Capítulo 7



A impressão de Harry, ao acordar na manhã de segunda-feira, foi de que tinha acabado de se deitar. Novamente ele tinha praticado oclumência antes de dormir, e, por isso, mais uma vez ele dormiu pesado, sem sonhos nem pesadelos, apenas descansando o corpo e a cabeça. Foi despertado por Hermione, que entrou no quarto onde ele e Ron dormiam, apressando os dois para que partissem logo. Como a bagagem já estava pronta, em poucos minutos os três estavam sentados na mesa da cozinha com Lupin e Tonks, tomando um café da manhã reforçado.

Era pouco mais de oito da manhã quando eles viajaram pela rede de Flu até o Caldeirão Furado e, de lá, pegaram um taxi até a estação de King’s Cross. Enquanto Hermione comprava as passagens, Harry pensou em como era estranha aquela situação. Pegar o trem na plataforma dois, em vez de na 9 e ¾. Estar de jeans e camiseta, em vez do uniforme de Hogwarts. Carregar uma mochila, no lugar do malão. Estar indo em direção ao seu passado, e não para o próximo ano da escola.

O trem, bem diferente do Expresso de Hogwarts, era dominado por um silêncio formal, pesado. Com medo de incomodar os outros passageiros, ninguém conversava. Apenas um bebê no colo da mãe fazia manha e choramingava de tempos em tempos, sob os olhares impacientes dos assentos vizinhos. Harry, Lupin, Tonks, Hermione e Ron sentaram-se em uma cabine onde um senhor de cabelos grisalhos com uma pasta de couro no colo lia o Financial Times, e, tentando comportar-se como os trouxas, também falaram pouco durante a viagem.

A estação de Godric Hollow era um pouco deprimente. As paredes de pedra aparente, o chão de cimento polido e os móveis de madeira escura davam ao lugar um frio aspecto de prisão. Do alto, por alguns vitrais desbotados, entrava uma luz amarelada, que deixava toda a iluminação em um nostálgico tom de sépia. Ela parecia saída diretamente de um filme dos anos 20.

Na rua em frente à estação, a arquitetura típica do começo do século convivia com as modernas placas e os luminosos do comércio local. Algumas quadras a frente havia uma grande praça cercada por árvores altas, e no centro dela, um chafariz desligado acumulava lodo no fundo. No sol do meio-dia, grupos de idosos se juntavam em torno de mesinhas de ferro para longas partidas de dominó, e um cachorro brincava na grama. Erguendo-se por trás da copa das árvores, o edifício claro do hotel onde eles se hospedariam se destacava na paisagem.

Hermione se apressou em fazer o check in do grupo, e logo eles se separaram no longo corredor do segundo andar, Tonks e Lupin para um quarto, Harry, Ron e Hermione para outro. No quarto dos garotos, a decoração era simples, com uma cama e uma beliche encostadas às paredes. Entre elas havia uma cômoda, onde ficava uma pequena TV e o telefone, e na parede oposta, um guarda-roupas de duas portas. As colchas, listradas de verde e branco, combinavam com a pintura da parede, branca com um pequeno barrado de folhas verdes perto do teto. No corredor, um pequeno recuo na parede acomodava um frigobar, e uma porta dava acesso ao banheiro, onde um descascado na pintura branca do interior do box mostrava que os azulejos um dia haviam sido azuis.

Harry estava deitado na parte de cima da beliche e Hermione pendurava os cabides no guarda-roupas quando o telefone tocou. Depois de ficar alguns momentos olhando para o aparelho, indeciso se atendia ou não, Ron finalmente tirou o fone do gancho, sob os olhares divertidos de Harry e Hermione.

- Oi! Oi! Alô!... Ah, tá... – e tampando o bocal com a mão, ele avisou - É alguém da recepção. Eles falaram que vão passar para o Lupin. E agora, eu espero até levarem o aparelho lá pra ele?... Hã?! Oi, oi, espera aí, não tô te ouvindo, espera um pouco! – ele gritava, acenando impaciente pedindo silêncio para Hermione e Harry, que gargalhavam alto – Tá! Tá bom, já vamos descer! A gente se encontra lá em baixo! Tchau! – e desligou aliviado.

- E aí? – Harry perguntou, ainda rindo do amigo.

- O Lupin falou pra gente sair pra comer alguma coisa. Ele vai nos esperar na porta do hotel, em cinco minutos.

- E qual é a sensação de ter conseguido usar o telefone pela primeira vez, Ron? – zombou Hermione.

- Não enche, vai! Queria ver se você, enquanto era trouxa, fosse obrigada a mexer em um bisbilhoscópio. Você acha que ia se sair muito melhor do que isso, sabichona? – Ele respondeu, corando. Com certeza Hermione se viraria muito bem. Ela leria as instruções e em um minuto saberia perfeitamente como o bisbilhoscópio funcionava. Mas ele não ia admitir isso agora.

Os três desceram os dois lances de escada até o térreo e alcançaram Tonks e Lupin na porta da rua. Durante o almoço, em um restaurante caseiro, cujo tempero lembrava incrivelmente o da Sra. Weasley, Hermione e Harry deram todas as instruções para Tonks, Lupin e Ron se passarem por trouxas na biblioteca da cidade, e assim que acabaram de comer, os três foram tirar fotos 3x4 para fazerem a carteirinha, deixando Harry e Hermione sozinhos em um banco na praça, com uma hora e meia sem nada pra fazer até o encontro agendado para as três da tarde com o arquivista do jornal local. Pra passar o tempo, os dois resolveram andar os dois quilômetros que separavam a praça do prédio do jornal.

- Então vamos falar que é pra um trabalho de escola, né? – Hermione checava à exaustão todos os detalhes do plano - De Geografia. Não, não, de História, História é melhor! “Acontecimentos que marcaram a vida da sociedade do interior da Inglaterra no século XX” pode ser o tema, se alguém perguntar. Vamos pedir pra olhar os arquivos, e aí procuramos pela data. Tem que ter alguma coisa. Eu sei que tem. E aí, quando acharmos, a gente pede pra deixarem a gente fazer uma cópia...

Mas a cabeça de Harry abstraía a voz de Hermione e viajava pelo cenário da cidade, pelas grades baixas dos jardins e pelos cruzamentos das ruas, em cada um deles uma pergunta “Será que era aqui? Será que foi nessa rua que eles moraram? Será que foi nessa casa?”. Ele sentia vontade de andar por aquelas ruas dia e noite, sem parar, até encontrar alguma pista. Dumbledore tinha dito que a magia deixava marcas em um lugar, e ele contava com isso pra encontrar a casa certa.

- ... e esconde essa varinha direito, Harry! Não vai dar bandeira agora, heim?!

Já estavam na escadaria do prédio do jornal, quando ele se deu conta de que Hermione continuava falando. Ele seguiu a amiga pelo hall de entrada até um balcão de informações, onde ela se identificou e aguardou alguns momentos até que o segurança liberasse a entrada dos dois. Eles foram guiados por uma escada que descia até um pavimento no subssolo. No final dela, junto a uma porta de vidro, um homem jovem muito magro, que usava óculos de lentes grossas esperava por eles.

- Oi! Você deve ser a Srta. Granger, certo?

- Pode me chamar de Hermione, por favor! E esse é o Harry, meu colega.

- Muito prazer! Thomas Reaper. Encantado!

- O prazer é nosso, Sr. Reaper. – responderam os dois, quase em coro.

- Entrem! Sentem-se, por favor! – disse o homem, apontando para o interior de uma sala fortemente iluminada por uma lâmpada que pendia do teto e três outras luminárias pregadas nas paredes.

O cheiro da sala lembrou Harry do armário debaixo da escada na casa dos Dursley. A falta de janelas explicava a necessidade do enorme aparelho de ar-condicionado, que roncava em um buraco no canto da parede, atrás da mesa do Sr. Reaper. A mesa ficava espremida entre alguns arquivos de metal e uma poltrona de couro, sobre a qual repousavam enormes pilhas de papéis. A sua frente havia uma estante com muitos livros mal-cuidados, e na parede oposta à porta de vidro por onde eles entraram havia uma outra porta, com uma placa que indicava “acesso restrito a funcionários ou pessoal credenciado”.

- Então, Hermione, em que posso ajudar vocês?

- Estamos fazendo um trabalho para o colégio, sobre acontecimentos que marcaram a vida da população do interior da Inglaterra nos últimos anos... Pequenas revoluções locais, disputas de terra, crises na agricultura, esse tipo de coisa, sabe...

- Ah, claro! Em que escola vocês estudam?

- Er... hum... – Hermione fora pega desprevenida. Não pensou neste detalhe.

- Na Smeltings – Harry interrompeu, falando o nome da primeira escola de que lembrara, a de Duda, e imaginando o quanto era improvável que um garoto franzino como ele tivesse conseguido sobreviver por seis anos entre os brutamontes da Smeltings – em Londres.

- Mas vocês vieram de tão longe pra fazer essa pesquisa aqui?

- É que a gente está passando as férias na casa da avó da Mione – Harry pensava rápido em uma história convincente – e resolvemos adiantar este trabalho para o próximo semestre...

- É! Pra não acumular muitas coisas durante o período letivo. Sabe como é, né, muitas provas, muitos livros pra ler... além disso, já que estamos no interior, é melhor irmos adiantando essa parte... – Hermione parecia ter recuperado o fôlego e emendou sua história na de Harry.

- Na minha época, férias era tempo só de brincar. Imagina se eu ia deixar de aproveitar esse dia maravilhoso pra ficar trancado numa sala fazendo pesquisa?! É até pecado!

- Bom, a Mione é realmente um pouco neurótica com essa coisa de estudos, mas como eu dependo dela pra passar na maioria das matérias, achei melhor não contrariar dessa vez... – explicou-se Harry, e reparou que Hermione olhava torto pra ele na cadeira ao lado.

- Hahahahaha... Mulheres... Nós sempre acabamos fazendo as vontades delas, não é mesmo? Mas o que exatamente vocês precisam?

- Na verdade a gente não teve ainda nenhuma idéia sobre o que escrever... mas talvez se a gente pudesse dar uma olhada pelos arquivos, dar uma lida nas manchetes... quem sabe a gente não pensa em alguma coisa...

- Olha, os arquivos do jornal são uma área restrita. Não posso deixar vocês soltos por aí. Não é coisa minha, é regra da redação, sabe... Uma vez vieram uns estudantes e fizeram muita bagunça aqui dentro, depois disso ficou tudo burocrático. As consultas só são permitidas se tiver alguém do jornal pra acompanhar vocês.

- E tem alguém? – Harry começava a ficar ansioso com a possibilidade de dar tudo errado.

- Nâo... Nessa época de férias, como o movimento aqui diminui muito, normalmente eu dispenso meu contínuo... E ele é quem fazia esse papel de acompanhar os estudantes... Coitado, mal sabe o trabalho que vai ter quando voltar. – ele disse com a voz desanimada, apontando a pilha que balançava perigosamente em cima da poltrona – acabamos de receber esses documentos do arquivo morto da prefeitura pra guardar aqui, não vejo a hora de ele voltar e tirar tudo isso daqui! Infelizmente, só em setembro...

- Sr. Reaper, e se a gente trabalhar para o senhor? – sugeriu Hermione.

- Hã? – Sr. Reaper parecia tão confuso quanto Harry, que olhava assustado para a amiga, sem entender onde ela queria chegar.

- Como um estágio de verão, sabe? A gente te ajuda a arquivar estes materiais e, quem sabe, no meio deles a gente acha alguma coisa que ajude na nossa pesquisa...

- Hum... É, a idéia é boa... Mas não sei se eu consigo levantar verba pra contratar vocês dois...

- Não precisa! Não precisa de remuneração... A gente não está fazendo nada mesmo, está começando a ficar tedioso aqui em Godric Hollow, qualquer coisa que nos mantenha ocupados vai ser bem-vinda!

- Bom, então acho que não tem porque eu recusar essa ajuda... Tudo bem, quando vocês podem começar? Preciso mandar liberarem a entrada de vocês dois e providenciar crachás, pra vocês poderem entrar no arquivo...

- Por mim, podemos começar agora mesmo! – Harry tinha finalmente entendido a intenção de Hermione, e mal via a hora de ter permissão pra ficar o tempo que quiser pesquisando sobre o que aconteceu na noite da morte de seus pais.

- Calma, Harry – o Sr. Reaper parecia se divertir com a ansiedade dos dois para começar a trabalhar em plenas férias - Não precisa ter tanta pressa! Aposto que em três dias você já não vai mais estar tão empolgado assim... De qualquer forma, se vocês estiverem com um tempo livre, eu posso mostrar o prédio pra vocês.

E depois de mais de duas horas subindo escadas, entrando em salas, sendo apresentados a pessoas cujos nomes alguns segundos depois eles não se lembravam mais, vendo processos, aprendendo caminhos e decorando organogramas os dois finalmente foram levados de volta para o balcão de informações na entrada do prédio, onde o Sr. Reaper pediu que o segurança providenciasse o acesso dos dois ao interior do prédio pelos próximos trinta dias, e se despediu, combinando um novo encontro para o dia seguinte de manhã.

Na rua, exaustos, Harry e Hermione decidiram pegar um taxi de volta ao hotel. Não viam a hora de contar para Tonks, Lupin e Ron como tinham conseguido garantir o tempo que precisavam dentro do arquivo do jornal, e queriam saber se para os amigos as coisas haviam corrido tão bem quanto pra eles.

Pra não levantar suspeitas no motorista, os dois quase não conversaram no carro, e, embalado por uma musica melosa que tocava no rádio, Harry sentiu que os olhos começavam a pesar, e se permitiu cochilar pelos poucos minutos que deveria durar o trajeto. Acordou jogado de cara no banco da frente por uma freada brusca.

Enquanto se esforçava pra entender o que estava acontecendo, ele viu, sonolento, que Hermione tinha descido do carro para acalmar uma criança que chorava assustada, enquanto o motorista gritava com um homem que gesticulava da calçada sobre como os pais deveriam aprender a controlar melhor seus filhos, que era um absurdo deixar uma criança correr na rua daquele jeito, que poderia ter acontecido uma tragédia.

Passando os olhos ao redor, tentando descobrir onde estava, ele percebeu que o taxi havia feito um caminho diferente do que eles fizeram a pé, mais cedo. Estavam em uma alameda cercada de pequenas casas residenciais, todas com grandes jardins gramados que brilhavam dourados pelo pôr-do-sol. De uma delas um grande cachorro latia para a confusão da rua. Em outra, uma senhora espiava por cima do muro do quintal a gritaria incomum para a vizinhança calma. E um pouco mais a frente, uma luz se acendeu na janela do segundo andar de um sobrado, mostrando um quarto de menina, com uma cortina rosa e uma prateleira de bonecas no alto da parede oposta. De trás da casa erguia-se um canudo de fumaça que indicava que alguém estava cozinhando o jantar em um tradicional fogão a lenha.

Enquanto olhava a fumaça subindo em espiral, Harry sentiu que seu estômago começava a gelar, seu coração estava disparado e as mãos úmidas de suor. Hermione, que entrara de volta no carro, não conseguiu disfarçar o espanto ao olhar para a cara dele.

- Calma, Harry, já está tudo bem! Ninguém se machucou! Foi só um susto e...

- Foi ali, Mione! – ele sussurrou, enquanto a certeza do que dizia tomava conta da sua mente, uma certeza que dispensava qualquer tipo de provas – Foi naquela casa que eu morei com os meus pais!

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