso...
- Claro que não, como poderia?
Harry piscou, sentindo-se desgraçadamente confuso e um pouco importunado.
- Como eu poderia o quê?
- Pensar. Como você poderia pensar em algo, exceto o quão horrível é essa situação, o quão completamente terrível é para ambos?
- Uh – disse Harry. - Isso é um conselho? Porque eu realmente não acho que...
- Você não acha que eu sei do que eu estou falando – disse Narcisa, firmemente. – Porque eu não te conheço. E de certo modo, você está certo. Eu não te conheço muito bem, Harry. E o adulto em mim quer te dizer que você tem dezesseis e que você irá superar Hermione, pra seguir em frente e não se assustar. Mas como uma pessoa que viu vocês dois juntos, tudo o que eu posso dizer é que durante a minha vida eu nunca vi alguém olhar para outra pessoa do jeito que ela olha pra você. A não ser que seja o jeito que você olha para ela. Eu não jogaria isso fora se fosse você.
Harry, que tinha ficado alternadamente vermelho e branco durante esse discurso, olhou para Narcisa com olhos arregalados à medida que ela se levantou, pousou uma mão gentil em seu ombro, e o apertou levemente.
- Tenha isso em mente – ela disse, e saiu do aposento, fechando a porta atrás dela.
******
- Por que eu? – Draco perguntou, enquanto Fleur começou a tirar a jaqueta dele.
Ela parou e olhou para ele.
- Por que não você?
- Bem, você é muito bonita, sabe, e você poderia muito bem ter qualquer um. E eu sou mais novo que você. Digo, reconheço que sou fabulosamente atraente e também muito rico, assim como charmoso, elegante, inteligente e magnífico em tudo e... espere um instante, tudo isso está começando a soar muito convincente. Não é à toa que você gosta de mim.
- É porque você é um Magid – disse Fleur, curvou o pé atrás do tornozelo dele, e o empurrou. Ele caiu para trás e aterrissou no chão, levantando o olhar para ela. – E eu gosto de você. – Ela franziu a testa para ele. – Mas você está começando a me irritar. – Ela se ajoelhou perto dele, graciosamente colocando suas vestes ao seu redor enquanto o fazia. – Você sabe o que acontece àqueles que quebram uma promessa sagrada feita a uma veela?
Ele se apoiou em seus cotovelos, que afundaram na terra molhada, e sacudiu a cabeça.
- Se você pensa que me ameaçando você pode me convencer a fazer o que você quer... – ele disse, e parou - bem, aí é onde você está certa. Mas - e eu não estou dizendo isso porque eu não gosto de você - há uma abundância de Magids na escola; eu sou dificilmente o único.
Fleur pôr as mãos nos quadris.
- Como quem?
- Bem – ele disse – Que tal o Harry?
Fleur pareceu surpresa.
- Harry?
- Por que não Harry? – disse Draco, que não conseguia acreditar que estava dizendo isso. – Digo, não há nada errado com ele. Eu não vou sair por aí e comprar o calendário ‘Harry Potter Em Trajes de Banho’, mas você sabe, ele é alto, e tem cabelo escuro, e garotas gostam disso, e... você está desamarrando as minhas botas?
- Bem, você não pode continuar com elas, pode? – ela disse moderadamente, retirando um sapato. – Oh, olhe, você tem patinhos nas meias! Isso é tão fofo. E sim, Harry também é muito atraente. Mas ele está apaixonado demais pela namorada dele.
- Eu também – Draco argumentou.
Ela sacudiu a cabeça.
- Não é a mesma coisa.
- Por que não? – retrucou Draco irritado, enquanto ela tirava seus sapatos.
- Porque ela não corresponde seu amor – disse Fleur, e puxou o outro sapato.
- Obrigado pela observação – ele disse, rispidamente. - Você gostaria de pegar uma faca, enfiá-la no meu peito e rodá-la um pouco? Porque eu não acho que estou deprimido o bastante no momento.
Em resposta, Fleur colocou a mão no peito dele e o empurrou para baixo, forte. Abaixando o capuz de sua capa, ela engatinhou pra cima dele, deixando seu longo cabelo prateado cair em volta deles como uma jaula de fios luminosos.
- Você não deveria estar deprimido – ela disse, o cutucando nas costelas com o dedo. – Você é um Malfoy. Você é rico e famoso, e quando você crescer um pouco vai ser muito atraente. Você tem poderes com os quais a maioria das pessoas apenas sonha, e você é parte veela, o que é uma coisa muito boa de ser. Você não tem nada para ficar deprimido.
- O que você quer dizer com quando eu crescer um pouco? Eu sou atraente agora! – ele protestou, se apoiando nos cotovelos.
Fleur deu risadinhas. Por causa do modo em que estava sentada, com as mãos em seu peito, ele sentiu as risadinhas vibrarem através de suas costelas.
Não era uma sensação tão ruim.
- E você não faz idéia do porquê eu estou deprimido – ele adicionou. – Não faz idéia.
- Então me conte.
E, meio que para sua completa surpresa, ele o fez, começando com o vôo para encontrar Hermione, continuando através da poção do amor e terminando com sua visita ao seu pai naquela tarde. Quando ele havia acabado, ele se sentiu levemente, embora não inteiramente, melhor.
- E aí você tem tudo – ele terminou. – Meu pai é um maníaco e eu sou algum tipo de cria do Lord das Trevas e agora eu deveria provavelmente te matar antes que você possa ir ao Ministério, mas francamente, eu estou cansado demais.
- Você não me machucaria – disse Fleur, curvando seus lábios num sorriso misterioso. – A menos que eu te pedisse.
- Isso é bastante otimista de você. Você perdeu a parte da estória onde eu sou mau?
- Oh, mau – disse Fleur, fazendo um gesto de pouco-caso com a mão. – Isso não existe. – Ela se inclinou para frente e começou a correr seu dedo em meditação para cima e para baixo no tórax dele. - As coisas não são tão 'preto no branco' como você as faz ser.
- Oh, maravilha. Um sermão no relativismo moral, justamente o que eu não preciso. Meu pai diz que eu sou mau que ele é o expert nesse departamento, então eu acho que estou perfeitamente justificado em estar preocupado, e Fleur, isso está começando a beirar toques impróprios aqui, o que você está fazendo? Pare! – ele agarrou sua mão, que esteve se movendo para baixo. - Você não ouviu nenhuma parte do que eu acabei de te contar?
- Certamente, eu ouvi.
Ele sacudiu a cabeça.
- É como falar com uma parede – ele disse, para ninguém em particular. – Só que você consegue mais atenção de uma parede.
Ela cruzou os braços e olhou para ele, mordendo seu lábio no que parecia ser meditação ou inquietação, ele não tinha certeza. Ela era extremamente bonita; na verdade, provavelmente, a garota mais bonita que ele já tinha visto. Bonita num modo inteiramente diferente de Hermione, que era bonita no brilho da sua personalidade e inteligência que ela demonstrava em tudo que fazia.
- Você está me dizendo não? – ela disse.
Ele apertou os olhos.
- Eu estou te dizendo... – ele começou, e depois parou. Ele teve um estranho ímpeto de rir, mas o reprimiu. – Esqueça isso. Nada disso importa de qualquer modo.
- Então o que você quer que eu faça?
Agora ele sorriu.
- Bem, se você vai sentar aí assim, o mínimo que você poderia fazer por mim é rebolar um pouquinho.
Ela lançou um olhar cortante.
- Você está brincando?
- Não tenho certeza.
- Vamos descobrir - ela disse, se inclinando para beijá-lo.
Primeiro, o beijo aterrissou meio desajeitado no lado da boca dele, então ele pegou os ombros dela para colocá-la numa posição melhor. Ele se sentou um pouco mais para frente, se inclinando para o beijo, deslizando suas mãos pelos cachos de seda do cabelo dela –a boca dela estava fria, e tinha gosto de limão – e ele estava apenas começando a aproveitar quando um barulho explosivo e trovejante passou pela clareira.
Ele se lançou para longe de Fleur, que, desequilibrada, caiu para o lado, aterrissando em seus joelhos.
- Ooof – ela disse, irritadamente. - O que há com você?
Mas Draco estava olhando para trás dela, na direção da ponte em forma de dragão que arqueava sobre a lagoa agora seca. Um pedaço grosso do parapeito de ferro havia, sem razão aparente, se rompido e caído de lado, aterrissando em um monte de metal retorcido no chão enlameado. Era esse o barulho que ele havia escutado.
- O que...? – ele começou.
- Oh – disse Fleur, seguindo o olhar dele. - Sim, isso é porque nós dois somos Magids, sabe? Quando emoções são geradas entre nós como isso... – ela fez um gesto muito expressivo, muito francês com as mãos – Boom!
- Boom? – disse Draco, fitando-a em descrença. – Eu beijar você causa um tipo de... raio mortal... e tudo o que você consegue dizer é “boom”?
Ela deu risadinhas.
- Também é porque nós dois somos parte veela. É uma combinação muito pouco comum, você sabe. Eu acho que nós deveríamos aproveitar isso ao máximo – ela piscou para ele. – Isso poderia ser muito, muito divertido.
- Fleur, – ele disse, se sentindo repentinamente aborrecido – quando eu penso em mim mesmo fazendo algo muito, muito divertido, normalmente não termina comigo muito, muito morto. O que eu acho que é o que vai acontecer aqui, então eu lamento, mas eu vou ter que continuar lhe devendo um favor.
Ela sorriu de lado.
- Não necessariamente – ela disse.
Ele olhou para ela.
- O que você quer dizer?
- Há – ela disse – outra coisa que você poderia me dar...
******
Quando Lupin entrou na biblioteca, ele encontrou Rony e Hermione sentados à escrivaninha, com livros até as orelhas. Hermione havia designado a Rony a tarefa de pesquisar a história de Salazar Slytherin. A cabeça vermelha dele aparecia acima de uma pilha de livros com títulos como Slytherin Através dos Tempos, Bruxos Negros do Mal e as Coisas Más que Fizeram, o Guia para Senhores do Mal, e Planos Realmente Astutos: Um Panorama, do próprio Salazar Slytherin.
Hermione mesma estava cercada por livros com títulos como: Contra-Feitiços: Um Comentário, Poções do Amor: Lenda ou Realidade, e Feitiços Reversos Rápidos: Quando Você foi Realmente Atingido e Precisa de Um Rápido Concerto.
Hermione estava olhando monotonamente para Rony.
- Encontrou algo?
- Nada – disse Rony, detrás dos livros – Na verdade, um bocado de nada, coberto com ‘não dou a mínima’ e recheado de coisa alguma. Você?
- Nada útil. - ela virou seu olhar para Lupin enquanto a porta se fechava atrás dele e disse – Onde está Sirius?
- Olá para você também – disse Lupin, chegando perto para olhar a pilha de livros na escrivaninha. - Ele está com Harry.
- Desculpe, Professor – disse Hermione, com um sorriso fraco. – E desculpe por bagunçar a biblioteca... – ela fez um gesto extenso com uma mão, indicando a bagunça que ela e Rony haviam feito, e quase derrubou um livro da mesa enquanto o fazia.
Lupin o pegou com uma mão.
- Cuidado - ele disse. – Esse é o livro que eu estive tentando traduzir.
Hermione olhou para o livro, e um olhar curioso cruzou seu rosto.
- Deixe-me ver isso – ela disse.
Sem palavras, Lupin o entregou para ela. Ela o abriu, olhou para uma página, e o devolveu.
- Quando Harry chegar aqui – ela disse – mostre-o isso.
Lupin pareceu confuso.
- Mostrar a Harry?
Rony riu desdenhosamente.
- Apenas faça isso – ele disse. – Hermione está com aquele olhar que ela tem quando sabe de algo. Melhor concordar.
- Eu não fico com um olhar - disse Hermione, reclamando.
- Fica sim – disse Rony, e essa esplendorosa troca poderia ter continuado indefinidamente se a porta da biblioteca não tivesse sido aberta naquele momento, permitindo a entrada de Sirius, e com ele, Harry.
Hermione olhou furtivamente para Harry por cima do seu livro. Eu não acredito que fui reduzida a isso, ela pensou tristemente, ocultando olhares ao meu próprio namorado e esperando que ele não perceba. Ele parecia, como Rony havia dito que estava, perfeitamente saudável, mas cansado: ele estava um pouco pálido, e parecia amarrotado, provavelmente por ter acabado de acordar. Ele deu um aceno geral com a cabeça na direção de Hermione, Rony, e Lupin, e voltou a olhar para a janela.
- Sirius – disse Rony, abaixando o livro que esteve lendo. – O que aconteceu com o demônio?
- Está na masmorra, em coma em uma das celas – disse Sirius. - Está cercado por proteções – ele olhou para Lupin. – Isso deve segurá-lo até Dumbledore chegar aqui.
- O que você acha que ele queria? – disse Rony.
Foi Harry quem respondeu.
- Aquela maldita espada do Malfoy – ele disse. - Estou quase certo de que é isso que ele queria.
Sirius olhou para ele.
- Como você sabe?
Harry suspirou, e começou a contar a história da visita inicial do demônio. Quando ele havia terminado, Lupin e Sirius trocaram olhares sombrios.
- Eu disse ao Draco que aquilo era mau – disse Lupin, tristemente – Eu disse a ele que aquilo era um objeto possuído. Por que ele achou que tinha que mantê-la consigo?
Rony bufou.
- Dizer ao Malfoy que algo é mau é como dizer ao Duda que algo é feito de caramelo. Isso traz todo o lado primitivo ‘devo ter aquilo’ dele. – Ele captou o olhar de repreensão de Hermione, e o devolveu. – Você não viu a reação dele quando Harry estava dizendo a ele que não deveria trazê-la – ele disse. – Foi assustador.
Lupin olhou para Harry.
- Você disse a ele para não trazer a espada e ele ficou... assustador? – ele disse.
Harry parecia como se quisesse se encolher.
- Houve um certo fator assustador – ele admitiu – Mas ele, na maior parte do tempo, apenas parecia pensar que ela era muito poderosa, e necessária. – ele se virou para Lupin. – Você acha que o demônio queria a espada?
- Difícil dizer – disse Lupin. – Demônios são criaturas estranhas, destinadas a semear discórdia. Mas eles raramente atacam ou matam humanos. Eles são com certeza mais propensos a sugerir barganhas elaboradas. Eles são mais gananciosos que perigosos.
Rony levantou uma sobrancelha.
- Sugerir barganhas, uh?
Hermione olhou para ele.
- O quê?
Rony estava tamborilando os dedos na mesa.
- Bem, se alguém parece adequado para ser o tipo para sair por aí e fazer barganhas com forças das trevas...
- Rony. Você está pulando pra conclusões precipitadas - disse Hermione, um pouco rápido demais.
- Não estou, não – protestou Rony. – Eu dou um pequeno passo, e lá estão as conclusões.
- Fazer barganhas em troca do quê? – disse Hermione, exasperada.
Rony olhou para ela. Assim como Sirius, Lupin, e até Harry, apesar de desviar o olhar rapidamente.
- Bem – disse Rony, formulando o que provavelmente todos eles estavam pensando – Você. Ele lhe tem apaixonada por ele agora. Não é isso que ele sempre quis?
******
Depois de deixar Harry, Narcisa considerou ir procurar Sirius. Ela queria vê-lo, mas parecia para ela que ele tinha muita coisa para lidar naquele momento. A casa está cheia de crianças, ela pensou, virando-se para ir para o andar inferior. Era uma ironia agradável de um modo, já que ela sempre quisera ter mais crianças além de Draco, mas Lúcio havia tornado isso, como muitas outras coisas, impossível. A casa está cheia de crianças, ela pensou novamente, Exceto a minha.
Ela estava preocupada com Draco. Não em pânico, já que ela sabia que ele podia tomar conta de si mesmo. Ele sempre pôde. Mas preocupada. Claro, era um hábito dele sair sozinho quando algo o incomodava. Era o que o estava incomodando que a preocupava.
Alcançando o final das escadas, ela virou à direita e entrou através da sala de desenho até um aposento menor logo depois. Este era um cômodo que sempre havia sido um dos favoritos dela: era muito menor que a maioria dos outros na Mansão, e tinha uma lareira enorme. As paredes eram cobertas por prateleiras de livros; livros normais, não os encantados que só ocupavam espaço na biblioteca de Lúcio. Haviam muitas poltronas estofadas espalhadas pela sala, parecendo gastas, mas muito confortáveis. Narcisa cruzou a sala até uma prateleira de livros, retirou um álbum azul desbotado, e se sentou numa cadeira oposta à lareira. Ela abriu o álbum, mas estava muito escuro para ver, então ela pegou sua varinha e apontou-a para a lareira vazia.
- Incendio! - ela murmurou.
Imediatamente, vívidas chamas vermelho-alaranjadas apareceram, aquecendo a sala e a iluminando. Estava agora claro o bastante para Narcisa ver que, na verdade, ela não estava sozinha na sala. Gina Weasley estava encolhida no sofá, sua cabeça nos braços. Narcisa pegou sua varinha novamente para diminuir o fogo, mas era tarde demais, Gina já estava se sentando, piscando sonolenta. Quando avistou Narcisa, ela corou.
- Desculpe – ela disse, se sentando e alisando o cabelo para trás. – Eu não tive a intenção de cair no sono na sua sala de estar... É que eu estava tão exausta...
- Tudo bem – disse Narcisa, com um sorriso. – Vocês todos devem estar exaustos.
Gina abaixou a cabeça, e seu cabelo caiu para frente cobrindo seu rosto.
- Eu estava me perguntando – ela disse, e parou. – Draco, uh, já voltou?
- Não, ainda não – disse Narcisa, voltando sua atenção para o álbum, que estava cheio de fotografias mágicas. Ela olhou para Gina. – Eu estava apenas olhando algumas fotos antigas... você gostaria de ver?
Gina afastou os cabelos do rosto e sorriu.
- Tem fotos de Draco quando ele era bebê?
- Montes – disse Narcisa.
- Oh, sim – disse Gina fervorosamente, e foi sentar-se perto de Narcisa no sofá.
Narcisa passou pelas fotos mais antigas, que mostravam sua formatura em Hogwarts.
- Esse é Sirius? – Gina perguntou, observando as pessoas ao fundo.
- Sim, é ele – disse Narcisa. – Quando ele tinha dezesseis.
- Nada mau – disse Gina, com o tom de uma expert no assunto.
Não havia fotos de Lúcio ou do casamento deles, mas, como Narcisa havia prometido, havia uma porção de fotos de Draco. Ele havia sido, como Gina havia suspeitado que tivesse sido, um bebê muito fofo. Ela havia visto fotos de Harry quando ele era bebê. Ele havia sido extremamente gordo e de aparência raivosa. O que também era adorável a seu modo, mas Draco havia sido realmente a caricatura de um perfeito bebê, com grandes olhos cinza-azulados e cabelos prateados que se levantavam em topetes selvagens ao redor de sua cabeça.
- Awww – disse Gina, se derretendo.
- Eu deveria perguntar – disse uma voz da porta – o que vocês duas estão fazendo?
Era Draco, a versão adulta, olhando para elas com sobrancelhas levantadas. Ele estava ensopado, e havia lama em suas botas e na parte de trás de sua jaqueta, como se ele tivesse deitado no chão. Quando molhado, seu cabelo prateado era quase branco, uma forma incolor de não-cor. Seus olhos contraíram-se enquanto ele olhava de sua mãe, para Gina, e de volta novamente.
- Olá, querido – disse Narcisa, parecendo levemente culpada. – Nós estávamos apenas olhando as suas fotos de bebê.
- Fotos de bebê – disse Draco, sem emoção, e sacudiu a cabeça. - Bem, se isso não é a cereja da crueldade no topo do sundae de desgraças que tem sido o meu dia até agora, eu não sei o que é. Agora, se vocês me dão licença, eu vou procurar umas roupas secas.
- Oh, querido – murmurou Narcisa, assim que ele se virou e saiu. Depois ela olhou de lado para Gina. - Oh, vá em frente – ela disse, gentilmente. – Vá atrás dele. – ela sorriu. – Antes você do que eu.
Gina não precisou ser avisada duas vezes. Ela se levantou rapidamente e correu para fora da sala, alcançando Draco perto das escadas.
- Malfoy – ela chamou. – Espere um minuto.
Ele parou ao pé das escadas, virou-se, e olhou para ela.
- O quê? – ele disse, meio que desagradavelmente. – Você quer que eu deite, pra que você possa me chutar nas costelas de novo?
Gina sacudiu a cabeça.
- Você está um pouco atrasado – ela disse gentilmente, e foi até ele na escada. Era estranho que ele estivesse tão molhado, Gina pensou, não estava chovendo tão forte lá fora. Ele deve ter ficado lá fora por um bom tempo. Ela abriu a boca para dizer algo sobre não ter senso o bastante para sair da chuva, mas a fechou rapidamente ao olhar no rosto de Draco.
– Espere um pouco – ela disse, soltando o cardigã que estava vestindo ao redor da cintura. Ela o levantou e com um jeito de irmã, começou a secar o rosto e o cabelo dele com isso. Ele olhou para ela desconfiado rapidamente, mas passou pela experiência com razoável dignidade. – A propósito, onde você esteve? – ela perguntou.
- Por aí – ele disse.
- Você não parece muito feliz – ela disse.
- Eu não estou – ele disse – Eu estou molhado, estou com frio, tenho lama na parte de trás da minha camisa, e eu estou quase certo que alguém bastante sórdido me quer morto.
Os olhos de Gina se arregalaram.
- O que você vai fazer? – ela disse.
- Morrer, eu acho – ele disse, parecendo pensativo. – Nos próximos dois dias, provavelmente. Bem, eu suponho que eu fui avisado com certa antecedência, mais do que a maioria das pessoas. Normalmente é só: ‘Olha o ônibus!’ ‘Que ônibus?’ ‘Splat’’
- Isso não é engraçado!
- Eu achei que fosse.
- Bem, não foi. Ao contrario do que você possa pensar, eu não te quero morto.
Ele levantou uma sobrancelha para ela.
- Hermione nos contou – ela disse. – Sobre a poção do amor.
- Por quê?
Ela estava chocada pela veemência dele.
- Harry nos ouviu conversando – ela disse. – Eu acredito que ela realmente não teve escolha.
- Harry – ele disse, pressionando a palma de sua mão contra a testa como se ele tivesse uma dor de cabeça. – E todo mundo também? Sirius? – ele adicionou, soando um pouco esperançoso.
- Bem, todos nós. Mas nós sabemos que não é sua culpa...
- O que o seu irmão diz?
O rosto de Gina caiu.
- Foi o que eu pensei – disse Draco. – E Harry?
Gina mordeu o lábio.
- Ele não está...
- Não está com humor para se juntar os seus amiguinhos, eu imagino? – disse Draco, levemente. – A não ser que a união envolva um tubo de supercola e um hamster enraivecido?
- Na verdade ele não... – ela começou, e parou, sacudindo a cabeça. – Fale com ele você mesmo – ela disse. – Eu acho que eles estão na biblioteca.
- Tá bom – disse Draco, sem se mover. – Eu irei.
- Lamento por ter chutado você – ela disse, rapidamente. – Eu não sabia sobre a poção, e eu pensei...
Ele piscou, surpreso. Ela pôde sentir, com suas mãos nos ombros dele, que ele estava tremendo muito levemente de frio.
- Você lamenta? – ele disse. – Ou você lamenta por mim?
Quando Gina não respondeu, ele virou a cabeça para olhá-la. Ela começou a se afastar, sentindo-se embaraçada, mas ele pegou sua mão esquerda, a que não estava segurando o cardigã, e a levantou, roçando a boca contra as costas dos dedos dela tão rapidamente e levemente que se ela tivesse piscado, não teria percebido.
- Obrigado – ele disse, soltando a mão dela e se virando para ir.
- Pelo quê? – ela olhou pra ele, confusa, enquanto ele se subia as escadas. – Pelo quê?
Mas ele já estava fora da linha de audição.
******
- Draco não faria isso – disse Hermione, decidida.
Rony se virou para ela.
- Você está brincando? – ele disse rapidamente. – É sobre o Malfoy que estamos falando aqui. Ele faria isso com certeza. Ele foi construído para fazer isso. Ele é o Cara Que Faz Isso!
Sirius interrompeu.
- Eu concordo com Hermione – ele disse. – Ele não faria isso. Ele é muito orgulhoso. Amor induzido não é algo que iria atraí-lo.
- Não normalmente, talvez. – disse Lupin, parecendo grave. – Mas como eu disse a ele, aquela espada é uma coisa viva, tem sua própria inteligência maligna. Contato prolongado com ela poderia deformar a mente e a personalidade de seu possuidor, forçá-lo a fazer coisas que não faria normalmente. Torná-lo um perigo... para ele mesmo e outras pessoas ao seu redor.
Hermione sacudiu a cabeça.
- Não é de um mesquinho de baixo nível que estamos falando – ela disse, calmamente. – Ele não colocaria nossas vidas em perigo, eu realmente acredito nisso.
- Lamento, Mione – disse Rony, gentilmente. – Mas já que você está apaixonada por aquele cara, você não é a mais imparcial pra julgar o caráter dele. Não é sua culpa, mas é assim.
Hermione concordou e ficou em silêncio, parecendo furiosa.
- Na verdade – acrescentou Rony, os olhos escuros – e se ele fez algum tipo de... de pacto com Slytherin? Ele se juntou a ele, ofereceu algo, e em retorno, conseguiu Hermione. Ela nem iria saber. Faz sentido que ele ofereceria algo assim ao Malfoy... O Malfoy não estaria interessado em dinheiro, ou poder mágico, mas isso é algo que ele não conseguiria ter por si só. Slytherin provavelmente tem seu próprio exercitozinho de demônios, então ele mandou um deles pra fazer uma visita a domicílio ao Malfoy, mas ao invés disso ele encontrou a mim e Harry...
Hermione olhou desesperadamente dos rostos sérios de Lupin e Sirius para Harry, que estava parecendo chocado.
- Harry – ela disse, e ao som da voz dela dizendo seu nome, ele pulou levemente, e virou–se para ela. – Você não acredita nisso, acredita?
- Eu não sei – disse Harry vagarosamente. – Eu não sei no que acreditar...
- Talvez vocês devessem me perguntar – disse uma voz baixa e tranqüila da entrada. – Ou vocês não querem saber o que o Cara Que Faz Isso tem a dizer em sua defesa?
Era Draco.
Ele permaneceu na entrada, encostado contra o batente de um modo relaxado –, mas Hermione percebeu, pela tensão nos ombros dele, que ele estava longe de estar relaxado.
Harry abaixou as mãos e olhou para Draco.
- Há quanto tempo você tem estado em pé aí, Malfoy?
- O bastante – disse Draco casualmente. – Eu posso ser um poço de sangue frio, mas eu tenho um timing impecável.
- Draco... – Hermione começou, indo pra frente.
Rony pegou o braço dela.
- Vamos ouvir o que ele tem a dizer em sua defesa, Hermione – ele disse.
Todos os olhos no aposento viraram-se para Draco. Ele não se moveu, não mudou sua expressão, mas seus olhos prateados faiscaram raivosamente.
- Eu não tenho nada a dizer – ele rosnou. – Exceto que se vocês acham que eu venderia minha alma por isso, vocês têm muito menos imaginação do que eu lhes dava crédito.
- É preciso muita imaginação pra te dar crédito de ter uma alma em primeiro lugar, Malfoy – disse Rony.
Por um breve momento, Draco quase pareceu como se estivesse prestes a rir.
- Você ficaria surpreso – ele disse.
- Draco – disse Sirius, se inclinando para frente na escrivaninha, sua voz baixa tensa. – Você tem que nos contar o que está acontecendo. Harry nos contou coisas muito perturbadoras, e nós precisamos saber que...
- Você não é meu pai – disse Draco em um tom frio, olhando para Sirius. – Eu não tenho que te dizer nada. O que é que você acha que precisa saber? Que eu não sou perigoso? Bem, eu não posso te prometer isso, especialmente se...
- Ninguém acha que você vendeu sua alma – interrompeu Lupin, contornando a escrivaninha e se aproximando de Draco com cautela, como se ele fosse uma bomba que poderia explodir. – Você está sendo melodramático. Nós tememos por você, não...
- Cale a boca, lobisomem. – disse Draco, imparcialmente. – E não venha para perto de mim.
Hermione viu com o coração partido o quão enraivecido ele estava. Ela não sabia exatamente o porquê, mas essa não era a primeira vez que ela havia dado de cara com o orgulho dele numa situação em que ele se sentiu levado a se defender. Ela tentou capturar o olhar dele do outro lado da sala, mas ele não estava olhando para ela; ele estava olhando para Harry. E Harry estava olhando para ele, com um estranho tipo de olhar vago, o qual ela não conseguia ler totalmente.
- Malfoy – ele disse, finalmente. – Se realmente não há nada errado com você, então nos dê a espada. – Ele estendeu uma mão. – Entregue-a para mim.
Draco deu um passo pra trás.
- Foda-se, Potter – ele disse, e virou-se como se fosse sair rapidamente do aposento. Mas Lupin, que podia se mover muito, muito rápido quando necessário, bloqueou seu caminho.
- Você não vai a lugar nenhum – ele disse, e esticou seu braço para pegar o braço de Draco.
Draco, tentando livrar seu braço das mãos de Lupin, virou-se de lado, quase colidindo com Lupin enquanto o fazia.
Lupin deu um grito de repente, como se sentisse uma dor extrema. Ele caiu para trás, tropeçando, e aterrissou no chão.
Draco recuou para longe dele, com o rosto branco, segurando o braço dele e olhando com os olhos arregalados, com uma expressão que poderia ser surpresa, ou horror, ou culpa.
- Malfoy…!!! – disse Harry.
E Draco se virou e saiu do aposento, sem se importar em bater a porta atrás dele.
Sirius, que havia caído de joelhos no chão próximo a Lupin, olhou de modo selvagem para Rony, Harry e Hermione.
- Vão atrás dele! – ele gritou.
Eles não precisaram ser avisados duas vezes. Fervorosamente, os três saíram da biblioteca para o corredor.
Que estava vazio.
Harry olhou para um lado e para o outro do corredor brevemente, e disse:
- Vamos nos dividir. Vão, vocês dois – e foi pela direita. Hermione e Rony seguiram pela esquerda, mas em caminhos separados no fim do corredor, Rony correndo descendo as escadas enquanto Hermione virou à direita, antes que ela parasse de repente e pensasse: O que eu estou fazendo? Eu sou tão idiota!
E pegou o Feitiço Essencial ao redor do seu pescoço.
******
- Sai, Sirius. Eu estou bem – disse Lupin irritado, empurrando as mãos de seu amigo pra longe enquanto se empenhava para sentar. Ele se recostou contra a prateleira de livros, colocando seu braço direito contra o peito. – Eu estou bem! – ele repetiu, com ênfase.
- O que aconteceu? – Sirius exigiu. – O que ele te fez?
Os olhos de Lupin se arregalaram.
- Draco? Ele não me fez nada.
- Bem, pareceu que sim. Você o agarrou, e depois você gritou e caiu. Ele te golpeou? Pareceu que ele nem se moveu.
- Não, ele não me golpeou, ele nem ao menos me tocou – disse Lupin. – Foi aquilo.
E ele apontou para um objeto sobre o chão a poucos metros de distância que emitia um fraco reflexo prateado.
- Ele devia ter isso no bolso – disse Lupin pensativo.
Sirius olhou desconfiado.
- O que é isso? É perigoso?
- Não para você – disse Lupin. – Vá em frente. Pegue-o.
Parecendo em dúvida, Sirius apanhou o objeto reluzente e o segurou na direção da luz. Era o pingente de prata que Slytherin havia arremessado para Draco, que havia agido como uma Chave de Portal, porém não havia como Sirius saber disso. Ele olhou para a forma singular do objeto – quase um X em diagonal, quase, mas não completamente uma cruz.
Ele voltou até Lupin, que ainda estava sentado no chão, segurando seu braço. Sirius se ajoelhou perto dele, segurando o X prateado para ele, mas Lupin sacudiu a cabeça.
- Eu não posso tocar isso. – ele disse.
- Por que não?
- É um Licanto – disse Lupin. – Mágica antiga. Proteção contra lobisomens.
- Eu pensei que fosse um crucifixo – disse Sirius, parecendo desconfiado. –Crucifixos não te incomodam, certo?
Lupin pareceu ofendido.
- Eu sou um lobisomem, não um vampiro – ele falou bruscamente. – É um Licanto, como eu disse. Não um crucifixo. Totalmente diferente. Magia muito, muito antiga.
- Formato estranho – disse Sirius, virando-o em suas mãos.
- Na verdade, não – disse Lupin, e deu um engraçado meio-sorriso. – Digamos que você esteja andando pela floresta à noite – ele disse. – Sozinho. Nenhuma ajuda à vista, e você não tem uma varinha. Então um lobo pula da escuridão, direto até sua garganta. O que você faz?
Sem pensar, Sirius levantou os braços: um cruzando sua garganta e o outro cruzando o outro, protegendo seu rosto. Fazendo um X na diagonal.
- Certo – disse Lupin. – Licanto. Mágica antiga. Como eu disse.
Sirius piscou e abaixou os braços.
- A questão é – refletiu Lupin - por que Draco iria ter algo como isso? Eles eram comuns centenas de anos atrás, quando lobisomens eram um problema, mas agora...
Ele parou quando a porta da biblioteca se abriu. Sirius pulou de pé e se virou, obviamente esperando que Harry, Hermione e Rony houvessem conseguido trazer Draco, mas era Narcisa.
Ela estava muito pálida.
- Sirius... – ela disse, incerta. Ela estava segurando duas cartas nas mãos: uma, amarrada com uma fita verde e cinza; que Sirius soube imediatamente, que era a resposta de Snape. A outra ela já tinha aberto, e estava segurando desdobrada em sua mão direita trêmula. Sirius podia ver, mesmo do outro lado da sala, que era um pedaço de papel com aparência oficial, e estava margeada com preto. – Sirius – ela disse novamente. – É Dumbledore... Ele e Fudge estavam a caminho daqui e foram atacados... dementadores... oh Sirius, eu sinto muito...
******
Draco, que havia descido uma escada pouco usada que ele tinha certeza que os outros não conheciam, emergiu no jardim, e começou a ir em direção ao portão onde dele havia deixado sua vassoura. Ele estava na metade do caminho, não correndo, mas andando rapidamente, quando ele ouviu passos no caminho atrás dele.
Harry, ele pensou. Ele não poderia dizer como, mas por alguma razão, estava certo de que era Harry. Fazia sentido, não fazia, que Harry viesse atrás dele, afinal de contas, Harry sabia. Ele diminuiu o ritmo para uma caminhada.
- É como você disse, Potter – ele disse, sem se virar. – Eu estou fugindo. Não dá certo se você vier comigo.
Houve um pequeno silêncio, e os passos atrás dele ficaram mais lentos. Então, ele ouviu uma voz dizer:
- Draco, sou eu.
Ele se virou, e viu Hermione, e sentiu algo que ele nunca havia esperado que pudesse sentir ao vê-la. Mas lá estava.
Desapontamento.
Isso atravessou por dentro dele como uma ponta de aço afiada, e fez sua voz ficar áspera quando ele falou.
- Você não deveria ter vindo atrás de mim – ele disse.
- Onde você está indo? – ela exigiu. – Para onde você pensa que pode correr?
- Eu estava muito concentrado em ‘pra longe’, e imaginando que iria preencher o resto mais tarde.
- Isso vem do cara que diz que Grifinórios não sabem planejar? – Hermione pôs suas mãos nos quadris e olhou para ele. – Você não pode ir – ela disse. – Esta é a sua casa, onde você pertence. Onde mais você encontrará pessoas que podem te ajudar?
- Talvez eu não queira ajuda – ele disse, sabendo que soava como se ele tivesse sete anos, mas incapaz de evitar.
- Talvez isso apenas prove que você precisa de ajuda – ela disse.
- E você está completamente imparcial, mesmo que eu fique aqui ou vá embora, eu suponho?
- Deus, você soa exatamente como Rony – ela disse, soando mais surpresa do que crítica. – Claro que eu não estou imparcial. Mas eu estaria te dizendo isso mesmo se... mesmo se eu não estivesse apaixonada por você.
- Você não está apaixonada por mim – ele falou bruscamente. – Isso é apenas um feitiço. Um feitiço que te faz pensar que se importa comigo. Mas isso não é verdade.
Hermione pareceu como se ele houvesse batido nela.
- Não diga isso. Eu ainda sou sua amiga.
- É por isso que você veio me procurar? Amizade?
- Eu não sou a única que veio correndo atrás de você! – ela disse bruscamente. – Todo mundo está preocupado...
- Então onde estão eles?
- Procurando por você! – ela gritou. – Mas eles não sabem pra onde você foi, idiota. Eu sou a única que pode te encontrar, por causa disso... – e ela mostrou o Feitiço Essencial, em sua fina corrente de ouro, segurando-o entre eles. – Eu sempre sei onde você está – ela disse. – Eu não tenho escolha sobre isso, nem você.
- Por que você deveria ter uma escolha? – ele quase gritou. – Eu não tenho! Eu não tenho uma escolha sobre minha família ou minha vida ou meu destino, isso se eu realmente tenho um. E eu não tenho escolha sobre te amar, embora eu ache pessoalmente que você foi posta nesse mundo para me causar dor. Digo, eu sei que não sou uma pessoa legal, mas eu bati numa carreta cheia de freiras numa vida passada, ou o quê?
Hermione respirou estremecendo.
- Quando eu descobrir como tirar esse feitiço, se há algum modo de reverter amor, ou mudá-lo, você quer que eu o use em você, também? Então você não irá...
- Então eu não irei mais amar você? – ele estava olhando para ela em absoluta descrença. – Deus, essa é a coisa mais estúpida que eu já ouvi. Isso... isso nem é você – ele disse. - Isso não é como você é. Aquela poção está lhe transformando em outra pessoa. - ele riu, de uma maneira não prazerosa. – Isso é irônico, não é? O você que eu amo ama Harry. Esse você... esse é alguém que eu nem conheço. – Ele olhou para ela, e algo na expressão do rosto dela fez sua voz abrandar levemente. – Deixa pra lá. – ele disse. - Não é sua culpa.
- Eu apenas pensei...
- Esqueça – ele disse, andou até ela, e colocou as mãos sobre seus ombros. Ela mordeu o lábio. Ela sabia perfeitamente bem que se ele fosse beijá-la, ela o beijaria de volta. Ela havia sempre se orgulhado do seu autocontrole, e agora, não ter nenhum era mais assustador para ela do que estar repentinamente cega, ou surda. Ela odiava isso e, em algum lugar sob o amor induzido pela poção, ela podia dizer que estava começando a odiá-lo também, pelo que ele podia fazer a ela.
Ele a puxou em sua direção, e pôs seus braços em volta dela, mas não fez nenhum movimento para beijá-la. Apenas a segurou lá, seu rosto no cabelo dela, suas mãos fechadas em punhos contra as costas dela. Era um abraço muito desajeitado, a primeira coisa realmente desajeitada que ela havia visto ele fazer, como se ele nunca tivesse abraçado alguém antes. Talvez ele não tivesse. No momento em que ela levantou as próprias mãos - para abraçá-lo ou empurrá-lo, ela não tinha certeza - os braços dele ficaram rígidos e ele a empurrou para longe dele. Ela sentiu uma dor aguda e repentina atrás de seu pescoço, viu rapidamente um lampejo de ouro enquanto ele deu um passo para longe dela, e avistou o Feitiço Essencial brilhando na mão dele. Ele o tinha arrancado do pescoço dela.
- Agora você não pode me achar – ele disse.
- Seu idiota – ela exclamou, e foi na direção dele, agarrando sua manga e a apertando fortemente. Ela aumentou a voz, e gritou - Harry! Rony! Estamos aqui! Harry! Qualquer um!
- Hermione, cala a boca! – ele exclamou, tentando livrar seu braço de seu aperto, mas ela o segurou com determinação. – Me larga.
- Não. – ela disse.
Ele olhou para ela.
- Me desculpe, então. – Ele disse, e levantou a mão, o Feitiço na corrente em volta de seus dedos, e os apontou para ela – Me desculpe, Hermione – ele repetiu. –Estupefaça!
Ela nem mesmo teve a chance de parecer surpresa, apenas caiu de costas, inconsciente, na grama. Ele quis se abaixar próximo a ela, ter certeza de que ela estava bem, mas houve o som repentino de passos correndo pelo cascalho, e ele olhou para cima, vendo Gina, no caminho, olhando de um para o outro.
- Você a deixou inconsciente? – ela disse, parecendo completamente pasma – Draco, por que diabos...?
- Foi preciso – ele disse brevemente, e começou a andar costas na direção da parede, tateando atrás dele pela sua vassoura. O som de mais pés correndo era audível agora. Harry e Rony, ele pensou, e suas mãos se fecharam em torno de sua Firebolt. Ele montou, e olhou novamente para Gina, em pé perto de Hermione no chão molhado. – Quando ela acordar, diga... – Draco começou, e sentiu sua garganta fechar repentinamente. Gina estava olhando para ele, sua expressão ilegível à meia-luz. - Ah, esquece! – ele terminou monotonamente. – Pense em algo legal. Diga a ela que eu falei.
E com isso, ele deu um pontapé, inclinando-se para frente para segurar sua Firebolt fortemente, elevando-se rapidamente, sumindo no céu noturno.
******
Havia iluminação suficiente na cela para que Lúcio Malfoy visse o círculo que ele havia desenhado no chão com seu sangue. Eles não permitiram, obviamente, deixar que ele possuísse uma varinha; ele teve de morder uma das veias em seu pulso, aberta com seus próprios dentes para ter o que precisava. Mas isso estava distante da pior coisa que ele já havia sido forçado a fazer.
Movendo-se cautelosamente, ele sentou-se no centro do círculo, arrumando suas vestes cuidadosamente à sua volta. Depois ele pôs suas mãos na sua frente, na mão esquerda, o Feitiço Essencial de seu filho pendurado frouxamente, seu opaco brilho dourado na luz tênue.
- Vocatio – ele sussurrou, e parou. Ele ainda se lembrava de como fazer isso? Sim. Sim, claro que ele se lembrava. – Vocatio – ele começou novamente, as palavras do feitiço Convocador vindo mais facilmente para ele agora: Mestre, eu tenho algo para você...
(Continua...)
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